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criada pela “vulnerabilidade” externa, era indispensável promover a diversificação das estruturas produtivas, vale dizer, buscar o caminho da industrialização. A ativação dos investimentos na indústria se iniciou espontaneamente, pois havia uma demanda contida pelo colapso das importações, e a desvalorização da moeda operava como barreira protecionista. Mas também foi o fruto de ação deliberada do Estado. Assim, o governo do Chile criou a Corporación de Fomento de la Producción, e o do México, a Nacional Financiera, bancos especializados em preparar e em implementar, em cooperação com grupos privados, projetos industriais. No Brasil, o Estado promoveu a instalação de um moderno complexo siderúrgico, e na Argentina foi seguida uma política de estrito controle de câmbio que conduziu à transferência de recursos do setor agrícola para o industrial. Esse processo de industrialização ganhou profundidade no período da guerra, quando se fez ainda mais necessário “substituir importações”. Mas em razão das dificuldades para importar equipamento, havia consciência de que as novas indústrias poderiam desaparecer uma vez normalizadas as correntes do comércio internacional. O grupo de técnicos que veio a constituir o secretariado da Cepal, cujos trabalhos tiveram início nos primeiros dias de 1949, teve que se definir em face da realidade então prevalecente: defender uma industrialização surgida em condições anormais, por muitos considerada “artificial”, de “altos custos”, ou preconizar a volta metódica ao quadro das vantagens comparativas em que se havia fundado o desenvolvimento antes do crash de 1929. A ninguém escapava que a industrialização era uma via de acesso ao desenvolvimento que exigia maior esforço de capitalização do que as formas tradicionais do crescimento, baseadas na inserção nos mercados internacionais mediante a utilização de recursos subutilizados do setor primário. E o maior problema com que se defrontavam os países latino-americanos era a escassez de capitais. Mas fora a industrialização naquela conjuntura histórica uma simples opção ou um imperativo? Se os “altos custos” e a “não competitividade” da indústria latino-americana decorriam das circunstâncias em que se deu sua implantação, o problema estaria em modernizar essa indústria, e não em abandoná-la. Os críticos da industrialização latino-americana eram, em boa parte, pessoas preocupadas com a perda de mercado para os exportadores tradicionais que desta resultaria. O primeiro Estudo Econômico da América Latina, referente ao estado da economia regional em 1948, procurou combater essa tese, fundando-se na monografia Industrialization and Foreign Trade, preparada pelo secretariado da antiga Sociedade das Nações, e publicada em 1945. Com base em dados empíricos, demonstrava-se nesse trabalho que a industrialização das economias exportadoras de produtos primários vinha sendo um fator de estímulo das importações de manufaturas por parte desses países, sendo notório o caso do Canadá. A razão estava em que a industrialização, ao elevar o poder de compra da população, faz crescer mais que proporcionalmente a demanda de artigos manufaturados, e, ademais, a diversifica, o que impulsiona as importações desses produtos. O “MANIFESTO” DA CEPAL Esse primeiro ensaio de tímida defesa de industrialização latino-americana foi amplamente superado pelas ideias contidas no estudo “O desenvolvimento da América Latina e seus principais problemas”, preparado por Raúl Prebisch, na qualidade de consultor da Cepal, e igualmente apresentado na Conferência de Havana (segundo período de sessões), que ocorreu em maio de 1949.1 Prebisch havia observado, da posição privilegiada que ocupara na direção do Banco Central da Argentina, que o comportamento cíclico da economia capitalista era distinto se observado nos países exportadores de produtos industriais (aos quais ele chamava de cêntricos) e nos exportadores de produtos primários (periféricos). Essa visão de conjunto do sistema capitalista constituiu passo fundamental para os subsequentes avanços na compreensão do fenômeno do subdesenvolvimento, que passou a ser visto como uma conformação estrutural e não como “fase” ou “etapa” do desenvolvimento. Os desequilíbrios da economia internacional nos anos 1930 e 1940 (à parte os distúrbios causados pela guerra) não se explicavam, pensava Prebisch, sem ter em conta a ascensão dos Estados Unidos à posição de principal economia cêntrica e o seu comportamento depois da crise de 1929, “fechando-se” ainda mais. Se o coeficiente de importação dos Estados Unidos não houvesse declinado de 5% para 3% do produto nacional desse país, nesses dois decênios, não estaríamos enfrentando uma tão aguda escassez de dólares. O texto de Prebisch, que passou a ser conhecido como o “Manifesto” da Cepal, fora escrito em linguagem incisiva, e mesmo em tom de denúncia. Começava afirmando que “a realidade estava destruindo, na América Latina, aquele velho sistema de divisão internacional de trabalho […] que prevalecera doutrinariamente até há bem pouco tempo”. Nessa ordem, “não cabia a industrialização dos países novos”. E enfatizava: “uma das falhas mais sérias de que padece a teoria econômica geral, contemplada da periferia, é seu falso sentido de universalidade”. Esse texto, a rigor, não contemplava uma crítica da teoria clássica (ou neoclássica) do comércio internacional, sendo em realidade uma denúncia do sistema de divisão internacional do trabalho prevalecente, o qual vinha provocando, no longo prazo, concentração da renda em benefício dos centros exportadores de produtos manufaturados. A tese da degradação dos termos de intercâmbio dos países exportadores de produtos primários, adotada por Prebisch, tinha como fundamento o estudo sobre a matéria, preparado em 1948 por Hans Singer para o Departamento Econômico e Social das Nações Unidas. Prebisch procurou explicar o comportamento dos termos do intercâmbio, comprovado por Singer, situando-o no ciclo da economia capitalista: na fase de expansão, os salários monetários sobem, nos países cêntricos, mais do que a produtividade — processo não totalmente reversível na fase de baixa do ciclo, em razão da resistência que oferecem as organizações operárias. Inexistindo tal resistência na periferia, o comportamento cíclico engendrava transferência de renda em seu desfavor. Subsequentemente, Prebisch refinou este ponto de sua análise, dando ênfase às diferenças nas elasticidades-renda das demandas de produtos primários e manufaturados e ao peso crescente da oferta de substitutivos sintéticos às matérias-primas naturais. A DIFUSÃO DO PROGRESSO TÉCNICO E A INDUSTRIALIZAÇÃO PERIFÉRICA As ideias inseridas no “Manifesto” de 1949 foram ampliadas e desenvolvidas em estudos subsequentes, redigidos por Prebisch e pelo grupo de economistas que cedo se constituiu em torno dele. O Estudo Econômico da América Latina, de 1949, apresentado na Conferência de Montevidéu, realizada em maio de 1950, incluiu uma primeira parte, constituída de cinco capítulos, sob o título significativo de “Desequilíbrios e Disparidades: interpretação do processo de desenvolvimento econômico”.2 Nesse texto, a economia internacional não é vista como sistema que apenas se reproduz, e sim em permanente expansão sob o impulso da propagação do progresso técnico. A propagação do progresso técnico dos países originários ao resto do mundo, afirma-se aí, tem sido relativamente lenta e irregular. O desenvolvimento das economias exportadoras de produtos primários apoiou-se na absorção de tecnologia importada, ainda que em escala limitada. Nos últimos dois decênios (anos 1930 e 1940), esse processo de difusão internacional se debilitara, o que suscitara reação nas economias periféricas em busca de outras vias de acesso ao progresso técnico. A industrialização latino-americana devia ser vista como um aspecto dessa “nova fase do processo de propagação universal da técnica”, e mais