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Crise contemporanea e as transformacoes na producao capitalista Ana Elizabete Mota

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Crise contemporânea e as transformações na produção capitalista 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ana Elizabete Mota
Professora Convidada da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE
 
 
 
 
 
 1
 
Crise contemporânea e as transformações na produção capitalista 
 
 
Introdução 
 
 Este  texto  trata  da  crise  contemporânea  e  das  transformações  na  produção 
capitalista,  entendidos  como  processos  que  determinam  as  mudanças  societárias  em 
curso. Objetiva‐se discorrer sobre o alcance e o significado das transformações sofridas 
na  esfera  da  produção,  desde  os  finais  dos  anos  70  do  século  XX,  destacando  seus 
impactos no processo de acumulação capitalista, na gestão do trabalho e nos modos de 
ser  e  viver  da  classe  trabalhadora.  Seu  conteúdo  está  estruturado  em  três  partes: 
inicialmente,  ressalta‐se  a  dimensão  histórica  das  crises,  qualificando‐as  como 
constitutivas  do  modo  de  produção  capitalista  e  da  sua  dinâmica  restauradora;  em 
seguida,  destacam‐se  as  particularidades  da  crise  que  se  iniciou  no  final  dos  anos  70, 
assim como os mecanismos utilizados pelo capital para o seu enfrentamento, pautados 
na reestruturação produtiva, na mundialização financeira, nos mecanismos de gestão do 
trabalho e nas estratégias de construção da hegemonia do grande capital; por fim, serão 
indicadas as principais  implicações dessas  transformações no mundo do  trabalho e na 
organização  política  dos  trabalhadores,  como  parte  ofensiva  do  capital  para  construir 
uma cultura e uma sociabilidade compatíveis com os seus interesses atuais.  
 
1 As crises na dinâmica da acumulação capitalista 
 
Para  compreender  as  mudanças  na  dinâmica  do  capitalismo,  é  necessário 
reconhecer  o  significado  histórico  das  crises  no  seu  desenvolvimento.    Sejam  elas 
qualificadas como crises econômicas1, como o  fez Marx no Livro  III de O Capital e em 
cuja tradição se perfilam autores como Rubin2, Altvater3 e Mandel4, sejam elas também 
 
1  Na  investigação  de Marx,  a  explicação  das  crises  está  relacionada  com  a  lei  tendencial  da  queda  das  taxas  de  lucro,  expressão 
concreta das contradições do modo capitalista de produção e cuja equação pode ser sinteticamente resumida nos seguintes termos: a 
produção da mais‐valia (quantidade de trabalho excedente materializado em mercadorias e extorquido no processo de trabalho) é 
apenas o primeiro ato do processo produtivo. O segundo ato é a venda dessas mercadorias que contém mais‐valia. Como não são 
idênticas  as  condições  de  produção  da  mais‐valia  com  as  da  sua  realização,  a  possibilidade  de  descompassos  entre  esses  dois 
momentos  cria  as  bases  objetivas  para  o  surgimento  de  crises.  Para  uma  primeira  aproximação  ao  tema,  sugerimos  a  leitura  de 
ultura da Crise e  Seguridade  Social  (MOTA,  1995),  especialmente  a  Introdução  e  o  Capítulo  I  e  de Economia Política: uma C
introdução crítica (NETTO; BRAZ, 2006), Capítulo 7.  
 
2 Rubin (1980, p. 31) afirma que as crises ocorrem porque “o processo de produção material, por um lado, e o sistema de relações de 
produção entre as unidades econômicas  [...], por outro, não estão ajustados um ao outro de antemão (grifos nossos). Eles devem 
 
 
concebidas  como  crises  orgânicas,  nas  quais  adquire  destaque  a  dimensão    política, 
seguindo a análise gramsciana
 
 
2
5,  fato é que elas são inelimináveis e indicam o quanto é 
instável  o desenvolvimento capitalista. 
  
Segundo  Rubin,  as  crises  são  “hiatos  dentro  do  processo  de  reprodução  social” 
(1980,  p.  31).  Através  delas  o  capital  se  recicla,  reorganizando  suas  estratégias  de 
produção e reprodução social. Pode‐se dizer que as crises econômicas são inerentes ao 
desenvolvimento do capitalismo e que, diante dos esquemas de reprodução ampliada do 
capital, a emergência delas é uma tendência sempre presente (MOTA, 1995, p. 37). 
   
As  crises  expressam  um  desequilíbrio  entre  a  produção  e  o  consumo, 
comprometendo a realização do capital, ou seja, a transformação da mais‐valia em lucro, 
processo  que  só  se  realiza  mediante  a  venda  das  mercadorias  capitalisticamente 
produzidas.  Em  outras  palavras,  quando  são  produzidas  mais  mercadorias  do  que  a 
população pode comprar, o processo de acumulação é afetado, uma vez que estoques de 
mais‐valia não asseguram o  fim capitalista. Para  isso, não basta produzir mercadorias, 
estas  precisam  ser  transformadas  em  dinheiro  para,  rapidamente,  retornarem  ao 
incessante  processo  de  acumulação  do  capital:  produção/circulação/consumo.  As 
 
ajustar‐se em cada etapa,  em cada uma das  transações em que se divide  formalmente a vida econômica”  (A Teoria Marxista do 
Valor.  São  Paulo:  Brasiliense,  1980).  Essa  colocação,  devidamente  atualizada  (o  texto  é  dos  anos  1920)  expõe  com  clareza  o 
imperativo  da  centralização  e  concentração  do  capital  que  se  expressam  atualmente  nas  fusões  patrimoniais,  na  organização  da 
rodução, como é o caso do estoque zero de mercadorias porque a produção passa a depender da demanda instalada, ou seja, da sua p
venda antecipada. 
 
3 Em dois ensaios publicados no v. 8 da Coleção História do Marxismo organizada por Hobsbawm, o cientista político alemão Elmar 
Altvater enfoca as polêmicas em torno do  tema das crises, destacando as suas dimensões econômicas e políticas e argumentando 
sobre  a  impossibilidade de operar  tematizações  sobre  as  crises,  exclusivamente,  com base na  teoria  econômica  (ALTVATER, E. A 
crise de 1929 e o debate sobre a teoria da crise. In: E. J. Hobsbawm (Org.) História do marxismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989, 
v. 8, p. 79‐133). 
 
4 Em A Crise do Capital, Mandel faz uma incursão histórica sobre as crises capitalistas, destacando suas características e seu caráter 
cíclico, argumentando pela necessidade de distinguir os fenômenos da crise, suas causas mais profundas e sua função no quadro da 
ógica  imanente  do modo  de  produção  capitalista  (MANDEL,  E. A  crise do  capital: os  fatos e  sua  interpretação marxista.  São l
Paulo/Campinas: Ensaio/Unicamp, 1990. Cap. XXV). 
 
5  Gramsci  adota  a  concepção  marxiana  das  crises  como  contradições  inerentes  ao  modo  de  produção  capitalista;  todavia,  é  no 
tratamento  da  relação  entre  crise  econômica  e  crise  política  que  reside  a  originalidade  do  seu  pensamento.  Para  ele,  as  crises 
conômicas  criam  um  terreno  favorável  à  difusão  de  determinadas maneiras  de  pensar,  de  formular  e  resolver  as  questões  que 
nvolvem todo o curso da vida estatal (GRAMSCI, A. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2000. v. 2 e 3). 
e
e
 
 
 
 
 
 
 
 
expressões  mais  emblemáticas  das  crises  são  as  reduções  de  operações  comerciais, 
acúmulo  de  mercadorias  estocadas,  redução  ou  paralisação  da  produção,  falências, 
queda  de  preços  e  salários,  crescimento  desmesurado  do  desemprego  e 
empobrecimento generalizado dos trabalhadores. Suas causas podem ser diversas,  tais 
como a anarquia da produção, a concorrência intercapitalista, com a consequente queda 
tendencial da taxa de lucro, o subconsumo de massa, ou, ainda, podem ser potenciadas 
por algum incidente econômico ou geopolítico. 
 
 
3
  
Longe de serem naturais, as crises revelam as contradições do modo de produção 
capitalista,  entre  elas,  a  sua  contradiçãofundamental,  a  produção  socializada  e  a 
apropriação  privada  da  riqueza,  também  reproduzindo  e  criando  outras  contradições 
como  as  existentes  entre:  1)  a  racionalidade  da  produção  em  cada  empresa  e  a 
irracionalidade do conjunto da produção e dos mercados capitalistas; 2) a maximização 
dos  lucros  de  cada  corporação  empresarial  e  suas  refrações  na  concorrência, 
ocasionando  a  tendência  à  queda  da  taxa  de  lucros;  3)  o  crescimento  da  produção  de 
mercadorias e a estagnação ou redução da capacidade de consumo.  
 
Expondo  sobre  o  tema,  Netto  e  Braz  (2006,  p.  162)  afirmam  que  “as  crises  são 
funcionais  ao  modo  de  produção  capitalista,  constituindo‐se  num  mecanismo  que 
determina  a  restauração  das  condições  de  acumulação,  sempre  em  níveis  mais 
complexos e instáveis, assegurando, assim, a sua continuidade”.  
 
Isso  significa  que  as  crises  não  ocasionam,  mecanicamente,  um  colapso  do 
capitalismo.  Elas  deflagram  um  período  histórico  de  acirramento  das  contradições 
fundamentais  do modo  capitalista  de  produção  que  afetam  sobremaneira  o  ambiente 
político  e  as  relações  de  força  entre  as  classes.  Por  ocasião  das  crises,  deflagra‐se  um 
processo  no  qual  mudanças  significativas  ocorrem,  sejam  elas  no  interior  da  ordem, 
sejam em direção a um processo revolucionário, dependendo das condições objetivas e 
das forças sociais em confronto. A análise de Gramsci sobre o enfrentamento da crise de 
1929, exposta no célebre  texto Americanismo e Fordismo, é central para entender o 
lugar  da  luta  de  classes  no  enfrentamento  das  crises,  donde  a  estratégia  revolução 
 
passiva, como mecanismo para obtenção do consenso de classes em face das mudanças 
realizadas  nos  processos  de  produção,  na  ação  estatal  e  nos  aparelhos  privados  de 
hegemonia.  
 
 
 4
 
A  dinâmica  crise‐restauração  incide  nas  relações  sociais  e  implica  o 
redirecionamento  da  intervenção  do  Estado.  Este,  por  sua  vez,  redefine  seus 
 
egundo Braga (2003, p. 217), em conjunturas de crise,  S
 
a  principal  tarefa  das  classes  dominantes  passa  a  ser  a  de  erigir 
contratendências à queda da taxa de lucro. Nesse processo devem 
intensificar os métodos de  trabalho, modificar  as  formas de vida 
operária e, principalmente, engendrar as bases políticas e sociais 
de uma  iniciativa que permita às classes dominantes  tornar seus 
interesses particulares em universais, isto é, válidos para todas as 
classes.  
 
Trata‐se  de  um  meio  de  atualização  da  hegemonia  das  classes  dominantes  que 
atinge  substantivamente  a  dinâmica  da  reprodução  social.  Do  ponto  de  vista  objetivo, 
este movimento materializa‐se na criação de novas formas de produção de mercadorias, 
mediante a racionalização do trabalho vivo pelo uso da ciência e tecnologia, regido pela 
implementação  de  novos  métodos  de  gestão  do  trabalho  que  permite  às  firmas  o 
aumento da produtividade e a redução dos custos de produção.  
 
Vale  salientar  que  os  impactos  das  crises  apresentam‐se  diferenciados  para  os 
trabalhadores  e  os  capitalistas.  Para  os  capitalistas,  trata‐se  do  seu  poder  ameaçado; 
para  os  trabalhadores,  da  submissão  intensificada.  Estes  últimos  são  frontalmente 
penalizados na sua materialidade e subjetividade posto que afetados pelas condições do 
mercado de trabalho, com o aumento do desemprego, as perdas salariais, o crescimento 
do  exército  industrial  de  reserva  e  o  enfraquecimento  das  suas  lutas  e  capacidade 
organizativa.  
 
 
mecanismos  legais  e  institucionais  de  regulação  da  produção material  e  da  gestão  da 
força de trabalho, instituindo renovadas formas de intervenção relativas aos sistemas de 
proteção social, à legislação trabalhista e sindical, além daquelas diretamente vinculadas 
à política econômica. Nesse contexto, se redefinem as relações entre Estado, sociedade e 
mercado,  determinando  medidas  de  ajustes  econômicos  e  de  reformas  e  contra‐
reformas sociais, que continuem garantindo a acumulação capitalista, em conformidade 
com as particularidades de cada formação social.  
 
 
5
 
2 As particularidades da crise contemporânea e da restauração capitalista   
 
Os  anos  que  se  seguiram  ao  período  de  reconstrução  do  segundo  pós‐guerra, 
estendendo‐se  até  os  anos  70,  nos  países  centrais,  foram  marcados  por  uma  fase  de 
expansão  do  capitalismo,  caracterizada  por  altas  taxas  de  crescimento  econômico, 
ampliação de empregos e  salários e uma  forte  intervenção do Estado. Este período  foi 
definido como  fordista­keynesiano  (HARVEY, 1995),  em  função da articulação orgânica 
entre ação estatal e gestão da produção, vindo a configurar uma onda  longa expansiva, 
nos  termos  de  Mandel  (1990).  Suas  características  foram  uma  intensa  centralização, 
concentração  e  expansão  de  capitais,  cujo  desenvolvimento  das  forças  produtivas, 
marcado por avanços tecnológicos, permitiu o aumento da produtividade do trabalho e 
da  produção  de  mercadorias,  mediante  a  internacionalização  da  produção  e  a 
redefinição  da  divisão  internacional  do  trabalho  (MANDEL,  1992).  Para  tanto,  foram 
decisivos o amparo de fatores políticos, tais como: 
 
 ‐  A  intervenção  do  Estado  que,  no  lastro  das  políticas  keynesianas,  criou 
mecanismos  estatais  voltados  para  a  reprodução  ampliada  dos  trabalhadores, 
socializando com o patronato parte dos custos de reprodução da força de trabalho.  
 
‐  A  construção  do  pacto  fordista‐keynesiano  (BIHR,1998),  marcado  pelas 
mobilizações sindicais e partidárias dos trabalhadores que, em torno de reivindicações 
sociais  legítimas,  pressionaram  a  incorporação,  pelo  capital,  do  atendimento  de  parte 
 
 
das  suas  necessidades  sociais,  operando  mudanças  nas  legislações  trabalhistas  e  nas 
medidas de proteção social.  
 6
esses serviços públicos tinham objetivos bem claros: a) responder 
as  reivindicações  dos  fortes  movimentos  operários  que  se 
insurgiam na época; b) assumir os custos de reprodução da força 
de  trabalho  antes  pagos  exclusivamente  com  os  salários  dos 
próprios  trabalhadores;  c)  oferecer  alternativas  de  fundos  de 
reserva  públicos  disponíveis  para  serem  investidos  em 
empreendimentos  privados  dos  capitalistas  (principalmente  na 
 
  
Essa conjunção de fatores foi responsável pela constituição do Welfare State, que se 
tornou um dos principais pilares de sustentação institucional daquela fase expansiva do 
capitalismo,  ao  integrar  à  sua  dinâmica  econômica  parte  das  demandas  operárias  por 
melhores condições de vida e trabalho.  
 
A incorporação dessas demandas se fez através da alocação de fundos públicos na 
constituição de políticas econômicas e sociais, o que favoreceu a ampliação do consumo 
por  parte  dos  trabalhadores:  ao  tempo  em  que  desmercantilizava  o  atendimento  de 
algumas  das  necessidades  sociais  através  de  salários  indiretos,  via  políticas  sociais 
públicas, a ação estatal permitia a liberação de salários reais e o consequente aumento 
da demanda por consumo de mercadorias,  criando as condições para o  surgimento da 
produção e do consumo em massa, típicos do regime fordista de produção.  
 
Estava posta a equação subjacente ao chamado pacto fordista‐keynesiano, ou seja, 
a incorporação das demandas trabalhistas, aumento da produção e do consumo operário 
e  estabelecimento  de  uma  relação  negociada  entre  Estado,  capital  e  trabalho,  comoexpressão  concreta  de  ideologias  que  defendiam  a  possibilidade  de  compatibilizar 
capitalismo, bem‐estar e democracia.  
 
egundo Maranhão (2006), S
 
 
produção e compra de bens de capital que  impulsionaram várias 
inovações  tecnológicas);  d)  liberar  parte  do  salário  dos 
trabalhadores  para  serem  gastos  com  bens  duráveis, 
principalmente  automóveis,  que  nesta  época  se  transformam  na 
mola de expansão da acumulação do capital; e) e, finalmente, mas 
não menos importante, oferecer barreiras ideológicas à expansão 
do  socialismo  do  Leste  que,  nesta  época,  se  coloca  como  grande 
meaça à sociedade capitalista.   
 
 
 7
 
A  plena  incorporação  das  economias  periféricas  ao  processo  de  reprodução 
ampliada do capital ocorreu nos anos 70 do século XX, quando os países então chamados 
subdesenvolvidos transformam‐se em campo de absorção de investimentos produtivos. 
A seus Estados nacionais coube a continuidade – embora com novas características – do 
papel  de  indutores  do  desenvolvimento  econômico,  propiciando  uma  base  produtiva 
a
 
Esses  propósitos,  alcançados  em  alguns  países  europeus,  naquela  fase  de 
desenvolvimento,  permitiram  alguns  ganhos  materiais  para  aqueles  trabalhadores. 
Todavia, enquanto os países centrais garantiam a reprodução do crescimento econômico 
com  desenvolvimento  social,  a  periferia  mundial  assistia  a  defesa  do 
desenvolvimentismo  como  meio  de  integração  desses  países  à  ordem  econômica 
mundial.  Concomitantemente  crescia  a  economia  capitalista,  assegurando  a  sua 
virtuosidade entre os anos 40 e 70 do século XX.  
 
Diferente da trajetória que determinou o Welfare, o desenvolvimentismo no Brasil 
foi  resultado  de  um  processo  de  modernização  conservadora  que  consolidou  a 
industrialização  e  o  crescimento  econômico,  mas  que  não  redistribuiu  os  resultados 
dessa  expansão  com  a  maioria  da  população  trabalhadora.  Merece,  portanto,  ser 
ressaltada  a  inexistência  da  experiência  welfareana  no  Brasil  apesar  da  criação  de 
algumas  políticas  de  proteção  social,  instituídas  a  partir  dos  anos  40,  mas  somente 
redefinidas nos anos 80, quando se  instituem as bases formais e  legais do que poderia 
ser um Estado de Bem‐Estar Social, na Constituição de 1988 (MOTA, 2006). 
 
 
integrada  às  necessidades  dos  oligopólios  internacionais,  graças  ao  apelo  ao  crédito 
externo para o financiamento daquela base e da sua expansão.  
 8
 
Qualificado  por  muitos  como  um  período  em  que  o  trabalho  perdeu  a  sua 
centralidade,  fato  é  que  os  anos  que  se  seguiram  à  década  de  80  são  palco  de  um 
processo de restauração capitalista, assentada num duplo movimento: 1) a redefinição 
das bases da economia‐mundo através da reestruturação produtiva e das mudanças no 
 
 
Essa  situação  reverte‐se  na  década  seguinte,  quando  se  inicia  a  crise  da  dívida 
externa, obrigando tais países, sistematicamente, a exportar capitais para o pagamento 
dos empréstimos recebidos. Não por acaso, em tal período, o mundo capitalista revela os 
sintomas de uma crise de acumulação, obrigando os países desenvolvidos a redefinirem 
suas  estratégias  de  acumulação,  donde  o  surgimento  de  novas  estratégias  de 
subordinação da periferia ao centro.  
 
É, nesse marco, que se dá a integração do Brasil à ordem econômica mundial, nos 
anos  iniciais  da  década  de  90,  sob  os  imperativos  do  capital  financeiro  e  do 
neoliberalismo,  responsáveis  pela  redefinição  das  estratégias  de  acumulação  e  pela 
reforma do Estado. Na prática, isso se traduz em medidas de ajuste econômico e retração 
das políticas públicas de proteção social, numa conjuntura de crescimento da pobreza, 
do desemprego e do enfraquecimento do movimento sindical, neutralizando, em grande 
medida, os avanços e conquistas sociais alcançadas pelas classes trabalhadoras nos anos 
80.  
 
No âmbito do sistema capitalista e da sua economia‐mundo, instala‐se muito mais 
do que uma crise econômica: estão postas as condições de uma crise orgânica, marcada 
pela perda dos referenciais erigidos sob o paradigma do fordismo, do keynesianismo, do 
Welfare  State  e  das  grandes  estruturas  sindicais  e  partidárias.  Se,  a  tais  condições  se 
soma o exaurimento do “socialismo real”, vê‐se como foi possível afetar a combatividade 
do movimento operário, imprimindo, a partir de então, um caráter muito mais defensivo 
do que ofensivo às suas lutas sociais.  
 
 
mundo do trabalho; 2) a ofensiva ideopolítica necessária à construção da hegemonia do 
grande capital, evidenciada na emergência de um novo imperialismo e de uma nova fase 
do capitalismo, marcada pela acumulação com predomínio rentista (HARVEY, 2004). 
 
 
9
 
Estes  movimentos  podem  ser  identificados  historicamente  em  medidas  que 
indicam: a) a reestruturação dos capitais, com as  fusões patrimoniais, a  íntima relação 
entre  o  capital  industrial  e  financeiro,  além  da  formação  de  oligopólios  globais  via 
processos de concentração e centralização do capital; b) as transformações no mundo do 
trabalho,  que  tanto  apresentam mudanças  na  divisão  internacional  do  trabalho  como 
redefinem a organização do trabalho coletivo, reduzindo a fronteira entre os processos 
de  “subsunção  real e  formal”  do  trabalho  ao  capital  e  compondo  a  nova morfologia do 
trabalho, segundo a expressão de Antunes (2006); c) a reconfiguração do aparato estatal 
e  das  ideologias  e  práticas  que  imprimem novos  contornos  à  sociabilidade  capitalista, 
redefinindo mecanismos ideopolíticos necessários à formação de novos e mais eficientes 
consensos hegemônicos. 
  
Orquestrada pela ofensiva neoliberal, a ação sociorreguladora do Estado se retrai, 
pulverizando os meios de atendimento às necessidades sociais dos trabalhadores entre 
organizações privadas mercantis e não‐mercantis, limitando sua responsabilidade social 
à segurança pública, à fiscalidade e ao atendimento, através da assistência social, àqueles 
absolutamente impossibilitados de vender sua força de trabalho. A classe trabalhadora é 
também  atingida  pelos  processos  de  privatização,  inicialmente  através  da  venda  de 
empresas  produtivas  estatais,  seguindo‐se  uma  ampla  ofensiva mercantil  na  área  dos 
serviços  sociais  e  de  infra‐estrutura,  tais  como  os  de  saúde,  previdência,  educação, 
saneamento,  habitação  etc.,  amparados pela  liberalização da  economia,  sob  a  égide da 
liberdade de mercado e retração da intervenção do Estado.  
  
Esse projeto de restauração capitalista, materializado no novo  imperialismo,  teve 
no  “Consenso  de  Washington”  sua  base  doutrinária  e  política,  operacionalizado  pelo 
Banco  Mundial,  Fundo  Monetário  Internacional  e  pela  Organização  Mundial  do 
 
 
Comércio, transformado nas principais alavancas institucionais da integração e do ajuste 
das economias periféricas às necessidades do capitalismo internacional.  
 
 
10
 
No  novo  imperialismo,  a  hegemonia  vem  sendo  exercida  pelos  Estados  Unidos, 
através  do  uso  de  estratégias  que  combinam  coerção  e  consenso,  pretendendo  uma 
espécie de governo mundial que, ao sitiar a ideologia dos seus opositores, afirma a sua 
(ideologia)  como  universal.  Do  ponto  de  vista  macroeconômico,  em  oposição  à 
acumulação expandida, que marcou boa parte do século XX, o que está em processo de 
consolidação é a acumulação por espoliação sob o comando dos países ricos (HARVEY, 
2004; DUMENIL; PETRAS, 2002; LEVY, 2004).  
 
A marca da acumulaçãopor espoliação tem sido a abertura de mercados em todo o 
mundo,  através  das  pressões  exercidas  pelo  Fundo  Monetário  Internacional,  Banco 
Mundial  e  Organização  Mundial  do  Comércio  que,  ao  estimularem  a  aplicação  de 
excedentes  ociosos  de  capital  –  que  não  encontram  empreendimentos  lucrativos  em 
seus países de origem –,  investem nos países periféricos, de onde  jorram remessas de 
lucros.  Este  processo  torna‐se  campo  de  investimento  transnacional,  desde  o 
patenteamento  de  pesquisas  genéticas,  passando  pela  mercantilização  da  natureza, 
através do direito de poluir, até a privatização de bens públicos, com a transformação de 
serviços  sociais  em  negócios,  implicando  degradação  do  meio  ambiente,  ampla 
especulação imobiliária, como vem acontecendo com o litoral do Nordeste, e criação de 
nichos produtivos locais, entre outros. 
 
No  âmbito  das  relações  e  dos  processos  de  trabalho,  ocorrem  mudanças 
substantivas – seja através da reedição de antigas formas de exploração, como o salário 
por  peça,  o  trabalho  em  domicílio  etc.,  transformando,  entre  outros,  os  espaços 
domésticos  não  mercantis  em  espaços  produtivos  por  força  das  terceirizações;  seja 
instituindo novos processos de trabalho que externalizam e desterritorializam parte do 
ciclo produtivo, instaurando novas formas de cooperação, onde se incluem e se ajustam, 
num  mesmo  processo  de  trabalho,  atividades  envolvendo  altas  tecnologias, 
superespecialização e precarização.  
 
 
 
Trata‐se de construir um novo  trabalho/trabalhador coletivo  à base de uma nova 
divisão  internacional  e  sociotécnica  do  trabalho,  que  mantém  a  parte  nobre 
(planejamento,  projetos,  pesquisa  em  C  &  T,  designers  etc.)  da  produção  nos  países 
centrais,  enquanto  transfere  para  os  países  periféricos  o  trabalho  sujo  e  precário, 
contando  com  uma mão‐de‐obra  barata,  a  heterogeneidade  de  regimes  de  trabalho,  a 
dispersão espacial e a desproteção dos riscos do trabalho.  
  
Ao contrário do que ocorria no século XX, quando predominavam as concentrações 
operárias  numa mesma  fábrica,  cidade,  região  ou  país  e  se  expandiam  os  sistemas  de 
seguridade social, o capitalismo contemporâneo prima por desterritorializar o trabalho 
e  as  mercadorias  e  por  precarizar  as  condições  e  relações  de  trabalho,  afetando 
sobremaneira as condições de vida dos trabalhadores e a sua capacidade de organização 
e resi tência.  s
 
No Brasil, o processo de reestruturação produtiva começa ainda durante a década 
de  1980  com  a  informatização  produtiva,  os  programas  de  qualidade  total  e  a 
implantação  de  métodos  de  gestão  participativa.  Segundo  Antunes  (2006,  p.  16), 
inicialmente  ela  é  marcada  pela  redução  de  postos  de  trabalho  e  pelo  aumento  da 
produtividade  que  dependeram  da  reorganização  da  produção,  da  intensificação  da 
jornada de trabalho, do surgimento dos CCQs e dos sistemas de produção just­in­time e 
Kanban.  
 
 
11
 
Nos anos 1990, ela se intensifica sob o influxo da acumulação flexível e do modelo 
japonês  –  o  toyotismo  –  quando  a  produtividade  é  potenciada  pela  implantação  de 
formas  diversas  de  subcontratação  e  terceirização  da  força  de  trabalho,  além  da 
descentralização das unidades de produção, cujas fábricas são transferidas para regiões 
sem  tradição  industrial. De  certa  forma,  essas mudanças  somente  se  tornam possíveis 
pela ofensividade do capital para construir outra subjetividade do trabalho, implantando 
mecanismos  participativos  e  instituindo,  entre  outros,  programas  de  participação  nos 
 
 
lucros ou, ainda, transformando parte dos trabalhadores em acionistas minoritários das 
empresas reestruturadas.  
 
 
12
 
Ao contrário dos trabalhadores, cujos coletivos são fragmentados, o capital, através 
das  fusões  patrimoniais  transacionais,  aumenta  a  sua  capacidade  de  concentração  e 
centralização,  o  que  concorre  tanto  para  um  maior  controle  de  riscos  dos  seus 
empreendimentos,  como para  o  aumento da  sua  capacidade de  coordenar  a produção 
mundial.  Para  tanto,  as  corporações  inauguram  novas  formas  de  gerenciamento  e 
controle, contando com novas tecnologias de processamento de informações, o que lhes 
permite  conciliar  a  centralização  do  capital  com  a  descentralização  das  operações 
financeiras e dos processos de trabalho. 
                                                                                                                                                                                            
Mesmo comportando  formas diferenciadas, onde convivem setores  tradicionais e 
modernos,  relações de  trabalho estáveis e precárias e novos processos produtivos que 
mesclam  práticas  inspiradas  no  toyotismo  com  práticas  fordistas  e  até  processos  que 
remontam à produção simples de mercadoria, essa combinação de padrões produtivos, 
segundo  Antunes  (2006,  p.  19),  oferece  como  resultante  um  aumento  da 
superexploração do trabalho, traço constitutivo e marcante do capitalismo brasileiro. 
 
A  produção  em massa de produtos  padronizados,  que marcou o  regime  fordista, 
cede  lugar à produção seletiva, preferencialmente de produtos de  luxo, consumida por 
não  muito  mais  que  30%  da  população  mundial,  composta  pelas  classes  médias  e 
proprietárias.  Torna‐se  inútil para  a  produção  uma  parte  da  população  destituída  dos 
meios de produção e da condição de vendedores de  força de  trabalho. Essa população 
excedente,  não  por  acaso,  se  transforma  no  foco  das  políticas  denominadas  de 
transferência de  renda ou de  renda mínima e  ingressa, mesmo que  residualmente,  nos 
mercados consumidores internos. 
 
 
De  igual  modo,  com  o  intuito  de  criar  uma  economia  mundial  baseada  na 
intensificação  dos  regimes  de  extração  da  mais‐valia  e  de  barateamento  da  força  de 
trabalho,  o  atual  padrão  de  acumulação  capitalista  tem  desenvolvido  mecanismos  de 
desvalorização da  força de  trabalho, que visam  incrementar  superlucros  (MARANHÃO, 
2006). Trata‐se de um movimento aparentemente contraditório, mas que encerra uma 
enorme  funcionalidade,  qual  seja:  o  mesmo  processo  que  determina  a  expulsão  de 
trabalhadores  da  produção  intensiva  de  mercadorias  também  ocasiona  a  inserção 
precarizada dessa força de trabalho em novos processos combinados de trabalho, cujos 
sujeitos são conceituados de trabalhadores informais, temporários ou por conta própria. 
Aqui,  os  exemplos  mais  emblemáticos  são  o  da  produção  de  mercadorias  à  base  da 
reciclagem  de  materiais,  cujos  vendedores  de  matéria‐prima,  os  denominados 
“catadores  de  lixo”,  integram  a  cadeia  produtiva  da  reciclagem;  os  trabalhadores  e 
pequenos produtores rurais que fornecem matéria‐prima para a produção do biodiesel e 
as mulheres que costuram por facção para a indústria de confecção, cujo trabalho é pago 
por peça.  
 
 
 
13
 
Esses trabalhadores e trabalhadoras, em tese, integram a superpopulação flutuante 
e estagnada a que se referiu Marx ao tratar sobre Lei Geral da Acumulação (MARX), cuja 
função econômica é empurrar os salários dos trabalhadores ativos para baixo. Contudo, 
na atualidade, essa superpopulação é refuncionalizada, transformando‐se em peça chave 
da  acumulação  por  espoliação.  Nessa  dinâmica,  os  países  periféricos  têm  se 
transformado em imensos reservatórios de força de trabalho barata e precária para as 
megacorporações transnacionais.Neste processo, deve‐se destacar a financeirização da economia, na base da qual se 
encontra a orgânica vinculação entre as grandes corporações produtivas transacionais e 
as  instituições  financeiras  que  passam  a  comandar  a  acumulação,  contando  para  isso 
com a desregulamentação operada pelo Estado através da  liberalização dos mercados. 
Embora  se  apresente  como  uma  forma  “autônoma”  de  produção  da  riqueza,  o  que  é 
impossível  no  modo  capitalista  de  produção,  baseado  na  produção  da  mais‐valia,  o 
 
 
capital financeiro, de forma inaudita, além de potenciar o fetichismo da mercadoria, cria 
outro fetiche: o de que dinheiro se transforma em capital prescindido da base material 
riginada na e pela produção capitalista, através da exploração do trabalho pelo capital.  
 14
 
Nesse  quadro,  uma  das  maiores  perdas  para  os  trabalhadores  foi  o 
comprometimento  do  seu  potencial  político‐organizativo.  Este  comprometimento  se 
deveu  a  diversos  fatores,  entre  eles,  as  novas  práticas  de  gestão  da  força  de  trabalho, 
cujas expressões mais visíveis foram a “cultura” participativa inaugurada com os CCQs e 
as  modalidades  de  externalização  de  parte  dos  processos  de  trabalho  através  das 
 
o
 
3 Implicações na organização política dos trabalhadores 
 
É  inegável  que  as  transformações  operadas  no  interior  da  produção  capitalista, 
desde  os  finais  dos  anos  1970,  operaram  mudanças  radicais  e  substantivas  nos 
processos e nas condições de trabalho de milhares de trabalhadores em todo o mundo. 
Inicialmente atingiram as economias centrais e posteriormente se espraiaram nos países 
periféricos,  onde  se  inclui  o  Brasil,  produzindo  um  cenário  no  qual  convivem  a 
acumulação e concentração da riqueza com a ampliação do desemprego, a precarização 
do trabalho e o agravamento da pobreza.  
 
A ofensiva político‐social e ideológica para assegurar a reprodução deste processo, 
como já referido, passa pela chamada reforma do Estado e pela redefinição de iniciativas 
que devem ser formadoras de cultura e sociabilidade, imprescindíveis à gestação de uma 
reforma  intelectual  e moral  (MOTA,  2000)  conduzida  pela  burguesia  para  estabelecer 
novos parâmetros na relação entre o capital, o trabalho e destes com o Estado.  
 
Amparada  pela  naturalização  da  mercantilização  da  vida,  essa  reforma  social  e 
moral  busca,  entre  outros  objetivos,  transformar  o  cidadão  sujeito  de  direitos  num 
cidadão‐consumidor;  o  trabalhador  num  empreendedor;  o  desempregado  num  cliente 
da  assistência  social;  e  a  classe  trabalhadora  em  sócia  dos  grandes  negócios  (MOTA, 
2006).  
 
 
terceirizações,  da  compra  de  serviços,  do  trabalho  em  domicílio,  por  tarefa,  etc. 
Enquanto o participacionismo alimentava a passivização do trabalhador nos seus locais 
de  trabalho,  os  mecanismos  de  externalização  imprimiam  novos  meios  de  controle  e 
dominação  sob  o  argumento  da  autonomia  do  trabalhador  por  conta  própria  e  da 
ideologia da empregabilidade. Outro  fator preponderante  foi a desterritorialização das 
firmas  que,  ao  dispersar  as  concentrações  operárias,  esgarçaram  as  condições 
necessárias à organização dos trabalhadores nos seus locais de trabalho e nos sindicatos 
por categoria profissional.  
 
 
15
 
A  estas  práticas  acrescenta‐se  a  progressiva  expansão  do  exército  industrial  de 
reserva,  cuja  formação  seja  consubstanciada  por  desempregados  temporários  ou 
permanentes  engrossa  as  fileiras da  força de  trabalho disponível  e disposta  a  assumir 
qualquer  tipo  de  emprego,  o  que  favorece  o  rebaixamento  salarial  e  possibilidades 
inima náveis de precarização.  gi
    
Todas  estas  situações  afetam  a  composição  da  classe  trabalhadora,  inclusive  ao 
gerar  impactos  diferenciados  nos  jovens,  nas mulheres  e  trabalhadores  qualificados  e 
não  qualificados,  resultando  numa  grande  diversidade  de  questões  e  interesses  que 
rebatem nas motivações e prioridades das suas lutas. O ambiente político deste processo 
é representado pela desestruturação do mercado de trabalho, tanto pela flexibilização da 
produção quanto pela da gestão das relações produtivas, introduzindo novas formas de 
contrato  de  trabalho  e  criando  um mosaico  de  situações  jurídicas  e  profissionais  que 
tornam  menos  visíveis  os  laços  de  classe  existentes  entre  os  trabalhadores,  além  de 
fragilizar o núcleo do trabalho estável e organizado (SANTOS, 2006, p. 450).  
 
Contudo, apesar dessa desmontagem da prática organizativa dos trabalhadores, é 
possível  identificar  a  existência  de movimentos  de  resistência  e  de  defesa  de  direitos 
conquistados  que, mesmo  recorrentemente  ameaçados  e  desqualificados  pelas  classes 
dominantes e pela burocracia sindical, como está acontecendo no Brasil, vêm obrigando 
 governo a fazer negociações e a produzir recuos no legislativo.  o
 
 
Os  resultados  políticos  da  ofensividade  das  classes  dominantes  têm  sido  a 
fragmentação  dos  interesses  classistas  dos  trabalhadores  e  a  proliferação  de 
movimentos  sociais  “extraeconômicos”  e  “transclassistas”.  Ao mesmo  tempo  em que  a 
burguesia consegue articular e agregar os interesses dos capitais de todas as partes do 
mundo, fragmenta as identidades e necessidades daqueles que vivem do seu trabalho. As 
consequências  dessa  fragmentação  na  composição  e  ação  política  das  classes 
trabalhadoras resultam num processo de passivização da suas lutas. 
 
 
 16
  
Como  a  história  não  acabou,  é  importante  enfatizar  que  o  que  está  em  jogo  é  a 
capacidade  das  classes  subalternas  desmontarem  o  projeto  e  as  práticas  das  classes 
  
Em certa medida, as lutas sociais – apesar de presentes em todo o cenário mundial 
(HOUTART; POLET, 2003; LEHER; SETÚBAL, 2005; PETRAS, 2000) – perdem força com 
a  fragilização do movimento  operário,  que,  ao  adquirir  um  caráter  de  resistência,  tem 
baixa incidência nas questões afetas às relações e processos de trabalho.  
 
O  andamento  dessas  práticas  demonstra  a  imperiosa  necessidade  de  uma 
articulação  global  que  conduza  o  movimento  sindical  a  adotar  estratégias  políticas 
globais  através  de  uma  articulação  orgânica  com  os  movimentos  sociais  e  as  lutas 
espontâneas das classes subalternas contra a lógica do capital.  
 
Malgrado a condição defensiva da classe trabalhadora, presencia‐se uma ampliação 
das  lutas  sociais mundiais,  consoantes com a ofensiva  financeira mundializada, de que 
são exemplos o Fórum Mundial das Alternativas realizado no marco da reunião de Davos 
em 1999 e iniciativas em redes como a Ação para Tributação das Transações Financeiras 
em Apoio aos Cidadãos  (ATTAC);  o movimento em defesa da  cobrança da Taxa Tobin, 
que  propõe  taxar  em  1%  as  transações  especulativas  nos  mercados  de  divisas;  a 
Coordenação Contra os Clones do Acordo Multilateral  sobre o  Investimento (CCCAMI); 
além  do  projeto  Alternativa  Bolivariana  para  América  Latina  e  Caribe  (ALBA),  em 
contraposição  ao  projeto  comercial  da  ALCA,  abraçada  por  setores  da  esquerda 
Latinoamericana e Caribenha. 
 
 
dominantes ao tempo em que constroem o seu projeto – radicalmente anticapitalista e 
em defesa de uma sociedade para além do capital.  
 
 
17
 
 
 
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