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ABIB (1994)_Contextualismos e Comportamento Verbal

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o CONTEXTUALISMO DO COMPORTAMENTO VERBAL:
A TEORIA SKINNERIANA DO SIGNIFICADO E SUA CRíTICA
AO CONCEITO DE REFERÊNCIA 1
José Antônio Damásio Abib2
Universidade Federal de São Carlos
RESUMO - Este ensaio examina a crítica de Skinner à teoria tradicional do
significado, seja como expressão de idéias ou como referência. Explica-se,
a seguir, a teoria skinneriana do significado, que não comporta o conceito
de referência. Finalmente, argumenta-se que a base da teoria de Skinner
e de sua crítica ao conceito de referência está no contextualismo do
comportamento verbal. Em outras palavras, os contextos da linguagem e
da cultura, que são integrados ao comportamento verbal, terminam
atribuindo-lhe significados sem recorrer ao conceito de referência: o com-
portamento verbal significa e é explicado por significados nos contextos da
linguagem e da cultura.
Palavras-chave: teoria tradicional do significado, teoria skinneriana do
significado, crítica skinneriana do conceito de referência, contextualismo
do comportamento verbal.
THE CONTEXTUALISM OF VERBAL BEHAVIOR:
SKINNER'S THEORV OF MEANING ANO HIS CRITICISM
OF THE CONCEPT OF REFERENCE
ABSTRACT - This essay deals with Skinner's criticism of the traditional
theory of meaning - meaning as the expression of ideas or as reference.
Skinner's theory of meaning, which does not involve the concept of refer-
ence, ís then explained. Finally, it is argued that the basis of Skinner's theory
and of his criticism of the concept of reference is the contextualism of verbal
behavior. In other words, the context of language and of culture, which are
an integral part of verbal behavior, bestow meaning to it without invoking
the concept of reference: verbal behavior has meaning and is explained by
meanings in the context of language and culture.
1 Versão modificada de trabalho apresentado no simpósio: Skinner e a Interpretação do Comportamento Verbal
nos Anos 90: Implicações Epistemológicas, Empíricas e Aplicadas. XXII Reunião Anual de Psicologia de
Ribeirão Preto, 1992.
2 Endereço: Universidade Federal de São Carlos, Depto. de Filosofia e Metodologia das Ciências, Via
Washington Luiz km 235, 13565-905 São Carlos SP.
Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, 1994, Vol10, N9 3, pp. 473-487 473
J. A. D. Abib
Key-words: traditional theory of meaning, Skinner's theory of meaning,
Skinner's criticism of the concept of reference, contextualism of verbal
behavior.
Segundo Skinner (1957) e Lyons (1980), a teoria tradicional do significado - em
qualquer de suas duas versões, isto é, como teoria da expressão de idéias ou como
teoria referencial do significado - é uma teoria semântica do significado (com origem
na semântica filosófica, na lingüística e na semiótica), cujo propósito é explicar o
comportamento verbal, o comportamento lingüístico ou, simplesmente, a fala.
Skinner (1957) não aceita essa teoria. Preliminarmente, ele critica as definições
tradicionais do termo comportamento verbal. Em seguida, define-o de tal modo que já
não pode mais identificá-lo com os termos comportamento lingüístico e fala - e é em
parte por isso que já não pode também admitir qualquer versão da teoria tradicional do
significado. Finalmente, Skinner (1957) elabora uma teoria funcional do significado para
explicar o comportamento verbal.
Refaz-se aqui essa trajetória skinneriana com o objetivo de mostrar que, no
mesmo passo em que sustenta uma teoria funcional do significado, Skinner esvazia a
noção de referência ou, na melhor das hipóteses, reserva-lhe um lugar meramente
parasitário na teoria - alternativa que só demonstra, de outro modo, que a noção é tão
inútil quanto prescindível. Skinner explode a noção de referência porque a teoria
funcional do significado que elabora e defende é uma teoria contextualista do significado
- esclarecer essa afirmação é a outra meta deste texto.
o CONTEXTUALlSMO DO COMPORTAMENTO VERBAL:
LINGUAGEM E CULTURA
Segundo Skinner (1957), o comportamento verbal tem sido associado a "práticas
semânticas e sintáticas" (p. 4); conseqüentemente, o termo comportamento verbal"não
identifica claramente um objeto de estudo" (p. 4). Em outras palavras, na semântica, o
comportamento verbal é entendido como um meio de expressão de significados, e
também como um fenômeno que há de ser explicado por esses mesmos significados
- isto é, idéias, conceitos, imagens, sentimentos e desejos (Skinner, 1957). Na sintaxe,
o comportamento verbal é submetido a uma explicação formal e/ou estrutural; por
exemplo, o falante compõe uma sentença aplicando regras gramaticais, que podem
pressupor tanto o inatismo quanto o mentalismo - como no caso do estruturalismo
lingüístico de Chomsky (Skinner, 1957, 1969, 1974).
De acordo com Lyons (1980), a lingüística estrutural explica o comportamento
verbal através de um sistema lingüístico subjacente - isto é, a língua (Ia langue), no
sentido de Sausurre; e a competência, no sentido de Chomsky. O termo comportamento
verbal significa aí o mesmo que os seus congêneres comportamento lingüístico e fala.
De fato, Chomsky (1959) usa os termos comportamento verbal e comportamento
lingüístico no mesmo sentido. Lyons (1980) define o termo comportamento lingüístico
por referência a fala (parole), no sentido de Saussure; e performance, no sentido de
Chomsky. Lee (1984) escreve que, para lingüistas e psicolingüístas, "linguagem não é
comportamento, mas uma entidade que subjaz a fala, leitura, escrita e gesto" (p. 30).
474 Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, 1994, Vo110, N2 3, pp. 473-487
Comportamento verbal e teoria do significado
Em suma, o termo linguagem refere-se a um sistema lingüístico subjacente por meio
do qual se explica o comportamento verbal.
Skinner (1957) não aceita essas interpretações semânticas e sintáticas do
comportamento verbal - seja porque reduz-se a um meio de expressão de significados,
ou de regras gramaticais (por vezes inatas e mentais); seja porque admite-se que se
possa explicá-lo através dessas mesmas regras e significados. Skinner (1957) também
não aceita que o fenômeno da fala esgote o significado do termo comportamento verbat,
e se, de acordo com a par/ance estruturalista, comportamento lingüístico refere-se ao
mesmo que fala, então o fenômeno do comportamento lingüístico também não esgota
o significado do termo comportamento verbal.
Skinner (1957) aceita, entretanto, que os termos comportamento verbal e lin-
guagem não se referem aos mesmos fenômenos. Segundo Lee (1984), Skinner está
de acordo, portanto, com os lingüistas, ao diferenciar linguagem de comportamento
verbal; porém, com este adendo: não há que se confundir a definição skinneriana de
linguagem com as de uso corrente na lingüística. Ou seja, segundo Skinner (1957),
comportamento verbal refere-se ao comportamento de indivíduos, e linguagem "refere-
se às práticas de uma comunidade lingüística em vez de ao comportamento de qualquer
um de seus membros" (p. 2).
Trata-se, à vista disso, de definir o conceito de comportamento verbal; e também
de diferenciá-lo dos conceitos não só de fala e comportamento lingüístico, bem como
de comportamento não-verbal e linguagem.
Segundo Skinner (1957), o comportamento verbal é o comportamento operante
cuja topografia pode ser vocal, escrita, gestual, ou facial. Do ponto de vista formal,
portanto, esse conceito é mais abrangente do que os conceitos de fala e compor-
tamento lingüístico. Com efeito, para os lingüistas os termos fala e comportamento
lingüístico ou se referem estritamente a comportamentos vocais, ou então a compor-
tamentos não vocais (por exemplo, expressões faciais). E, para eles, comportamentos
não vocais são "parasitários da linguagem" e/ou "paralingüísticos", isto é, são não
verbais (Lyons, 1980, p. 60) enquanto, para Skinner (1957), comportamentos vocais e
não-vocais são fundamentais para a sua definição de comportamento verbal.
O comportamento verbal é comportamento operante de naturezasocial; isto é,
ao menos dois indivíduos estão envolvidos - por exemplo, um falante e um ouvinte; ou,
mesmo quando há apenas um indivíduo - por exemplo, um pensador solitário que fala
e ouve, revê a fala e ouve novamente ..., ainda assim, o comportamento verbal é de
origem social. Trata-se de uma afirmação que tem sido questionada. Por exemplo, Lee
(1984) argumenta que não há uma justaposição perfeita entre os dois conceitos
skinnerianos, seja porque uma situação de cooperação social pode envolver relações
meramente não-verbais ou mecânicas entre duas pessoas, seja porque o pensador
solitário constitui-se, de qualquer modo, em apenas uma pessoa. Em que pese a
importância dessas objeções, elas podem ser francamente atenuadas se se afirma que
o comportamento verbal é de natureza social e/ou de origem social - embora possa
haver comportamento social não-verbal.
De acordo com essas duas características do comportamento verbal, sua
natureza social e sua topografia vocal e não-vocal, é possível diferenciá-lo do compor-
tamento não-verbal. Realmente, o comportamento verbal, sob uma de suas variantes
formais, modifica o ambiente através do comportamento de uma outra pessoa; ao passo
Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, 1994, Vo110, Nll3, pp. 473-487 475
J. A. D. Abib
que o comportamento não-verbal o faz sem o envolvimento, ao menos explícito, de
qualquer pessoa. A relação do comportamento verbal com o ambiente é indireta,
mediata, e não-mecânica; enquanto no caso do comportamento não-verbal ela é direta,
não-mediata e mecânica. É a diferença que há, por exemplo, entre ser bem sucedido
ao solicitar ou apontar um copo de água a alguém, e levantar-se sozinho e pegá-lo.
De acordo com Skinner (1957), o conceito de comportamento verbal não se refere
ao comportamento do ouvinte; aplica-se apenas ao comportamento verbal do falante.
Trata-se aqui de duas delimitações que Skinner introduz em seu programa de pesquisa
do comportamento verbal. Ou seja, primeiro, toma-se o comportamento verbal-vocal
como o protótipo do comportamento verbal; segundo, embora o comportamento do
falante seja sempre verbal ou não-mecânico, pode, no entanto, produzir efeitos não-
verbais ou mecânicos não só no ambiente como também no comportamento do ouvinte
- por exemplo, o falante diz: ''traga-me um copo de água, por favor"; o ouvinte levanta-se
e entrega-lhe um copo de água. O comportamento do ouvinte pode, pois, ser não-verbal
ou mecânico, como nesse exemplo - embora possa, obviamente, também ser verbal.
Há, contudo, um sentido importantíssimo em que o comportamento do ouvinte é
abordado por Skinner. Isto é, um ouvinte é um membro de uma comunidade verbal que
modela e mantém o comportamento do falante de acordo com as práticas de re-
forçamento da comunidade. É nesse sentido que, se o ouvinte já não houvesse
aprendido a responder ao comportamento do falante, muito pouco do comportamento
do falante poderia ser adquirido ou modelado, mantido, e finalmente explicado (Skinner,
1957).
Em suma, é possível definir o termo comportamento verbal assim: trata-se de
uma expressão que se refere ao comportamento de falantes individuais; que é mode-
lado e mantido por conseqüências mediadas por ouvintes, ou por representantes da
comunidade verbal, conforme as práticas de reforçamento dessa comunidade.
Dito isso, é hora de examinar a definição skinneriana de linguagem. Trata-se, em
primeiro lugar, de inscrever a linguagem na cultura. Com efeito, como já se disse,
Skinner (1957) define linguagem como "as práticas de uma comunidade lingüística" (p.
2); e isso significa, no vocabulário de Skinner, "as práticas de reforçamento de
comunidades verbais" (p. 461); e enfim, dito com toda precisão, "uma linguagem não
é {definida} pelas palavras e sentenças "faladas nela"; ela é o isto (i~ no qual elas são
faladas - as práticas da comunidade verbal que modelam e mantêm o comportamento
de falantes" (1969, p. 12). Logo em seguida insere a linguagem na cultura: "{operantes
verbais} são mantidos por ambientes verbais ou culturas - isto é, por ouvintes" (1989,
p. 87). As comunidades verbais são, portanto, culturas constituídas por ouvintes. Assim,
\ estar vis-à-vis a um ouvinte é estar frente a frente com uma comunidade verbal, com
uma linguagem, ou com uma cultura.
Trata-se, agora, e em segundo lugar, de esclarecer de modo mais preciso,
através de um breve exame do conceito skinneriano de gramática, o que significa
linguagem enquanto práticas de reforçamento de comunidades verbais. Segundo
Skinner (1969), o termo gramática refere-se às "regras que descrevem arranjos
convencionais de palavras" (p. 87). No sentido skinneriano, as regras são descobertas
através da descrição de contingências; conseqüentemente, gramáticas são regras
descobertas por meio da descrição de um tipo específico de contingência - as
contingências verbais.
476 Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, 1994, Vol10, Nº 3, pp. 473-487
Comportamento verbal e teoria do significado
A argumentação de Skinner é grosso modo a seguinte: (1) os homens falaram
sem o benefício de regras por milhares de anos; (2) contudo, a efetividade das
contingências verbais era muito variável; (3) nessas circunstâncias, "uma descrição de
contingências na forma de regras gramaticais permitiu aos homens falar corretamente
através da aplicação de regras em vez de através de uma longa exposição às
contingências" (1969, p. 141); e (4) são "essas mesmas regras que são úteis na
instrução e na manutenção do comportamento verbal em conformidade com os
costumes (usages) da comunidade" (1969, p. 141).
O termo linguagem refere-se assim a práticas de reforçamento de comunidades
verbais que são governadas por regras gramaticais. Está-se a um passo de dizer que
linguagem é o comportamento de ouvintes governado por regras gramaticais. E há
motivos para não se dizer? É Skinner (1989) quem sugere essa possibilidade: "uma
linguagem é um tipo de comportamento .... ela existe mesmo quando ninguém a está
falando .... suas práticas estão registradas em ... gramáticas" (p. 87). Agora, práticas
registradas em gramáticas denominam-se regras gramaticais. Desse modo, parece
haver evidências suficientes para definir linguagem como o comportamento de ouvintes
governado por regras gramaticais. Além disso, como o uso dessas regras se dá em
conformidade com os costumes da comunidade, então a linguagem é um fenômeno
dependente do contexto da cultura, no sentido do contextualismo - como será visto em
um instante.
Defendia-se no início desse texto que linguagem não é comportamento; havia
assim um motivo para não afirmar o contrário. No entanto, o que se argumentava era
que linguagem não é comportamento verbal. Portanto, quando Skinner (1989) se refere
à linguagem como um tipo de comportamento, não há que se pensar em compor-
tamento verbal; mas sim em comportamento de comunidades verbais governado por
regras gramaticais no contexto da cultura.
Se a linguagem insere-se na cultura e é um fenômeno dependente dos costumes
da cultura, então há que se esclarecer brevemente o sentido skinneriano do termo
cultura. Skinner (1990) argumenta que a evolução cultural não é um processo biológico
e que as culturas humanas são exclusivamente humanas. Além disso, defende que a
evolução cultural produziu um pluralismo cultural que é de natureza freqüentemente
conflitiva. Finalmente, sugere que cabe às ciências humanas, especialmente à história
e à antropologia, compreender esse pluralismo de culturas conflitantes. Na verdade,
Skinner (1957) já tinha comentado que as comunidades verbais se diferenciam por
seus interesses específicos, que se verificam pelas diferenças em suas práticas de
reforçamento - por exemplo, as comunidades literárias estão interessadas na lin-
guagem metafórica e no simbolismo, ao passo que as comunidades científicas,
diferentemente das anteriores, dedicam-se às conseqüências práticas de suas ativi-
dades.
O que se pode concluiraté agora é o seguinte: (1) o comportamento verbal é um
fenômeno dependente do contexto da linguagem; e (2) a linguagem é um fenômeno
dependente do contexto da cultura. A palavra contexto há de ser tomada no sentido do
contextualismo, de tal modo que o termo dependente do contexto, em ambos os casos,
signifique indissociabilidade entre os fenômenos e os contextos ali indicados.
A definição skinneriana de comportamento verbal e linguagem é contextualista
no sentido defendido por Jaeger e Rosnow (1988) e Morris (1988). Segundo esses
Psic.: Teor. e Pesq., BrasOia, 1994, Vo110, N23, pp. 473-487 477
J. A. D. Abib
autores, o contextualismo busca sua inspiração lá na filosofia pragmática norte-ameri-
cana, para defender a investigação de fenômenos dependentes do contexto. De acordo
com Jaeger e Rosnow (1988), o contextualismo "requer uma mudança na visão de
contexto como alguma coisa externa, meramente colidindo sobre o comportamento,
para ver o contexto como integrado no próprio fenômeno" (p. 72). De acordo com Morris
(1988), o contextualismo "harmoniza-se bem com a abordagem de Skinner' (p. 303).
Dizer, então, que o fenômeno é dependente do contexto significa que o contexto está
integrado ao fenômeno; isto é, a relação entre o fenômeno e o contexto é interna,
intrínseca e indissociável ou, dito de outro modo, trata-se de uma relação que não é
externa, extrínseca ou dissociável.
Agora, se a linguagem é um fenômeno dependente do contexto da cultura, e se,
- ( como argumenta Skinner, existe um pluralismo conflitante de culturas, então as culturas
são específicas, bem como também as linguagens; e, nesse sentido, dissociar as
linguagens de seus contextos culturais é torná-Ias incompreensíveis. Ou seja, é a
natureza específica das culturas qus lhes confere internalidade, ou integração no
próprio fenômeno da linguagem; e é também por isso que a linguagem é um fenômeno
dependente do contexto interno ou intrínseco da cultura. É por um raciocínio similar
que também se há de afirmar que a linguagem está integrada ao fenômeno do
comportamento verbal; e, ainda, que o comportamento verbal é um fenômeno depen-
dente do contexto interno, ou intrínseco da linguagem.
Feitos estes comentários, é possível neste instante circunscrever melhor o
conceito de comportamento verbal. Há que se enfatizar, primeiro, que o termo compor-
tamento verbal refere-se ao comportamento do falante que é emitido em uma dada
ocasião. Ou seja, o objeto de interesse é a probabilidade momentânea de uma resposta
verbal- não se trata da probabilidade total que a resposta possa ter no repertório verbal
de um falante em função da mera passagem do tempo. Por exemplo, os pronomes
pessoais e possessivos podem ter uma probabilidade total insignificante no repertório
de um indivíduo e, contudo, podem ter sua probabilidade momentânea elevada em uma
dada ocasião. A pergunta skinneriana crucial é: que ocasiões momentâneas ocor-
reram?
É importante, porém, reafirmar, em segundo lugar, que o termo comportamento
verbal refere-se ao comportamento do falante individual, internamente relacionado com
os contextos da linguagem e da cultura - o que significa dizer que a probabilidade
momentânea de uma resposta verbal depende desses contextos. Efetivamente, pois
se - de acordo com Skinner (1957), primeiro, "para descobrir a "essência" de cadeira,
deveríamos examinar as contingências atuais de reforçamento em uma dada comuni-
dade ..." (p. 91); segundo, "o controle de estímulos de cadeira é ditado em última
instância pelo uso que a comunidade reforçadora faz de cadeiras" (p. 91); e terceiro, o
ouvinte exerce um "segundo papel" (Skinner, 1989, p. 87), isto é, o de representar uma
ocasião ou uma audiência para o comportamento do falante - então torna-se inevitável
concluir que o controle de estímulos exercido pelos objetos e eventos que estão ali fora
no mundo externo é inteiramente mediado pela linguagem e pela cultura. Assim, a
probabilidade momentânea de uma resposta verbal vis-à-vis com um ouvinte e/ou
objetos e eventos do mundo externo é uma probabilidade frente a frente com uma
linguagem e uma cultura.
478 Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, 1994, Vo110, Nº 3, pp. 473-487
Comportamento verbal e teoria do significado
A definição skinneriana do comportamento verbal delimita um legítimo objeto de
estudo para a psicologia, e mostra bem não só como a psicologia pode contribuir e
participar do discurso das ciências humanas, como também em que sentido Skinner é,
indubitavelmente, um pensador da cultura. Dito isso, é hora de examinar a crítica de
Skinner à teoria tradicional do significado.
A TEORIA TRADICIONAL DO SIGNIFICADO
E A CRíTICA SKINNERIANA
Segundo Lyons (1980), a teoria tradicional do significado, em uma de suas
versões, isto é, como teoria da expressão de idéias, sustenta que palavras significam
coisas indiretamente através de idéias. Há, assim, primeiro, uma relação de significação
direta entre palavras e idéias - isto é, palavras significam idéias que são, então,
consideradas como os significados das palavras; segundo, há uma relação de signifi-
cação indireta entre palavras e coisas - ou seja, palavras significam coisas, denomi-
nadas designata ou as coisas deslgnadas, através de seus próprios significados: as
idéias. Trata-se, portanto, de uma complexa teoria da significação que defende uma
intrincada relação entre palavras, idéias, e coisas; além disso, palavras que servem
como um meio de expressão de idéias, que, quando são proferidas, encontram sua
explicação nas próprias idéias que expressam.
Segundo Lyons (1980), a crítica a essa teoria da significação já é antiga: ela não
escapou à controvérsia de se o termo idéia refere-se a universais ou particulares. De
acordo com Urmson (1972), encontra-se em Platão o termo idéia no sentido não só de
formas, exemplares, ou paradigmas perfeitos; mas também de universais. Isto é, nas
palavras de Urmson: "ele fala algumas vezes da presença da forma no particular ou
dos particulares como participando na forma" (1972, p.118). Hirst (1972) afirma que "no
inicio da história da filosofia, particularmente no pensamento medieval, o termo realismo
foi usado, em oposição ao nominalismo, para a doutrina de que os universais têm uma
existência real e objetiva" (p. 77). Ou seja, de um lado, a controvérsia universais-par-
ticulares inscreve-se na controvérsia mais ampla realismo-nominalismo; de outro lado,
a defesa que o realismo faz das idéias como universais com existência real e objetiva
significa que elas existem independentemente da mente que percebe e/ou conhece.
Segundo Lyons (1980), os nominalistas medievais argumentavam que os univer-
sais são apenas nomes que significam particulares ou indivíduos. Por exemplo, o nome
vermelho significa "apenas coisas vermelhas" (p. 97); e não que há "uma entidade como
o vermelho" (p. 97). Em suma, a teoria da significação defronta-se com esta dificuldade
antiga e primordial: o termo idéia refere-se a universais ou a particulares?
Essa expressão adquiriu com Descartes o sentido de representação mental -
embora Urmson (1972) comente que esse sentido já era corrente por essa época. No
sentido cartesiano, o termo idéia significa imagem, conceito e, na verdade, qualquer
objeto de pensamento; e, segundo Urmson (1972), o uso cartesiano do "termo para
denotar qualquer objeto de pensamento tornou-se o padrão na filosofia através de
escritos influentes tais como ... o Ensaio de Locke" (p. 119). O termo idéia significa
agora uma representação da mente que conhece e percebe - é, portanto, a teoria
realista dos universais que é abandonada.
Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, 1994, Vo110, N2 3, pp. 473-487 479
J. A. D. Abib
A crítica de Skinner (1957) dirige-se à teoria da expressão de idéias tomado esse
termo no sentido cartesiano e pós-cartesiano. Skinner (1957) comenta: "diz-se que
idéias é o que passa através da mente do falante ... " (p. 6); ou "idéias(como
"sentimentos" e "desejos") devem estar no interior do organismo ... " (p. 7); ou ainda,
idéias não somente "apelam para imagens" (p. 6), como conduzem à "investigação de
processos de pensamento que subjazem o comportamento verbal" (p. 6).
A crítica de Skinner refere-se, em parte, à dificuldade de se obter evidências para
a existência de idéias: ocorre uma regressão infinita de expressões que terminam por
identificar a idéia com a própria expressão - por exemplo, uma expressão é parafra-
seada em outra com o mesmo significado, e assim sucessivamente; ou aceita-se dois
níveis de observação (o da idéia e o da expressão), quando, na verdade, existe apenas
um - o da expressão. O resultado, em ambos os casos, é que as idéias tornam-se
hipostasiadas, ou seja, adquirem uma falsa existência, e desse modo substancializadas
passam a explicar o comportamento verbal.
A outra parte da crítica de Skinner, que se relaciona de perto com a anterior,
baseia-se em suas críticas das abordagens tradicionais do comportamento verbal. Com
efeito, se o ~rmo comportamento verbal significa comportamento lingüístico ou fala,
então o conceito de comportamento verbal pode ser compreendido como um meio de
expressão de idéias. Skinner (1957) afirma que, segundo esse conceito de compor-
tamento verbal, "a fala tem uma existência independente e separada do comportamento
do falante" (p. 7). Além disso, a fala passa a ser entendida como o uso de palavras que,
como ferramentas ou instrumentos, serve para expressar idéias. Skinner (1957) não
aceita esse conceito de fala e de comportamento verbal; conseqüentemente, critica a
teoria da expressão de idéias. Efetivamente, não concorda que "um falante usa uma
palavra porque tem a intenção de expressar um significado" (1969, p. 11). Na verdade,
a crítica de Skinner (1969) a essa teoria atinge também o estruturalismo lingüístico,
porquanto não consente que o falante "compõe uma sentença (aplicando em parte
regras sintáticas possivelmente inatas) para expressar uma idéia ... " (p. 11).
Após descartar a teoria da expressão de idéias, Skinner pergunta-se se a teoria
da significação não pode ser defendida em sua outra versão, isto é, como teoria
referencial do significado. Segundo Lyons (1980), essa teoria afirma que palavras
significam diretamente as coisas - que são então denominadas referentes. Isso significa
dizer que o significado de palavras são os seus referentes, ou as próprias coisas. No
vocabulário de Skinner (1957), essa teoria atribui "uma existência independente a
significados" (p. 7), no sentido de que "há uma possibilidade promissora de que
significados possam ser mantidos fora da pele (outside the skin). Nesse sentido, eles
são tão observáveis quanto qualquer parte da física" (p. 8).
A crítica de Skinner continua, contudo, implacável. Nesse caso, trata-se de
mostrar, em primeiro lugar, toda a dificuldade, e em alguns casos até mesmo a
impossibilidade, de se descobrir os referentes que são os significados das palavras. É
com esse propósito que ele percorre e comenta desde os nomes próprios, comuns e
abstratos, até as sentenças, preposições e conjunções. Embora relutante, Skinner
(1957) concorda que nomes próprios tenham referentes, já que entre eles e as coisas
há uma correspondência biunívoca; porém, não admite que os referentes de nomes
próprios se constituam em seus significados - por exemplo, Skinner pergunta: "é João
ele mesmo o significado de João? Certamente ele não é transmitido ou comunicado
480 Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, 1994, Vo110, N23, pp. 473-487
Comportamento verbal e teoria do significado
quando a palavra é usada" (1957, p. 8). De resto, segundo Lyons (1980), "a perspectiva
filosófica mais aceita hoje em dia é que eles {os nomes próprios} podem ter referência,
mas não sentido {Lyons usa sentido para referir a significado, p. 163} ..." (p. 180).
Em relação aos nomes comuns, Skinner (1957) pergunta: "qual é o significado
de gato?" (p. 8) e, em seguida, faz mais três perguntas que levantam três problemas
da teoria referencial do significado. Primeira, "é algum gato?" (p. 8) - um problema de
referência indefinida, isto é, há um indivíduo específico embora não identificado (Lyons,
1980); segunda, "é a totalidade física de todos os gatos?" (p. 8) - um problema de
referência geral, isto é, há uma referência temporal à classe (Lyons, 1980); terceira, "é
a classe de todos os gatos?" (p. 8) - um problema de referência genérica, isto é, há
uma referência intemporal à classe (Lyons, 1980). Com respeito a nomes e termos
abstratos como átomo e espírito dos tempos, a descoberta de referentes é, segundo
Skinner (1957), ainda mais difícil.
Skinner (1957) observa que, segundo a teoria referencial do significado, sen-
tenças não somente se referem a coisas mas também dizem algo sobre elas. Ou seja,
sentenças transmitem ou comunicam proposições. Skinner (1957) comenta, porém,
que o termo proposição é muito similar a idéia; conseqüentemente, é possível dirigir
àquele termo as-mesmas críticas já dirigidas a esse último. Além disso, há um problema
de petição de princípios. De fato, uma proposição é usualmente definida como o
conjunto de todas as sentenças que em todas as linguagens significam o mesmo que
qualquer uma desse conjunto. Mas, Skinner (1957) argumenta que é impossível
identificar essa proposição se o seu significado não for previamente conhecido e,
portanto, "nós nos descobrimos diante do nosso problema original" (p. 8).
No caso de preposições e conjunções, os referentes são tão difíceis de descobrir
que se tornou necessário, nas palavras de Skinner, "olhar no interior do organismo para
a intenção do falante, atitude, sentimento, ou alguma outra condição psicológica" (1957,
p. 8). Esse é precisamente o segundo ponto da crítica de Skinner à teoria referencial
do significado.
Segundo Skinner (1957), trata-se, a esta altura, de recorrer ao conceito de
significado conotativo - no sentido psicológico do termo - para compensar as deficiên-
cias do significado denotativo. Ou seja, há que se investigar a relação intencional entre
o comportamento do falante e a referência não-ostensiva; isto é, a referência que é
acerca de alguma coisa, mas que, contudo, não pode ser mostrada - uma situação que,
no limite, pode conduzir à ''fala absoluta", ou "a fala sem referência": a fala de um poeta
ou de um louco?
Skinner (1957) disse contra esse tipo de abordagem que "não podemos suple-
mentar com sucesso uma estrutura da referência semântica apelando para a intenção
do falante até que uma apreciação psicológica satisfatória da intenção possa ser
oferecida" (p. 9). E disse mais: "quando alguns significados são classificados como
emotivos invade-se um outro campo psicológico difícil e relativamente pouco desen-
volvido" (p. 9).
Se a teoria referencial do significado não pode esclarecer as relações entre o
significado denotativo e a referência ostensiva, nem tampouco aquelas entre o signifi-
cado conotativo e a referência não-ostensiva, então não resta a Skinner outra alterna-
tiva senão a de abandonar também essa versão da teoria tradicional do significado e,
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assim, livrar-se de vez dessa teoria para buscar uma resposta em um local não-tradi-
cional: a sua teoria funcional do significado.
A TEORIA SKINNERIANA DO SIGNIFICADO E SUA
CRíTICA DA REFERÊNCIA
Skinner (1957) apresenta um projeto de interpretação do comportamento verbal
que consiste em descrevê-lo e explicá-lo. Descrevê-lo significa definir a sua forma ou
topografia - o que já foi visto na primeira parte desse texto. Explicá-lo significa recorrer
às contingências de reforço - por exemplo, se um indivíduo fala em uma dada ocasião
e é reforçado por um ouvinte, então a probabilidade de emissão dessa fala tende a
aumentar em ocasiões similares a anterior, esteja o ouvinte presente ou não.
Skinner (1957,1969,1974) fundamenta a teoria funcional do significado também
em termos do conceito de contingências de reforço. Com efeito, referindo-se à expli-
cação do comportamento verbal através da relação entre a ocasião, a resposta, e a
conseqüência, Skinner afirma: "com respeito ao falante, esta é a relação de '" signifi-
cado" ( 1957, p. 115). Portanto, o significado é definido como uma relação. Ou seja, o
significado não está na situação ou na resposta. Nas palavras de Skinner, "o significado
não é propriamente considerado como uma propriedade de uma resposta ou de uma
situação ..." (1974, p. 90); ou ainda, "o significado de uma resposta não é sua topografia
ou forma ... o significado não está na situação atual..." (1974, p. 90). E aonde está,
então, o significado? Skinner responde: "o significado está numa história" (1974 , p. 90);
e logo esclarece o tipo de história: "... história de exposição às contingências" (p. 90);
para finalmente elucidar que as contingências são "responsáveis tanto pela topografia
do comportamento quanto pelo controle exercido por estímulos" (p. 90).
Há que se concluir, então, que: se o comportamento do falante é controlado por
estímulos em função de uma história de contingências a que foi exposto; e se as
contingências são relações; e se, finalmente, o significado está na história de contingên-
cias, e é também a relação de contingências a que o falante foi exposto; então o
comportamento do falante é controlado por significados - desde que se entenda o termo
significado através do vocabulário skinneriano. Ou seja, é possível defender que
Skinner tem uma teoria funcional do significado (aliás, o termo teoria funcional do
significado é skinneriano - 1957, p. 370) para explicar o comportamento verbal, que é
fundamentada no conceito de contingências de reforço.
A teoria funcional do significado sugere um conceito de significado que não
implica a referência. Efetivamente, existem tipos de comportamento verbal - como o
ecóico, o textual, e o mando - que têm significados diferentes em função de suas
histórias específicas de reforçamento, mas que nem por isso se referem, indubitavel-
mente, a algo; ou ainda, os referentes originais desses comportamento são prova-
velmente irrelevantes, como nos casos do ecóico e textual. Por exemplo, referindo-se
aos comportamentos verbais ecóico - uma "resposta que produz um padrão de som
similar àquele do estímulo" (Skinner, 1957, p. 55) -, e textual - uma resposta verbal a
um estímulo escrito -, Skinner escreve: "quando repetimos ou lemos uma passagem
do comportamento verbal, não estamos necessariamente nos "referindo a alguma
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coisa" (1957, p. 128); e logo antes redigiu que "os referentes originais podem não ser
relevantes" (p. 128).
Em relação ao mando - que é um comportamento verbal reforçado por uma
conseqüência específica à condição motivacional do falante, por exemplo: "passe o sal!
especifica uma ação (passar) e um reforçamento final (o sal)" (Skinner, 1957, p. 369)-
Skinner (1957) critica mais uma vez a teoria referencial do significado por ela não só
implicar que a palavra ganha significado por se referir a uma coisa, como também por
incorporar e estimular a noção de uso da palavra - no caso do mando, usa-se a palavra
para pedir alguma coisa. Skinner (1957) comenta que essa teoria é insuficiente para
explicar a aquisição de vários tipos de mandos, bem como não se aplica para muitos
outros casos - por exemplo, Skinner pergunta: qual é o referente de por favor1? (1957,
p. 128). De modo geral, Skinner (1957) argumenta que é difícil, se não for impossível,
encontrar referentes para mandos como pedidos, comandos, conselhos, avisos, per-
missões, propostas, e apelos.
Esses tipos de comportamento verbal, ou esses tipos de significados, não
implicam a referência precisamente porque não se referem a coisa alguma - são
anti-referencTãis.
Há, porém, algum tipo de comportamento verbal que se refira a alguma coisa?
Aparentemente essa função poderia ser preenchida pelo comportamento verbal de-
nominado tacto (taet); de fato, pois um tacto "é evocado (ou pelo menos fortalecido) por
um objeto ou um evento particular, ou uma propriedade de um objeto ou de um evento"
(Skinner, 1957, p. 82). Ou seja, objetos, eventos, e suas propriedades, estão lá fora,
ali no mundo externo; conseqüentemente, o tacto poderia definir a relação de referên-
cia; e os objetos, eventos, e suas propriedades, seriam os seus referentes.
Place (1985) comenta que tacto é o termo skinneriano para definir referência:
"nós necessitamos reconhecer que a palavra tacto representa o esforço de Skinner
para tratar com o problema da referência" (p. 68). Imediatamente, Place (1985) critica
Skinner ao declarar que ele erra ao supor que "só é possível afirmar que um falante se
refere a um objeto ou situação na medida em que o objeto ou situação é parte de seu
ambiente atual de estímulos ..." (p. 69).
Place (1985) incide em dois equívocos. Primeiro, tacto não define referência.
Skinner (1985) responde a Place afirmando que se um falante diz árvore na presença
de uma árvore, ele não está se "referindo a uma árvore" (p. 75). Na verdade, MacCor-
quodale (1969) já tinha observado que "tacto não é referência" (p. 838). O segundo
equívoco de Place (1985) decorre do primeiro. Ou seja, se tactodefine referência, então
trata-se da referência ostensiva; e, portanto, Skinner não tem como tratar com a
referência não-ostensiva. Não é verdade, embora o problema skinneriano da referência
seja outro, como será visto em um momento. A referência não-ostensiva é examinada
por Skinner através de outro tipo de comportamento verbal: o intraverbal.
Segundo Skinner (1957), o intraverbal é parecido com o tacto no sentido de ser
um comportamento verbal a um estado não-verbal de coisas; conseqüentemente,
diz-se que o intraverbal também define a relação de referência, mas no sentido de
referência não-ostensiva. Por exemplo, Skinner redige que "quando dizemos que a
palavra Cesar refere-se a Cesar .., não estamos falando acerca do comportamento de
um falante contemporâneo" (1957, pp. 128-129).
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De modo mais amplo, continua a argumentação de Skinner, o discurso do
historiador, do cientista, do lógico e do matemático "é também intraverbal e, conseqüen-
temente, não é representado adequadamente pela semântica do tacto" (p. 129).
Trata-se, porém, para Skinner, de definir o intraverbal não como uma relação não-os-
tensiva entre palavras e coisas; mas, isto sim, como uma relação entre palavras e
palavras. Ou seja, o intraverbal é um tipo de comportamento verbal que ocorre sob o
controle de "vários conjuntos de circunstâncias verbais" (Skinner, 1957, p. 129). Assim,
"no comportamento de um falante no século vinte, Cesar atravessou o Rubicão, não é
uma resposta a um evento físico especificável, mas sim a um conjunto de estímulos
verbais" (Skinner, 1957, p. 129).
O problema skinneriano da referência não se situa, então, onde Place (1985)
quer colocá-lo; isto é, na insuficiência do tacto para tratar com a referência. não-osten-
siva. A resposta skinneriana haveria de ser: "examine-se o intraverbal". No entanto,
Skinner prefere replicar que tacto não define referência. Por quê? O problema para
Skinner é o próprio conceito de referência.
Skinner (1957) argüiu, como já se viu, que nem o mando, nem o ecóico, nem o
textual, definem referência. Skinner (1985) afirmou, como já se disse, que o tacto
também não define referência; foi quando declarou ainda que o intraverbal tampouco
define referência. Em suma, Skinner tematiza e defende uma teoria funcional do
significado; desenvolve essa teoria ao especificar cinco tipos de significado através de
uma classificação do comportamento verbal; e conclui, finalmente, que nenhumdesses
significados define referência.
Há, então, que se abandonar o conceito de referência, caso se aceite essa
conclusão. Isso significa que a teoria skinneriana do significado é totalmente anti-refe-
rencial. O que vale dizer: ela não implica de modo algum a referência, trate-se da
referência ostensiva ou não-ostensiva.
E por que Skinner abandona o conceito de referência? Sugere-se aqui que se
trata da abordagem contextualista que Skinner imprime à sua interpretação do com-
portamento verbal. Para elucidar, retome-se estes quatro pontos: (1) o comportamento
verbal é modelado e mantido por contingências de reforço no contexto de uma
linguagem e de uma cultura; (2) é a história de contingências de reforço que explica a
emissão do comportamento verbal; (3) o significado está numa história de contingên-
cias de reforço, e é a própria relação de contingência de reforço; e (4) conseqüente-
mente, o significado explica a emissão do comportamento verbal.
Disso segue-se logicamente que, em última instância, é o contexto da linguagem
e da cultura que constrói o significado que explica a emissão do comportamento verbal.
Trata-se de uma tese básica do contextualismo, que Morris (1988) assim a expressa:
"o contexto impregna o comportamento com significado. O significado do compor-
tamento emerge do contexto" (p. 309). É nesse sentido, reitere-se, que se há de
entender esta afirmação de Skinner: "para descobrir a "essência" de cadeira, de-
veríamos examinar as contingências atuais de reforçamento em uma dada comunida-
de ..." (1957, p. 91). Trata-se de um pronunciamento de Skinner sobre o conceito de
abstração que, aliás, é endossado por Catania (1984): "a propriedade é definida pelas
práticas da comunidade verbal; não depende de nossa capacidade de oferecer medidas
físicas independentes" (p. 232). Em outras palavras, não há objetos, eventos, e suas
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Comportamento verbal e teoria do significado
propriedades que, independentes dos contextos da linguagem e da cultura, possam
ser referidos elou representados pelo comportamento verbal.
Não cabe, por outro lado, defender que o contexto Introduz uma referência
contextualizada - porquanto trata-se mesmo éde explodir o conceito de referência. Com
efeito, o contexto no contextualismo skinneriano significa que o comportamento de
membros de uma comunidade é govemado por regras; e essas governam pre-
cisamente aquilo, isto é, o comportamento de membros de uma comunidade - as regras
não descrevem elou governam o comportamento de coisas lá fora, ali no mundo
externo. Ouça-se Skinner: "leis científicas também especificam ou implicam respostas
e suas conseqOências. Elas não são, naturalmente, obedecidas pela natureza, mas por
homens que tratam efetivamente com a natureza. A fórmula 5=1/2# não governa o
comportamento da queda dos corpos, ela governa aqueles que predizem corretamente
a posição da queda dos corpos em certos mornentcs" (1969, p. 141). Se é assim para
a ciência, com mais razão ainda para quaisquer outros tipos de regras.
Agora, se o comportamento verbal é reforçado no contexto de uma linguagem e
de uma cultura pelo comportamento de seus membros - que é govemado por regras
nesse sentido - então é desse contexto ou, o que vale dizer, é dessas regras, que o
comportamento yerbal adquire significado. No entanto, essas regras não descrevem
elougovemam o Comportamento de coisas ali fora no mundo externo; como, então,
seria possível, à vista disso, o comportamento verbal referir-se a alguma coisa, objeto
ou evento desse mundo?
Há, portanto, que se abandonar o conceito de referência, ou então dizer, com
Skinner (1957), que a relação de contingência "é a relação de referência ou significado"
(p. 115). Como se há de entender, neste instante, essa afirmação de Skinner, se, até
agora, tratava-se justamente de esvaziar e abandonar o conceito de referência?
Sugere-se que se trata efetivamente disto, isto é, de esvaziar e de renunciar a esse
conceito. Porém, há outra interpretação possível. Primeiro, os conceitos de referência,
referência ostensiva e não-ostensiva, impregnam profundamente as linguagens cotidi-
ana e especializada; segundo, a eliminação desses termos por certo criaria dificuldl;ldes
extraordinárias de fala e de escrita. Assim, é possível que Skinner mantenha o termo
referência para contemplar essas dificuldades. Contudo, note-se bem, Skinner formula
uma consistente teoria do significado e critica de modo inexorável o conceito de
referência. Isso significa que, na afirmação skinneriana anterior, o termo referência é
parasitário do termo significado - ao passo que esse é primordial. Desse modo, se
alguém quiser utilizar os termos referência ostensiva e referência não-ostensiva,
Skinner bem poderia responder: "se voce assim o deseja ... , eu porém interpretarei o
que for dito em termos de tacto e intraverbal". Ou seja, o conceito de referência é
dispensável. E chega-se assim, mais uma vez, ao que se vem procurando demonstrar:
isto é, não há lugar na teoria skinneriana do significado para o conceito de referência.
CONCLUSÃO
Se o comportamento verbal tem significado, então ele também significa; ou seja,
não há significado sem algo ou uma relação que signifique - e o comportamento verbal
signifICa como uma relação. Em outras palavras, se, como argumentou Skinner, uma
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resposta verbal a uma situação não é o significado, e tampouco o é a própria situação;
então, uma resposta verbal a uma situação é uma relação que significa uma outra
relação, isto é, um significado. Assim, uma relação atual entre uma resposta verbal e
uma situação significa uma outra relação que é a história de contingências de reforço
- isto é, o significado - responsável pela instanciação daquela relação no presente.
Nesse sentido, o comportamento verbal é sempre significativo e é sempre explicado
por significados - mesmo que desvelá-los não seja uma tarefa simples.
Se o comportamento verbal é significativo e é explicado por significados, há,
então, uma tarefa para o intérprete do comportamento verbal, cujo esboço poderia ser
o seguinte: (1) circunscrever o seu objeto de estudo como a ação verbal significativa
de indivíduos nos contextos da linguagem e da cultura; (2) delimitar o seu método de
investigação como a interpretação do significado da ação verbal significativa de
indivíduos nos contextos da linguagem e da cultura; (3) concentrar-se, fundamental-
mente, na geração incessante de mais comportamento verbal nos contextos da
linguagem e da cultura, para interpretar o comportamento verbal que está sendo o
objeto de estudo; (4) manter a tese do contextualismo sempre presente, pois é no
contexto que se pode interpretar como alguém pode dizer o que não pretende ou não
dizer o que pretende.
Diga-se agora, en passant e para concluir este texto, que não é possível deixar
de notar que tratar o comportamento verbal como ação humana significativa, cujo
método é a interpretação; e criticar, como Skinner faz, as abordagens tradicionais sobre
a linguagem, o significado e a referência; converge para algumas das teses em voga
dos pós-estruturalismos, pós-modernismos, e também para a interpretação hermenêu-
tica das ciências humanas. Por exemplo, Ricoeur (1971) defende que o objeto das
ciências humanas é a ação humana significativa - incluída aí o comportamento
governado por regras, tal como foi apresentado por Winch (1970), que, em parte, foi
buscar sua inspiração lá em Wittgenstein - e também, que o método dessas ciências é
a interpretação hermenêutica. E ainda: Rorty (1979) fundamenta sua interpretação
anti-representacional do conhecimento, principalmente, em uma devastadora crítica
dos conceitos tradicionais de linguagem e referência.
Respeitadas as diferenças de tradições de pensamento, de disciplinas e de
vocabulário,Skinner desponta como um pensador não só da cultura mas também da
atualidade.
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Recebido em 21.07.1993
Aceito em 28.04.1995
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	o CONTEXTUALISMO DO COMPORTAMENTO VERBAL: 
	A TEORIA SKINNERIANA DO SIGNIFICADO E SUA CRíTICA 
	THE CONTEXTUALISM OF VERBAL BEHAVIOR: 
	SKINNER'S THEORV OF MEANING ANO HIS CRITICISM 
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