267 pág.

Pré-visualização | Página 21 de 50
em instrumentos de política o corpo essencial da doutrina elaborada na fase inicial. O trabalho apresentado à Conferência do México incluía recomendações sobre a “necessidade de programas de desenvolvimento” que deveriam “abarcar todas as inversões públicas e avaliar as necessidades de inversão da atividade econômica privada”. O conteúdo de um tal programa era vasto, e seus contornos, incertos. Havia que preocupar-se com os “obstáculos fundamentais” em setores básicos, principalmente energia e transporte, com a insuficiência da capacidade para importar, com a vulnerabilidade às flutuações e contingências externas, com os problemas do setor agrícola, com as necessidades insatisfeitas de obras públicas, de educação, com a localização da atividade industrial, com a produtividade, com a inflação. Por onde começar, como compatibilizar tanta coisa, como atuar de forma eficaz sobre um sistema tão complexo? A literatura disponível sobre a matéria era quase nula. Tratava-se de inventar técnicas que permitissem colocar diante da sociedade o horizonte de opções permitido pela estrutura existente e pelo esforço de mudança consentido. Por esse caminho, o sistema de decisões adquiriria grande transparência e permitiria alcançar maior grau de racionalidade e de responsabilidade na política. O estudo sobre Técnica de Programação, apresentado à conferência que teve lugar em Quitandinha (no Brasil), em 1953, admitia como evidente que em países com grande excedente estrutural de mão de obra não tinha sentido postular como objetivo da política econômica o pleno emprego da força de trabalho. O que importava, acima de tudo, era obter progressivo aumento da produtividade média do trabalho. O objetivo central teria de ser otimizar a utilização do capital, a partir dos constrangimentos criados pelo comércio exterior, pela taxa de poupança interna, pela entrada líquida de capitais e pelas preferências da coletividade com respeito à composição da oferta de bens de consumo. O estudo sobre técnicas de programação inseriu-se numa série de publicações dedicadas à projeção das tendências então prevalecentes nas economias latino-americanas, o que permitia mostrar, com dados concretos, o horizonte de possibilidades que se abria a cada uma delas e as dificuldades com que se deveriam confrontar em suas políticas de desenvolvimento. FORMAÇÃO DE PESSOAL DE DIREÇÃO Concomitantemente com a elaboração dessas projeções, foi criado o Programa de Treinamento em Problemas do Desenvolvimento Econômico (1952), sob a direção do economista chileno Jorge Ahumada, com o objetivo de formar especialistas em política de desenvolvimento para os governos latino-americanos. De início, tratou-se de um pequeno grupo de altos funcionários que passavam oito meses em Santiago, estagiando na Cepal e recebendo treinamento especializado na técnica de projeções e na elaboração de planos globais e setoriais. Mas o interesse foi tão grande que se fez necessário organizar cursos similares nos próprios países de forma intensiva, deslocando-se o corpo de professores por tempo limitado e fazendo-se apelo a especialistas locais. A esses cursos, pelos quais passaram muitas centenas de funcionários dos governos latino-americanos, deve-se em grande parte a efetiva difusão das ideias e das técnicas desenvolvidas pela Cepal. Foram numerosos os formuladores de políticas econômicas, na América Latina, inclusive membros de governos que passaram pelos cursos organizados pela Cepal. INTEGRAÇÃO REGIONAL No debate sobre industrialização, a ninguém escapava o problema colocado pela estreiteza dos mercados nacionais da região. Superada a fase de instalação de indústrias leves de bens não duráveis, com respeito às quais a proximidade do mercado é importante, e a questão de economias de escala quase não se coloca, surgia o problema de saber em que países era ou não possível conciliar as dimensões prospectivas do mercado com as exigências da tecnologia moderna. Esse problema foi discutido já em 1951, na conferência do México, com respeito aos países do istmo centro-americano (Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicarágua e Costa Rica). Teve início, nesse momento, no âmbito da Cepal, o primeiro projeto de integração econômica regional. Os cinco países referidos assinaram um acordo expressando o seu “interesse em desenvolver a produção agrícola e industrial e os sistemas de transporte de seus respectivos países, em forma que promova a integração de suas economias e a formação de mercados mais amplos, mediante o intercâmbio de seus produtos, a coordenação de seus planos de fomento e a criação de empresas em que todos ou alguns de tais países tenham interesse”.5 Ao projeto de integração centro-americana, cuja execução teve início em 1951, seguiu-se a criação da Associação Latino-Americana de Livre-Comércio (Alalc), em 1960, constituída pela Argentina, Brasil, Chile, México, Paraguai, Peru e Uruguai, aderindo em seguida Colômbia, Equador, Bolívia e Venezuela. Em 1969, surgiria o Grupo Andino, constituído por Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru, ao qual, em 1973, se adicionou a Venezuela. O movimento integracionista regional, ainda que surgido no âmbito da Cepal, transcendeu amplamente essa instituição, dando origem a seus próprios quadros institucionais. UMA ESCOLA DE PENSAMENTO O pensamento da Cepal de tal forma se difundiu e penetrou na América Latina, tanto na academia como nos círculos decisórios, que já não seria possível, a partir da segunda metade dos anos 1950, estabelecer seus limites. Aqueles que não o seguiam o combatiam e, dessa forma, o diálogo em torno de suas teses fundamentais envolveu todos. Cabe falar de uma escola de pensamento, quiçá a única que haja surgido na América Latina, a qual comporta vertentes diversas, nem sempre conciliáveis em todos os seus aspectos.6 Casos houve em que um núcleo de ideias se desprendeu do tronco principal, dando lugar a um movimento autônomo, como foi o caso, nos anos 1960, da escola da “dependência”, que se irradiou por todo o mundo, envolvendo sociólogos e cientistas políticos, além dos economistas. O mesmo se pode dizer do “estruturalismo” cepalino, enfoque metodológico que serviu de embasamento para reformas sociais e políticas econômicas de enorme alcance. Aqueles que buscavam uma visão global do desenvolvimento do capitalismo — sistema em expansão em escala planetária — encontravam afinidades com o pensamento cepalino; o mesmo ocorrendo com aqueles que davam ênfase ao papel das instituições na configuração do processo de desenvolvimento e, sobretudo, com aqueles que viam no enfoque funcionalista do pensamento neoclássico uma mistura de panglossismo e de veneno destinado a imobilizar todo espírito de revolta contra as malformações das estruturas sociais no mundo subdesenvolvido. Não que as políticas econômicas da América Latina hajam seguido ao pé da letra os ensinamentos da Cepal, mas não há dúvida de que foram influenciadas por eles até quando seguiram orientação distinta. Nem sempre se realizaram “reformas estruturais”, mas por toda parte o debate político gerou em torno desse tema. O mesmo se pode dizer com respeito à “programação do desenvolvimento”, ao “processo de integração regional”, e a outras teses avançadas pela Cepal desde o início dos anos 1950. Seria, portanto, impraticável estabelecer uma linha demarcatória em torno da influência do pensamento oriundo da Cepal. Mas é possível distinguir alguns temas que persistiram no debate cepalino, pontos nodais em torno dos quais sempre se encontraram aqueles que bebiam nessa fonte. O primeiro desses pontos refere-se à visão do sistema capitalista com uma conformação estrutural que engendra assimetrias nas relações entre seus componentes, que são as economias nacionais. É o sistema centro-periferia, cuja gênese é de natureza histórica (a Revolução Industrial e sua propagação), mas que possui invariâncias estruturais perceptíveis no sistema de divisão