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COTAS RACIAIS Assuntando argumentos e posicionamentos15_MARÇO_2012

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1 
 
COTAS RACIAIS: ASSUNTANDO ARGUMENTOS E POSICIONAMENTOS 
Por Áureo João1. Teresina-PI, Março de 2012. 
Cota Racial não é política educacional, é política de luta pela 
integração e pela ampliação da visibilidade de uma cultura 
miscigenada para ela mesma. O objetivo das cotas é o de colocar um 
grupo no interior de um lugar em que ele não é visto para que, assim, 
de maneira mais rápida, se dê o convívio social entre os grupos 
nacionais, de modo a promover a integração – o que passa 
necessariamente pelo convívio que pode levar ao conhecimento 
entre culturas, troca de histórias e criação de experiências comuns. A 
população brasileira não vê o negro e o índio na universidade e, com 
isso, não formula o conceito correto de universitário [...] nem da 
diversidade de imaginários e práticas sociais com os diferentes. 
Paulo Ghiraldelli Júnior – Filósofo, Educador e Escritor; e Professor 
Titular da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). 
Assuntando sobre a temática das cotas raciais para o acesso ao ensino 
superior, comecemos por um exercício de formulação de algumas perguntas-chaves 
que nos possam conduzir para uma razoável análise dos argumentos e seus 
fundamentos e, a partir destes, os posicionamentos postos, sem olvidarmos da 
consciência de nossa parcialidade no ato de observar, escrever e inscrever-nos 
sobre a pauta. Tomemos, pois, as seguintes questões orientadoras: Quais são os 
argumentos e posicionamentos das partes envolvidas nos debates e embates? O 
que nos tem a dizer os pares que contestam a implementação das Cotas Raciais 
para negros, no ensino superior? E com que finalidade esses oponentes às cotas 
raciais assim o fazem? Do outro lado, o que nos apresentam os defensores das 
Cotas Raciais? Quem são os sujeitos que produzem os argumentos e 
posicionamentos? E de qual lado nos posicionamos na construção dialética desse 
acontecimento histórico? Com isto, poderemos compreender a representação 
sociopolítica e histórica de quem fala, de onde fala e seu posicionamento. 
As Cotas Raciais para o acesso da população negra ao ensino superior, no 
contexto do Brasil, tem ocupado pauta quente no debate educacional, político, 
ideológico, econômico, filosófico, identitário e jurídico, nos últimos dez anos. 
Para este período, um dos marcos formais da institucionalização do debate 
se ancora na realização e consequente formalização da Declaração e do Plano de 
 
1
 Áureo João de Sousa. Licenciado em Filosofia. Pós-Graduando/Especialização em Educação, 
Cultura e Identidade Afrodescendente, pela UFPI/IFARADÁ 2011-2012. Poeta e Assuntador. 
2 
 
Ação da III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia 
e Intolerâncias Correlatas, em Durban, na África do Sul, realizada no período de 31 
de agosto a 08 de setembro, do ano de 2001 – Ano Internacional de Mobilização 
contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata -, de cuja 
Conferência e produtos o Estado brasileiro é signatário. 
Sob o efeito imediato desta, resultou o Decreto Presidencial nº 4228, de 13 
de maio de 2002, que institui, no âmbito da Administração Pública Federal, o 
Programa Nacional de Ações Afirmativas. Outro exemplo especial se plasma no 
instrumento legal que ficou conhecido por “Lei de Cotas”, tratando-se da ação 
afirmativa que ancora a Lei Federal nº 10.558, de 13 de novembro de 2002, que 
“Cria o Programa Diversidade na Universidade, e dá outras providências”, 
combinada com as alterações inseridas pelo Decreto nº 4.876/2003 e pelo Decreto 
nº 5.193/2004, executado [o programa] sob a responsabilidade do Ministério da 
Educação: 
Art. 1o Fica criado o Programa Diversidade na Universidade, no 
âmbito do Ministério da Educação, com a finalidade de implementar e 
avaliar estratégias para a promoção do acesso ao ensino superior de 
pessoas pertencentes a grupos socialmente desfavorecidos, 
especialmente dos afrodescendentes e dos indígenas brasileiros (grifo 
nosso). 
Este programa de cotas raciais encontra-se em operacionalização por 
dezenas de universidades federais e estaduais, no País2. Com finalidade correlata, o 
Decreto Presidencial nº 4886, de 20 de novembro de 2003, institui a Política 
Nacional de Promoção da Igualdade Racial. 
Por conseguinte, outros atos legais do Estado brasileiro, seja da iniciativa do 
Poder Executivo, seja no Congresso Nacional, formalizam esses objetivos de 
políticas públicas de ações afirmativas. 
 
2
 “Chega a 158 o número de instituições públicas de ensino superior que adotam algum tipo de cota 
em seus processos seletivos. Destas, 89 implantaram a política de Cotas para negros, segundo 
levantamento realizado pela organização Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes 
(Educafro), ao longo dos últimos seis anos (2004 a 2010”. (cf.: Fundação Cultural palmares. Ações 
Afirmativas. Cotas Raciais. Disponível em <http://www.palmares.gov.br/?page_id=121>. Acesso em: 
18 Outubro.2011). 
3 
 
Dados disponíveis no sítio virtual da Fundação Cultural Palmares – FCP, 
órgão vinculado ao Ministério da Cultura – MinC, consolidados até novembro de 
2010, dão conta de um elenco com as principais ações afirmativas do Estado 
brasileiro, no intervalo do ano de 2003 a 2010. Além daquelas iniciativas citadas 
acima, constam: 1.[ano de 2003]: Inclusão do estudo da história e da cultura afro-
brasileira no currículo do ensino básico, através da Lei Federal nº Lei 10.639, de 09 
de janeiro de 2003; Criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da 
Igualdade Racial (Seppir), com status ministerial e do Conselho Nacional de 
Promoção da Igualdade Racial – CNPIR, através da Lei Federal 10.678, de 23 de 
maio de 2003; Regulamentação do procedimento para identificação, 
reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por 
remanescentes das comunidades dos quilombos, através do Decreto Presidencial nº 
4.887, de 20 de novembro de 2003; Criação do Fórum Intergovernamental de 
Promoção da Igualdade Racial – FIPIR; 2.[ano de 2004] Lançamento do Programa 
Brasil Quilombola, em 12 de março de 2004; 2.[ano de 2005] Realização da 1ª 
Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, convocada através de 
Decreto Presidencial de 11 de março de 2005 (DOU, 14.04.2005); e Criação do 
Programa de Combate ao Racismo Institucional; 3.[ano de 2006] Aprovação da 
Política Nacional de Saúde Integral da População Negra; 4.[ano de 2007] Instituição 
da Agenda Social Quilombola, através do Decreto Presidencial nº 6.261, de 20 de 
novembro de 2007; 5.[ano de 2009] Aprovação do Estatuto da Igualdade Racial na 
Câmara dos Deputados que, após as alterações no Congresso Nacional, foi 
sancionado através da Lei Federal nº 12.288, de 20 de julho de 2010; Criação do 
Programa de Bolsas de Iniciação Científica para alunos cotistas das Instituições de 
Ensino Superior; Lançamento do Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial, 
através do Decreto Presidencial nº 6.872, de 04 de junho de 2009; Realização da 2ª 
Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, convocada através do 
Decreto Presidencial de 19 de outubro de 2007 (DOU, 22.10.2007); 6.[ano 2001-
2009] Implantação de programas de ações afirmativas para estudantes negros em 
40 universidades públicas brasileiras; 6.[ano 2003-2010] 1.573 comunidades 
quilombolas certificadas; 93 comunidades tituladas; e 996 processos de 
regularização fundiária em curso (Decreto 4.887/2003) - (cf. Fundação Cultural 
palmares. Ações Afirmativas. As principais Ações. Disponível em 
<http://www.palmares.gov.br/?page_id=332>. Acesso em: 25 Outubro.2011). 
4 
 
É inteligente não esquecermos, no entanto, que esse conjunto de iniciativas 
destinadas à promoção da igualdade material, encontraâncora nos fundamentos da 
Constituição Federal do Brasil, de 05 de outubro de 1988, estabelecendo conexão 
com uma igualdade formal ali prescrita. 
Em terreno próprio, porém, a população negra afro-brasileira inscreve o 
debate étnico-racial, em se tratando de Cotas Raciais, em marco histórico e temporal 
que antecede os marcos institucionalizados pelos Governos e o Estado-Nação 
pátrio, cujas formas de organizações e posicionamento nas correlações de forças 
têm produzido resultados para dentro do comportamento da sociedade, inclusive nos 
marcos legais e nas Políticas Públicas estatais. De outro modo, o quadro da 
situação formal assegurado na legislação acima exposta é muito recente e não é 
resultado da gênesis das condutas nacionais dominantes, nem ação voluntária do 
governo. Trata-se do resultado combinado de um conjunto de processos e 
instrumentos de resistências da comunidade negra de africanos e afrodescendentes, 
certamente, desde o primeiro negro africano que pisou este solo em condição 
desumana, no período colonial escravista, até os dias atuais3. Resulta de um 
acúmulo de forças políticas desde os tempos da formação dos primeiros motins, 
mocambos, quilombos, nos tempos da colônia até as atuais formas de mobilizações 
e organizações dos Movimentos Negros4. 
As Políticas de Ações Afirmativas do Governo/Estado brasileiro, nesta 
mesma década em recorte, contempla a política de Cotas Raciais destinadas a 
oportunizar o acesso à universidade, em favor das pessoas negras autodeclaradas, 
especialmente a partir do ano 2003, combinando a política de discriminação positiva 
já referida e a autonomia universitária prevista no art. 207 da Constituição Federal 
do Brasil (1988). Nesse marco inicial, a primeira experiência brasileira repousa sobre 
 
3
 “De uma parte, o escravo sempre foi o inimigo número um da escravidão, resistindo de todas as 
formas às tentativas de reduzi-lo ao estatuto de mera máquina produtiva. E isto significa que, ao 
contrário do que disseram e repetiram diversos estudiosos dos problemas brasileiros, os negros 
foram sujeitos ativos de sua própria história. De outra parte, que a luta pela abolição se deu através 
de uma ampla aliança e de focos diversos, das senzalas a segmentos significativos do Exército, de 
negros fugidos a grupos abolicionistas, de quilombos ao parlamento”, conforme discorre Gilberto Gil 
na obra “25 anos 1980-2005: Movimento negro no Brasil […]” (GARCIA, 2006, p. 9). 
4
 Hélio Santos se refere ao movimento negro como sendo o “movimento sociopolítico mais antigo 
desse país e que se instala na Terra de Santa Cruz ainda no distante século XVI. Consistentemente, 
continua-se a insistir na luta por cidadania plena – nem mais nem menos -, como se sonhou e viveu 
por um século em Palmares” (cf. GARCIA, 2006, p.17). 
5 
 
a Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ, no ano de 2002; posteriores 
destaques às iniciativas da Universidade de Brasília – UNB, em 2004, esta que foi a 
primeira instituição federal de ensino superior a adotar o sistema de cotas raciais; e 
algumas dezenas de outras instituições de ensino superior, em se tratando do 
ingresso inicial ao ensino universitário. 
Esses dez anos de debates também configuram dez anos de embates 
diretos, confrontações conceituais, ideológicas, metodológicas e disputas judiciais. 
Do lado dos opositores à política de Cotas Raciais, é possível, até agora, 
sistematizar os seguintes argumentos contrários. Para fins didático-pedagógicos, a 
esquematização poderá conter redundâncias destinadas a enfatizar aspectos ou 
separá-los, com o objetivo de fornecer melhor apreensão de suas nuanças. São, 
portanto, sem hierarquizá-los: 
1.[Processão da desigualdade uno]. A desigualdade que impede o 
usufruto do direito de acesso ao ensino superior e permanência dedicada nele até a 
conclusão respectiva não encontra justificativa na discriminação racial, no Brasil, 
mas sim em questões econômicas; a diferença de renda é a barreira determinante 
da mobilidade. Este argumento é ancorado na justificativa de que a “raça” não é, por 
si só, elemento gerador de qualquer tipo de atitude discriminatória capaz de impedir 
o ingresso da população negra no ensino superior. Portanto, a dificuldade de acesso 
à universidade e às posições sociais mais elevadas é consequência direta, antes de 
tudo, da precária situação econômica experimentada pela maioria da população 
brasileira, inclusa nesta os negros pobres, os brancos pobres e outros não-brancos 
empobrecidos, sem causa étnico-racial ou racismo como fator determinante. O 
correto seria a instituição e a aplicação de Cotas Sociais tendo como destinatários 
“os pobres”; os brasileiros empobrecidos e de pertencimentos de todas as estampas, 
haja vista que a situação de pobreza afeta brasileiros de todas as cores. Destas 
cotas sociais, certamente a população negra brasileira seria a mais beneficiada, 
tendo em vista que uma parcela de dois terços dos pobres do país é constituída por 
pessoas negras. A desigualdade econômica é a causa primeira de todas as demais 
desigualdades sociais – é a desigualdade uno -, portanto, a partir desta, por 
processão, derivação ou consequência, advém todas as formas atuais de 
desigualdades e exclusões, inclusive aquela que rebate sobre a educação, o acesso 
ao ensino superior e a mobilidade socioeconômica da população negra brasileira. O 
6 
 
ponto crítico para se aplicar a resolutividade estrutural, por conseguinte, é a 
dimensão econômica, a partir de políticas econômicas inclusivas e oportunizadoras 
de ascensão dos indivíduos e segmentos historicamente confinados ao 
empobrecimento, de todas as cores de pele e de todas as etnias. O Estado tem o 
dever de propor, regular e coordenar essa política, incluindo aportes na educação 
para viabilizar a elevação do nível de escolaridade e a formação profissional 
superior. Com isto, não se falaria em cotas raciais. Adversativamente, as vozes 
discursivas em favor desta posição admitem que o racismo existe na sociedade 
brasileira, mas está acuado no seu subterrâneo comportamental, bem como 
explicitamente cercado pelas leis proibitivas de sua manifestação, inclusive 
formalmente qualificado como crime inafiançável e imprescritível, sob o controle do 
Estado, escudado no art. 5º, Inciso XLII, da Carta Magna em voga, bem como sob a 
Lei nº 7.716/1989, que define os crimes resultantes de preconceitos de raça ou e 
cor; e legislação temática correlata; 
2.[Raça humana monotípica]. Raça é um conceito inexato ou mesmo 
inexistente, tanto sob o ponto de vista biológico e genético, quanto sob o ponto de 
vista sociológico. A ciência já comprovou que nós não estamos divididos, 
biologicamente, em grupos de raças distintas, mas agrupados todos à raça humana 
como unidade única, ainda que complexa e diversa em fenótipos (em aparências). A 
Ciência Genética e as conclusões do Projeto do Genoma Humano divulgadas a 
partir de junho do ano 2000, a partir do qual se admite que cerca de 97% do código 
genético do ser humano foi decifrado, refutam, sob critérios científicos validados no 
mundo contemporâneo, a possibilidade de estruturação de raças naturais entre os 
humanos. As diferenças prevalecentes de cores de peles e de características físicas 
fenotípicas outras estão associadas, portanto, às influências geográficas e 
ambientais resultantes dos processos históricos de migrações e adaptações, sem 
determinação genética pura em si e sem, melhor enfatizando, o determinismo 
genético-racial. A ideia brasileira atual de instalar a consciência de raça tem a 
intencionalidade de construir a “raça” como categoria para servir de clientela política 
e eleitoral para os líderes da raça; 
3.[O milagre da miscigenação]. A miscigenação supera o preconceito 
racial, no Brasil. O processo de colonização do Brasilprivilegiou a harmonia entre as 
“raças”, em vez do embate interétnico. O País nega a pureza da “raça” ou a 
7 
 
supremacia de uma “raça” e celebra a mistura das etnias, como um traço 
predominante na formação histórica da sociedade, cuja regra da miscigenação se 
originara amigavelmente entre colonizador e colonizados e, depois, entre os 
mestiços, apesar do registro de casos de violações contra negros e índios. O Brasil 
Colônia, inclusive na República, bem como na contemporaneidade, preserva essa 
característica predominante de país miscigenado por excelência. O Estado nunca 
institucionalizou impedimentos legais para o estabelecimento de laços afetivos e 
matrimoniais entre as etnias constituintes da população brasileira, mas, do contrário, 
incentivou o processo de miscigenação dos povos. As cotas raciais propõem uma 
separação dos brasileiros em categorias que estão em desacordo com o que a 
miscigenação uniu. Os interlocutores atuais dessa argumentação buscam âncora em 
Gilberto Freyre, ícone desta ideia, notadamente publicada na obra Casa-Grande & 
Senzala (1933), mas também combinada com a ideia de identidade nacional que 
unifica a “o povo brasileiro”; 
4.[A democracia racial]. O Brasil é um país onde existe democracia racial 
como uma constante, constituindo-se mesmo um patrimônio estimável. Nós não 
somos racistas, majoritariamente. Alguns casos de racismo são situações isoladas; 
são manifestações de sentimentos particulares, de emoções de hostilidades 
delimitadas nas exceções ou minorias; não é a regra do projeto de nação. Esta 
argumentação se associa à visão de que o projeto político de formação da 
sociedade brasileira e, dentro desta, a configuração do Estado-Nação e as regras 
orientadoras das relações econômicas, socioculturais, políticas e humanas, não tem 
o racismo como elemento estruturante intencionalmente posto. A formação do Brasil 
não se estrutura sob o racismo institucionalizado, especialmente. A retórica desta 
defesa alinha-se ao eixo da tese sustentada por Gilberto Freyre, na década de 1930, 
sob o título Casa-Grande & Senzala. Associam-se a essa visão, opondo-se às cotas 
raciais em favor da população negra, o autor Ali Kamel (cf. KAMEL, Ali. Não somos 
racistas: uma reação aos que querem nos transformar numa nação bicolor. Rio de 
Janeiro: Nova Fronteira, 2006. 143p.) e o autor Demétrio Magnoli (cf. MAGNOLI, 
Demétrio. Uma gota de sangue: história do pensamento racial. São Paulo: Contexto, 
2009. 400p.). Acomoda-se a essa argumentação, inclusive, a retórica de que a 
escravização sobre os negros africanos trazidos para o Brasil e também sobre seus 
descendentes nascidos no país colonizado, deu-se sob o fundamento econômico, do 
8 
 
tipo de atividade produtiva que demandou muita mão-de-obra de baixo custo sem, 
contudo, supremacia do gênero racial ou racismo; 
5.[A identidade nacional]. A afirmação da existência da raça é uma ação 
ilegítima porque potencialmente incitadora de uma discriminação reversa. É uma 
ideia perigosa! O Estado brasileiro não pode, por seus fundamentos republicanos e 
democráticos vigentes, patrocinar a racialização das relações de seu povo, que já 
está consolidado sob uma identidade cultural nacional construída, conformada e 
compartilhada. No Brasil, só temos a categoria identitária dos “brasileiros” como 
sendo válida, sob um sistema de representação cultural, que nos confere uma 
identificação e uma lealdade aos símbolos nacionais comuns, às instituições 
culturais comuns e às mesmas representações. Sob esta identidade nacional, 
estamos unificados pelos padrões de alfabetização universais, um sistema de 
educação nacional, uma língua vernacular única para mediar a comunicação, um 
sentido de nação e um espírito de brasileiro compartilhado. As cotas raciais, 
instituídas sob leis raciais, quebram essa unidade da identidade da nação, ameaça a 
coesão nacional e incita conflitos e discriminação reversa, portanto; 
6.[Negação da modernidade]. As políticas de Ações Afirmativas, com base 
no recorte étnico-racial, é uma forma de negação moderna da modernidade, ou seja, 
uma negação do paradigma iluminista que postula a condição de que todos os 
homens são iguais na natureza. No plano da ciência política, defende o sociólogo 
Demétrio Magnoli5, que esse é um projeto de eliminação do contrato político 
moderno, que tem um pilar que estabelece a “igualdade perante a lei”, como o 
centro da construção das nações no mundo contemporâneo, seja como pilar da 
política democrática e também da liberdade econômica. Sob esse Contrato 
Moderno, as Nações se baseiam em indivíduos; são os cidadãos e as cidadãs que 
têm igualdade perante a lei; as nações não organizam coletividades distintas umas 
das outras; as nações não são reuniões de etnias. Segundo o Contrato Político 
 
5
 Referimos à defesa do Sociólogo Demétrio Magnoli, em conferência proferida em 07 de abril de 
2009, no XXII Fórum da Liberdade: “Cultura e Liberdade – Liberdade de Etnias”, realizado em Porto 
Alegre – RS, no período de 06 a 07 de abril de 2009, promovido pelo Instituto de Estudos 
Empresariais – IEE (www.iee.org.br). Vídeo “Liberdade de Etnias - parte 4/9” disponível em 
<http://www.youtube.com/watch?v=P9TRFZ-VzLA>; Vídeo “Liberdade de Etnias - parte 5/9” 
disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=2jFIkkHGqhw&feature=related>; Vídeo “Liberdade 
de Etnias - parte 6/9” disponível em 
<http://www.youtube.com/watch?v=NYbLZKbUzPA&feature=related>; 
9 
 
Moderno, as Nações são constituídas por indivíduos e não por coletividades. Para 
este sociólogo, o Contrato Político Moderno define os indivíduos por suas 
potencialidades, não por sua ancestralidade, sob cujo fundamento esse indivíduo 
não tem passado; os indivíduos existem na nação com uma série de potencialidades 
e precisam gozar de direitos que os permitam desenvolverem essas potencialidades 
e capacidades, tais como educação, saúde, condição econômica, sem tomar por 
base a distinção étnica ou a racialização; 
7.[Identificação do destinatário]. No Brasil, quem são exatamente, e 
objetivamente distinguíveis, os destinatários das Cotas Raciais para Negros? Esta 
indagação nutre o desenvolvimento do argumento de que a sociedade brasileira é 
configurada com tamanha e expressiva mistura e diversidade de estampas étnicas, 
que é impossível dizer quem é negro neste cenário, especialmente a categoria negro 
afro-brasileiro com ancestralidade africana distinta. Não dispomos de critérios 
objetivos para aferir a classificação pretendida pelos interlocutores que defendem as 
Cotas Raciais. Adiciona-se a este discurso a ilustração da experienciação dos 
Estados Unidos, país onde a discriminação racial sempre foi – da origem da 
estruturação da sociedade norteamericana – formalmente explicitado o critério de 
distinção e pertencimento à categoria “branco” ou à categoria “preto/negro”, por 
descendência/ascendência sanguínea. Nos EUA, a presença de “uma gota de 
sangue” de negros/africanos em um grupo social humano é suficiente para mapear e 
classificar a distinção do pertencimento étnico. Este país, por sua vez, exerceu 
controle formal e institucionalizado sobre o grupo da categoria “negro”, desde o 
nascimento, casamento, vida social, locação, vida econômica, locomoção e morte 
dos indivíduos, ou seja, da maternidade ao cemitério, impedindo os contatos, as 
conexões e misturas étnicas, de modo possível de aferir quem é quem no dito 
cenário daquela sociedade. Em situação diversa, o Brasil permitiu a mistura de 
“raças” e “cores”, que veio a gerar e a resultar a predominância da mestiçagem, com 
múltiplas ancestralidades a um só tempo, de difícil ou impraticável separação para 
fins de isolamento do pertencimento étnico; 
8.[Autoria difusa, Culpa difusa e inimputável]. A afirmativa de que as 
Cotas Raciais para negros,no ensino universitário, constitui-se numa medida para 
repor ou reparar uma injustiça do passado escravagista e racista, um crime contra a 
população negra, não é uma retórica correta; não é uma argumentação válida; 
10 
 
porque o país, a sociedade, as classes sociais, os sujeitos de direito não vão 
conseguir repor nem reparar nenhuma injustiça do passado com cotas raciais; não 
vão mitigar nenhum crime cometido no passado, com essa medida. Ademais, se 
alguém cometeu injustiça contra os negros, no passado; se algum sujeito de direito 
cometera crime contra a população negra, esse sujeito de direito não está mais vivo 
e, consequentemente, nenhum de seus descendentes poderá ser julgado e 
condenado por atos de seus antepassados (invocação do fundamento do Inciso 
XLV, do art. 5º, CF/88: “nenhuma pena passará da pessoa do condenado,...”). Se 
houve algum sujeito de direito vitimizado pelo processo escravagista e racista do 
período colonial e seguinte, da mesma forma esse sujeito não mais existe para 
requerer reparação de direitos ou danos e usufruir da compensação direta. Na 
mesma direção dessa retórica, alia-se um discurso legalista de que a escravização 
de africanos negros e seus descendentes, salvo nas raras exceções previstas, 
naquele contexto brasileiro, não se constituíra um ato criminoso, em face da ordem 
econômica, legal e jurídica vigentes. Deste prisma legalista, não há que falar em 
crime, à situação análoga em que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem 
pena sem prévia cominação legal” (cf. fundamento vigente na Constituição Federal 
atual, sob o art. 5º, Inciso XXXIX). De modo mais radical, este posicionamento 
invoca o argumento de que os africanos, desde a África e no Brasil, mas também 
negros descendentes de africanos nascidos no Brasil, foram responsáveis pela 
escravização negra transatlântica e local, aderindo à vontade do colonizador 
europeu, dela tirando proveitos econômicos e políticos. Sob este recurso ao crime 
do passado, antepassados dos negros afro-brasileiros também devem ser 
responsabilizados pela mesma dívida histórica cobrada. Portanto, não se saberia, 
precisamente, a quem cobrar a dívida por tais injustiças cometidas; 
9.[Discriminação reversa]. A concepção e implementação das políticas de 
Cotas Raciais provocam uma discriminação reversa e potencializa o surgimento do 
Estado de tensão racial no Brasil. É o pior modelo de política de ação afirmativa 
entre aqueles modelos atuais possíveis. Possibilita ao brasileiro aderir ao raciocínio 
de que a “raça” é para dividir, segregar a nação, em lugar de unir os povos. Não tem 
nada a ver com inclusão social nem com integração dos povos diferentes. 
Opostamente, incentiva o ódio racial, o racismo exacerbado como regra. É uma 
ação estatal perigosa para o Estado Democrático de Direito. Este posicionamento 
11 
 
acomoda a retórica de que as Cotas Raciais fornecem uma plataforma ideológica e 
operacional para desencadear potenciais conflitos violentos, de caráter simbólico e 
físico, a serem nutridos pela intolerância racial posta. Recorrendo às experiências 
dos EUA, à África do Sul e Ruanda, essa argumentação especula que o Brasil 
poderá viver tragédias étnicas em guerras civis como consequências dessa política 
de racialização, tal como esses países o foram. O partido DEM, através de sua 
advogada Dra. Roberta Fragoso Kaufmann, constitui ferrenho interlocutor dessa 
argumentação, dentre outros mais; 
10.[Meritocracia]. A política de Cotas Raciais é colidente com o sistema 
meritocrático, ou seja, a política de cotas raciais em favor da população negra colide 
com o mérito [princípio da meritocracia] instituído nas regras da sociedade brasileira, 
inclusive insculpido na Constituição Federal do Brasil. Neste caso específico da 
temática da Educação, os interlocutores dessa defesa remetem sua argumentação e 
retórica, por exemplo, à direção da cabeça do art. 208 da CF/1988 e Inciso V, onde 
temos que “o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia 
de [...] acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação 
artística, segundo a capacidade de cada um” (grifo nosso). A retórica dessa defesa 
também vai buscar justificativa no Protocolo Adicional à Convenção Americana 
sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais 
"Protocolo de São Salvador", concluído em 17 de novembro de 1988, em São 
Salvador, El Salvador, promulgado no Brasil sob o Decreto Presidencial nº 
3.321/1999, para escudar o mérito, especialmente sob o art. 13, Do Direito à 
Educação, item 3 caput e alínea “c”: Os Estados-Partes neste Protocolo reconhecem 
que, a fim de conseguir o pleno exercício do direito à educação, o ensino superior 
deve tornar-se igualmente acessível a todos, de acordo com a capacidade de 
cada um, pelos meios que forem apropriados e, especialmente, pelo 
estabelecimento progressivo do ensino gratuito (grifo nosso). Ademais, ainda 
escora-se na Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada 
pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, 
especificamente no art. XXVI, inciso “1”: Toda pessoa tem direito à instrução. A 
instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A 
instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível 
a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito (Disponível em 
12 
 
<http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>. Acesso em: 20 
Dezembro.2011. grifo nosso); 
11.[Inferiorização do favorecido]. O ingresso no ensino superior, mediante 
o instrumento de Cotas Raciais, é um atestado de reconhecimento da inferiorização 
daquela pessoa que recorre a tal mecanismo para estudar curso universitário; 
representa falta de competência para disputar na concorrência de competição geral, 
onde todos são submetidos a colocar em prova o seu mérito de aprendizagem e de 
saber. O ingresso pelas cotas raciais favorece a geração de uma classe de 
estudante de “segunda categoria”; 
12.[Retórica inválida]. A afirmativa de que “vamos” melhorar a educação da 
população negra brasileira por conta de Cotas Raciais [no ensino superior] não é 
verdadeira; não é uma retórica válida; porque não “vamos” conseguir fazer isso 
apenas com a garantia do acesso ao ensino universitário; e, se o fizermos, “vamos” 
fazer em uma escala muito pequena. A maioria dos estudantes negros não conclui o 
ciclo inteiro da Educação Básica, requisito condicional para o ingresso no ensino 
superior. Portanto, as cotas raciais para o acesso ao ensino universitário não é 
medida para se dizer que vai melhorar a educação da população destinatária em 
questão; 
13.[Educação Básica]. Uma revolução na Educação, no Ensino e na Escola 
Pública, no nível da Educação Básica do Brasil, é suficiente para resolver o 
problema dos pobres [dos negros pobres, dos brancos pobres e outros não-brancos 
pobres], com alcance na superação das desigualdades educacionais constatadas na 
população brasileira, historicamente. Uma Educação laica de boa qualidade para 
todos; um Ensino Público e Gratuito oportunizado em todos os lugares do País; com 
boas escolas, com professores bem qualificados e bem pagos; é a garantia para que 
todos os negros pobres, os brancos pobres e os não-brancos pobres adquiram o 
mérito de concorrer, com igualdade de condição e competência, à seleção no 
vestibular e assegurar o acesso [por mérito] ao ensino superior. Esta forma ainda é o 
melhor mecanismo liberal para melhorar a educação de grupos sociais 
historicamente marginalizados, estigmatizados e apartados do usufruto das riquezas 
do país, das oportunidades de desenvolvimento de suas potencialidades e 
capacidades por meio da educação e ensino. O Brasil pode viabilizar isso, sem 
recorrer ao critério de recorte racial. No entanto, aessa retórica, parece-nos estar 
13 
 
posto uma espécie de consenso discursivo de que “o Brasil” não faz isso por falta de 
vontade política para realizá-lo, materializá-lo; 
14.[Isonomia]. A política de Cotas Raciais é inconstitucional; quebra o 
princípio da isonomia inscrito no texto da Carta magna vigente, em face do preceito 
que garante que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, 
consignado na Constituição Federal do Brasil, de 05 de outubro de 1988. A política 
de cotas raciais trás prejuízo para aquelas pessoas não-cotistas que se preparam, 
ao longo de todas as suas vidas, com muito esforço e alto investimento, para 
desenvolverem competências e adquirirem méritos com o objetivo de assegurar o 
acesso à universidade. Portanto, exclui candidatos ao ensino superior aptos a 
conquistarem suas vagas pela concorrência universal. A âncora central dessa 
argumentação se apóia no aspecto da igualdade formal prescrita na cabeça do art. 
5º da CF/1988, que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais, sob o capítulo dos 
direitos e deveres individuais e coletivos; 
15.[Função da Universidade]. A função originária da Universidade, desde 
sua instituição, sempre foi a produção do conhecimento científico de qualidade e de 
alto nível. A qualidade desse conhecimento está associada a rigorosos métodos de 
avaliação e aferição de méritos individuais para o ingresso e iniciação à produção 
científica. A garantia da produção desse tipo de conhecimento, com qualidade, 
requer que a “porta de entrada” seja estreita. Essa retórica se alia ao argumento de 
que as Cotas Raciais para viabilizar o acesso ao ensino superior, de negros e índios, 
compromete o avanço acadêmico, deteriora o princípio de excelência da 
universidade, bem como a competitiva produção de conhecimento científico. 
Acomoda-se a essa argumentação o discurso de que não constitui objetivo nem 
função primordiais da universidade a promoção da justiça social ou a reparação de 
injustiças históricas. Às universidades públicas brasileiras, poder-se-ia atribuir o 
empenho de oportunizar cursos preparatórios para estudantes pobres, com o 
objetivo de favorecer a elevação dos seus níveis de competitividades na 
concorrência universal para acesso ao ensino superior; não mais que isso; 
16.[Autoatribuição]. O critério da autoatribuição não é controlável. A 
prerrogativa outorgada ao indivíduo para autodeclarar-se “negro” [eu sou negro] ou 
“negra” [eu sou negra], para fins de garantir a condição de cotista, não está 
submetido à determinação objetiva institucionalizada, para aferir e controlar os 
14 
 
resultados e os sujeitos destinatários da ação afirmativa específica. Não há 
exigência de nenhum expediente formal para qualificar o interessado às cotas raciais 
como, por exemplo, faz-se requerido às pessoas “carentes” [hipossuficientes] 
quando da finalidade de obtenção dos serviços da assistência judiciária gratuita do 
Estado. Além disso, as comissões “julgadoras da raça”, instituídas em universidades 
brasileiras, especialmente por ocasião do concurso de vestibular, representam uma 
espécie de tribunal da raça, com pretensiosa prerrogativa de dizer quem é negro e 
quem não é negro, mas também, e por consequência disso, sentenciar o veredicto 
sobre quem tem direito de ingressar na universidade e quem será excluído dessa 
política. Por isso, é possível a ocorrência de casos de fraudes ou burla ao objeto das 
políticas de cotas raciais; e de mais racismo sob voga das comissões julgadoras da 
espécie; 
17.[Elite negra]. As cotas raciais estão sendo defendidas por uma minoria 
de negros, que já conquistou uma relativa ascensão social, política e econômica. É 
uma pequena burguesia negra que almeja crescer em uma sociedade separada por 
etnias; que acredita ser mais fácil se inserir no mundo dos que têm êxito – os 
homens brancos ricos em predominância, no Brasil - e garantir sua mobilidade social 
e econômica particular sem, no entanto, resolver os problemas estruturais da 
sociedade brasileira que impedem a progressão geral dos brasileiros. Com efeito, as 
cotas raciais viabilizam privilégios para uma pequena minoria de jovens negros 
estudantes de classe média, em detrimento dos pobres de todas as cores; 
18.[Exclusão dos pobres]. As cotas raciais, tal como postas e em vigor, 
admitem que negros ricos tenham acesso ao ensino superior, em detrimento dos 
negros pobres e de outros pobres não-negros. Acompanha essa argumentação 
exemplos ilustrativos que dão conta de casos de negros cotistas que moram em 
apartamentos de luxo, são proprietários de carros novos e/ou realizam passeios de 
férias no exterior. As cotas raciais exclusivas não suprimem as desigualdades e 
exclusões impostas à categoria dos pobres brasileiros e, em sentido oposto, gera 
mais exclusões e mais desigualdades; e proporciona privilégios a pessoas 
autodeclaradas negras que já gozam de patamares de renda distintos e acima da 
base da pirâmide socioeconômica onde estão confinados os pobres; 
19.[Exclusão entre os pobres]. As cotas raciais separam os pobres. A 
racialização do critério para ingresso na universidade vai excluir o branco pobre e o 
15 
 
não-negro pobre ou lhes aumentar a exclusão já imposta, tendo em vista que um 
negro pobre lhes tomará a vaga no ensino superior, pela preferência de estampa. 
Pessoas parentes, unidas por laços sanguíneos e ancestralidades idênticas ou 
comuns, confinadas em análogas ou mesmas situações socioeconômicas de 
pobreza e egressos de semelhantes experiências de ensino público, serão 
separadas por seus pigmentos de pele e, consequentemente, sofrerão da exclusão 
e do racismo promovido pela ideologia de racialização das cotas e seus métodos de 
aferição da preferência. A esta argumentação, associam-se abordagens fortemente 
apelativas, de cunho emocional, estruturadas em indagações tais estas: como 
explicar para um jovem branco, ou um mestiço que não se promove negro pela 
autodeclaração, que vive no mesmo lugar, que vive a mesma experiência 
socioeconômica, que compartilha da expressão de uma periferia urbana ou de uma 
comunidade rural, que esse jovem não-negro perdeu sua vaga para ingresso no 
ensino superior por causa de um negro autodeclarado, no contexto das cotas raciais, 
que se apropriou da mesma vaga? Como explicar para os pais desse jovem não-
negro excluído, que seu filho não mereceu entrar na universidade porque o filho do 
vizinho, sendo negro, tomou-lhe seu direito? Como esses jovens vão continuar a 
conviver? 
20.[Os não negros]. Os pardos, os caboclos e os mestiços, em se tratando 
daquelas pessoas que não se reconhecem, por autodeclaração, com a identificação 
da estampa “negro” não são destinatários das cotas raciais. Sendo estes 
constituintes da maior parcela de não-brancos em solo brasileiro, serão excluídos 
sob a vigência da preferência pela categoria étnico-racial ou estampa “negra”. Esta 
argumentação associa a hipótese de que a fusão das categorias “pardo” e 
“preto/negro” em única classificação sob a designação de “negros”, por aferição do 
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE e de outras instituições 
nacionais, configura uma manipulação dos dados e dos seus significados reais, bem 
como uma ofensa à dignidade dos “pardos”, inclusa a negação ao seu direito de 
autodeclaração. Filiam-se a esta posição o Movimento Pardo-Mestiço Brasileiro e a 
Associação dos Caboclos e Ribeirinhos da Amazônia; 
21.[Enfoque socialista e combate ao capitalismo]. Só é possível aceitar a 
validade das Cotas Raciais e sustentar sua defesa e operacionalização, na 
sociedade brasileira, se olvidarmos na compreensão crítica da ideologia e das 
16 
 
práticas do capitalismo na História, inclusive das experiências do capitalismo na pós-
modernidade e na contemporaneidade, e seus projetos neoliberais, que estruturam 
as sociedadessob a estratificação em classes e não por “raças” ou cores. Só é 
possível ancorar-se na “raça” e na ancestralidade, se abandonar o projeto político e 
ideológico da organização do proletariado histórico e dos trabalhadores atuais – 
urbanos, rurais, intelectuais, manuais etc -, como o lugar comum que os une e os 
assemelha: a Classe dos Trabalhadores, a Classe oprimida pelo projeto estrutural 
do capitalismo. Por conseguinte, sob a lógica do Capital, a sociedade brasileira não 
está estruturada em pilares formados e sustentados por brancos, negros, índios e 
outras estampas étnico-raciais, em si. A experiência capitalista em solo brasileiro, 
desde a Colônia aos dias atuais – da era da escravidão à era da globalização 
contemporânea - estratifica a sociedade em duas macro-colunas ou macro-classes, 
opostamente e antagonicamente distintas. De um lado, a classe dos donos dos 
meios de produção e do capital produtivo; os banqueiros e os donos do capital volátil 
e especulativo; os explorados da classe trabalhadora; aliados pela lógica própria e 
princípios inerentes do ethos do Capital, sem nenhuma identidade pela estampa 
étnico-racial, nem vínculo aos princípios civilizatórios sob a ancestralidade. Do outro 
lado, a classe dos trabalhadores, de todas as suas subdivisões classista, constituída 
por pessoas trabalhadoras de cor branca, pessoas trabalhadoras de cor preta, 
negros e afro-brasileiros, pessoas trabalhadoras dos povos indígenas de nações e 
tribos diversas, trabalhadores mestiços, trabalhadores de outras origens nacionais, 
todos estes unidos sob a condição primeira de explorados pelo Capital, sem 
nenhuma excepcionalidade de origem étnica ou estampa, ou sexo. O Capital não se 
sustenta na cor dos trabalhadores, mas nos resultados gerados por sua força de 
trabalho enquanto mercadoria comprada pelo capital para transformar matéria em 
mais-valia. Neste sentido, as Cotas Raciais constituem uma ilusão; somente as 
defendem, intransigentemente, aqueles que renunciaram à luta de classe, às lutas 
por direitos universais e desejam enganar-se. As cotas raciais, onde quer que 
tenham sido implantadas – na Índia, nos EUA, na África do Sul etc – não foram 
capazes de alterar as estruturas do capitalismo, ainda que tenham favorecido à 
geração de uma parcela de negros ricos, elitizados, intelectualizados e pares dos 
antigos senhores do capital. Associam-se às premissas dessa defesa o Movimento 
Negro Socialista – MNS; a Federação Nacional de Trabalhadores de Transportes 
17 
 
sobre Trilhos, filiado à Central Única dos Trabalhadores – CUT; e a Esquerda 
Marxista do Partido dos Trabalhadores – PT (cf. www.mns.org.br); 
22.[Oposição negra]. Por fim, há um arremate final para selar o conjunto 
destes argumentos, trazendo a justificativa de que existem negros com posições 
contrárias às cotas raciais. Até negros são contra as cotas raciais!!! Ora! tem até 
pessoas negras se posicionando contra as cotas raciais, inclusive entidades 
representativas de segmentos da população negra!!!. Esta argumentação, talvez a 
mais desamparada de propósito, advoga que a falta de unanimidade entre os 
negros, para com o objetivo das cotas raciais, sendo estes os destinatários, faz-se 
uma razão para que essa política não seja implementada. 
Por esses argumentos e fundamentos supracitados, os sujeitos que os 
produzem e protagonizam por meio de diversos instrumentos admitidos na 
sociedade brasileira do contexto democrático atual, posicionam pela refutação das 
Cotas Raciais, seja do ponto de vista sociológico, seja do ponto de vista político-
ideológico, seja na ação parlamentar institucionalizada, sejam nos discursos 
midiatizados e acadêmicos, mas também através de casos pontuais de 
manifestações de racismo desamparados de qualquer base legal vigente. 
Esta década de oposição às Cotas Raciais é palco de um grande debate, 
realizado na mídia falada e televisiva, materializado em artigos impressos e outras 
produções acadêmicas, mas também produzido em parlamentos, em panfletos e 
colóquios dos mais variados tipos e fontes, que podemos dizê-los de autorias 
individuais, coletiva e difusa, em se tratando de sua referenciação para fins 
acadêmicos e didáticos. No entanto, partes consideráveis das argumentações 
sistematizadas acima poderão encontrar endereço no manifesto “Centro e treze 
cidadãos Anti-racistas contra as leis raciais”, datado de 21 de abril de 2008, dirigido 
ao Presidente do Supremo Tribunal Federal – STF, subscrito por “intelectuais da 
sociedade civil, sindicalistas, empresários e ativistas dos movimentos negros e 
outros movimentos sociais”, a maioria do Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e Rio 
Grande do Sul, por cujas vozes pede-se a revogação do instituto das Cotas Raciais 
nas universidades públicas do Brasil, sob o fundamento da inconstitucionalidade e 
da incompatibilidade com as regras vigentes nas relações sociais da sociedade 
desta pátria, bem como requer o impedimento da aplicação das leis raciais (cf. 
manifesto: Centro e treze cidadãos Anti-racistas contra as leis raciais. Disponível em 
18 
 
<http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDR83466-6014,00.html>. Acesso em: 20 
Dezembro.2011. Documento idêntico também disponível no sítio virtual do 
Movimento Negro Socialista (MNS) - <http://www.mns.org.br/ -, abrigado no ícone dos 
“Documentos e Resoluções”. Acesso em: 20 Dezembro.2011). Este instrumento de 
oposição às Cotas Raciais em pauta trás entre seus signatários a Advogada Roberta 
Fragoso Menezes Kaufmann, que assina a petição do Partido Democratas [DEM], 
na condição de constituinte outorgada para a defesa da tese e dos interesses do 
DEM, junto ao STF, na ação de Arguição de Descumprimento de Preceito 
Fundamental - ADPF que pede a inconstitucionalidade da iniciativa de 
implementação das cotas raciais em universidades públicas brasileiras; o sociólogo 
Demétrio Magnoli; a antropóloga Yvonne Maggie - Professora titular da Universidade 
Federal do Rio de Janeiro - UFRJ; Nelson Mota - Produtor musical, jornalista e 
escritor; Gilberto Velho – Professor Titular de Antropologia do Museu Nacional da 
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro da Academia Brasileira 
de Ciências; Ferreira Gullar - poeta; e o cantor e compositor Caetano Veloso, entre 
os mais subscritores do manifesto. 
O manifesto “Centro e treze cidadãos Anti-racistas contra as leis raciais”, no 
entanto, não se fecha com o ato formal de protocolo junto ao STF, qual se mostra na 
adesão à Petição eletrônica [Petition Online], contabilizando mais de quatro mil 
assinantes até a conclusão deste artigo sobre a matéria (Disponível em 
<http://www.petitiononline.com/petitions/antiraca/signatures?page=3>). 
Na esfera judicial, muitas ações foram promovidas por pessoas físicas, 
especialmente estudantes não-negros que não alcançaram notas suficientes para 
seu acesso ao ensino superior, por ocasião do concurso de vestibular, a pretexto de 
ofensa ao seu direito com a implementação da reserva de cotas aos candidatos 
autodeclarados negros. Há casos particulares de estudantes que recorreram ao 
meio jurisdicional contra negativas manifestas às suas autodeclarações, por 
decisões administrativas proferidas por Comissões Organizadoras de Vestibulares, 
quais não os especificaremos. Mas também por entes de personalidades jurídicas, o 
Poder Judiciário foi instado a se manifestar sobre a legalidade e mesmo sobre a 
constitucionalidade, em se tratando de casos particulares afetos às Cotas em 
análise. No rol destas últimas, a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de 
Ensino – CONFENEN, órgão máximo de representação das escolas particulares 
19 
 
brasileiras, configura-se como promotora de Ação Direta de Inconstitucionalidade – 
ADI contra o Programa Universidade Para Todos - ProUNI (cf. ADI/STF/nº 3330-1, 
com entrada no Supremo Tribunal Federal [STF] no dia 20.10.2004,disponível em 
<http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADIN&s1=3330&proce
sso=3330>), em cujo Plenário do julgamento realizado em 02 de abril de 2008, 
tratando-se sobre a Decisão Plenária Liminar, o Partido DEMOCRATAS [DEM] falou 
em defesa do objeto de interesse da CONFENEN (cf. Disponível em 
<http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADIN&s1=3330&proce
sso=3330>). Ademais, a CONFENEN ainda configura autora de outra ADI, esta 
contra a instituição de Cotas para o acesso ao ensino superior em universidades do 
Estado do Rio de Janeiro, questionando exatamente a Lei Estadual daquela Unidade 
da Federação, publicada sob o nº 4.1516, de 04 de setembro de 2003, que “institui 
nova disciplina sobre o sistema de cotas para ingresso nas universidades públicas 
estaduais e dá outras providências” (cf. ADI/STF/nº 3197-0, com entrada no 
Supremo Tribunal Federal na data de 03 de maio de 2004, disponível em 
<http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/ADIN&s1=3197&processo=3197>. 
No âmbito jurisdicional, todavia, tomou proporção nacional a refutação das 
Cotas Raciais sob os termos da Arguição de Descumprimento de Preceito 
Fundamental – ADPF/nº 186 – Ação Direta de Inconstitucionalidade [ADIN] -, junto 
ao Supremo Tribunal Federal – STF, com entrada no dia 20 de julho de 2009, 
constando como requerente o Partido Democratas [DEM] e requerido o Conselho de 
Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade de Brasília – UNB/CEPE -, e outros 
(cf. Petição Inicial ADPF/STF nº186-1/800. Disponível em 
<http://www.stf.jus.br/portal/geral/verPdfPaginado/400108&tipo=ADPF186>. Acesso 
em: 15 Novembro.2011), bem como sob os termos do Recurso Extraordinário – 
RE/nº 597285, do Rio Grande do Sul, junto à mesma Corte Suprema da Justiça, 
tendo como recorrente Geovane Pascoalito Fialho e recorrida a Universidade 
Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, matéria correlata e análoga. 
 
6
 A Lei Estadual do Rio de Janeiro, de nº 4.151/2033, que “institui nova disciplina sobre o sistema de 
cotas para ingresso nas universidades públicas estaduais e dá outras providências”, foi revogada pela 
Lei Estadual da mesma Unidade da Federação, publicada sob o nº 5.346, de 11 de dezembro de 
2008, que “dispõe sobre o sistema de cotas para ingresso nas universidades estaduais e dá outras 
providências”, mantendo a reserva de cotas para negros (cf. art. 1º, inciso I) e outros destinatários. 
20 
 
A Ação do Partido Democratas [DEM] questiona a implementação das Cotas 
Raciais pela Universidade de Brasília [UNB] e pede a declaração de sua 
inconstitucionalidade, sob a hipótese de incompatibilidade com a Carta Magna de 
1988, especialmente com os fundamentos do art. 1º caput e Inciso III-a dignidade 
da pessoa humana; do art. 3º caput e inciso IV: “Constituem objetivos fundamentais 
da República Federativa do Brasil [...] promover o bem de todos, sem preconceitos 
de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”; do 
art. 4º, inciso “VIII-repúdio ao terrorismo e ao racismo”; do art. 5º, Incisos I 
(isonomia), II (na forma da lei), XXXIII (direito de informações dos órgãos públicos), 
XLII (crime de racismo), XLIV (crime contra a ordem constitucional e o Estado 
democrático); do art. 37 (princípios fundamentais da administração pública); do art. 
205 (Educação, direito de todos e dever do Estado); do art. 206, Inciso I (igualdade 
de condições para o acesso e permanência na escola); do art. 207 (autonomia das 
Universidades); e do art. 208, Inciso V (mérito: “acesso aos níveis mais elevados do 
ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um”). 
Cometendo uma proposital evasão do tema, para o fim de estabelecermos 
uma conexão entre temas e interesses em disputas, registre-se que o Partido 
Democratas [DEM], ainda sob a personalidade do Partido da Frente Liberal [PFL], 
configura como autor da ADI/STF/nº 3239, com entrada no dia 25 de junho de 2004, 
junto ao STF, mediante a qual questiona o diploma legal de origem do Chefe do 
Poder Executivo e requer a declaração de inconstitucionalidade do Decreto 
Presidencial nº 4887, de 20 de novembro de 2003, que “Regulamenta o 
procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e 
titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos 
de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias” (cf. 
termos e respectivo andamento da ADI/STF/nº 3239-9. Disponível em 
<http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/ADIN3239&processo=3239>). 
Tomemos, ainda, uma conexão importante para compor a análise deste 
artigo. O Partido Democratas [DEM]: 
O deputado Paulo Cesar Quartiero (DEM-RR) foi pessoalmente na 
tarde dessa terça-feira (25) pedir ao ministro do Supremo Tribunal 
Federal (STF) Ayres Britto que reveja a decisão de demarcação 
contínua da área de 1,7 milhão de hectares da reserva indígena 
21 
 
Raposa Serra do Sol, em Roraima. Quartiero explica que, depois da 
decisão do Supremo, a situação no Estado fugiu do controle, fazendo 
surgir “uma verdadeira indústria de demarcação de terras”. [...] 
“Houve um erro judiciário gravíssimo e precisa ser revisto” (cf. notícia 
veiculada no sítio virtual oficial do DEM, postada em 26 de outubro 
de 2011, às 11:00h, 43:00min e 58:00seg, com o título “Quartiero 
pede revisão da demarcação na reserva Raposa Serra do Sol”. 
Disponível em <http://www.dem.org.br/2011/10/quartiero-pede-
revisao-da-demarcacao-na-reserva-raposa-serra-do-sol/>. Acesso 
em 23 Dezembro.2011). 
Esta posição refere-se à demarcação das Terras Indígenas Raposa Serra do 
Sol, localizada no Estado de Roraima, em disputa desde a década de 1970, quando 
teve início o processo de identificação e demarcação. Na Ação Judicial sob a 
PET/STF/nº 3388, recepcionada no Protocolo do STF sob o nº 2005/44247, em 20 
de abril de 2004, a Suprema Corte decidiu em favor da demarcação contínua das 
terras indígenas e a consequente retirada de produtores de arroz dos limites da área 
demarcada, com o objetivo de garantir os direitos de uma população de 20 mil 
índios, distribuídos em 5 etnias e 135 malocas instaladas, num território com cerca 
de 1,7 milhões de hectares. Com mandato de Deputado Federal na atual legislatura 
do Congresso Nacional, o parlamentar Paulo César Justo Quartiero [DEM] é o líder 
dos fazendeiros em conflito com os índios e dono da Fazenda Depósito, a maior da 
região; e também foi prefeito da cidade de Pacaraíma-RR, antes do seu mandado 
atual (cf. A disputa pela Raposa Serra do Sol. Disponível em 
<http://www.estadao.com.br/especiais/a-disputa-pela-raposa-serra-do-sol,17895.htm>. Acesso em: 
23 Dezembro.2011). 
Politicamente, o DEM desponta com grandes lideranças vinculadas à 
Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária – CNA, cuja entidade 
representativa do agronegócio é presidida pela Senadora Kátia Abreu, do DEM 
(Tocantins) até recentemente, quando se filiou ao PSD [Partido Social Democrático], 
o mais novo partido do País. O Partido Democratas também se faz presente, com 
lideranças de prestígio interno nacional, na Bancada Ruralista junto ao Congresso 
Nacional. 
De volta ao eixo central de nosso objeto - as cotas raciais nas universidades 
públicas brasileiras -, passemos para o outro pólo desse debate e dos embates, para 
captarmos seus argumentos e posicionamentos. 
22 
 
Do lado dos sujeitos de direito que advogam em defesa da concepção e da 
implementação da política de Cotas Raciais, é possível sistematizar os seguintes 
argumentos de sua manifestação deles/delas. 
A desigualdade econômica estruturante da exclusão educacional: 
Muitas vozes opositoras às Cotas Raciais advêm de que seus interlocutores 
argumentam que a população negra está excluída do ensino superior porcausa da 
desigualdade econômica; por causa da pobreza que lhes afeta; por causa da 
exclusão econômica que lhe confina na imobilidade social. Ato contínuo, resolvendo 
a questão da pobreza, desaparecerão as barreiras que estão impedindo os negros 
da fruição educacional. 
Em jogo de linguagem mais enfático: erradicando as causas estruturantes 
geradoras da pobreza, tira-se a barreira crítica central que impede a população 
negra de gozar do direito de acesso e de permanência no ensino superior. Ademais, 
não só no ensino superior, mas em todas as etapas da Educação Básica e, ainda, 
da Pós-Graduação. E, consequentemente, gozará dos benefícios que os 
instrumentos obtidos com a educação e ensino sistemáticos podem oportunizar no 
mercado de trabalho, na política e em outras dimensões da vida particular e na 
sociedade. 
Ainda no terreno do jogo de linguagem, a questão mobilizada na 
argumentação dos opositores às Cotas Raciais é propositada a nos convencer para 
renunciarmos à defesa desta ação afirmativa imediata e, em seu lugar, para 
alcançarmos os mesmos objetivos de inclusão, erradicar (desarraigar; arrancar pela 
raiz ou com raízes; extinguir de todo) as causas da pobreza e os sintomas desta, 
expressos nos indicadores sociais e nas diversas faces da realidade que nos 
apresenta. 
O complemento desse discurso nos conforta – ou nos tenta ludibriar – com 
uma retórica de que a pobreza, no Brasil, não tem cor ou “raça”; a pobreza afeta a 
todas as cores e etnias, em nosso país, sem distinção. E todas essas “marcas” 
identitárias sofrem com o desígnio deste fenômeno de exclusão. 
Esta retórica é a mais atraente, dentre todas as argumentações postas em 
combate, contra a ação afirmativa específica das Cotas Raciais em favor da 
população negra, na questão em pauta. Há atores sociais de diversos matizes 
23 
 
políticos e sociais convencidos por esta retórica, incluindo-se intelectuais, artistas, 
mandatários de postos políticos e, ainda, casos de pessoas negras “comuns”. 
Grave engano. Essa é uma armadilha discursiva; um sofisma; uma falácia; 
uma aparência de verdade. Um discurso sem validade na lógica formal, nem 
aplicação como verdade em nosso cotidiano, no processo histórico brasileiro de 
racismo estrutural. 
No campo da fundamentação teórica e na boa ciência política crítica, o ethos 
do Capitalismo reserva uma gênese que não abriga nem se associa à ideia de 
erradicação plena da pobreza, nem à extinção (arrancar pela raiz) de sua causa 
estruturante-chave, porque ele (o Capital; o Capitalismo; o Capitalista) o é próprio e 
intrinsecamente causa primeira e última da produção da pobreza e exclusões 
sociais, inclusive étnico-raciais, religiosas, geográficas, culturais e regionais. 
No Brasil, em sendo um País de sociedade capitalista consolidada, mantidas 
as ressalvas e contradições dialéticas, mas também as correlações de forças 
atuantes e mobilizadas, propor a extinção do Capitalismo não é curso para dar cabo 
em poucas décadas, ainda que seja pauta utópica relevante e digna de abrigo em 
nosso imaginário e em nossos gestos cotidianos, por escolha ideológica. Portanto, 
propor (um estímulo) que esperemos ou façamos acontecer a erradicação da 
pobreza para, como resultado disto (uma recompensa), a população negra usufruir 
de mobilidade social, inclusa nesta a ocupação equidistante e equalização social dos 
espaços da academia, no ensino superior das universidades públicas brasileiras, é, 
no mínimo, escárnio de nossas múltiplas inteligências. 
De outro gênero literário de exprimir, pensemos: Era uma vez dois grupos 
humanos numa viagem por um imenso deserto. Um grupo de humanos brancos e 
um segundo grupo de humanos negros e não-brancos, este último em número bem 
maior que o primeiro. Na hora de dividir a água para saciar a sede e amenizar o 
calor, o grupo dos humanos brancos protestou e recusou à divisão, mas apontou, à 
sua frente, para um grande e belo oásis e disse para os negros e não-brancos: 
vamos caminhar até acolá!!!! Quando lá chegarmos, vocês terão água fresca 
abundante para todos beberem e mergulharem..., ...e na sombra! ... O lugar indicado 
à frente era uma miragem. Por causa disso, muitos morreram...! 
24 
 
Mas agora, deixando esse gênero literário, para não nos perdermos nessa 
miragem, vamos caminhar um pouco com os indicadores do IBGE e do IPEA. 
Trabalho. Indicadores/ Raça ou Cor. População economicamente ativa: 
Rendimentos médios reais recebidos no mês em todas as fontes- evolução de 1992 a 2009 
Categorias 1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 
PNAD 
 
Brasil 615,97 
 
657,53 
 
789,16 785,25 786,55 786,90 732,34 
 
724,71 
 Branca 795,27 
 
855,03 
 
1.029,37 
 
1.028,67 
 
1.035,93 
 
1.039,89 
 
971,04 
 
964,82 
 Negra 401,31 
 
418,89 
 
503,71 
 
492,27 
 
496,04 
 
492,53 
 
461,33 
 
466,93 
 .................. 
Categorias 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 
PNAD 
 
 
Brasil 719,04 
 
661,81 
 
683,86 
 
717,46 
 
776,86 
 
794,27 
 
828,50 
 
849,33 
 
Branca 
 
952,84 
 
885,72 
 
904,92 
 
957,81 
 
1.032,31 
 
1.051,07 
 
1.086,38 
 
1.105,93 
 Negra 473,77 
 
438,40 
 
468,78 
 
495,58 
 
544,17 
 
566,21 
 
604,52 
 
629,66 
 
Fonte: Microdados da Pnad (IBGE) e PME (IBGE). 
Elaboração: IPEA/DISOC/NINSOC - Núcleo de Gestão de Informações Sociais 
Notas: 1 A Pnad não foi realizada em 1994 e 2000. 2 Raça negra é composta de pretos e pardos. 3 PME - A média 
referente ao ano de 2002 compreende o período de março a dezembro, exceto para setor de atividade referente a 
agosto a dezembro. 4 PME - A média referente ao ano de 2003 a 2007 compreende o período de janeiro a dezembro. 
 * A preços de janeiro de 2009 utilizando o INPC. 
A análise destes dados expostos no recorte, em uma evolução histórica de 
dezoito anos, permite-nos apreender que a renda, no Brasil, tem cor/“raça”. 
Nesta “preferência” de cor/raça, no quesito renda, há uma explícita 
segregação da população negra, com rendimento inferior, expresso em valor 
nominal equivalente à metade do que ganha a média da população de cor/”raça” 
branca. 
Equivale dizer que estão nos oferecendo uma miragem como se fosse uma 
verdade empírica e objetiva, para onde devemos caminhar na história até alcançá-la. 
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD, de 
responsabilidade da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, 
foi inaugurada no ano de 1976 e investiga as características gerais da população, 
anualmente. A PNAD tornou-se um instrumento importante para olhar a realidade 
brasileira, inclusive os aspectos de indicadores com rebates étnico-raciais. O 
Professor Luiz Felipe de Alencastro, Cientista Político e Historiador, Titular da 
25 
 
cátedra de História do Brasil na Universidade de Paris IV Sorbonne, com 
manifestação7 em defesa das Cotas Raciais, assinala: 
[...] as PNADs de 1976, 1984, 1987, 1995, 1999 e os Censos de 1980, 1991e 2000, incluíram o critério cor. Constatou-se, então, que no decurso de três 
décadas, a desigualdade racial permanecia no quadro de uma sociedade 
mais urbanizada, mais educada e com muito maior renda do que em 1940 e 
1950. Ou seja, ficava provado que a desigualdade racial tinha um carácter 
estrutural que não se reduzia com progresso econômico e social do país. 
Daí o adensamento das reivindicações da comunidade negra, apoiadas por 
vários partidos políticos e por boa parte dos movimentos sociais. 
A seguir, analisemos dois dados estatísticos complementares. Um se refere 
à “População Ocupada - evolução de 1992 a 2009”; o segundo dado é relativo à 
“População Desempregada - evolução de 1992 a 2009”, ambos do IBGE/PNAD, com 
elaboração do IPEA. 
Trabalho. Indicadores/ Raça ou Cor. População economicamente ativa: 
População Ocupada - evolução de 1992 a 2009 
Categorias 1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 
PNAD 
 
Brasil... 60.391.711 
 
61.586.228 
 
64.838.422 
 
64.258.698 
 
65.651.714 
 
66.457.877 
 
69.802.722 
 
73.335.422 
 Branca 33.405.911 
 
34.264.431 
 
36.344.920 
 
36.449.996 
 
36.615.138 
 
36.786.913 
 
38.775.867 
 
40.394.323 
 Negra 26.627.618 
 
26.864.920 
 
28.062.565 
 
27.392.990 
 
28.639.239 
 
29.089.025 
 
30.531.853 
 
32.451.593 
.................. 
Categorias 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 
PNAD 
 
 
Brasil 76.265.177 
 
77.617.276 
 
81.888.391 
 
84.200.820 
 
86.245.272 
 
87.566.150 
 
90.389.930 
 
90.751.429 
 Branca 41.641.887 
 
41.560.992 
 
43.115.512 
 
43.025.407 
 
44.028.720 
 
44.240.166 
 
44.756.053 
 
44.805.451 
 Negra 34.098.517 
 
35.546.315 
 
38.253.351 
 
40.533.838 
 
41.516.509 
 
42.536.741 
 
44.799.260 
 
45.301.014 
 
Fonte: Microdados da Pnad (IBGE) e PME (IBGE). 
Elaboração: IPEA/DISOC/NINSOC - Núcleo de Gestão de Informações Sociais 
Notas: 1 A Pnad não foi realizada em 1994 e 2000. 2 Raça negra é composta de pretos e pardos. 3 PME - A média 
referente ao ano de 2002 compreende o período de março a dezembro, exceto para setor de atividade referente a 
agosto a dezembro. 4 PME - A média referente ao ano de 2003 a 2007 compreende o período de janeiro a dezembro. 
 * A preços de janeiro de 2009 utilizando o INPC. 
... 
 
7
 cf artigo “Manifestação em defesa das cotas para afro-descendentes” (sic), às pp.42-45, na revista 
Pensar BH/Política Social, ano IX, edição nº 26, de junho de 2010; coluna Cidadania-Ações 
Afirmativas, que publica a íntegra do “Parecer sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito 
Fundamental, ADPF/186, apresentada ao Supremo Tribunal Federal, por Luiz Felipe de Alencastro”. 
26 
 
Trabalho. Indicadores/ Raça ou Cor. População economicamente ativa: 
População Desempregada - evolução de 1992 a 2009 
Categorias 1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 
PNAD 
 
Brasil 4.018.750 
 
3.814.833 
 
3.995.461 
 
4.525.560 
 
5.307.980 
 
6.316.832 
 
7.278.822 
 
7.422.345 
 
Branca 
 
2.019.409 
 
1.908.823 
 
2.064.843 
 
2.385.390 
 
2.724.947 
 
3.261.146 
 
3.663.711 
 
3.546.715 
 Negra 1.983.410 
 
1.891.635 
 
1.915.250 
 
2.111.932 
 
2.564.488 
 
3.009.487 
 
3.577.784 
 
3.839.840 
... 
 
Categorias 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 
PNAD 
 
Brasil 7.504.458 
 
8.234.112 
 
7.849.400 
 
8.457.646 
 
7.794.148 
 
7.584.032 
 
6.787.910 
 
8.064.935 
 Branca 3.611.353 
 
3.939.300 
 
3.647.269 
 
3.761.416 
 
3.513.170 
 
3.368.252 
 
2.901.684 
 
3.424.757 
 Negra 3.855.407 
 
4.243.696 
 
4.156.796 
 
4.648.451 
 
4.222.213 
 
4.146.552 
 
3.757.619 
 
4.541.473 
 
Fonte: Microdados da Pnad (IBGE) e PME (IBGE). 
Elaboração: IPEA/DISOC/NINSOC - Núcleo de Gestão de Informações Sociais 
Notas: 1 A Pnad não foi realizada em 1994 e 2000. 2 Raça negra é composta de pretos e pardos. 3 PME - A média 
referente ao ano de 2002 compreende o período de março a dezembro, exceto para setor de atividade referente a 
agosto a dezembro. 4 PME - A média referente ao ano de 2003 a 2007 compreende o período de janeiro a dezembro. 
 * A preços de janeiro de 2009 utilizando o INPC. 
Xx 
A população negra detém a menor parcela entre aqueles brasileiros 
ocupados (inseridos no mercado de trabalho), combinando a trágica estatística de 
predominância entre as pessoas desempregadas (excluídas do mercado de 
trabalho), em um recorte temporal histórico de dezoito anos. 
O quarto Relatório Nacional de Acompanhamento dos Objetivos do Milênio, 
elaborado sob coordenação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e 
pela Secretaria de Planejamento e Investimento Estratégicos (SPI/MP-Ministério do 
Planejamento), publicado em março de 2010, analisa a questão da erradicação da 
pobreza, que constitui a primeira meta do primeiro Objetivo do Milênio, estabelecido 
para os 191 Estados-Membros das Nações Unidas, no período de 1990 a 2008. A 
conclusão apresentada constata uma considerável desigualdade social: a fração da 
renda nacional que cabe aos 20% (vinte por cento) mais pobres cresceu, em termos 
absolutos, de 2,2% a 3,1% da renda nacional. Para os 20% (vinte por cento) mais 
ricos entre os brasileiros, o índice “recuou consideravelmente de 65,2% para 58,9% 
da fração da renda nacional, no país das grandes palmeiras (Disponível em 
27 
 
<http://www.pnud.org.br/pdf/4RelatorioNacionaldeAcompanhamentodosODM.pdf>. 
Acesso em 25 Fevereiro.2012). Confira gráfico posto à página 25 do dito Relatório: 
 
Observe que o grupo intermediário – de 20% a 80% - detentor da renda 
nacional, apropria-se de 38% da riqueza, em 2008. Porém os 20% dos mais pobres 
estão confinados com 3,1% da renda nacional. 
O Brasil melhorou para os pobres nas últimas décadas, mas, de outro modo 
podemos compreender a matemática e a política que nos apresentam os vinte por 
cento mais ricos com a porção de sessenta por cento de nossa riqueza em suas 
mãos. Isto significa que os 20% mais ricos “deixam” apenas 40% da renda nacional 
para o contingente de 80% da população. 
Segundo este mesmo relatório, em 2008 a porcentagem de pobres pretos ou 
pardos era, ainda, mais do que o dobro da porcentagem de pobres brancos. A 
desigualdade relativa entre a população preta ou parda e a população branca se 
manteve estável no período de 1990 a 2008. No ano de 2008, entre os 10% (dez por 
cento) mais pobres, os pretos e pardos representavam 70% (setenta por cento) 
28 
 
deste contingente empobrecido. No mesmo ano, a porcentagem dos brancos no 
grupo de 1%(um por cento) mais ricos da população representava 83,3% deste 
contingente acumulador da renda nacional. 
No quesito educação, relativo às estatísticas de 2001, o IPEA aponta que 
apenas 2% (dois por cento) de negros estudavam nas universidades públicas e, 
dentre estes, apenas 15% concluíam seus estudos. Conforme projeção orientada 
pela pesquisa, se a educação no Brasil prosseguisse no mesmo ritmo linear, sem a 
intervenção com as ações afirmativas, após 13 (treze) anos as pessoas brancas 
deveriam alcançar a média de oito anos de escolaridade e os negros só atingiriam 
esse mesmo patamar em 32 (trinta e dois) anos (cf. artigo “Inclusão social e Bônus 
no vestibular da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG”, por Antônia Vitória 
Soares Aranha – Professora Associada da Faculdade de Educação da UFMG e Pró-
Reitora de Graduação da UFMG, na revista Pensar BH/Política Social, ano IX, 
edição nº 26, de junho de 2010, pp-47). 
Assuntando estes dados relativos à renda, à população ocupada, à 
população desempregada, à pobreza e o percentual de negros no ensino superior, a 
tese de que a questão econômica, no Brasil, não tem cor/”raça” fica seriamente 
comprometida, corroída. Dizer que a desigualdade econômica é que se constitui na 
causa da exclusão de negros, no quesito acesso à educação, para justificar a 
oposição às Cotas Raciais, é uma indicação de que o discurso está posto, de modo 
ideologicamente propositado, de maneira invertida. No mesmo país em que a 
população negra (pretos e pardos), segundo dados do IBGE8, representa 50%, essa 
tese é um acinte à população negra e a todo ser humano que ainda preserva 
dignidade e ética, e ainda guarda capacidade para indignar-se. 
O modelo econômico brasileiro tem bases do Capitalismo e do Racismo 
históricos, estruturalmente. É relevante que nos posicionemos contra os ethos 
dessas duas causas de exclusões no Brasil. Portanto, essa retórica dos oponentes 
às Cotas Raciais não tem validade teórica, nem respaldo na realidade histórica de 
nossos povos. É um discurso sem lógica, desconexo e sem contextualização com a 
realidade dos acontecimentos do passado e do presente, na História do Brasil. 
 
8
 IBGE. Censo Demográfico. Dados do Censo de 2010: População geral do Brasil = 190.755.799; 
População de brancos = 91.051.646; População negra (pretos mais pardos) = 96.795.294. [...] 
29 
 
A questão da raça e do racismo: 
A questão da “raça” como divisor natural entre os humanos, especialmente 
no atual estágio contemporâneo de nossa História, é sabido e aceito que essa 
premissa não tem comprovação genética; é uma categoria natural refutada de pleno 
na Ciência. Cientificamente – diga-se: pelas Ciências Naturais, sob seus 
fundamentos, seus métodos de aferição e validação -, essa refutação está 
mensurada e validada, sem contestações consideradas. 
Os posicionamentos em defesa das Cotas Raciais não incluem o argumento 
centrado na raça genética como marca divisória natural na população brasileira. 
Porém, advoga que a “raça” é uma categoria política e discursiva fortemente 
presente na sociedade brasileira, cuja categoria encontra aplicação utilizada como 
marcador e demarcador nas relações de forças e de poder entre os atores sociais 
que fazem a história contemporânea das civilizações e das culturas em cursos, 
inclusive no Brasil. As Ciências Sociais e as Ciências Humanas compreendem essa 
categoria discursiva e de poder simbólico e político, investida na “raça”, 
reconhecendo-lhes essa validade teórica e conceitual, bem como seus efeitos no 
cotidiano das relações sociais, vistas nas questões produtivas e econômicas, na 
ocupação dos espaços de poder, bem como na construção das subjetividades. É 
mais apropriado, portanto, ao conceito antropológico atual de “raça social”. 
Conceitualmente, tomamos o que nos oferece José Augusto Lindgren Alves 
- Diplomata e Embaixador do Brasil em Sófia [Bulgária] e membro do Comitê para a 
Eliminação da Discriminação Racial, em Genebra -, no seu artigo sob o título “A 
Conferência de Durban contra o Racismo e a responsabilidade de todos”, no 
tópico “As Principais Dificuldades”, publicado na Revista Brasileira de Política 
Internacional – Vol.45, nº 2, Brasília, de Dezembro de 2002: 
Todos de boa fé sabem que "raça" é, sobretudo, uma 
construção social, negativa ou positiva conforme o objetivo que se lhe 
queira dar. Pode ou não envolver traços físicos, cor de pele, língua, 
religião ou costumes "racializados". Com sentido romanticamente 
comunitário, a idéia de "raça" fundamentou a formação dos Estados 
nacionais europeus [...], assim como serviu de base à expansão 
colonialista, justificando a dominação "civilizadora" de populações 
"inferiores". Nesse mesmo sentido identitário, agora com os sinais 
trocados, a raça tem sido atualmente usada pela esquerda como 
amálgama de auto-afirmação para quem antes era, ou ainda 
permanece, depreciado pelos demais. E ao mesmo tempo serve ao 
30 
 
diferencialismo racista da direita, que rejeita os imigrantes, os 
estrangeiros, os diferentes, porque "culturalmente inassimiláveis". 
O problema não está na existência ou não de raças, mas no 
sentido que se dá ao termo. Se atribuirmos caracteres inerentes, 
naturais e inescapáveis, às diferenças físicas, psíquicas, lingüísticas 
ou etno-religiosas de qualquer população, estaremos sendo racistas, 
quase sempre para o mal. 
(Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-
73292002000200009&script=sci_arttext>. Acesso em: 29 
Novembro.2011.) – grifo nosso. 
O Supremo Tribunal Federal - STF, pronunciando sobre o Habeas 
Corpus/HC nº 82424-2/RS–RIO GRANDE DO SUL, julgado em 17 de setembro de 
2003, no Tribunal Pleno, que trata do crime de racismo praticado em desfavor do 
povo judeu, em que é “paciente” Siegfried Ellwanger, por ter, “na qualidade de 
escritor e sócio da empresa ‘Revisão Editora Ltda’, editado, distribuído e vendido ao 
público obras anti-semitas de sua autoria, e da autoria de autores nacionais e 
estrangeiros”, rejeita a tese da defesa do acusado de que o agente não cometera o 
crime de racismo contra o povo judeu, conforme a prescrição do art. 5º, XLII, CF/88, 
combinado com a Lei Federal nº 7.716/899, sob a alegação de que “judeu” não é 
“raça”. A Corte Suprema ratificou o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado 
do Rio Grande do Sul, com o expresso indeferimento do objeto do Habeas-Corpus, 
mantendo a condenação do réu. Para tanto, o STF pacificou o seguinte conceito de 
raça: 
Raça é uma representação mental para uma realidade de histórico-
racial de discriminação em que grupos sociais dominantes criam e 
reproduzem padrões de valor cultural hábeis a subjugar um 
determinado segmento de menor expressão. 
O Ministro Maurício Corrêa, da Suprema Corte da Justiça no Brasil, 
manifestando voto sobre o Habeas-Corpus acima, entende que [...] “a divisão dos 
seres humanos em raças decorre de um processo político-social originado da 
intolerância dos homens. Disso resultou o preconceito racial.” O eminente Ministro 
ainda ressalta na fundamentação de seu voto (Disponível em 
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=79052>.): 
 
9
 Cf. Lei Federal nº 7.716/89, que “Define os crimes resultantes de preconceito de raça e de cor”, com 
as alterações trazidas pelas Leis nº 8.081/90, nº 9.459/97, nº 12.288/2010. 
31 
 
69.Outras manifestações da doutrina constitucional brasileira 
afastam a pretensa limitação do racismo ao conceito biológico 
tradicional da raça. Uadi Lamêgo Bulos define-o como “todo e 
qualquer tratamento discriminador da condição humana em que o 
agente dilacera a auto-estima e patrimônio moral de uma pessoa ou de 
um grupo de pessoas, tomando como critérios raça ou cor da

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