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o CONTEXTUALISMO DO COMPORTAMENTO VERBAL: A TEORIA SKINNERIANA DO SIGNIFICADO E SUA CRíTICA AO CONCEITO DE REFERÊNCIA 1 José Antônio Damásio Abib2 Universidade Federal de São Carlos RESUMO - Este ensaio examina a crítica de Skinner à teoria tradicional do significado, seja como expressão de idéias ou como referência. Explica-se, a seguir, a teoria skinneriana do significado, que não comporta o conceito de referência. Finalmente, argumenta-se que a base da teoria de Skinner e de sua crítica ao conceito de referência está no contextualismo do comportamento verbal. Em outras palavras, os contextos da linguagem e da cultura, que são integrados ao comportamento verbal, terminam atribuindo-lhe significados sem recorrer ao conceito de referência: o com- portamento verbal significa e é explicado por significados nos contextos da linguagem e da cultura. Palavras-chave: teoria tradicional do significado, teoria skinneriana do significado, crítica skinneriana do conceito de referência, contextualismo do comportamento verbal. THE CONTEXTUALISM OF VERBAL BEHAVIOR: SKINNER'S THEORV OF MEANING ANO HIS CRITICISM OF THE CONCEPT OF REFERENCE ABSTRACT - This essay deals with Skinner's criticism of the traditional theory of meaning - meaning as the expression of ideas or as reference. Skinner's theory of meaning, which does not involve the concept of refer- ence, ís then explained. Finally, it is argued that the basis of Skinner's theory and of his criticism of the concept of reference is the contextualism of verbal behavior. In other words, the context of language and of culture, which are an integral part of verbal behavior, bestow meaning to it without invoking the concept of reference: verbal behavior has meaning and is explained by meanings in the context of language and culture. 1 Versão modificada de trabalho apresentado no simpósio: Skinner e a Interpretação do Comportamento Verbal nos Anos 90: Implicações Epistemológicas, Empíricas e Aplicadas. XXII Reunião Anual de Psicologia de Ribeirão Preto, 1992. 2 Endereço: Universidade Federal de São Carlos, Depto. de Filosofia e Metodologia das Ciências, Via Washington Luiz km 235, 13565-905 São Carlos SP. Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, 1994, Vol10, N9 3, pp. 473-487 473 J. A. D. Abib Key-words: traditional theory of meaning, Skinner's theory of meaning, Skinner's criticism of the concept of reference, contextualism of verbal behavior. Segundo Skinner (1957) e Lyons (1980), a teoria tradicional do significado - em qualquer de suas duas versões, isto é, como teoria da expressão de idéias ou como teoria referencial do significado - é uma teoria semântica do significado (com origem na semântica filosófica, na lingüística e na semiótica), cujo propósito é explicar o comportamento verbal, o comportamento lingüístico ou, simplesmente, a fala. Skinner (1957) não aceita essa teoria. Preliminarmente, ele critica as definições tradicionais do termo comportamento verbal. Em seguida, define-o de tal modo que já não pode mais identificá-lo com os termos comportamento lingüístico e fala - e é em parte por isso que já não pode também admitir qualquer versão da teoria tradicional do significado. Finalmente, Skinner (1957) elabora uma teoria funcional do significado para explicar o comportamento verbal. Refaz-se aqui essa trajetória skinneriana com o objetivo de mostrar que, no mesmo passo em que sustenta uma teoria funcional do significado, Skinner esvazia a noção de referência ou, na melhor das hipóteses, reserva-lhe um lugar meramente parasitário na teoria - alternativa que só demonstra, de outro modo, que a noção é tão inútil quanto prescindível. Skinner explode a noção de referência porque a teoria funcional do significado que elabora e defende é uma teoria contextualista do significado - esclarecer essa afirmação é a outra meta deste texto. o CONTEXTUALlSMO DO COMPORTAMENTO VERBAL: LINGUAGEM E CULTURA Segundo Skinner (1957), o comportamento verbal tem sido associado a "práticas semânticas e sintáticas" (p. 4); conseqüentemente, o termo comportamento verbal"não identifica claramente um objeto de estudo" (p. 4). Em outras palavras, na semântica, o comportamento verbal é entendido como um meio de expressão de significados, e também como um fenômeno que há de ser explicado por esses mesmos significados - isto é, idéias, conceitos, imagens, sentimentos e desejos (Skinner, 1957). Na sintaxe, o comportamento verbal é submetido a uma explicação formal e/ou estrutural; por exemplo, o falante compõe uma sentença aplicando regras gramaticais, que podem pressupor tanto o inatismo quanto o mentalismo - como no caso do estruturalismo lingüístico de Chomsky (Skinner, 1957, 1969, 1974). De acordo com Lyons (1980), a lingüística estrutural explica o comportamento verbal através de um sistema lingüístico subjacente - isto é, a língua (Ia langue), no sentido de Sausurre; e a competência, no sentido de Chomsky. O termo comportamento verbal significa aí o mesmo que os seus congêneres comportamento lingüístico e fala. De fato, Chomsky (1959) usa os termos comportamento verbal e comportamento lingüístico no mesmo sentido. Lyons (1980) define o termo comportamento lingüístico por referência a fala (parole), no sentido de Saussure; e performance, no sentido de Chomsky. Lee (1984) escreve que, para lingüistas e psicolingüístas, "linguagem não é comportamento, mas uma entidade que subjaz a fala, leitura, escrita e gesto" (p. 30). 474 Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, 1994, Vo110, N2 3, pp. 473-487 Comportamento verbal e teoria do significado Em suma, o termo linguagem refere-se a um sistema lingüístico subjacente por meio do qual se explica o comportamento verbal. Skinner (1957) não aceita essas interpretações semânticas e sintáticas do comportamento verbal - seja porque reduz-se a um meio de expressão de significados, ou de regras gramaticais (por vezes inatas e mentais); seja porque admite-se que se possa explicá-lo através dessas mesmas regras e significados. Skinner (1957) também não aceita que o fenômeno da fala esgote o significado do termo comportamento verbat, e se, de acordo com a par/ance estruturalista, comportamento lingüístico refere-se ao mesmo que fala, então o fenômeno do comportamento lingüístico também não esgota o significado do termo comportamento verbal. Skinner (1957) aceita, entretanto, que os termos comportamento verbal e lin- guagem não se referem aos mesmos fenômenos. Segundo Lee (1984), Skinner está de acordo, portanto, com os lingüistas, ao diferenciar linguagem de comportamento verbal; porém, com este adendo: não há que se confundir a definição skinneriana de linguagem com as de uso corrente na lingüística. Ou seja, segundo Skinner (1957), comportamento verbal refere-se ao comportamento de indivíduos, e linguagem "refere- se às práticas de uma comunidade lingüística em vez de ao comportamento de qualquer um de seus membros" (p. 2). Trata-se, à vista disso, de definir o conceito de comportamento verbal; e também de diferenciá-lo dos conceitos não só de fala e comportamento lingüístico, bem como de comportamento não-verbal e linguagem. Segundo Skinner (1957), o comportamento verbal é o comportamento operante cuja topografia pode ser vocal, escrita, gestual, ou facial. Do ponto de vista formal, portanto, esse conceito é mais abrangente do que os conceitos de fala e compor- tamento lingüístico. Com efeito, para os lingüistas os termos fala e comportamento lingüístico ou se referem estritamente a comportamentos vocais, ou então a compor- tamentos não vocais (por exemplo, expressões faciais). E, para eles, comportamentos não vocais são "parasitários da linguagem" e/ou "paralingüísticos", isto é, são não verbais (Lyons, 1980, p. 60) enquanto, para Skinner (1957), comportamentos vocais e não-vocais são fundamentais para a sua definição de comportamento verbal. O comportamento verbal é comportamento operante de naturezasocial; isto é, ao menos dois indivíduos estão envolvidos - por exemplo, um falante e um ouvinte; ou, mesmo quando há apenas um indivíduo - por exemplo, um pensador solitário que fala e ouve, revê a fala e ouve novamente ..., ainda assim, o comportamento verbal é de origem social. Trata-se de uma afirmação que tem sido questionada. Por exemplo, Lee (1984) argumenta que não há uma justaposição perfeita entre os dois conceitos skinnerianos, seja porque uma situação de cooperação social pode envolver relações meramente não-verbais ou mecânicas entre duas pessoas, seja porque o pensador solitário constitui-se, de qualquer modo, em apenas uma pessoa. Em que pese a importância dessas objeções, elas podem ser francamente atenuadas se se afirma que o comportamento verbal é de natureza social e/ou de origem social - embora possa haver comportamento social não-verbal. De acordo com essas duas características do comportamento verbal, sua natureza social e sua topografia vocal e não-vocal, é possível diferenciá-lo do compor- tamento não-verbal. Realmente, o comportamento verbal, sob uma de suas variantes formais, modifica o ambiente através do comportamento de uma outra pessoa; ao passo Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, 1994, Vo110, Nll3, pp. 473-487 475 J. A. D. Abib que o comportamento não-verbal o faz sem o envolvimento, ao menos explícito, de qualquer pessoa. A relação do comportamento verbal com o ambiente é indireta, mediata, e não-mecânica; enquanto no caso do comportamento não-verbal ela é direta, não-mediata e mecânica. É a diferença que há, por exemplo, entre ser bem sucedido ao solicitar ou apontar um copo de água a alguém, e levantar-se sozinho e pegá-lo. De acordo com Skinner (1957), o conceito de comportamento verbal não se refere ao comportamento do ouvinte; aplica-se apenas ao comportamento verbal do falante. Trata-se aqui de duas delimitações que Skinner introduz em seu programa de pesquisa do comportamento verbal. Ou seja, primeiro, toma-se o comportamento verbal-vocal como o protótipo do comportamento verbal; segundo, embora o comportamento do falante seja sempre verbal ou não-mecânico, pode, no entanto, produzir efeitos não- verbais ou mecânicos não só no ambiente como também no comportamento do ouvinte - por exemplo, o falante diz: ''traga-me um copo de água, por favor"; o ouvinte levanta-se e entrega-lhe um copo de água. O comportamento do ouvinte pode, pois, ser não-verbal ou mecânico, como nesse exemplo - embora possa, obviamente, também ser verbal. Há, contudo, um sentido importantíssimo em que o comportamento do ouvinte é abordado por Skinner. Isto é, um ouvinte é um membro de uma comunidade verbal que modela e mantém o comportamento do falante de acordo com as práticas de re- forçamento da comunidade. É nesse sentido que, se o ouvinte já não houvesse aprendido a responder ao comportamento do falante, muito pouco do comportamento do falante poderia ser adquirido ou modelado, mantido, e finalmente explicado (Skinner, 1957). Em suma, é possível definir o termo comportamento verbal assim: trata-se de uma expressão que se refere ao comportamento de falantes individuais; que é mode- lado e mantido por conseqüências mediadas por ouvintes, ou por representantes da comunidade verbal, conforme as práticas de reforçamento dessa comunidade. Dito isso, é hora de examinar a definição skinneriana de linguagem. Trata-se, em primeiro lugar, de inscrever a linguagem na cultura. Com efeito, como já se disse, Skinner (1957) define linguagem como "as práticas de uma comunidade lingüística" (p. 2); e isso significa, no vocabulário de Skinner, "as práticas de reforçamento de comunidades verbais" (p. 461); e enfim, dito com toda precisão, "uma linguagem não é {definida} pelas palavras e sentenças "faladas nela"; ela é o isto (i~ no qual elas são faladas - as práticas da comunidade verbal que modelam e mantêm o comportamento de falantes" (1969, p. 12). Logo em seguida insere a linguagem na cultura: "{operantes verbais} são mantidos por ambientes verbais ou culturas - isto é, por ouvintes" (1989, p. 87). As comunidades verbais são, portanto, culturas constituídas por ouvintes. Assim, \ estar vis-à-vis a um ouvinte é estar frente a frente com uma comunidade verbal, com uma linguagem, ou com uma cultura. Trata-se, agora, e em segundo lugar, de esclarecer de modo mais preciso, através de um breve exame do conceito skinneriano de gramática, o que significa linguagem enquanto práticas de reforçamento de comunidades verbais. Segundo Skinner (1969), o termo gramática refere-se às "regras que descrevem arranjos convencionais de palavras" (p. 87). No sentido skinneriano, as regras são descobertas através da descrição de contingências; conseqüentemente, gramáticas são regras descobertas por meio da descrição de um tipo específico de contingência - as contingências verbais. 476 Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, 1994, Vol10, Nº 3, pp. 473-487 Comportamento verbal e teoria do significado A argumentação de Skinner é grosso modo a seguinte: (1) os homens falaram sem o benefício de regras por milhares de anos; (2) contudo, a efetividade das contingências verbais era muito variável; (3) nessas circunstâncias, "uma descrição de contingências na forma de regras gramaticais permitiu aos homens falar corretamente através da aplicação de regras em vez de através de uma longa exposição às contingências" (1969, p. 141); e (4) são "essas mesmas regras que são úteis na instrução e na manutenção do comportamento verbal em conformidade com os costumes (usages) da comunidade" (1969, p. 141). O termo linguagem refere-se assim a práticas de reforçamento de comunidades verbais que são governadas por regras gramaticais. Está-se a um passo de dizer que linguagem é o comportamento de ouvintes governado por regras gramaticais. E há motivos para não se dizer? É Skinner (1989) quem sugere essa possibilidade: "uma linguagem é um tipo de comportamento .... ela existe mesmo quando ninguém a está falando .... suas práticas estão registradas em ... gramáticas" (p. 87). Agora, práticas registradas em gramáticas denominam-se regras gramaticais. Desse modo, parece haver evidências suficientes para definir linguagem como o comportamento de ouvintes governado por regras gramaticais. Além disso, como o uso dessas regras se dá em conformidade com os costumes da comunidade, então a linguagem é um fenômeno dependente do contexto da cultura, no sentido do contextualismo - como será visto em um instante. Defendia-se no início desse texto que linguagem não é comportamento; havia assim um motivo para não afirmar o contrário. No entanto, o que se argumentava era que linguagem não é comportamento verbal. Portanto, quando Skinner (1989) se refere à linguagem como um tipo de comportamento, não há que se pensar em compor- tamento verbal; mas sim em comportamento de comunidades verbais governado por regras gramaticais no contexto da cultura. Se a linguagem insere-se na cultura e é um fenômeno dependente dos costumes da cultura, então há que se esclarecer brevemente o sentido skinneriano do termo cultura. Skinner (1990) argumenta que a evolução cultural não é um processo biológico e que as culturas humanas são exclusivamente humanas. Além disso, defende que a evolução cultural produziu um pluralismo cultural que é de natureza freqüentemente conflitiva. Finalmente, sugere que cabe às ciências humanas, especialmente à história e à antropologia, compreender esse pluralismo de culturas conflitantes. Na verdade, Skinner (1957) já tinha comentado que as comunidades verbais se diferenciam por seus interesses específicos, que se verificam pelas diferenças em suas práticas de reforçamento - por exemplo, as comunidades literárias estão interessadas na lin- guagem metafórica e no simbolismo, ao passo que as comunidades científicas, diferentemente das anteriores, dedicam-se às conseqüências práticas de suas ativi- dades. O que se pode concluiraté agora é o seguinte: (1) o comportamento verbal é um fenômeno dependente do contexto da linguagem; e (2) a linguagem é um fenômeno dependente do contexto da cultura. A palavra contexto há de ser tomada no sentido do contextualismo, de tal modo que o termo dependente do contexto, em ambos os casos, signifique indissociabilidade entre os fenômenos e os contextos ali indicados. A definição skinneriana de comportamento verbal e linguagem é contextualista no sentido defendido por Jaeger e Rosnow (1988) e Morris (1988). Segundo esses Psic.: Teor. e Pesq., BrasOia, 1994, Vo110, N23, pp. 473-487 477 J. A. D. Abib autores, o contextualismo busca sua inspiração lá na filosofia pragmática norte-ameri- cana, para defender a investigação de fenômenos dependentes do contexto. De acordo com Jaeger e Rosnow (1988), o contextualismo "requer uma mudança na visão de contexto como alguma coisa externa, meramente colidindo sobre o comportamento, para ver o contexto como integrado no próprio fenômeno" (p. 72). De acordo com Morris (1988), o contextualismo "harmoniza-se bem com a abordagem de Skinner' (p. 303). Dizer, então, que o fenômeno é dependente do contexto significa que o contexto está integrado ao fenômeno; isto é, a relação entre o fenômeno e o contexto é interna, intrínseca e indissociável ou, dito de outro modo, trata-se de uma relação que não é externa, extrínseca ou dissociável. Agora, se a linguagem é um fenômeno dependente do contexto da cultura, e se, - ( como argumenta Skinner, existe um pluralismo conflitante de culturas, então as culturas são específicas, bem como também as linguagens; e, nesse sentido, dissociar as linguagens de seus contextos culturais é torná-Ias incompreensíveis. Ou seja, é a natureza específica das culturas qus lhes confere internalidade, ou integração no próprio fenômeno da linguagem; e é também por isso que a linguagem é um fenômeno dependente do contexto interno ou intrínseco da cultura. É por um raciocínio similar que também se há de afirmar que a linguagem está integrada ao fenômeno do comportamento verbal; e, ainda, que o comportamento verbal é um fenômeno depen- dente do contexto interno, ou intrínseco da linguagem. Feitos estes comentários, é possível neste instante circunscrever melhor o conceito de comportamento verbal. Há que se enfatizar, primeiro, que o termo compor- tamento verbal refere-se ao comportamento do falante que é emitido em uma dada ocasião. Ou seja, o objeto de interesse é a probabilidade momentânea de uma resposta verbal- não se trata da probabilidade total que a resposta possa ter no repertório verbal de um falante em função da mera passagem do tempo. Por exemplo, os pronomes pessoais e possessivos podem ter uma probabilidade total insignificante no repertório de um indivíduo e, contudo, podem ter sua probabilidade momentânea elevada em uma dada ocasião. A pergunta skinneriana crucial é: que ocasiões momentâneas ocor- reram? É importante, porém, reafirmar, em segundo lugar, que o termo comportamento verbal refere-se ao comportamento do falante individual, internamente relacionado com os contextos da linguagem e da cultura - o que significa dizer que a probabilidade momentânea de uma resposta verbal depende desses contextos. Efetivamente, pois se - de acordo com Skinner (1957), primeiro, "para descobrir a "essência" de cadeira, deveríamos examinar as contingências atuais de reforçamento em uma dada comuni- dade ..." (p. 91); segundo, "o controle de estímulos de cadeira é ditado em última instância pelo uso que a comunidade reforçadora faz de cadeiras" (p. 91); e terceiro, o ouvinte exerce um "segundo papel" (Skinner, 1989, p. 87), isto é, o de representar uma ocasião ou uma audiência para o comportamento do falante - então torna-se inevitável concluir que o controle de estímulos exercido pelos objetos e eventos que estão ali fora no mundo externo é inteiramente mediado pela linguagem e pela cultura. Assim, a probabilidade momentânea de uma resposta verbal vis-à-vis com um ouvinte e/ou objetos e eventos do mundo externo é uma probabilidade frente a frente com uma linguagem e uma cultura. 478 Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, 1994, Vo110, Nº 3, pp. 473-487 Comportamento verbal e teoria do significado A definição skinneriana do comportamento verbal delimita um legítimo objeto de estudo para a psicologia, e mostra bem não só como a psicologia pode contribuir e participar do discurso das ciências humanas, como também em que sentido Skinner é, indubitavelmente, um pensador da cultura. Dito isso, é hora de examinar a crítica de Skinner à teoria tradicional do significado. A TEORIA TRADICIONAL DO SIGNIFICADO E A CRíTICA SKINNERIANA Segundo Lyons (1980), a teoria tradicional do significado, em uma de suas versões, isto é, como teoria da expressão de idéias, sustenta que palavras significam coisas indiretamente através de idéias. Há, assim, primeiro, uma relação de significação direta entre palavras e idéias - isto é, palavras significam idéias que são, então, consideradas como os significados das palavras; segundo, há uma relação de signifi- cação indireta entre palavras e coisas - ou seja, palavras significam coisas, denomi- nadas designata ou as coisas deslgnadas, através de seus próprios significados: as idéias. Trata-se, portanto, de uma complexa teoria da significação que defende uma intrincada relação entre palavras, idéias, e coisas; além disso, palavras que servem como um meio de expressão de idéias, que, quando são proferidas, encontram sua explicação nas próprias idéias que expressam. Segundo Lyons (1980), a crítica a essa teoria da significação já é antiga: ela não escapou à controvérsia de se o termo idéia refere-se a universais ou particulares. De acordo com Urmson (1972), encontra-se em Platão o termo idéia no sentido não só de formas, exemplares, ou paradigmas perfeitos; mas também de universais. Isto é, nas palavras de Urmson: "ele fala algumas vezes da presença da forma no particular ou dos particulares como participando na forma" (1972, p.118). Hirst (1972) afirma que "no inicio da história da filosofia, particularmente no pensamento medieval, o termo realismo foi usado, em oposição ao nominalismo, para a doutrina de que os universais têm uma existência real e objetiva" (p. 77). Ou seja, de um lado, a controvérsia universais-par- ticulares inscreve-se na controvérsia mais ampla realismo-nominalismo; de outro lado, a defesa que o realismo faz das idéias como universais com existência real e objetiva significa que elas existem independentemente da mente que percebe e/ou conhece. Segundo Lyons (1980), os nominalistas medievais argumentavam que os univer- sais são apenas nomes que significam particulares ou indivíduos. Por exemplo, o nome vermelho significa "apenas coisas vermelhas" (p. 97); e não que há "uma entidade como o vermelho" (p. 97). Em suma, a teoria da significação defronta-se com esta dificuldade antiga e primordial: o termo idéia refere-se a universais ou a particulares? Essa expressão adquiriu com Descartes o sentido de representação mental - embora Urmson (1972) comente que esse sentido já era corrente por essa época. No sentido cartesiano, o termo idéia significa imagem, conceito e, na verdade, qualquer objeto de pensamento; e, segundo Urmson (1972), o uso cartesiano do "termo para denotar qualquer objeto de pensamento tornou-se o padrão na filosofia através de escritos influentes tais como ... o Ensaio de Locke" (p. 119). O termo idéia significa agora uma representação da mente que conhece e percebe - é, portanto, a teoria realista dos universais que é abandonada. Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, 1994, Vo110, N2 3, pp. 473-487 479 J. A. D. Abib A crítica de Skinner (1957) dirige-se à teoria da expressão de idéias tomado esse termo no sentido cartesiano e pós-cartesiano. Skinner (1957) comenta: "diz-se que idéias é o que passa através da mente do falante ... " (p. 6); ou "idéias(como "sentimentos" e "desejos") devem estar no interior do organismo ... " (p. 7); ou ainda, idéias não somente "apelam para imagens" (p. 6), como conduzem à "investigação de processos de pensamento que subjazem o comportamento verbal" (p. 6). A crítica de Skinner refere-se, em parte, à dificuldade de se obter evidências para a existência de idéias: ocorre uma regressão infinita de expressões que terminam por identificar a idéia com a própria expressão - por exemplo, uma expressão é parafra- seada em outra com o mesmo significado, e assim sucessivamente; ou aceita-se dois níveis de observação (o da idéia e o da expressão), quando, na verdade, existe apenas um - o da expressão. O resultado, em ambos os casos, é que as idéias tornam-se hipostasiadas, ou seja, adquirem uma falsa existência, e desse modo substancializadas passam a explicar o comportamento verbal. A outra parte da crítica de Skinner, que se relaciona de perto com a anterior, baseia-se em suas críticas das abordagens tradicionais do comportamento verbal. Com efeito, se o ~rmo comportamento verbal significa comportamento lingüístico ou fala, então o conceito de comportamento verbal pode ser compreendido como um meio de expressão de idéias. Skinner (1957) afirma que, segundo esse conceito de compor- tamento verbal, "a fala tem uma existência independente e separada do comportamento do falante" (p. 7). Além disso, a fala passa a ser entendida como o uso de palavras que, como ferramentas ou instrumentos, serve para expressar idéias. Skinner (1957) não aceita esse conceito de fala e de comportamento verbal; conseqüentemente, critica a teoria da expressão de idéias. Efetivamente, não concorda que "um falante usa uma palavra porque tem a intenção de expressar um significado" (1969, p. 11). Na verdade, a crítica de Skinner (1969) a essa teoria atinge também o estruturalismo lingüístico, porquanto não consente que o falante "compõe uma sentença (aplicando em parte regras sintáticas possivelmente inatas) para expressar uma idéia ... " (p. 11). Após descartar a teoria da expressão de idéias, Skinner pergunta-se se a teoria da significação não pode ser defendida em sua outra versão, isto é, como teoria referencial do significado. Segundo Lyons (1980), essa teoria afirma que palavras significam diretamente as coisas - que são então denominadas referentes. Isso significa dizer que o significado de palavras são os seus referentes, ou as próprias coisas. No vocabulário de Skinner (1957), essa teoria atribui "uma existência independente a significados" (p. 7), no sentido de que "há uma possibilidade promissora de que significados possam ser mantidos fora da pele (outside the skin). Nesse sentido, eles são tão observáveis quanto qualquer parte da física" (p. 8). A crítica de Skinner continua, contudo, implacável. Nesse caso, trata-se de mostrar, em primeiro lugar, toda a dificuldade, e em alguns casos até mesmo a impossibilidade, de se descobrir os referentes que são os significados das palavras. É com esse propósito que ele percorre e comenta desde os nomes próprios, comuns e abstratos, até as sentenças, preposições e conjunções. Embora relutante, Skinner (1957) concorda que nomes próprios tenham referentes, já que entre eles e as coisas há uma correspondência biunívoca; porém, não admite que os referentes de nomes próprios se constituam em seus significados - por exemplo, Skinner pergunta: "é João ele mesmo o significado de João? Certamente ele não é transmitido ou comunicado 480 Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, 1994, Vo110, N23, pp. 473-487 Comportamento verbal e teoria do significado quando a palavra é usada" (1957, p. 8). De resto, segundo Lyons (1980), "a perspectiva filosófica mais aceita hoje em dia é que eles {os nomes próprios} podem ter referência, mas não sentido {Lyons usa sentido para referir a significado, p. 163} ..." (p. 180). Em relação aos nomes comuns, Skinner (1957) pergunta: "qual é o significado de gato?" (p. 8) e, em seguida, faz mais três perguntas que levantam três problemas da teoria referencial do significado. Primeira, "é algum gato?" (p. 8) - um problema de referência indefinida, isto é, há um indivíduo específico embora não identificado (Lyons, 1980); segunda, "é a totalidade física de todos os gatos?" (p. 8) - um problema de referência geral, isto é, há uma referência temporal à classe (Lyons, 1980); terceira, "é a classe de todos os gatos?" (p. 8) - um problema de referência genérica, isto é, há uma referência intemporal à classe (Lyons, 1980). Com respeito a nomes e termos abstratos como átomo e espírito dos tempos, a descoberta de referentes é, segundo Skinner (1957), ainda mais difícil. Skinner (1957) observa que, segundo a teoria referencial do significado, sen- tenças não somente se referem a coisas mas também dizem algo sobre elas. Ou seja, sentenças transmitem ou comunicam proposições. Skinner (1957) comenta, porém, que o termo proposição é muito similar a idéia; conseqüentemente, é possível dirigir àquele termo as-mesmas críticas já dirigidas a esse último. Além disso, há um problema de petição de princípios. De fato, uma proposição é usualmente definida como o conjunto de todas as sentenças que em todas as linguagens significam o mesmo que qualquer uma desse conjunto. Mas, Skinner (1957) argumenta que é impossível identificar essa proposição se o seu significado não for previamente conhecido e, portanto, "nós nos descobrimos diante do nosso problema original" (p. 8). No caso de preposições e conjunções, os referentes são tão difíceis de descobrir que se tornou necessário, nas palavras de Skinner, "olhar no interior do organismo para a intenção do falante, atitude, sentimento, ou alguma outra condição psicológica" (1957, p. 8). Esse é precisamente o segundo ponto da crítica de Skinner à teoria referencial do significado. Segundo Skinner (1957), trata-se, a esta altura, de recorrer ao conceito de significado conotativo - no sentido psicológico do termo - para compensar as deficiên- cias do significado denotativo. Ou seja, há que se investigar a relação intencional entre o comportamento do falante e a referência não-ostensiva; isto é, a referência que é acerca de alguma coisa, mas que, contudo, não pode ser mostrada - uma situação que, no limite, pode conduzir à ''fala absoluta", ou "a fala sem referência": a fala de um poeta ou de um louco? Skinner (1957) disse contra esse tipo de abordagem que "não podemos suple- mentar com sucesso uma estrutura da referência semântica apelando para a intenção do falante até que uma apreciação psicológica satisfatória da intenção possa ser oferecida" (p. 9). E disse mais: "quando alguns significados são classificados como emotivos invade-se um outro campo psicológico difícil e relativamente pouco desen- volvido" (p. 9). Se a teoria referencial do significado não pode esclarecer as relações entre o significado denotativo e a referência ostensiva, nem tampouco aquelas entre o signifi- cado conotativo e a referência não-ostensiva, então não resta a Skinner outra alterna- tiva senão a de abandonar também essa versão da teoria tradicional do significado e, Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, 1994, Vol10, N23, pp. 473-487 481 J. A. D. Abib assim, livrar-se de vez dessa teoria para buscar uma resposta em um local não-tradi- cional: a sua teoria funcional do significado. A TEORIA SKINNERIANA DO SIGNIFICADO E SUA CRíTICA DA REFERÊNCIA Skinner (1957) apresenta um projeto de interpretação do comportamento verbal que consiste em descrevê-lo e explicá-lo. Descrevê-lo significa definir a sua forma ou topografia - o que já foi visto na primeira parte desse texto. Explicá-lo significa recorrer às contingências de reforço - por exemplo, se um indivíduo fala em uma dada ocasião e é reforçado por um ouvinte, então a probabilidade de emissão dessa fala tende a aumentar em ocasiões similares a anterior, esteja o ouvinte presente ou não. Skinner (1957,1969,1974) fundamenta a teoria funcional do significado também em termos do conceito de contingências de reforço. Com efeito, referindo-se à expli- cação do comportamento verbal através da relação entre a ocasião, a resposta, e a conseqüência, Skinner afirma: "com respeito ao falante, esta é a relação de '" signifi- cado" ( 1957, p. 115). Portanto, o significado é definido como uma relação. Ou seja, o significado não está na situação ou na resposta. Nas palavras de Skinner, "o significado não é propriamente considerado como uma propriedade de uma resposta ou de uma situação ..." (1974, p. 90); ou ainda, "o significado de uma resposta não é sua topografia ou forma ... o significado não está na situação atual..." (1974, p. 90). E aonde está, então, o significado? Skinner responde: "o significado está numa história" (1974 , p. 90); e logo esclarece o tipo de história: "... história de exposição às contingências" (p. 90); para finalmente elucidar que as contingências são "responsáveis tanto pela topografia do comportamento quanto pelo controle exercido por estímulos" (p. 90). Há que se concluir, então, que: se o comportamento do falante é controlado por estímulos em função de uma história de contingências a que foi exposto; e se as contingências são relações; e se, finalmente, o significado está na história de contingên- cias, e é também a relação de contingências a que o falante foi exposto; então o comportamento do falante é controlado por significados - desde que se entenda o termo significado através do vocabulário skinneriano. Ou seja, é possível defender que Skinner tem uma teoria funcional do significado (aliás, o termo teoria funcional do significado é skinneriano - 1957, p. 370) para explicar o comportamento verbal, que é fundamentada no conceito de contingências de reforço. A teoria funcional do significado sugere um conceito de significado que não implica a referência. Efetivamente, existem tipos de comportamento verbal - como o ecóico, o textual, e o mando - que têm significados diferentes em função de suas histórias específicas de reforçamento, mas que nem por isso se referem, indubitavel- mente, a algo; ou ainda, os referentes originais desses comportamento são prova- velmente irrelevantes, como nos casos do ecóico e textual. Por exemplo, referindo-se aos comportamentos verbais ecóico - uma "resposta que produz um padrão de som similar àquele do estímulo" (Skinner, 1957, p. 55) -, e textual - uma resposta verbal a um estímulo escrito -, Skinner escreve: "quando repetimos ou lemos uma passagem do comportamento verbal, não estamos necessariamente nos "referindo a alguma 482 Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, 1994, Vo110, N23, pp. 473-487 Comportamento verbal e teoria do significado coisa" (1957, p. 128); e logo antes redigiu que "os referentes originais podem não ser relevantes" (p. 128). Em relação ao mando - que é um comportamento verbal reforçado por uma conseqüência específica à condição motivacional do falante, por exemplo: "passe o sal! especifica uma ação (passar) e um reforçamento final (o sal)" (Skinner, 1957, p. 369)- Skinner (1957) critica mais uma vez a teoria referencial do significado por ela não só implicar que a palavra ganha significado por se referir a uma coisa, como também por incorporar e estimular a noção de uso da palavra - no caso do mando, usa-se a palavra para pedir alguma coisa. Skinner (1957) comenta que essa teoria é insuficiente para explicar a aquisição de vários tipos de mandos, bem como não se aplica para muitos outros casos - por exemplo, Skinner pergunta: qual é o referente de por favor1? (1957, p. 128). De modo geral, Skinner (1957) argumenta que é difícil, se não for impossível, encontrar referentes para mandos como pedidos, comandos, conselhos, avisos, per- missões, propostas, e apelos. Esses tipos de comportamento verbal, ou esses tipos de significados, não implicam a referência precisamente porque não se referem a coisa alguma - são anti-referencTãis. Há, porém, algum tipo de comportamento verbal que se refira a alguma coisa? Aparentemente essa função poderia ser preenchida pelo comportamento verbal de- nominado tacto (taet); de fato, pois um tacto "é evocado (ou pelo menos fortalecido) por um objeto ou um evento particular, ou uma propriedade de um objeto ou de um evento" (Skinner, 1957, p. 82). Ou seja, objetos, eventos, e suas propriedades, estão lá fora, ali no mundo externo; conseqüentemente, o tacto poderia definir a relação de referên- cia; e os objetos, eventos, e suas propriedades, seriam os seus referentes. Place (1985) comenta que tacto é o termo skinneriano para definir referência: "nós necessitamos reconhecer que a palavra tacto representa o esforço de Skinner para tratar com o problema da referência" (p. 68). Imediatamente, Place (1985) critica Skinner ao declarar que ele erra ao supor que "só é possível afirmar que um falante se refere a um objeto ou situação na medida em que o objeto ou situação é parte de seu ambiente atual de estímulos ..." (p. 69). Place (1985) incide em dois equívocos. Primeiro, tacto não define referência. Skinner (1985) responde a Place afirmando que se um falante diz árvore na presença de uma árvore, ele não está se "referindo a uma árvore" (p. 75). Na verdade, MacCor- quodale (1969) já tinha observado que "tacto não é referência" (p. 838). O segundo equívoco de Place (1985) decorre do primeiro. Ou seja, se tactodefine referência, então trata-se da referência ostensiva; e, portanto, Skinner não tem como tratar com a referência não-ostensiva. Não é verdade, embora o problema skinneriano da referência seja outro, como será visto em um momento. A referência não-ostensiva é examinada por Skinner através de outro tipo de comportamento verbal: o intraverbal. Segundo Skinner (1957), o intraverbal é parecido com o tacto no sentido de ser um comportamento verbal a um estado não-verbal de coisas; conseqüentemente, diz-se que o intraverbal também define a relação de referência, mas no sentido de referência não-ostensiva. Por exemplo, Skinner redige que "quando dizemos que a palavra Cesar refere-se a Cesar .., não estamos falando acerca do comportamento de um falante contemporâneo" (1957, pp. 128-129). Psic.: Teor. e pesq., Brasília, 1994, Vo110, N23, pp. 473-487 483 J. A. D. Abib De modo mais amplo, continua a argumentação de Skinner, o discurso do historiador, do cientista, do lógico e do matemático "é também intraverbal e, conseqüen- temente, não é representado adequadamente pela semântica do tacto" (p. 129). Trata-se, porém, para Skinner, de definir o intraverbal não como uma relação não-os- tensiva entre palavras e coisas; mas, isto sim, como uma relação entre palavras e palavras. Ou seja, o intraverbal é um tipo de comportamento verbal que ocorre sob o controle de "vários conjuntos de circunstâncias verbais" (Skinner, 1957, p. 129). Assim, "no comportamento de um falante no século vinte, Cesar atravessou o Rubicão, não é uma resposta a um evento físico especificável, mas sim a um conjunto de estímulos verbais" (Skinner, 1957, p. 129). O problema skinneriano da referência não se situa, então, onde Place (1985) quer colocá-lo; isto é, na insuficiência do tacto para tratar com a referência. não-osten- siva. A resposta skinneriana haveria de ser: "examine-se o intraverbal". No entanto, Skinner prefere replicar que tacto não define referência. Por quê? O problema para Skinner é o próprio conceito de referência. Skinner (1957) argüiu, como já se viu, que nem o mando, nem o ecóico, nem o textual, definem referência. Skinner (1985) afirmou, como já se disse, que o tacto também não define referência; foi quando declarou ainda que o intraverbal tampouco define referência. Em suma, Skinner tematiza e defende uma teoria funcional do significado; desenvolve essa teoria ao especificar cinco tipos de significado através de uma classificação do comportamento verbal; e conclui, finalmente, que nenhumdesses significados define referência. Há, então, que se abandonar o conceito de referência, caso se aceite essa conclusão. Isso significa que a teoria skinneriana do significado é totalmente anti-refe- rencial. O que vale dizer: ela não implica de modo algum a referência, trate-se da referência ostensiva ou não-ostensiva. E por que Skinner abandona o conceito de referência? Sugere-se aqui que se trata da abordagem contextualista que Skinner imprime à sua interpretação do com- portamento verbal. Para elucidar, retome-se estes quatro pontos: (1) o comportamento verbal é modelado e mantido por contingências de reforço no contexto de uma linguagem e de uma cultura; (2) é a história de contingências de reforço que explica a emissão do comportamento verbal; (3) o significado está numa história de contingên- cias de reforço, e é a própria relação de contingência de reforço; e (4) conseqüente- mente, o significado explica a emissão do comportamento verbal. Disso segue-se logicamente que, em última instância, é o contexto da linguagem e da cultura que constrói o significado que explica a emissão do comportamento verbal. Trata-se de uma tese básica do contextualismo, que Morris (1988) assim a expressa: "o contexto impregna o comportamento com significado. O significado do compor- tamento emerge do contexto" (p. 309). É nesse sentido, reitere-se, que se há de entender esta afirmação de Skinner: "para descobrir a "essência" de cadeira, de- veríamos examinar as contingências atuais de reforçamento em uma dada comunida- de ..." (1957, p. 91). Trata-se de um pronunciamento de Skinner sobre o conceito de abstração que, aliás, é endossado por Catania (1984): "a propriedade é definida pelas práticas da comunidade verbal; não depende de nossa capacidade de oferecer medidas físicas independentes" (p. 232). Em outras palavras, não há objetos, eventos, e suas 484 Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, 1994, Vol10, N23, pp. 473-487 .• Comportamento verbal e teoria do significado propriedades que, independentes dos contextos da linguagem e da cultura, possam ser referidos elou representados pelo comportamento verbal. Não cabe, por outro lado, defender que o contexto Introduz uma referência contextualizada - porquanto trata-se mesmo éde explodir o conceito de referência. Com efeito, o contexto no contextualismo skinneriano significa que o comportamento de membros de uma comunidade é govemado por regras; e essas governam pre- cisamente aquilo, isto é, o comportamento de membros de uma comunidade - as regras não descrevem elou governam o comportamento de coisas lá fora, ali no mundo externo. Ouça-se Skinner: "leis científicas também especificam ou implicam respostas e suas conseqOências. Elas não são, naturalmente, obedecidas pela natureza, mas por homens que tratam efetivamente com a natureza. A fórmula 5=1/2# não governa o comportamento da queda dos corpos, ela governa aqueles que predizem corretamente a posição da queda dos corpos em certos mornentcs" (1969, p. 141). Se é assim para a ciência, com mais razão ainda para quaisquer outros tipos de regras. Agora, se o comportamento verbal é reforçado no contexto de uma linguagem e de uma cultura pelo comportamento de seus membros - que é govemado por regras nesse sentido - então é desse contexto ou, o que vale dizer, é dessas regras, que o comportamento yerbal adquire significado. No entanto, essas regras não descrevem elougovemam o Comportamento de coisas ali fora no mundo externo; como, então, seria possível, à vista disso, o comportamento verbal referir-se a alguma coisa, objeto ou evento desse mundo? Há, portanto, que se abandonar o conceito de referência, ou então dizer, com Skinner (1957), que a relação de contingência "é a relação de referência ou significado" (p. 115). Como se há de entender, neste instante, essa afirmação de Skinner, se, até agora, tratava-se justamente de esvaziar e abandonar o conceito de referência? Sugere-se que se trata efetivamente disto, isto é, de esvaziar e de renunciar a esse conceito. Porém, há outra interpretação possível. Primeiro, os conceitos de referência, referência ostensiva e não-ostensiva, impregnam profundamente as linguagens cotidi- ana e especializada; segundo, a eliminação desses termos por certo criaria dificuldl;ldes extraordinárias de fala e de escrita. Assim, é possível que Skinner mantenha o termo referência para contemplar essas dificuldades. Contudo, note-se bem, Skinner formula uma consistente teoria do significado e critica de modo inexorável o conceito de referência. Isso significa que, na afirmação skinneriana anterior, o termo referência é parasitário do termo significado - ao passo que esse é primordial. Desse modo, se alguém quiser utilizar os termos referência ostensiva e referência não-ostensiva, Skinner bem poderia responder: "se voce assim o deseja ... , eu porém interpretarei o que for dito em termos de tacto e intraverbal". Ou seja, o conceito de referência é dispensável. E chega-se assim, mais uma vez, ao que se vem procurando demonstrar: isto é, não há lugar na teoria skinneriana do significado para o conceito de referência. CONCLUSÃO Se o comportamento verbal tem significado, então ele também significa; ou seja, não há significado sem algo ou uma relação que signifique - e o comportamento verbal signifICa como uma relação. Em outras palavras, se, como argumentou Skinner, uma Palc.: Teor. e Peaq., Brunia, 1994, Vo110, N23, pp. 473-487 485 J. A. D. Abib resposta verbal a uma situação não é o significado, e tampouco o é a própria situação; então, uma resposta verbal a uma situação é uma relação que significa uma outra relação, isto é, um significado. Assim, uma relação atual entre uma resposta verbal e uma situação significa uma outra relação que é a história de contingências de reforço - isto é, o significado - responsável pela instanciação daquela relação no presente. Nesse sentido, o comportamento verbal é sempre significativo e é sempre explicado por significados - mesmo que desvelá-los não seja uma tarefa simples. Se o comportamento verbal é significativo e é explicado por significados, há, então, uma tarefa para o intérprete do comportamento verbal, cujo esboço poderia ser o seguinte: (1) circunscrever o seu objeto de estudo como a ação verbal significativa de indivíduos nos contextos da linguagem e da cultura; (2) delimitar o seu método de investigação como a interpretação do significado da ação verbal significativa de indivíduos nos contextos da linguagem e da cultura; (3) concentrar-se, fundamental- mente, na geração incessante de mais comportamento verbal nos contextos da linguagem e da cultura, para interpretar o comportamento verbal que está sendo o objeto de estudo; (4) manter a tese do contextualismo sempre presente, pois é no contexto que se pode interpretar como alguém pode dizer o que não pretende ou não dizer o que pretende. Diga-se agora, en passant e para concluir este texto, que não é possível deixar de notar que tratar o comportamento verbal como ação humana significativa, cujo método é a interpretação; e criticar, como Skinner faz, as abordagens tradicionais sobre a linguagem, o significado e a referência; converge para algumas das teses em voga dos pós-estruturalismos, pós-modernismos, e também para a interpretação hermenêu- tica das ciências humanas. Por exemplo, Ricoeur (1971) defende que o objeto das ciências humanas é a ação humana significativa - incluída aí o comportamento governado por regras, tal como foi apresentado por Winch (1970), que, em parte, foi buscar sua inspiração lá em Wittgenstein - e também, que o método dessas ciências é a interpretação hermenêutica. E ainda: Rorty (1979) fundamenta sua interpretação anti-representacional do conhecimento, principalmente, em uma devastadora crítica dos conceitos tradicionais de linguagem e referência. Respeitadas as diferenças de tradições de pensamento, de disciplinas e de vocabulário,Skinner desponta como um pensador não só da cultura mas também da atualidade. REFERÊNCIAS Catania, A.C. (1984). Learning. New Jersey: Prentice-Hall. Chomsky, N. (1959). Verbal behavior, by 8. F. Skinner. Language, 35, 26-58. Hirst, R.J. Realism (1972). Em P. Edwards (Org.), The Encyclopedia ofphilosophy(voI7, pp. 77-83). London: Collier MacMillan Publishers. Jaeger, M.E. & Rosnow, R. L. (1988). Contextualism and its implications for psychologi- cal inquiry. British Journal of Psychology, 79,63-75. Lee, V.L. (1984). Some notes on the subject matter of Skinner's Verbal behavior. Behavíorism, 12, 29-40. 486 Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, 1994, Vol10, N23, pp. 473-487 Comportamento verbal e teoria do significado " Lyons, J. (1980). Semântica I. Lisboa: Editorial Presença. MacCorquodale, K. (1969). B.F. Skinner's Verbal behavior: A retrospective apprecia- tion. 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