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POSITIVISMO E EDUCAÇÃO: Breves análises sobre a influência do positivismo na educação. Autor: FERNANDES, Marcel Sena Mestrando do Programa da Pós-Graduação em Educação da Universidade Nove de Julho. São Paulo. Brasil. Orientador: LORIERI, Marcos Antonio. RESUMO O desafio ao qual nos propomos é compreender melhor o Positivismo Filosófico e suas influências históricas no pensamento ocidental. O presente trabalho visa recuperar as discussões críticas sobre o efeito do Positivismo Filosófico nas construções teóricas dos princípios da educação no século XX. Enfrentamos este desafio, trilhando o caminho de reexaminar o que foi o positivismo como fenômeno histórico do século XIX, e como todas as ciências o recepcionaram. Neste artigo de breves considerações, acreditamos ser possível apontar a repercussão específica do positivismo na educação. Para tanto, nos deteremos na conceituação desta corrente do pensamento ocidental, assim como na observação de como seus principais autores, Augusto Comte e Emile Durkheim, desenvolveram a concretização das idéias postivistas no curso da história. Pontuando biografias e conceitos positivistas, pretendemos fornecer uma visão geral, sucinta e ao mesmo tempo esclarecedora sobre se há influência do pensamento positivista na prática educacional de nosso século. Não discutiremos aqui a a ciência da educação, mas a influência do Positivismo no pensamento do educador e na escola. Palavras-chave: Positivismo; História do pensamento ocidental; Educação; Crítica à aplicabilidade Positivista; 1 Introdução Já se tornou lugar comum falar da educação como solução para todos os problemas sociais que enfrentamos em nossos dias. Também na educação se discute a inovação como caminho de superação e reforma que possibilitem a difusão do conceito de cidadania. Não podemos negar, entretanto, que muito do que se tem proposto, para transformação da educação, ainda carrega a forte herança do pensamento positivista inaugurado por Augusto Comte. O positivismo filosófico se encontra, hoje, em uma ambivalência curiosa. Se por um lado existe uma forte rejeição ao positivismo como método, no campo acadêmico, por outro vivemos uma realidade prática inundada de conceitos herdados do positivismo. Diversas críticas são tecidas, de modo contumaz, ao pensamento positivista. O que temos observado é que muitos dos críticos terminam por manejar conceitos positivistas em suas práticas acadêmicas. Em parte, isso se deve ao fato de que a ciência do século XX – que tão duramente aponta limitações ao pensamento positivista – se encontra ainda submersa nos princípios da ciência do século XIX – predominantemente positivista. Podemos entender esta submersão por meio do conceito de paradigma científico de Thomas Kuhn. A ciência se fundamenta em paradigmas que são, vez ou outra, substituídos e readequados por revoluções científicas. De fato, ainda nos encontramos , apesar de muitos esforços apontarem para um novo paradigma, ligados ao momento positivista que revolucionou a ciência no século XIX. As mudanças de paradigmas precisam de tempo para que se plenifiquem, e é natural que um paradigma anterior surta efeitos nos conceitos situados em um momento de transição que acredito se tratar da era em que vivemos. Um outro problema na abordagem crítica do positivismo decorre de um consenso tácito no sentido de se superarem os modelos do século XIX. Assim muitos pesquisadores se opõem ao positivismo com paixão e auxiliados pelas descobertas da ciência no século XX confrontam, muitas vezes sem a propriedade necessária, os dogmas postulados por Augusto Comte. É preciso dominar os conceitos principais do pensamento comteano e ainda reconhecer que , apesar das críticas pertinentes que este modelo de ciência 2 recebe, não podemos negligenciar o fato de que sua manifestação acadêmica cumpria uma função útil e necessária no tempo e espaço em que fora postulada. Conhecer Comte é a maneira mais adequada para se tecerem críticas ao positivismo filosófico e suas implicações na educação. Não pretendemos, neste trabalho, esgotar o tema proposto, mas sim, levantar uma discussão sobre os principais conceitos do positivismo e sua influência na educação. O positivismo em Augusto Comte A idéia de leis naturais da vida social não é pensamento originário de Augusto Comte. Uma idealização da ciência social, segundo os modelos das ciências naturais, pode ser encontrada no pensamento utópico de Condorcet e Saint Simon em uma dimensão de ideologia utópico-revolucionária no século XVIII. Próximo dos pensamentos dos fisiocratas, Condorcet concebe a economia política como precisa ao cálculo e ao método das ciências naturais.Saint Simon , por sua vez, idealiza a definição de “corpo social” compreendendo a ciência social como “constituída pelos fatos naturais que derivam da observação direta da sociedade”. Cabe, entretanto lembrar que a noção de organicismo ainda não se apresentava neste autor. O verdadeiro fundador do pensamento positivista nasceu na França, na cidade de Montpelier, em 1798. Isidore Auguste Marie François Xavier Comte desde cedo revelou grande capacidade intelectual e prodigiosa memória. De família monarquista e católica, suas influências tendiam para a tradição do Antigo Regime francês. Nascido nove anos após a revolução francesa, recebeu na escola uma formação nos moldes da tradição revolucionária burguesa. Alimentando-se da filosofia iluminista, aproximou-se dos estudos da ciência newtoniana. A partir daí inicia-se seu período de idealização dos princípios positivistas. Sua primeira obra, “Plano dos trabalhos científicos necessários para reorganizar a sociedade” seguido dois anos mais tarde por “Sistema de política positiva” marcam o início de seu pensamento positivista no meio acadêmico. 3 Mas foi durante o período em que Comte lecionara na escola politécnica que sua obra mais importante fora escrita, “O curso de filosofia Positiva”. Graças a esta publicação , Comte foi demitido de seu cargo na escola politécnica e passou a viver de colaborações de alguns admiradores. Durante dez anos Comte demonstrou origens místicas para seu pensamento positivista. A idéia de uma religião positiva se espalhou pela França ( Ainda hoje encontramos tentativas de criação de cultos metafísicos com fundamentos científicos, o caso da contemporânea Cientologia ), popularizando alguns príncipios do positivismo, o que fora amplamente refutado por seus seguidores cientificistas, para, em seguida, Comte retomar o caráter científico de seu pensamento, dedicando-se ao método positivista. Comte afirmava que o momento pós revolução francesa se igualaria a uma anarquia de idéias e que tomando por base a ciência positiva seria possível reorganizar a sociedade.Passemos então a entender que tipo de positivismo Comte estava propondo. Para Comte o positivismo se estrutura basicamente em uma filosofia e em uma política inseparáveis, sendo que uma constitue a base enquanto a segunda constitui a meta de um mesmo sistema universal, no qual a inteligência e a sociabilidade se encontra. Nosso objetivo aqui não é delimitar a filosofia positiva mas sim as concepções positivas nas ciências sociais, que mais tarde influenciariam a ciência da educação. Tais concepções são fundadas em três premissas segundo Michael Löwy: 1. É a sociedade regida por leis naturais, invariaveis e independentes da vontade humana. 2. A sociedade pode ser epistemológicamente assimilada pela natureza e estudada pelos mesmos métodos e processos das ciências naturais. 3. As ciências sociais devemse limitar a observar e explicar as causas dos fenômenos de forma objetiva, neutra , livre de valores e ideologgias. 4 Não podemos , diante destas premissas deixar de comentar que a pretendida neutralidade científica acaba por negar o caráter histórico-social do conhecimento. Ao analisarmos a polissemia do termo “positivo” nos deparamos com as balisas do positivismo conceitual. Por positivismo podemos comprender o “real” em oposição ao “fantasioso”, numa alusão de que o homem deve buscar conhecimentos acessíveis a sua inteligência, não se buscando as causas finais ou fundadoras das coisas. Em outra possível acepção de positivismo encontramos o contraste entre o útil e o ocioso. Apenas as coisas úteis para o aprimoramento humano devem ser consideradas por uma ciência positiva. Há ainda a noção de aproximação da certeza e do afastamento da imprecisão. Mas a acepção mais esclarecedora do termo positivo é a de oposição a “negativo”. O objetivo do positivismo é organizar e manter ao contrário de desconstruir. Assim Comte propõe a manutenção da sociedade em tempos pós-revolucionários, ao mesmo tempo em que balisa os conceitos fundantes de sua doutrina. Na filosofia positivista a idéia central consiste na proposta de que a sociedade quando em desordem deve ser reorganizada pelas noções positivistas. Neste sentido , Comte elaborou sua “Lei dos três Estados”. Influenciado pelo evolucionismo, Comte acredita que sucessivos estados de organização político-social se dão por superação. São eles o estado teológico, onde Deus é o fundamento da convivencia social, o estado Metafísico, onde a especulação filosófica estrutura as idéias, e por fim o estado positivo, no qual a razão científica serve de fundamento para a compreensão dos fenômenos naturais e humanos. Comte, em seu conceito de estado positivo, afirma que a sociedade como um corpo harmônico, com rítmo evolutivo norteado pela ordem e pelo progresso são a última evolução dos estados da humanidade. Neste momento o conceito de positivo se confunde com a própria noção de ciência natural do século XIX. 5 Assim, Comte, fundador do positivismo, inaugura a transmutação da visão de mundo positivista em ideologia, ou seja, em sistema conceitual e axiológico que tende a defesa da ordem estabelecida, uma ordem industrial. O método positivo visa afastar a ameaça que representam as idéias negativas, críticas, anárquicas, dissolventes e subversivas da filosofia do iluminismo e do pensamento do socialismo utópico. Ironicamente Comte usa o mesmo sistema intelectual que serviu a Condorcet e Saint Simon no sentido oposto: o princípio metodológico de uma ciência natural da sociedade. A ciência da sociedade é declarada então como pertencente ao ramo das ciências naturais. O discurso positivista pretende economizar todo tipo de posicionamento ético ou político sobre o estado de existência das coisas. Evitando qualquer tipo de valoração o positivismo se limita a constatar que o mencionado estado é natural, necessário, inevitável e é produto de leis invariaveis. É importante destacar a relação entre o pensamento positivista e a transformação do papel da burguesia na Europa. Se compararmos a evolução paralela do direito, da economia política e do positivismo, no final do século XVIII a meados do século XIX, percebemos que pela transformação do conceito de lei natural a burguesia deixa de figurar como uma classe revolucionária para assumir sua vocação de manutenção da ordem e do poder. O mesmo conceito que havia sido instrumento revolucionário no século XVIII, que esteve no centro da doutrina política dos insurretos de 1789, converte seu significado no século XIX, para se tornar, com o positivismo, uma justificação científica da nova ordem social estabelecida. Como Comte, Durkheim foi um pensador do positivismo, consciente do caráter profundamente contra-revolucionário de seu método positivista e de seu naturalismo sociológico. As contribuições de Emile Durkheim para o positivismo Durkheim observou que a primeira regra fundamental do positivismo nas ciências sociais era a consideração dos fatos sociais como coisas. Assim 6 Durkheim endossa a afirmação de Comte de que os fatos sociais são fatos naturais submetidos a leis naturais. É um reconhecimento de que não há senão coisas na natureza. Há , no entanto, alguns posicionamentos estritamente originais no pensamento Durkheimiano. Para Durkheim, a sociedade é estruturada de forma similar ao corpo de um ser vivo, tendo um sistema de órgãos diferentes no qual cada um possui um papel delimitado. Deste raciocínio, Durkheim conclui que certos “orgãos sociais” possuem uma situação especial e, portanto, privilegiada. Este privilégio é tido como natural, funcional e inevitável, justificando-se assim diferenças sociais. Estas formulações podem aparentar ingenuidade mas são fundamentos de um funcionalismo em geral e da moderna teoria funcionalista das classes sociais de Davis e Moore. O paradigma organicista de Durkheim possui muitas semelhanças , por vezes, se confundindo com o modelo de Darwinismo Social, no qual a sobrevivência é a recompensa dos mais aptos. Para Durkheim nada favorecia injustamente os concorrentes que disputam entre si as tarefas sociais, prevalecendo os mais aptos a cada gênero de atividade. O pensamento organicista fundamenta-se numa pressuposição essencial, que pode ser entendida como “uma homogeneidade epistemológica dos diferentes domínios e, por consequência, das ciências que os tomam como objeto” (Löwy, 2007 , p.30 ) Este ideal propõe que o cientista social ou o educador se coloque no mesmo estado de espírito do físico, químico, matemático, fisiólogo, quando estes se encontram com o estudo de uma área ainda não explorada. Pressupostos de neutralidade e distanciamento entre observador e objeto. Em outros termos, o cientista deve ignorar os conflitos ideológicos , silenciar os preconceitos e distanciar todas as prenoções que lhe possam surgir. Assim seria possível a constatação estritamente objetiva de algumas verdades elementares. Nos escritos de Durkheim, observamos a descrição de patologias e normalidades intrínsecas ao organismo social. Para Durkheim, um fenômeno é 7 normal quando pode ser encontrado, com certa freqüência, numa sociedade, em determinada fase. Na problemática positivista há um núclero racional, tanto em Comte quanto em Durkheim, que conduz a uma cientificidade do saber: a busca pela verdade e a vontade de conhecimento. Se uma investigação é sujeita a outros fins tratados como mais importantes do que a verdade, tal investigação está condenada de antemão do ponto de vista de sua validade cognitiva e de seu conteúdo de conhecimento. Assim, sintetizamos as visões de ciência positivista em Emile Durkheim e Auguste Comte. Mas de que forma estas noções interagem e influenciam a ciência da educação? Educação e positivismo Vivemos em uma era onde os conceitos e as práticas na política, na gestão e no desenvolvimento social são determinadas por um contexto intelectual que se iniciou no século XVII com as descobertas da física clássica e encontra seu auge na era da revolução industrial. É nesta era de industrialização que emerge a idéia de um universo uniforme, mecânico e previsível o que moldou o desenvolvimento da ciência – e também da tecnologia – tornando-se ainda um paradigma nos diversos campos do saber inclusive na educação. Tendo como um de seus referenciais a “engenharia industrial”, o positivismo apresenta um modelo que visa aumentar a eficiência por meio das categorias de precisão e previsibilidade.Especificamente na educação encontramos perspectivas economicistas, derivadas do cientificismo, onde se visa obter taxas de retorno ( produtividade ) o que interfere , por vezes, de forma nefasta no planejamento pedagógico. Os indicadores quantitativos imperam na apreciação do rendimento escolar, revelando aspectos pragmáticos e positivistas na delimitação dos planos de ensino. A propagação do positivismo na educação se deve, em muito, à disseminação do sucesso na aplicação prática de princípios científicos que visam a produção 8 de novas tecnologias. A industrialização , amparada pelas conquistas da ciência positiva, favoreceu o fortalecimento político e militar das nações, exportando assim um modelo de sucesso prático para todos os campos do saber, inclusive na educação. O positivismo está presente também no discurso das políticas públicas para a educação, quando afirmamos, por exemplo, que a educação é a solução para os problemas nacionais, bem como quando se propõe reformas, tanto na sociedade quanto na educação. O modelo escolar que vivenciamos em nossos dias é uma cópia fidedigna do projeto de educação padronizada (universal ) elaborada na seara da ciência do século XIX. Hierarquia, ordem, utilitarismo e perspectiva de progresso, compõem a estante do positivismo educacional. A herança da ideologia burguesa fora assimilada pelos militares republicanos do século XIX no Brasil. A educação torna-se, neste cenário, um instrumental da difusão dos conceitos de ordem e progresso.Disciplinas progressivamente organizadas, segmentadas de modo instrumental, são as evidências mais marcantes do positivismo na educação. Por mais que saibamos que o método positivista seja produtivo, nos perguntamos se a “produtividade” merece ser o critério de dosimetria da qualidade do ensino. Neste sentido devemos observar criticamente o positivismo educacional sem perder de vista que se trata de um movimento que se pretende neutro ao mesmo tempo em que esconde uma grande carga ideológica. Muito dos efeitos nefastos desta doutrina pretendeu-se amenizar pelo círculo de Viena e pelo movimento do neo positivismo lógico. Mas ainda existe um forte cientificismo, perigoso, no seio da formação educacional brasileira. Devemos nos atentar para esta realidade , dentro do possível, buscar caminhos mais críticos e reflexivos para a construção de um projeto de formação que não apenas alfabetize ou eduque, mas que fomente o exercício pleno de cidadania. 9 BIBLIOGRAFIA BERGO, Antonio Carlos. O positivismo: caracteres e influência no Brasil. Reflexão,Campinas. 1983. COMTE, Augusto. Curso de filosofia positiva; Discurso preliminar sobre o conjunto do positivismo; Catecismo positivista. Col. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1988. ______. Curso de filosofia positiva; Discurso preliminar sobre o conjunto do positivismo; Catecismo positivista. Col. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1983. DURKHEIM, E.. As Regras do Método Sociológico. In: Durkheim. (Coleção Os pensadores). São Paulo: Abril Cultural ,1983 GIDDENS, A. O Positivismo e seus Críticos. In: T. Bottomore e R. Nisbet (org.). História da Análise Sociológica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora. 1978 LÖWY, Michael. As aventuras de Karl Marx contra o barão de Münchausen: marxismo e positivisto na sociologia do conhecimento. 9.ed. São Paulo. Cortez. 2007. SAVIANI, D. Escola e Democracia. 36.ed., Revista. Campinas; Autores Associados, 2003.
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