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Identidade e processos grupais Professora Marli Machado de Lima Não sei quem sou, que alma tenho. Quando falo com sinceridade não sei com que sinceridade falo. Sou variamente outro do que um eu que não sei se existe (se é esses outros)... Sinto crenças que não tenho. Enlevam-me ânsias que repudio. A minha perpétua atenção sobre mim perpetuamente me ponta traições de alma a um caráter que talvez eu não tenha, nem ela julga que eu tenho. Sinto-me múltiplo. Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos que torcem para reflexões falsas uma única anterior realidade que não está em nenhuma e está em todas. Como o panteísta se sente árvore e até a flor, eu sinto-me vários seres. Sinto-me viver vidas alheias, em mim, incompletamente, como se o meu ser participasse de todos os homens, incompletamente de cada, por uma suma de não-eus sintetizados num eu postiço. Fernando Pessoa Adolescência • Momento de grande crise • Quantos conflitos! Quantas dúvidas! “Ser ou não ser, eis a questão!” • A crise de identidade na adolescência é algo inevitável, contudo, existem outras crises que são construídas e produzidas pelo próprio indivíduo e/ou por circunstâncias sociais e biográficas. ESTIGMA : Marca, sinal. • O estigma refere-se as marcas — atributos sociais que um indivíduo, grupo ou povo carregam e cujo valor pode ser negativo ou pejorativo. O estigma revela que a sociedade tem dificuldade de lidar com o diferente. Esta dificuldade é “perpetuada”, ao longo das gerações, pela: educação familiar, escola, meios de comunicação de massa, Por cada um de nós em nosso cotidiano, o que leva à construção de uma carreira moral para o indivíduo estigmatizado, isto é, sua identidade vai incorporar este atributo ao qual corresponde um valor social negativo. Um aspecto bastante importante desse processo, que pode envolver um indivíduo, um grupo ou um povo inteiro e acompanhar o indivíduo desde o seu nascimento (uma característica física, por exemplo) ou ser adquirido ao longo da vida (assumir a própria homossexualidade) é o atributo negativo pode ser internalizado pelo indivíduo e constituir aspecto importante de sua auto-imagem e auto-estima. Lembre-se: as aparências podem enganar ou... as pessoas estão em contínuo processo de mudança Psicologia institucional e processo grupal • A nossa vida cotidiana é demarcada pela vida em grupo. • Estamos o tempo todo nos relacionando com outras pessoas. Mesmo quando ficamos sozinhos, a referência de nossos devaneios são os outros. Processos grupais • Raramente encontraremos uma pessoa que viva completamente isolada, mesmo o mais asceta dos eremitas levará, para o exílio voluntário, suas lembranças, seu conhecimento, sua cultura. • Dependemos do outro em nosso cotidiano. • Dada a importância da vida dos grupos (e em grupo) e do processo de institucionalização,, estes dois temas têm se destacado ultimamente no campo da Psicologia Social. A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA REALIDADE Processo de institucionalização - de acordo com Blerger e Luckmann: começa com o estabelecimento de regularidades comportamentais As pessoas vão, aos poucos, descobrindo a forma mais rápida, simples e econômica de desempenhar as tarefas do cotidiano Processo de institucionalização Pode-se dizer que um hábito se estabelece quando uma dessas formas repete-se muitas vezes. Um hábito estabelecido por razões concretas, com o passar do tempo e das gerações, transforma-se em tradição. E o que acontece? As bases concretas, estabelecidas com o decorrer do tempo, não são mais questionadas. A tradição se impõe porque é uma herança dos antepassados. Quando se passam muitas gerações e a regra estabelecida perde essa referência de origem (o grupo de antepassados), dizemos, então, que essa regra social foi institucionalizada. GRUPOS INSTITUIDOS FILME O casamento é uma instituição? Hoje, qualquer pessoa de nossa sociedade ocidental, se questionada sobre a monogamia, dirá que o casamento se dá desta forma porque “é natural”. Curiosamente, ainda hoje temos culturas, como a muçulmana, que não adotam a monogamia como regra e, apesar dessa evidência contrária, alguém de nossa cultura continuará considerando a monogamia natural. A este fenômeno chamamos de instituição. A repetição de uma tradição é a base do processo de institucionalização. INSTITUIÇÕES, ORGANIZAÇÕES E GRUPOS A instituição • A instituição é um valor ou regra social reproduzida no cotidiano com estatuto de verdade, que serve como guia básico de comportamento e de padrão ético para as pessoas, em geral. A instituição • A instituição é o que mais se reproduz e o que menos se percebe nas relações sociais. Atravessa, de forma invisível, todo tipo de organização social e toda a relação de grupos sociais. Só recorremos claramente a estas regras quando, por qualquer motivo, são quebradas ou desobedecidas A organização • Se a instituição é o corpo de regras e valores, a base concreta da sociedade é a organização. • As organizações, entendidas aqui de forma substantiva, representam o aparato que reproduz o quadro de instituições no cotidiano da sociedade. A organização • A organização pode ser um complexo organizacional — um Ministério, como, por exemplo, o Ministério da Saúde; uma Igreja, como a Católica; uma grande empresa, como a Volkswagen do Brasil; ou pode estar reduzida a um pequeno estabelecimento, como uma creche de uma entidade filantrópica. As instituições sociais serão mantidas e reproduzidas nas organizações. Portanto, a organização é o pólo prático das instituições. O grupo • O elemento que completa a dinâmica de construção social da realidade é o grupo — o lugar onde a instituição se realiza. • Se a instituição constitui o campo dos valores e das regras (portanto, um campo abstrato), e se a organização é a forma de materialização destas regras através da produção social, o grupo, por sua vez, realiza as regras e promove os valores. O grupo • O grupo é o sujeito que reproduz e que, em outras oportunidades, reformula tais regras. • É também o sujeito responsável pela produção dentro das organizações e pela singularidade — ora controlado, submetido de forma acrítica a essas regras e valores, ora sujeito da transformação, da rebeldia, da produção do novo. A importância dos grupos na Psicologia Grupo é o tema fundante da psicologia social Os primeiros estudos sobre os grupos foram realizados no final do século 19 pela então denominada Psicologia das Massas ou Psicologia das Multidões. As massas podem ser irracionais mas também se bem dirigidas podem criar processos de questionamento e mobilização social consciente Psicologia social: a massa e os grupos Apesar de a Psicologia Social surgir com o estudo das massas, será com grupos menores, os quais possuem objetivos claramente definidos, que se desenvolverá a pesquisa de grupos Kurt Lewin Esse desenvolvimento ocorre a partir de 1930, com a chegada, aos Estados Unidos, de Kurt Lewin — professor alemão refugiado do nazismo. Lewin passou a pesquisar no Massachusetts Institute of Technology (MIT) — um renomado instituto americano — onde desenvolveu a primeirateoria consistente sobre grupos. • A Psicologia contribui para o desenvolvimento do estudo das relações humanas no trabalho. Psicologia Organizacional e mudou, consideravelmente, o pensamento sobre os problemas industriais. A DINÂMICA DOS GRUPOS - Kurt Lewin • Exemplos de temas abordados: coesão do grupo (condições necessárias para a sua manutenção); pressões e padrão do grupo (argumentos reais ou imaginários, manifestos ou velados que seus membros utilizam para garantir a fidelidade dos demais aos objetivos do grupo e ao padrão de conduta estabelecido); A DINÂMICA DOS GRUPOS - Kurt Lewin motivos individuais e objetivos do grupo (elementos que garantem fidelidade e que estão relacionados com a escolha que cada indivíduo faz ao decidir participar de um grupo); liderança e realização do grupo (força de convencimento — carisma — exercida por um ou mais indivíduos sobre os outros e o tipo de atividade exercida pelo grupo); e, por fim, as propriedades estruturais dos grupos (padrões de comunicação, desempenho de papéis, relações de poder etc.). No campo teórico até aqui mencionado, pode-se definir o grupo como um todo dinâmico (o que significa dizer que ele é mais que a simples soma de seus membros), e que a mudança no estado de qualquer subparte modifica o estado do grupo como um todo. O grupo se caracteriza pela reunião de um número de pessoas (que pode variar bastante) com um determinado objetivo, compartilhado por todos os seus membros, que podem desempenhar diferentes papéis para a execução desse objetivo Quando um grupo se estabelece (uma “panelinha” na sala de aula, um grupo religioso ou uma gangue de adolescentes), os fenômenos grupais anteriormente mencionados passam a atuar sobre as pessoas individualmente e sobre o grupo, ao que chamamos de processo grupal. A coesão é a forma encontrada pelos grupos para que seus membros sigam as regras estabelecidas Os objetivos do grupo irão sempre prevalecer aos motivos individuais, mas dependendo desse objetivo, as diferenças individuais poderão ser admitidas. Quanto mais o grupo precisar garantir sua coesão, mais ele impedirá manifestações individuais que não estejam claramente de acordo com seus objetivos A questão da liderança pode representar um capítulo à parte na discussão sobre a teoria dos grupos. Foi entre 1935 e 1946 que Kurt Lewin desenvolveu uma teoria consistente, que avaliava o clima grupal e a influência das lideranças na produção da atmosfera dos grupos. Lewin argumentava que o clima democrático, autoritário ou o laissez- faire dependiam da vocação do grupo e do estabelecimento de lideranças que os viabilizassem. Assim, um grupo com vocação autoritária (entenda-se: um grupo cujos membros acreditassem nesta forma de organização na sua relação grupal) necessitaria de um líder autoritário O importante desta classificação feita por Lewin foi a descoberta de que os grupos democráticos são, a longo prazo, os mais eficientes. Já os autoritários têm uma eficiência imediata, na medida em que são muito centralizados e dependem praticamente de seu líder. Mas são pouco produtivos, pois funcionam a partir da demanda do líder, e seus membros são, geralmente, cumpridores de tarefas. Os grupos democráticos exigem maior participação de todos os membros, que dividem a responsabilidade da realização da tarefa com sua liderança. Este tipo de grupo pode tornar-se mais competente ainda quando sua liderança for emergente, isto é, quando se desenvolver de acordo com o objetivo ou tarefa proposta pelo grupo. GRUPOS OPERATIVOS • Mais recentemente, o francês Pichon-Rivière, radicado na Argentina, desenvolveu uma abordagem de trabalho em grupo (a qual denominou “Grupos Operativos”) baseado tanto na tradição legada por Lewin quanto nos conhecimentos psicanalíticos. Grupo operativo • De acordo com o psicólogo Saidon, estudioso da obra de Pichon-Rivière: • “o grupo operativo se caracteriza por estar centrado, de forma explícita, em uma tarefa que pode ser o aprendizado, a cura (no caso da psicoterapia), o diagnóstico de dificuldades etc. • Sob essa tarefa, existe outra implícita subjacente à primeira, que aponta para a ruptura das estereotipias que dificultam o aprendizado e a comunicação O PROCESSO GRUPAL • O desenvolvimento de uma Psicologia Social Crítica, a partir de 1970, levou tanto Silvia Lane quanto Martin-Baró, cada um a seu modo, a desenvolver uma consistente crítica aos modelos teóricos existentes. Os processos grupais • Tal crítica procura resguardar aspectos funcionais da dinâmica dos grupos — no que concordam com Lewin. • No entanto, Lane e Baró questionam os autores cognitivistas (os seguidores de Lewin) pela maneira estática como enquadram o grupo. O processo grupal • Da mesma forma, consideram positivo o enquadramento psicanalítico, o qual leva em conta a dinâmica interna dos grupos, criticando, contudo, a visão a-histórica destes teóricos. A teoria de Pichon-Rivière também sofrerá algumas críticas. O processo grupal • O fundamental nesta visão é considerar que não existe grupo abstrato mas, sim, um processo grupal que se reconfigura a cada momento Categorias grupais - Lane • 1. Categoria de produção — a produção das satisfações de necessidades do grupo está diretamente relacionada com a produção das relações grupais. O processo grupal caracteriza-se como atividade produtiva de caráter histórico. • 2. Categoria de dominação — os grupos tendem a reproduzir as formas sociais de dominação. Mesmo um grupo de características democráticas tende a reproduzir certas hierarquias comuns ao modo de produção dominante (no nosso caso, o modo de produção capitalista). Categorias grupais - Lane • 3. Categoria grupo-sujeito (de acordo com Lourau) — trata-se do nível de resistência à mudança apresentada pelo grupo. • Grupos com menor resistência à autocrítica e, portanto, com capacidade de crescimento através da mudança, são considerados grupos-sujeitos. • Os grupos que se submetem cegamente às normas institucionais e apresentam muita dificuldade para a mudança são os grupos- assujeitados. Bibliografia • BOCK, Ana Mercês. Psicologias – uma introdução ao estudo das psicologias. São Paulo: Saraiva, 2002. Categoria: Psicologia, Psicologia Social, Filosofia.Edição: 3ª - 1ª reimpressão - 2013 Formato: 14 x 21 cm. Nº de Pag.: 350. Editoras: Sulinas; UFRG. Porto Alegre
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