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O ADVOGADO-EMPREGADO* Carlos Roberto Faleiros Diniz** Até hoje a característica que mais plenamente traduz o exercício da advocacia é a liberdade e independência de que dispõe o advogado na condução de seus trabalhos. Essa independência, se reflete em seu direito pleno de aceitar ou não as causas que até ele chegam, de decidir a maneira de conduzi-la, na forma mais precisa de usar seu instrumento de trabalho: o Direito. Não obstante essa característica marcante do exercício da advocacia, a mesma encontra-se corrompida pelo novo contexto social e econômico que se desenha, diferente daquele vivido há vinte ou trinta anos atrás. Com a proliferação dos cursos jurídicos, muitos deles responsáveis por uma formação deficitária dos novos advogados, formação desmembrada da vivência prática, imprescindível para o desenvolvimento da profissão, chegou-se ao fenômeno da proletarização da advocacia. O contingente de advogados que todos os anos se insere no mercado de trabalho fez com que o campo de atividades dos mais novos ficasse restrito. Os muitos advogados, que anteriormente direcionavam-se ao ministério privado, montando seus escritórios e realizando atividades por sua conta e risco, passaram a defender a administração pública, como um todo, instituições financeiras, sociedades comerciais, indústrias e empresas de todos os ramos, e com eles estabelecer relação empregatícia, tornando-se advogados-empregados. Os advogados-empregados estão ligados a empresas que apresentam grande volume de demandas, e são contratados para assessorá-las, representá-las e defender seus interesses, já que delas são empregados. Diante dessa nova situação, o próprio legislador, reconheceu o cenário, e trouxe inestimáveis inovações na disciplina do exercício da atividade profissional, designando um capítulo inteiro para regular a atividade do advogado-empregado (EAOAB, Cap. V, art. 18 a 21). Assim, as dúvidas que poderiam surgir, quanto ao choque entre independência e isenção técnica do advogado, garantida estatutariamente e inserida no texto da Carta Maior e a disciplina das relações de emprego, regrada pela CLT não podem subsistir. A CLT (lei geral) não se choca com o Estatuto (lei especial), mas o completa. De tal sorte, se por um lado o advogado-empregado tem o dever subordinação para com o empregador, por outro essa subordinação não pode interferir na liberdade e técnica de que o advogado se utilizada em seu mister. Seria o mesmo que o patrão exigir de seu jardineiro que utilize a tesoura desta ou daquela maneira. Ao empregador, conquanto detenha poder de direção da empresa, não é dado interferir na atividade de seu empregado advogado. Ademais, o advogado contratado tem um dever disciplinar de pautar sua conduta pelo Código de Ética Disciplinar da OAB, e só ele, que o estudou profundamente saberá quais atitudes são lícitas, e quais não são recomendáveis. Se o empregador exigir uma postura que o Código de Ética Profissional não permite, tem ele todo o direito, como também o dever de insubordinar-se, já que sobre si pesa a responsabilidade ética de prestar contas de seus atos. * Artigo publicado no jornal “Jus”, ano I, nº 03, maio de 2002. ** Advogado em Franca/SP e Conselheiro Seccional da OAB-SP. 1 Quanto às garantias trabalhistas, por ser o advogado um empregado da empresa, e dela receber salário, ter jornada de trabalho estipulada, ter direito a garantias salariais como qualquer outro funcionário, resta a questão de saber em que medida a CLT deve ser aplicada no que se refere a seus direitos e garantias trabalhistas. Assim, o Estatuto prevê o pagamento de salário mínimo, que poderá ser acordado entre as partes, ou mediante convenção coletiva de trabalho, duração de trabalho não excedente a quatro horas diárias contínuas, e vinte horas semanais, esclarecendo que período de trabalho não diz respeito apenas ao tempo que o advogado permanece nas dependências da empresa, como também o tempo de disposição do empregador, seja em seu escritório, seja em trabalhos externos, no fórum, como também o tempo que gasta no estudo e patrocínio das causas. Isso porque a atividade do advogado, exclusivamente intelectiva, restará prejudicada, se ao mesmo não for permitido aperfeiçoar seu conhecimento através de estudo, pesquisa e dedicação. Além disso, regula também a prestação de horas extras (remuneradas com 100% de acréscimo sobre a hora normal), direito ao ressarcimento das despesas realizadas com viagens, transporte ou taxas forenses. Com relação aos honorários sucumbenciais, o novo Estatuto, dirimindo dúvidas suscitadas nos ordenamentos anteriores, determinou serem devidos honorários de sucumbência aos advogados, independente de serem empregados ou não, razão porque não se aceita mais a interpretação de que os honorários não são devidos em razão do salário mensal que o advogado recebe. Ademais, além do direito ao salário mínimo, da jornada de trabalho diferenciada e dos honorários, o advogado empregado faz jus, ainda, a todas as garantias asseguradas em favor do trabalhador de que trata o art. 7º da Constituição. Assim, o que o Estatuto fez foi condensar em uma série de dispositivos a disciplina necessária a regular uma atividade cuja incidência vem crescendo de forma exponencial nos últimos anos. Não se pode fechar os olhos à realidade e deixar de acompanhar as inovações trazidas pelo tempo. A realidade desenhada hoje é a de que os advogados-empregados representam uma significativa parcela dos militantes da profissão, razão porque o Estatuto da Ordem esteve na vanguarda, garantindo os direitos desses novos atores, mas, acima de tudo, resguardando a dignidade e respeito da profissão. 2
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