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CHAUI Socrates e Platao pdf

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CHAUI, Marilena. Sócrates e Platão 
(Extratos retirados do livro: CHAUI, M. Convite à filosofia. SP: Ática, 2000) 
 
Página 1 de 14 
 
 
PERÍODO SOCRÁTICO OU ANTROPOLÓGICO 
Com o desenvolvimento das cidades, do comércio, do artesanato e das artes militares, 
Atenas tornou-se o centro da vida social, política e cultural da Grécia, vivendo seu 
período de esplendor, conhecido como o Século de Péricles. 
É a época de maior florescimento da democracia. A democracia grega possuía, entre 
outras, duas características de grande importância para o futuro da Filosofia. 
Em primeiro lugar, a democracia afirmava a igualdade de todos os homens adultos 
perante as leis e o direito de todos de participar diretamente do governo da cidade, da 
polis. 
Em segundo lugar, e como consequência, a democracia, sendo direta e não por eleição 
de representantes, garantia a todos a participação no governo, e os que dele 
participavam tinham o direito de exprimir, discutir e defender em público suas 
opiniões sobre as decisões que a cidade deveria tomar. Surgia, assim, a figura política 
do cidadão. (Nota: Devemos observar que estavam excluídos da cidadania o que os 
gregos chamavam de dependentes: mulheres, escravos, crianças e velhos. Também 
estavam excluídos os estrangeiros.) 
Ora, para conseguir que a sua opinião fosse aceita nas assembleias, o cidadão 
precisava saber falar e ser capaz de persuadir. Com isso, uma mudança profunda vai 
ocorrer na educação grega. 
Quando não havia democracia, mas dominavam as famílias aristocráticas, senhoras 
das terras, o poder lhes pertencia. Essas famílias, valendo-se dos dois grandes poetas 
gregos, Homero e Hesíodo, criaram um padrão de educação, próprio dos aristocratas. 
Esse padrão afirmava que o homem ideal ou perfeito era o guerreiro belo e bom. Belo: 
seu corpo era formado pela ginástica, pela dança e pelos jogos de guerra, imitando os 
heróis da guerra de Tróia (Aquiles, Heitor, Ájax, Ulisses). Bom: seu espírito era formado 
escutando Homero e Hesíodo, aprendendo as virtudes admiradas pelos deuses e 
praticadas pelos heróis, a principal delas sendo a coragem diante da morte, na guerra. 
A virtude era a Arete (excelência e superioridade), própria dos melhores, os aristoi. 
Quando, porém, a democracia se instala e o poder vai sendo retirado dos aristocratas, 
esse ideal educativo ou pedagógico também vai sendo substituído por outro. O ideal 
da educação do Século de Péricles é a formação do cidadão. A Arete é a virtude cívica. 
Ora, qual é o momento em que o cidadão mais aparece e mais exerce sua cidadania? 
Quando opina, discute, delibera e vota nas assembleias. Assim, a nova educação 
estabelece como padrão ideal a formação do bom orador, isto é, aquele que saiba falar 
em público e persuadir os outros na política. 
 
CHAUI, Marilena. Sócrates e Platão 
(Extratos retirados do livro: CHAUI, M. Convite à filosofia. SP: Ática, 2000) 
 
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Para dar aos jovens essa educação, substituindo a educação antiga dos poetas, 
surgiram, na Grécia, os sofistas, que são os primeiros filósofos do período socrático. Os 
sofistas mais importantes foram: Protágoras de Abdera, Górgias de Leontini e Isócrates 
de Atenas. 
Que diziam e faziam os sofistas? Diziam que os ensinamentos dos filósofos 
cosmologistas estavam repletos de erros e contradições e que não tinham utilidade 
para a vida da polis. Apresentavam-se como mestres de oratória ou de retórica, 
afirmando ser possível ensinar aos jovens tal arte para que fossem bons cidadãos. 
Que arte era esta? A arte da persuasão. Os sofistas ensinavam técnicas de persuasão 
para os jovens, que aprendiam a defender a posição ou opinião A, depois a posição ou 
opinião contrária, não-A, de modo que, numa assembleia, soubessem ter fortes 
argumentos a favor ou contra uma opinião e ganhassem a discussão. 
O filósofo Sócrates, considerado o patrono da Filosofia, rebelou-se contra os sofistas, 
dizendo que não eram filósofos, pois não tinham amor pela sabedoria nem respeito 
pela verdade, defendendo qualquer ideia, se isso fosse vantajoso. Corrompiam o 
espírito dos jovens, pois faziam o erro e a mentira valer tanto quanto a verdade. 
Como homem de seu tempo, Sócrates concordava com os sofistas em um ponto: 
• Por um lado, a educação antiga do guerreiro belo e bom já não atendia às 
exigências da sociedade grega, e, 
• Por outro lado, os filósofos cosmologistas defendiam ideias tão contrárias entre 
si que também não eram uma fonte segura para o conhecimento verdadeiro. 
(Nota: Historicamente, há dificuldade para conhecer o pensamento dos 
grandes sofistas porque não possuímos seus textos. 
Restaram fragmentos apenas. Por isso, nós os conhecemos pelo que deles disseram 
seus adversários - Platão, Xenofonte, Aristóteles - e não temos como saber se estes 
foram justos com aqueles. Os historiadores mais recentes consideram os sofistas 
verdadeiros representantes do espírito democrático, isto é, da pluralidade conflituosa 
de opiniões e interesses, enquanto seus adversários seriam partidários de uma política 
aristocrática, na qual somente algumas opiniões e interesses teriam o direito para 
valer para o restante da sociedade.) 
Discordando dos antigos poetas, dos antigos filósofos e dos sofistas, o que propunha 
Sócrates? 
• Propunha que, antes de querer conhecer a Natureza e antes de querer 
persuadir os outros, cada um deveria, primeiro e antes de tudo, conhecer-se a 
si mesmo. A expressão “conhece-te a ti mesmo” que estava gravada no pórtico 
do templo de Apolo, patrono grego da sabedoria, tornou-se a divisa de 
Sócrates. 
CHAUI, Marilena. Sócrates e Platão 
(Extratos retirados do livro: CHAUI, M. Convite à filosofia. SP: Ática, 2000) 
 
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Por fazer do autoconhecimento ou do conhecimento que os homens têm de si 
mesmos a condição de todos os outros conhecimentos verdadeiros, é que se diz que o 
período socrático é antropológico, isto é, voltado para o conhecimento do homem, 
particularmente de seu espírito e de sua capacidade para conhecer a verdade. 
O retrato que a história da Filosofia possui de Sócrates foi traçado por seu mais 
importante aluno e discípulo, o filósofo ateniense Platão. 
QUE RETRATO PLATÃO NOS DEIXA DE SEU MESTRE, SÓCRATES? 
O de um homem que andava pelas ruas e praças de Atenas, pelo mercado e pela 
assembleia indagando a cada um: “Você sabe o que é isso que você está dizendo? ”, 
“Você sabe o que é isso em que você acredita? ” 
“Você acha que está conhecendo realmente aquilo em que acredita, aquilo em 
que está pensando, aquilo que está dizendo? ” 
“Você diz”, falava Sócrates, “que a coragem é importante, mas: o que é a 
coragem? 
Você acredita que a justiça é importante, mas: o que é a justiça? 
 Você diz que ama as coisas e as pessoas belas, mas o que é a beleza? 
Você crê que seus amigos são a melhor coisa que você tem, mas: o que é a 
amizade? ” 
 
Sócrates fazia perguntas sobre as ideias, sobre os valores nos quais os gregos 
acreditavam e que julgavam conhecer. Suas perguntas deixavam os interlocutores 
embaraçados, irritados, curiosos, pois, quando tentavam responder ao célebre “o que 
é? ”, descobriam, surpresos, que não sabiam responder e que nunca tinham pensado 
em suas crenças, seus valores e suas ideias. 
Mas o pior não era isso. O pior é que as pessoas esperavam que Sócrates respondesse 
por elas ou para elas, que soubesse as respostas às perguntas, como os sofistas 
pareciam saber, mas Sócrates, para desconcerto geral, dizia: “Eu também não sei, por 
isso estou perguntando ”. Donde a famosa expressão atribuída a ele: “Sei que nada 
sei”. 
A consciência da própria ignorância é o começo da Filosofia. O que procurava 
Sócrates? Procurava a definiçãodaquilo que uma coisa, uma ideia, um valor é 
verdadeiramente. Procurava a essência verdadeira da coisa, da ideia, do valor. 
Procurava o conceito e não a mera opinião que temos de nós mesmos, das coisas, das 
ideias e dos valores. 
Qual a diferença entre uma opinião e um conceito? 
A opinião varia de pessoa para pessoa, de lugar para lugar, de época para época. É 
instável, mutável, depende de cada um, de seus gostos e preferências. O conceito, ao 
contrário, é uma verdade intemporal, universal e necessária que o pensamento 
descobre, mostrando que é a essência universal, intemporal e necessária de alguma 
coisa. 
CHAUI, Marilena. Sócrates e Platão 
(Extratos retirados do livro: CHAUI, M. Convite à filosofia. SP: Ática, 2000) 
 
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Por isso, Sócrates não perguntava se tal ou qual coisa era bela - pois nossa opinião 
sobre ela pode variar - e sim: O que é a beleza? Qual é a essência ou o conceito do 
belo? Do justo? Do amor? Da amizade? 
Sócrates perguntava: Que razões rigorosas você possui para dizer o que diz e para 
pensar o que pensa? Qual é o fundamento racional daquilo que você fala e pensa? 
Ora, as perguntas de Sócrates se referiam a ideias, valores, práticas e comportamentos 
que os atenienses julgavam certos e verdadeiros em si mesmos e por si mesmos. Ao 
fazer suas perguntas e suscitar dúvidas, Sócrates os fazia pensar não só sobre si 
mesmos, mas também sobre a polis. Aquilo que parecia evidente acabava sendo 
percebido como duvidoso e incerto. 
Sabemos que os poderosos têm medo do pensamento, pois o poder é mais forte se 
ninguém pensar, se todo mundo aceitar as coisas como elas são, ou melhor, como nos 
dizem e nos fazem acreditar que elas são. Para os poderosos de Atenas, Sócrates 
tornara-se um perigo, pois fazia a juventude pensar. Por isso, eles o acusaram de 
desrespeitar os deuses, corromper os jovens e violar as leis. Levado perante a 
assembleia, Sócrates não se defendeu e foi condenado a tomar um veneno - a cicuta - 
e obrigado a suicidar-se. 
Por que Sócrates não se defendeu? “Porque ”, dizia ele, “se eu me defender, estarei 
aceitando as acusações, e eu não as aceito. Se eu me defender, o que os juízes vão 
exigir de mim? Que eu pare de filosofar. Mas eu prefiro a morte a ter que renunciar à 
Filosofia”. 
O julgamento e a morte de Sócrates são narrados por Platão numa obra intitulada 
Apologia de Sócrates, isto é, a defesa de Sócrates, feita por seus discípulos, contra 
Atenas. 
Sócrates nunca escreveu. O que sabemos de seus pensamentos encontra-se nas obras 
de seus vários discípulos, e Platão foi o mais importante deles. Se reunirmos o que 
esse filósofo escreveu sobre os sofistas e sobre Sócrates, além da exposição de suas 
próprias ideias, poderemos apresentar como características gerais do período 
socrático: 
A Filosofia se volta para as questões humanas no plano da ação, dos comportamentos, 
das ideias, das crenças, dos valores e, portanto, se preocupa com as questões morais e 
políticas. 
O ponto de partida da Filosofia é a confiança no pensamento ou no homem como um 
ser racional, capaz de conhecer-se a si mesmo e, portanto, capaz de reflexão. Reflexão 
é a volta que o pensamento faz sobre si mesmo para conhecer-se; é a consciência 
conhecendo-se a si mesma como capacidade para conhecer as coisas, alcançando o 
conceito ou a essência delas. 
CHAUI, Marilena. Sócrates e Platão 
(Extratos retirados do livro: CHAUI, M. Convite à filosofia. SP: Ática, 2000) 
 
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Como se trata de conhecer a capacidade de conhecimento do homem, a preocupação 
se volta para estabelecer procedimentos que nos garantam que encontramos a 
verdade, isto é, o pensamento deve oferecer a si mesmo caminhos próprios, critérios 
próprios e meios próprios para saber o que é o verdadeiro e como alcançá-lo em tudo 
o que investiguemos. 
A Filosofia está voltada para a definição das virtudes morais e das virtudes políticas, 
tendo como objeto central de suas investigações a moral e a política, isto é, as ideias e 
práticas que norteiam os comportamentos dos seres humanos tanto como indivíduos 
quanto como cidadãos. 
Cabe à Filosofia, portanto, encontrar a definição, o conceito ou a essência dessas 
virtudes, para além da variedade das opiniões, para além da multiplicidade das 
opiniões contrárias e diferentes. As perguntas filosóficas se referem, assim, a valores 
como a justiça, a coragem, a amizade, a piedade, o amor, a beleza, a temperança, a 
prudência, etc., que constituem os ideais do sábio e do verdadeiro cidadão. 
É feita, pela primeira vez, uma separação radical entre, de um lado a opinião e as 
imagens das coisas, trazidas pelos nossos órgãos dos sentidos, nossos hábitos, pelas 
tradições, pelos interesses, e, de outro lado, as ideias. As ideias se referem à essência 
íntima, invisível, verdadeira das coisas e só podem ser alcançadas pelo pensamento 
puro, que afasta os dados sensoriais, os hábitos recebidos, os preconceitos, as 
opiniões. 
A reflexão e o trabalho do pensamento são tomados como uma purificação intelectual, 
que permite ao espírito humano conhecer a verdade invisível, imutável, universal e 
necessária. 
A opinião, as percepções e imagens sensoriais são consideradas falsas, mentirosas, 
mutáveis, inconsistentes, contraditórias, devendo ser abandonadas para que o 
pensamento siga seu caminho próprio no conhecimento verdadeiro. 
A diferença entre os sofistas, de um lado, e Sócrates e Platão, de outro, é dada pelo 
fato de que os sofistas aceitam a validade das opiniões e das percepções sensoriais e 
trabalham com elas para produzir argumentos de persuasão, enquanto Sócrates e 
Platão consideram as opiniões e as percepções sensoriais, ou imagens das coisas, 
como fonte de erro, mentira e falsidade, formas imperfeitas do conhecimento que 
nunca alcançam a verdade plena da realidade. 
O mito da caverna 
Imaginemos uma caverna subterrânea onde, desde a infância, geração após geração, 
seres humanos estão aprisionados. Suas pernas e seus pescoços estão algemados de 
tal modo que são forçados a permanecer sempre no mesmo lugar e a olhar apenas 
para frente, não podendo girar a cabeça nem para trás nem para os lados. A entrada 
da caverna permite que alguma luz exterior ali penetre, de modo que se possa, na 
semiobscuridade, enxergar o que se passa no interior. 
CHAUI, Marilena. Sócrates e Platão 
(Extratos retirados do livro: CHAUI, M. Convite à filosofia. SP: Ática, 2000) 
 
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A luz que ali entra provém de uma imensa e alta fogueira externa. Entre ela e os 
prisioneiros - no exterior, portanto - há um caminho ascendente ao longo do qual foi 
erguida uma mureta, como se fosse a parte fronteira de um palco de marionetes. Ao 
longo dessa mureta-palco, homens transportam estatuetas de todo tipo, com figuras 
de seres humanos, animais e todas as coisas. 
Por causa da luz da fogueira e da posição ocupada por ela, os prisioneiros enxergam na 
parede do fundo da caverna as sombras das estatuetas transportadas, mas sem 
poderem ver as próprias estatuetas, nem os homens que as transportam. 
Como jamais viram outra coisa, os prisioneiros imaginam que as sombras vistas são as 
próprias coisas. Ou seja, não podem saber que são sombras, nem podem saber que 
são imagens (estatuetas de coisas), nem que há outros seres humanos reais fora da 
caverna. Também não podem saber que enxergam porque há a fogueira e a luz no 
exterior e imaginam que toda luminosidade possível é a que reina na caverna. 
Que aconteceria, indaga Platão, se alguém libertasse os prisioneiros? Que faria um 
prisioneiro libertado? Em primeiro lugar, olharia toda a caverna, veria os outros seres 
humanos, a mureta, as estatuetas e a fogueira.Embora dolorido pelos anos de 
imobilidade, começaria a caminhar, dirigindo-se à entrada da caverna e, deparando 
com o caminho ascendente, nele adentraria. 
Num primeiro momento, ficaria completamente cego, pois a fogueira na verdade é a 
luz do sol e ele ficaria inteiramente ofuscado por ela. Depois, acostumando-se com a 
claridade, veria os homens que transportam as estatuetas e, prosseguindo no 
caminho, enxergaria as próprias coisas, descobrindo que, durante toda sua vida, não 
vira senão sombras de imagens (as sombras das estatuetas projetadas no fundo da 
caverna) e que somente agora está contemplando a própria realidade. 
Libertado e conhecedor do mundo, o prisioneiro regressaria à caverna, ficaria 
desnorteado pela escuridão, contaria aos outros o que viu e tentaria libertá-los. 
Que lhe aconteceria nesse retorno? Os demais prisioneiros zombariam dele, não 
acreditariam em suas palavras e, se não conseguissem silenciá-lo com suas caçoadas, 
tentariam fazê-lo espancando-o e, se mesmo assim, ele teimasse em afirmar o que viu 
e os convidasse a sair da caverna, certamente acabariam por matá-lo. Mas, quem sabe, 
alguns poderiam ouvi-lo e, contra a vontade dos demais, também decidissem sair da 
caverna rumo à realidade. 
O que é a caverna? O mundo em que vivemos. Que são as sombras das estatuetas? As 
coisas materiais e sensoriais que percebemos. Quem é o prisioneiro que se liberta e sai 
da caverna? O filósofo. O que é a luz exterior do sol? A luz da verdade. O que é o 
mundo exterior? O mundo das ideias verdadeiras ou da verdadeira realidade. Qual o 
instrumento que liberta o filósofo e com o qual ele deseja libertar os outros 
prisioneiros? A dialética. O que é a visão do mundo real iluminado? A Filosofia. Por que 
os prisioneiros zombam, espancam e matam o filósofo (Platão está se referindo à 
CHAUI, Marilena. Sócrates e Platão 
(Extratos retirados do livro: CHAUI, M. Convite à filosofia. SP: Ática, 2000) 
 
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condenação de Sócrates à morte pela assembleia ateniense)? Porque imaginam que o 
mundo sensível é o mundo real e o único verdadeiro. 
O inatismo - Platão (século IV a.C.) 
Platão defende a tese do inatismo da razão ou das ideias verdadeiras em várias de suas 
obras, mas as passagens mais conhecidas se encontram nos diálogos Mênon e A 
República. 
No Mênon, Sócrates dialoga com um jovem escravo analfabeto. Fazendo-lhe perguntas 
certas na hora certa, o filósofo consegue que o jovem escravo demonstre sozinho um 
difícil teorema de geometria (o teorema de Pitágoras). As verdades matemáticas vão 
surgindo no espírito do escravo à medida que Sócrates vai lhe fazendo perguntas e vai 
raciocinando com ele. 
Como isso seria possível, indaga Platão, se o escravo não houvesse nascido com a 
razão e com os princípios da racionalidade? Como dizer que conseguiu demonstrar o 
teorema por um aprendizado vindo da experiência, se ele jamais ouvira falar de 
geometria? 
Em A República, Platão desenvolve uma teoria que já fora esboçada no Mênon: a 
teoria da reminiscência. Nascemos com a razão e as ideias verdadeiras, e a Filosofia 
nada mais faz do que nos relembrar essas ideias. 
Platão é um grande escritor e usa em seus escritos um procedimento literário que o 
auxilia a expor as teorias muito difíceis. Assim, para explicar a teoria da reminiscência, 
narra o mito de Er. 
O pastor Er, da região da Panfília, morreu e foi levado para o Reino dos Mortos. Ali 
chegando, encontra as almas dos heróis gregos, de governantes, de artistas, de seus 
antepassados e amigos. Ali, as almas contemplam a verdade e possuem o 
conhecimento verdadeiro. 
Er fica sabendo que todas as almas renascem em outras vidas para se purificarem de 
seus erros passados até que não precisem mais voltar à Terra, permanecendo na 
eternidade. Antes de voltar ao nosso mundo, as almas podem escolher a nova vida que 
terão. Algumas escolhem a vida de rei, outras de guerreiro, outras de comerciante rico, 
outras de artista, de sábio. 
No caminho de retorno à Terra, as almas atravessam uma grande planície por onde 
corre um rio, o Lethé (que, em grego, quer dizer esquecimento), e bebem de suas 
águas. As que bebem muito esquecem toda a verdade que contemplaram; as bebem 
pouco quase não se esquecem do que conheceram. 
As que escolheram vidas de rei, de guerreiro ou de comerciante rico são as que mais 
bebem das águas do esquecimento; as que escolheram a sabedoria são as que menos 
bebem. Assim, as primeiras dificilmente (talvez nunca) se lembrarão, na nova vida, da 
CHAUI, Marilena. Sócrates e Platão 
(Extratos retirados do livro: CHAUI, M. Convite à filosofia. SP: Ática, 2000) 
 
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verdade que conheceram, enquanto as outras serão capazes de lembrar e ter 
sabedoria, usando a razão. 
Conhecer, diz Platão, é recordar a verdade que já existe em nós; é despertar a razão 
para que ela se exerça por si mesma. Por isso, Sócrates fazia perguntas, pois, através 
delas, as pessoas poderiam lembrar-se da verdade e do uso da razão. Se não 
nascêssemos com a razão e com a verdade, indaga Platão, como saberíamos que 
temos uma ideia verdadeira ao encontrá-la? Como poderíamos distinguir o verdadeiro 
do falso, se não nascêssemos conhecendo essa diferença? 
Problemas do inatismo 
Se os princípios e as ideias da razão são inatos e por isso universais e necessários, 
como explicar que possam mudar? 
Por exemplo, Platão afirmava que a ideia de justiça era inata, vinha da contemplação 
intelectual do justo em si ou do conhecimento racional das coisas justas em si. Sendo 
inata, era universal e necessária. 
Sem dúvida, dizia o filósofo grego, os seres humanos variam muito nas suas opiniões 
sobre o justo e a justiça, pois essas opiniões se formam por experiência e esta varia de 
pessoa para pessoa, de época para época, de lugar para lugar. Por isso mesmo, são 
simples opiniões. 
Uma ideia verdadeira, ao contrário, por ser verdadeira, é inata, universal e necessária, 
não sofrendo as variações das opiniões, que, além de serem variáveis, são, no mais das 
vezes, falsas, pois nossa experiência tende a ser enganosa ou enganada. 
Qual era a ideia platônica da justiça? Era uma ideia moral ou uma ideia política. 
Moralmente, uma pessoa é justa (pratica a ideia universal da justiça) quando faz com 
que o intelecto ou a razão domine e controle inteira e completamente seus impulsos 
passionais, seus sentimentos e suas emoções irracionais. Por quê? Porque o intelecto 
ou a razão é a parte melhor e superior de nossa alma ou espírito e deve dominar a 
parte inferior e pior, ligada aos desejos irracionais do nosso corpo. 
Politicamente, uma sociedade é justa (isto é, pratica a ideia inata e universal de justiça) 
quando nela as classes sociais se relacionam como na moral. Em outras palavras, 
quando as classes inferiores forem dominadas e controladas pelas classes superiores. 
A sociedade justa cria uma hierarquia ou uma escala de classes sociais e de poderes, 
onde a classe econômica, mais inferior, deve ser dominada e controlada pela classe 
militar, para que as riquezas não provoquem desigualdades, egoísmos, guerras, 
violências; a classe militar, por sua vez, deve ser dominada e controlada pela classe 
política para impedir que os militares queiram usar a força e a violência contra a 
sociedade e fazer guerras absurdas. Enfim, a classe política deve ser dominada e 
controlada pelos sábios (a razão), que não deixarão que os políticos abusem do poder 
e prejudiquem toda a sociedade. 
CHAUI, Marilena. Sócrates e Platão 
(Extratos retirados do livro: CHAUI, M. Convite à filosofia. SP: Ática, 2000) 
 
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Justiça, portanto, é o domínio da inteligência sobre os instintos, interesses epaixões, 
tanto no indivíduo quanto na sociedade. 
Ora, o que acontece com a justiça moral platônica, isto é, com a ideia de um poder 
total da razão sobre as paixões e os sentimentos, os desejos e os impulsos, com o 
surgimento da psicanálise? Freud, seu criador, mostrou que não temos esse poder, 
que nossa consciência, nossa vontade e nossa razão podem menos que o nosso 
inconsciente, isto é, do que o desejo. Como uma ideia inata, afinal, perdeu a verdade? 
O que acontece com a justiça política platônica quando alguns filósofos que estudaram 
a formação das sociedades e da política mostraram a igualdade de todos os cidadãos e 
afirmaram que nenhuma classe tem o direito de dominar e controlar outras, e que tal 
domínio e controle é, exatamente, a injustiça? Como uma ideia inata, afinal, perdeu a 
verdade? 
 
PORQUE A QUESTÃO DO CONHECIMENTO: TORNOU-SE UM TEMA CENTRAL PARA A 
FILOSOFIA? 
 
Sócrates e os sofistas 
No que que diz respeita a Filosofia Socrática, as atitudes filosóficas dos sofistas e a de 
Sócrates – com eles, os problemas do conhecimento tornaram-se centrais. 
Os sofistas, diante da pluralidade e do antagonismo das filosofias anteriores, ou dos 
conflitos entre as várias ontologias, concluíram que não podemos conhecer o Ser, mas 
só podemos ter opiniões subjetivas sobre a realidade. 
Por isso, para se relacionarem com o mundo e com os outros humanos, os homens 
devem valer-se de um outro instrumento – a linguagem – para persuadir os outros de 
suas próprias ideias e opiniões. A verdade é uma questão de opinião e de persuasão, e 
a linguagem é mais importante do que a percepção e o pensamento. 
Em contrapartida, Sócrates, distanciando-se dos primeiros filósofos e opondo-se aos 
sofistas, afirmava que a verdade pode ser conhecida, mas primeiro devemos afastar as 
ilusões dos sentidos e as das palavras ou das opiniões e alcançar a verdade apenas 
pelo pensamento. Os sentidos nos dão as aparências das coisas e as palavras, meras 
opiniões sobre elas. Conhecer é passar da aparência à essência, da opinião ao 
conceito, do ponto de vista individual à ideia universal de cada um dos seres e de cada 
um dos valores da vida moral e política. 
 
Platão e Aristóteles 
Sócrates fez a Filosofia preocupar-se com nossa possibilidade de conhecer e indagar 
quais as causas das ilusões, dos erros e da mentira. No esforço para definir as formas 
CHAUI, Marilena. Sócrates e Platão 
(Extratos retirados do livro: CHAUI, M. Convite à filosofia. SP: Ática, 2000) 
 
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de conhecer e as diferenças entre o conhecimento verdadeiro e a ilusão, Platão e 
Aristóteles introduziram na Filosofia a ideia de que existem diferentes maneiras de 
conhecer ou graus de conhecimento e que esses graus se distinguem pela ausência ou 
presença do verdadeiro, pela ausência ou presença do falso. 
Platão distingue quatro formas ou graus de conhecimento, que vão do grau inferior ao 
superior: crença, opinião, raciocínio e intuição intelectual. Para ele, os dois primeiros 
graus devem ser afastados da Filosofia – são conhecimentos ilusórios ou das 
aparências, como os dos prisioneiros da caverna – e somente os dois últimos devem 
ser considerados válidos. O raciocínio treina e exercita nosso pensamento, 
preparando-o para uma purificação intelectual que lhe permitirá alcançar uma intuição 
das ideias ou das essências que formam a realidade ou que constituem o Ser. 
Para Platão, o primeiro exemplo do conhecimento puramente intelectual e perfeito 
encontra-se na matemática, cujas ideias nada devem aos órgãos dos sentidos e não se 
reduzem a meras opiniões subjetivas. O conhecimento matemático seria a melhor 
preparação do pensamento para chegar à intuição intelectual das ideias verdadeiras, 
que constituem a verdadeira realidade. 
Platão diferencia e separa radicalmente duas formas de conhecimento: o 
conhecimento sensível (crença e opinião) e o conhecimento intelectual (raciocínio e 
intuição) afirmando que somente o segundo alcança o Ser e a verdade. O 
conhecimento sensível alcança a mera aparência das coisas, o conhecimento 
intelectual alcança a essência das coisas, as ideias. 
Aristóteles distingue sete formas ou graus de conhecimento: sensação, percepção, 
imaginação, memória, raciocínio e intuição. Para ele, ao contrário de Platão, nosso 
conhecimento vai sendo formado e enriquecido por acumulação das informações 
trazidas por todos os graus, de modo que, em lugar de uma ruptura entre o 
conhecimento sensível e o intelectual, Aristóteles estabelece uma continuidade entre 
eles. 
A separação se dá entre os seis primeiros graus e o último, ou a intuição, que é 
puramente intelectual ou um ato do pensamento puro. Essa separação, porém, não 
significa que os outros graus ofereçam conhecimentos ilusórios ou falsos e sim que 
oferecem tipos de conhecimentos diferentes, que vão de um grau menor a um grau 
maior de verdade. 
Em cada um deles temos acesso a um aspecto do Ser ou da realidade e, na intuição 
intelectual, temos o conhecimento pleno e total da realidade ou dos princípios da 
realidade plena e total, aquilo que Aristóteles chamava de “o Ser enquanto Ser”. 
A diferença entre os seis primeiros graus e o último decorre da diferença do objeto do 
conhecimento, isto é, os seis primeiros graus conhecem objetos que se oferecem a nós 
na sensação, na imaginação, no raciocínio, enquanto o sétimo lida com um objeto que 
só pode ser alcançado pelo pensamento puro. 
CHAUI, Marilena. Sócrates e Platão 
(Extratos retirados do livro: CHAUI, M. Convite à filosofia. SP: Ática, 2000) 
 
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Princípios gerais 
Com os filósofos gregos, estabeleceram-se alguns princípios gerais do conhecimento 
verdadeiro: 
• As fontes e as formas do conhecimento: sensação, percepção, imaginação, 
memória, linguagem, raciocínio e intuição intelectual; 
• A distinção entre o conhecimento sensível e o conhecimento intelectual; 
• O papel da linguagem no conhecimento; 
• A diferença entre opinião e saber; 
• A diferença entre aparência e essência; 
• A definição dos princípios do pensamento verdadeiro (identidade, não 
contradição, terceiro excluído, causalidade), da forma do conhecimento 
verdadeiro (ideias, conceitos e juízos) e dos procedimentos para alcançar o 
conhecimento verdadeiro (indução, dedução, intuição); 
• A distinção dos campos do conhecimento verdadeiro, sistematizados por 
Aristóteles em três ramos: teorético (referente aos seres que apenas podemos 
contemplar ou observar, sem agir sobre eles ou neles interferir), prático 
(referente às ações humanas: ética, política e economia) e técnico (referente à 
fabricação e ao trabalho humano, que pode interferir no curso da Natureza, 
criar instrumentos ou artefatos: medicina, artesanato, arquitetura, poesia, 
retórica, etc.). 
Para os gregos, a realidade é a Natureza e dela fazem parte os humanos e as 
instituições humanas. Por sua participação na Natureza, os humanos podem conhecê-
la, pois são feitos dos mesmos elementos que ela e participam da mesma inteligência 
que a habita e dirige. 
O poeta alemão Goethe criou estes versos, que exprimem como os antigos concebiam 
o conhecimento: 
Se os olhos não fossem solares 
Jamais o Sol nós veríamos; 
Se em nós não estivesse a própria força divina, 
Como o divino sentiríamos? 
Convite à Filosofia 
 
O intelecto humano conhece a inteligibilidade do mundo, alcança a racionalidade do 
real e pode pensar a realidade porque nós e ela somos feitos da mesma maneira, com 
os mesmos elementos e com a mesma inteligência. 
 
CHAUI, Marilena. Sócrates e Platão 
(Extratos retirados do livro: CHAUI, M. Convite à filosofia. SP: Ática, 2000) 
 
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O legadoda Filosofia grega para o Ocidente europeu 
Podemos destacar como principais contribuições as seguintes: 
A ideia de que a Natureza opera obedecendo a leis e princípios necessários e 
universais, isto é, os mesmos em toda a parte e em todos os tempos. Assim, por 
exemplo, graças aos gregos, no século XVII da nossa era, o filósofo inglês Isaac Newton 
estabeleceu a lei da gravitação universal de todos os corpos da Natureza. 
A lei da gravitação afirma que todo corpo, quando sofre a ação de um outro, produz 
uma reação igual e contrária, que pode ser calculada usando como elementos do 
cálculo a massa do corpo afetado, a velocidade e o tempo com que a ação e a reação 
se deram. 
Essa lei é necessária, isto é, nenhum corpo do Universo escapa dela e pode funcionar 
de outra maneira que não desta; e esta lei é universal , isto é, válida para todos os 
corpos em todos os tempos e lugares. 
Um outro exemplo: as leis geométricas do triângulo ou do círculo, conforme 
demonstraram os filósofos gregos, são universais e necessárias, isto é, seja em Tóquio 
em 1993, em Copenhague em 1970, em Lisboa em 1810, em São Paulo em 1792, em 
Moçambique em 1661, ou em Nova York em 1975, as leis do triângulo ou do círculo 
são necessariamente as mesmas. 
A ideia de que as leis necessárias e universais da Natureza podem ser plenamente 
conhecidas pelo nosso pensamento, isto é, não são conhecimentos misteriosos e 
secretos, que precisariam ser revelados por divindades, mas são conhecimentos que o 
pensamento humano, por sua própria força e capacidade, pode alcançar. 
? A ideia de que nosso pensamento também opera obedecendo a leis, regras e normas 
universais e necessárias, segundo as quais podemos distinguir o verdadeiro do falso. 
Em outras palavras, a ideia de que o nosso pensamento é lógico ou segue leis lógicas 
de funcionamento. 
Nosso pensamento diferencia uma afirmação de uma negação porque, na afirmação, 
atribuímos alguma coisa a outra coisa (quando afirmamos que “Sócrates é um ser 
humano ”, atribuímos humanidade a Sócrates) e, na negação, retiramos alguma coisa 
de outra (quando dizemos “este caderno não é verde”, estamos retirando do caderno 
a cor verde). 
Nosso pensamento distingue quando uma afirmação é verdadeira ou falsa. Se alguém 
apresentar o seguinte raciocínio: “Todos os homens são mortais. Sócrates é homem. 
Logo, Sócrates é mortal ”, diremos que a afirmação “Sócrates é mortal” é verdadeira, 
porque foi concluída de outras afirmações que já sabemos serem verdadeiras. 
A ideia de que as práticas humanas, isto é, a ação moral, a política, as técnicas e as 
artes dependem da vontade livre, da deliberação e da discussão, da nossa escolha 
passional (ou emocional) ou racional, de nossas preferências, segundo certos valores e 
CHAUI, Marilena. Sócrates e Platão 
(Extratos retirados do livro: CHAUI, M. Convite à filosofia. SP: Ática, 2000) 
 
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padrões, que foram estabelecidos pelos próprios seres humanos e não por imposições 
misteriosas e incompreensíveis, que lhes teriam sido feitas por forças secretas, 
invisíveis, sejam elas divinas ou naturais, e impossíveis de serem conhecidas. 
A ideia de que os acontecimentos naturais e humanos são necessários, porque 
obedecem a leis naturais ou da natureza humana, mas também podem ser 
contingentes ou acidentais, quando dependem das escolhas e deliberações dos 
homens, em condições determinadas. 
Dessa forma, uma pedra cai porque seu peso, por uma lei natural, exige que ela caia 
natural e necessariamente; um ser humano anda porque as leis anatômicas e 
fisiológicas que regem o seu corpo fazem com que ele tenha os meios necessários para 
a locomoção. 
No entanto, se uma pedra, ao cair, atingir a cabeça de um passante, esse 
acontecimento é contingente ou acidental. Por quê? Porque, se o passante não 
estivesse andando por ali naquela hora, a pedra não o atingiria. Assim, a queda da 
pedra é necessária e o andar de um ser humano é necessário, mas que uma pedra caia 
sobre minha cabeça quando ando é inteiramente contingente ou acidental. 
Todavia, é muito diferente a situação das ações humanas. É verdade que é por uma 
necessidade natural ou por uma lei da Natureza que ando. Mas é por deliberação 
voluntária que ando para ir à escola em vez de andar para ir ao cinema, por exemplo. É 
verdade que é por uma lei necessária da Natureza que os corpos pesados caem, mas é 
por uma deliberação humana e por uma escolha voluntária que fabrico uma bomba, a 
coloco num avião e a faço despencar sobre Hiroshima. 
Um dos legados mais importantes da Filosofia grega é, portanto, essa diferença entre o 
necessário e o contingente, pois ela nos permite evitar o fatalismo - “tudo é 
necessário, temos que nos conformar e nos resignar ” -, mas também evitar a ilusão de 
que podemos tudo quanto quisermos, se alguma força extranatural ou sobrenatural 
nos ajudar, pois a Natureza segue leis necessárias que podemos conhecer e nem tudo 
é possível por mais que o queiramos. 
A ideia de que os seres humanos, por Natureza, aspiram ao conhecimento verdadeiro, 
à felicidade, à justiça, isto é, que os seres humanos não vivem nem agem cegamente, 
mas criam valores pelo quais dão sentido às suas vidas e às suas ações. 
A Filosofia surge, portanto, quando alguns gregos, admirados e espantados com a 
realidade, insatisfeitos com as explicações que a tradição lhes dera, começaram a fazer 
perguntas e buscar respostas para elas, demonstrando que o mundo e os seres 
humanos, os acontecimentos e as coisas da Natureza, os acontecimentos e as ações 
humanas podem ser conhecidos pela razão humana, e que a própria razão é capaz de 
conhecer-se a si mesma. 
Em suma, a Filosofia surge quando se descobriu que a verdade do mundo e dos 
humanos não era algo secreto e misterioso, que precisasse ser revelado por divindades 
CHAUI, Marilena. Sócrates e Platão 
(Extratos retirados do livro: CHAUI, M. Convite à filosofia. SP: Ática, 2000) 
 
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a alguns escolhidos, mas que, ao contrário, podia ser conhecida por todos, através da 
razão, que é a mesma em todos; quando se descobriu que tal conhecimento depende 
do uso correto da razão ou do pensamento e que, além da verdade poder ser 
conhecida por todos, podia, pelo mesmo motivo, ser ensinada ou transmitida a todos.

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