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Aula 1 Crimes contra a pessoa. Direito Penal IV.doc

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AULA 1 - Análise inicial dos crimes em espécie previstos no Código Penal. Crimes contra a pessoa. Análise individual dos crimes contra a vida, a começar pelo Homicídio.
	Nosso Código Penal encontra-se dividido em duas partes: Geral e Especial. Na parte Especial reúne-se a grande maioria das figuras delitivas, embora não se esgote a totalidade destas, dada a existência de legislação extravagante ou complementar. A parte Especial encontra-se dividida em 11 títulos, na seguinte ordem:
I – Crimes contra a pessoa (arts. 121 a 154); 
II – Crimes contra o patrimônio (arts. 155 a 183);
III – Crimes contra a propriedade imaterial (arts. 184 a 196);
IV – Crimes contra a organização do trabalho (arts. 197 a 207);
V – Crimes contra o sentimento religioso e o respeito aos mortos (arts. 208 a 212);
VI – Crimes contra a dignidade sexual (arts. 213 a 234-C); 
VII – Crimes contra a família (arts. 235 a 249);
VIII – Crimes contra a incolumidade pública (arts. 250 a 285);
IX – Crimes contra a paz pública (arts. 286 a 288-A);
X – Crimes contra a fé pública (arts. 289 a 311-A);
XI – Crimes contra a Administração Pública (art. 312 a 359-H).
I – Dos Crimes contra a pessoa (arts. 121 a 154)
Capítulo 1 - Dos Crimes contra a vida (arts. 121 a 128):
Do Homicídio (art. 121 do CP)
Homicídio é a eliminação da vida de alguém levada a efeito por outrem. A importância do bem vida justifica a preocupação do legislador brasileiro, que não se limitou a protegê-la com a tipificação do homicídio, em graus diversos (simples, privilegiado e qualificado), mas lhe reservou outras figuras delituosas, como o aborto, o infanticídio e o induzimento, instigação e auxílio ao suicídio, já que o suicídio em si não é crime, assim como a autolesão também não o é. 
O direito protege a vida desde a sua formação embrionária, resultante da junção de elementos genéticos; desde então até o início do parto, a sua eliminação tipifica aborto. Iniciado o parto, tem-se o homicídio, ou, se durante ou logo após o parto, a mãe se sob a influência do estado puerperal, praticar a eliminação da vida da criança, teremos o infanticídio. A proteção penal, portanto, à vida, abrange a vida intrauterina e extrauterina. 
Pode-se afirmar que os crimes contra a vida estão divididos em dois grupos distintos: crimes de dano e de perigo. Os crimes de dano são aqueles disciplinados no Capítulo I do Título I da Parte Especial do Código Penal, denominados crimes contra a vida, tendo competência para julgá-los, quando dolosos, de acordo com o art. 5º, inciso XXXVIII, da CF/88, o Tribunal do Júri. Dos crimes contra a vida, somente o homicídio pode apresentar as formas dolosa e culposa, e, nesse segundo caso, em regra, a competência para julgamento é do juiz singular. Os crimes de perigo nem estão definidos como crimes contra a vida, encontrando-se alojados no Capítulo III do mesmo Título I da Parte Especial do CP, sob a denominação de crimes de periclitação da vida e da saúde, pois colocam em perigo a vida de pessoa determinada. Quando o perigo atingir um número indeterminado de pessoas, falamos dos crimes contra a incolumidade pública. 
Bem jurídico tutelado ou objeto jurídico: a vida (art. 5º, caput, da CF/88, art. 4º da CADH), mais que um direito, é condição básica para usufruiur de todos os demais direitos individuais. Todo ser humano tem direito á vida, que integra os chamados direitos do homem, ou seja, os direitos que o indivíduo deve ter reconhecidos enquanto pessoa humana e que devem ser protegidos não apenas contra os abusos do Estado e dos governantes, mas principalmente nas relações dos indivíduos entre si. Protege-se a vida humana, portanto, em qualquer situação, por mais precária que seja. 
Objeto material: pessoa ou coisa sobre a qual recai a conduta, objeto da ação. 
Sujeito ativo e passivo: sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, pois se trata de crime comum, o qual não requer nenhuma condição particular. O sujeito ativo pode agir só ou associado a outrem. Pode praticá-lo pelos meios mais diversos e das formas mais variadas e por pluralidade de razões. O sujeito passivo pode ser qualquer ser vivo, nascido de mulher, isto é, o ser humano nascido com vida. A vida começa com o início do parto, com o rompimento do saco amniótico; é suficiente a vida, sendo indiferente a capacidade de viver. Para Bitencourt está superada a velha concepção de que não ter respirado e não ter vivido. Antes do início do parto, o crime será de aborto. Assim, a simples destruição da vida biológica do feto, no início do parto, já constitui o crime de homicídio. O produto da concepção torna-se objeto idôneo do crime de homicídio desde o início do parto. Modernamente, não de distingue mais entre vida biológica e vida autônoma ou extrauterina, bastando a presença de vida biológica. Não se admite como sujeito ativo do homicídio a própria vítima, pois seria caso de suicídio. Sujeito passivo especial: quando o sujeito passivo de homicídio for o Presidente da República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados ou do Supremo Tribunal Federal o crime será contra a Segurança Nacional (art.29 da Lei n. 7.170/83). Quando se tratar de vítima menor de 14 anos ou maior de 60 anos, a pena será majorada em um terço (2ª parte do § 4º do art. 121 do CP, com redação da Lei n. 10. 741/2003). Quando se trata de homicídio simples praticado em ação típica de grupo de extermínio e de homicídio qualificado, são definidos como crimes hediondos (art. 1º, da Lei n. 8.072/90, com a redação da Lei n. 8930/94). 
	
Tipo objetivo: adequação típica
Matar alguém, segundo Bitencourt, é o enunciado mais conciso e objetivo do CP. O homicídio é um crime de resultado em que o tipo não estabelece os meios específicos de execução da ação, pelo que, em princípio, admite qualquer tipo de ação dirigida pela vontade do autor à produção do resultado morte. Determinadas circunstâncias, embora não ignoradas pelo legislador, consistirão em privilégio ou qualificadoras, mas a sua ausência não afasta a tipicidade do tipo básico. Constitui-se apenas do verbo e de seu objeto. A conduta típica matar alguém consiste em eliminar a vida de outrem. Alguém significa outro ser humano. Cadáver não é alguém, além de não dispor de vida para lhe ser suprimida, que é o bem jurídico tutelado. Assim, quem pretender matar cadáver incorrerá em crime impossível (art. 17 do CP), por absoluta impropriedade do objeto. A conduta pode ser ativa ou omissiva. O homicídio é um crime material e, por conseguinte, o resultado integra o próprio tipo penal, ou seja, para a sua consumação é indispensável que o resultado ocorra, tanto que, nesses crimes, a ausência do resultado da ação perpetrada caracteriza a tentativa. A morte, que é o resultado pretendido pelo agente, é abrangida pelo dolo; logo, integra o próprio tipo penal. Ademais, dentro dos crimes materiais, classifica-se entre aqueles que deixam vestígios, exigindo que a sua materialidade seja comprovada por meio do auto de exame de corpo de delito (art. 158 do CPP). Corpo de delito é o conjunto de vestígios materiais produzidos pelo crime, ou seja, a sua materialidade, é aquilo que é palpável, que é perceptível pelos sentidos. Ex. Marcas, pegadas, rastros, resquícios, resíduos, instrumentos e produtos do crime, entre outros. O exame é a perícia que analisa o corpo de delito, por isso o seu nome. O exame pode ser direto, indireto (quando não existirem mais os vestígios, há sempre um juízo de valor por parte dos peritos) ou por meio da prova testemunhal. 
Tipo subjetivo: adequação típica
O elemento subjetivo que compõe a estrutura do tipo penal do crime de homicídio é o dolo, que pode ser direto ou eventual (art. 18 do CP). Dolo é a vontade de realizar o tipo objetivo, orientada pelo conhecimento de suas elementares no caso concreto. Dolo é a consciência e a vontade de matar alguém, trata-se de dolo de dano e não de perigo, uma vez que a subjetividade típica exige que o sujeito ativo tenha a intenção de realmente produzirdano ao bem jurídico tutelado. É constituído por dois elementos: um cognitivo, que é o conhecimento do fato constitutivo da ação típica, e um volitivo, que é a vontade de realizá-la. A consciência deve ser atual. A previsão, a representação, deve abranger correta e completamente todos os elementos essenciais do tipo, sejam eles descritivos, normativos ou subjetivos. O dolo é o dolo natural, despojado completamente de qualquer elemento normativo. O nosso CP adota a teoria da vontade em relação ao dolo direto (vontade dirigida ao resultado) e a teoria do consentimento em relação do dolo eventual (representação e vontade), segundo Bitencourt. O dolo, aqui, pode ser direto ou eventual. O dolo direto compõe-se de três aspectos: a representação do resultado, dos meios necessários e das consequências secundárias; o querer o resultado, bem como os meios escolhidos para sua consecução; o anuir na realização das consequências previstas como certas, necessárias e possíveis, decorrentes do uso dos meios escolhidos para atingir o fim proposto ou da forma de utilização desses meios. No dolo eventual o agente prevê o resultado como provável ou, ao menos, como possível, mas apesar de prevê-lo, age aceitando o risco de produzi-lo. Como dizia Hungria, assumir o risco é alguma coisa a mais do que ter consciência de correr o risco: é consentir previamente no resultado, caso esse venha a ocorrer. A consciência e a vontade também devem estar presentes no dolo eventual. Admite a culpa. 
Consumação e tentativa
Consuma-se com a morte da vítima. Como crime material que é, admite a tentativa. A tentativa é a realização incompleta do tipo penal matar alguém, nos termos do art. 14, inciso II, do CP. O movimento criminoso, portanto, para em uma das fases de execução do delito, por circunstâncias alheias à vontade do agente. O dolo da tentativa é o mesmo do crime consumado. É necessário o início da prática dos atos executórios. As circunstâncias que impedem o resultado devem ser alheias, pois, acaso o agente voluntariamente interrompa a sua execução, poderemos ter a desistência voluntária, ou, acaso impeça que o resultado se produza, poderemos ter o arrependimento eficaz. Responde pelos atos até então já praticados. A tentativa é imperfeita ou propriamente dita quando o agente não exaure toda a sua potencialidade lesiva, não chega a realizar todos os atos executórios necessários à produção do resultado, por circunstâncias alheias a sua vontade. Ex. O agressor é seguro quando está desferindo os golpes na vítima para matá-la. A tentativa é perfeita ou crime falho, quando mesmo o agente realizando todos os atos executórios necessários a obtenção do resultado. Ex. A vítima é salva por uma intervenção médica. Pode ocorrer causa superveniente (art. 13, § 1º, do CP) ou crime impossível (art. 17 do CP).
Classificação doutrinária: crime comum, pode ser praticado por qualquer pessoa; material, pois somente se consuma com a ocorrência do resultado, que é uma exigência do tipo; simples, na medida em que protege somente um bem jurídico, diferente do complexo; crime de dano, pois o elemento subjetivo orientador da conduta visa ofender o bem jurídico tutelado e não simplesmente colocá-lo em perigo; instantâneo, pois se esgota com a ocorrência do resultado. 
Figuras típicas do homicídio: simples, privilegiado e qualificado. Critério por exclusão. Pode ser doloso ou culposo e este último pode ser simples (§ 3º) ou majorado (§ 4º, 1ª parte). 
Homicídio simples: é a figura básica, elementar, original na espécie. É a realização da conduta de matar alguém. Na verdade, o homicídio qualificado apenas acrescenta ao homicídio simples maior desvalor da ação, representado por particulares circunstâncias que determinam a sua maior reprovabilidade, na medida em que a conduta nuclear típica é exatamente a mesma. Quando o homicídio simples é cometido como atividade típica de grupo de extermínio, mesmo por um único executor, é definido como crime hediondo (art. 1º, I, da Lei n. 8.072/90). Extermínio é a matança generalizada, é a chacina que elimina a vítima pelo simples fato de pertencer a determinado grupo ou determinada classe social ou racial, como, por exemplo, mendigos, prostitutas, homossexuais, presidiários, etc. Caracteriza-se a ação mesmo que seja morta uma única pessoa, desde que se apresente a impessoalidade da ação, ou seja, a razão exclusiva de pertencer a determinado grupo. Ex. Carandiru. 
Homicídio privilegiado (§ 1º): é uma causa de diminuição de pena, não interferindo na estrutura da descrição típica, não é uma elementar, é uma minorante. Não se comunicam no caso de concurso de pessoas (art. 30 do CP). Impelido por motivo de relevante valor social: é aquele que tem motivação e interesse coletivos, ou seja, a motivação fundamenta-se no interesse de todos os cidadãos de determinada coletividade; relevante é o importante ou considerável valor social, isto é, do interesse de todos em geral, ao contrário do valor moral, que, de regra, encerra interesse individual. Ex. Quem mata sob pressão de sentimentos nobres segundo a concepção da moral social, como o amor à pátria, amor paterno, filial, etc. Impelido por motivo de relevante valor moral: é o valor superior, enobrecedor de qualquer cidadão em circunstâncias normais. Precisa tratar-se de valor considerável, adequado aos princípios éticos dominantes, segundo aquilo que a moral média reputa nobre e merecedor de indulgência. Deve ser considerado objetivamente, segundo a média existente na sociedade, e não subjetivamente, segundo a opinião do agente. Será motivo de relevante valor moral aquele que, em si mesmo, é aprovado pela ordem moral, pela moral prática, como, por exemplo, a compaixão ou piedade ante o sofrimento da vítima, o chamado homicídio piedoso ou eutanásia. É indispensável que se trate de valor relevante. Os motivos de relevante valor social ou moral também são atenuante, nos termos do art. 65, inciso III, a, do CP. Sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima: é a modalidade emocional, sendo que a emoção não exclui a responsabilidade para o CP (art. 28, I), mas, aqui, privilegia o crime. A influência gera a atenuante, mas o domínio caracteriza o privilégio. Entretanto, não é qualquer emoção que pode assumir a condição de privilégio, mas somente a intensa, violenta, absorvente, que seja capaz de reduzir quase que completamente a vis electiva, em razão dos motivos que a eclodiram, dominando, segundo os termos legais, o próprio autocontrole do agente. A intensidade também deve ser analisada, pois o sujeito deve agir sob o impeto do choque emocional. A atenuante não exige o logo em seguida. É fundamental que a provocação tenha partido da própria vítima e seja injusta, o que não significa, necessariamente, antijurídica, mas quer dizer não justificada, não permitida, não autorizada por lei, ou, ilícita. A injustiça deve justificar a repulsa do agente, segundo o consenso geral. Provocação não se confunde com agressão, a qual pode justificar a legítima defesa. O requisito temporal requer reação imediata, praticamente inexista intervalo, de pronto. Bitencourt entende que se deve analisar com parcimônia o caso em concreto, permitindo o seu reconhecimento se a ação ocorrer em breve espaço de tempo e perdurar o estado emocional dominador. Não pode permitir a vingança privada ou premeditação, por exemplo. A distinção para a atenuante está na intensidade da emoção sentida e na imediatidade da reação. Reconhecida pelo Conselho de Sentença a minoração da pena é obrigatória. É direito público subjetivo do condenado, sendo que a discricionariedade do juiz se limita apenas ao quantum de redução (1/6 a 1/3). É possível a ocorrência de homicídio privilegiado e qualificado, mas apenas no que diz com as qualificadoras objetivas, ou seja, que se referem aos meios e aos modos de execução. 
Homicídio qualificado: é crime hediondo (Lei n. 8.072/90). Quanto aos motivos qualificadores do crime: mediante paga ou promessa de recompensa – é um crime mercenário,trata-se de uma das modalidades de torpeza na execução, esta especificada. Na paga o agente recebe previamente a recompensa pelo crime, o que não ocorre na promessa, em que há apenas a expectativa da paga, cuja efetivação está condicionado ao cometimento do crime. Não é necessário que seja a promessa ou paga em dinheiro, pode ser em qualquer vantagem, de natureza pessoal ou patrimonial. Respondem pelo crime quem executou e quem pagou ou prometeu a recompensa. É desnecessário que o agente tenha recebido a recompensa, basta à promessa para qualificar. Bitencourt exige que a paga ou promessa tenha natureza econômica, haja vista que isso seria o fundamento do autor imediato para a prática do crime. É crime bilateral ou de concurso necessário. Motivo torpe – é o motivo que atinge mais profundamente o sentimento ético social da coletividade, é o motivo repugnante, abjeto, vil, indigno, que repugna à consciência média. A torpeza afasta a futilidade. O ciúme, por si só, não se equipara a torpeza. Nem sempre a vingança lhe caracteriza. Os motivos no homicídio não se comunicam no concurso de pessoas, pois não são elementares e a motivação é individual (art. 30 do CP). Motivo fútil – é o motivo insignificante, banal, desproporcional à reação criminosa. Não se confunde com motivo injusto e com ausência de motivo. Quanto aos meios qualificadores: Emprego de veneno – só qualifica a sua utilização, que é meio insidioso, se for feita dissimuladamente, com estratagema, em uma cilada. A vítima deve desconhecer que está sendo envenenada. Veneno é toda a substância, biológica ou química, que, introduzida no organismo, pode produzir lesões ou causar a morte. Ex. Açúcar para o diabético. Se for ministrado com violência pode caracterizar o meio cruel, mas não o meio insidioso. Exige prova pericial toxicológica (art. 158 do CPP). Emprego de fogo ou explosivo – podem constituir meio cruel ou meio de que pode resultar perigo comum, dependendo das circunstâncias. Explosivo é qualquer objeto ou artefato capaz de provocar explosão ou qualquer corpo capaz de se transformar rapidamente em uma explosão. Ex. Bomba, dinamite, coquetel molotov etc. Emprego da asfixia – é o impedimento da função respiratória, com a consequente falta de oxigênio no sangue do indivíduo. Pode ser: mecânica, enforcamento, estrangulamento, esganadura, sufocação afogamento, etc.; tóxica, uso de gás asfixiante. Emprego de tortura – é meio que provoca prolongado, atroz e desnecessário padecimento. É modalidade de meio cruel para Bitencourt, distinguindo-se somente pelo aspecto temporal, exigindo uma ação mais prolongada. Cuidar com a Lei n. 9.455/97 que tipifica o crime de tortura: se a morte foi preterdolosa, incide a referida legislação e, ainda, pode ocorrer o concurso de crimes. Meio insidioso – é aquele utilizado com estratagema, perfídia, é o recurso dissimulado, consistindo na ocultação do verdadeiro propósito do agente, que, assim, surpreende a vítima, que tem sua defesa dificultada ou até impossibilitada. Meio cruel – é a forma brutal de perpetrar o crime, é o meio bárbaro, martirizante, que revela ausência de piedade. Ex. Pisoteamento da vítima, dilaceração do seu corpo a facadas etc. É o que causa sofrimento desnecessário, o agente objetiva o padecimento da vítima, revela sadismo. A crueldade realizada após a morte da vítima não qualifica o crime. Ex. Esquartejamento posterior à morte. Meio de que possa resultar perigo comum – é aquele que pode atingir um número indeterminado ou indefinido de pessoas. Quanto aos modos qualificadores: À traição – é o ataque sorrateiro, inesperado. Ex. Tiro pelas costas (que não se confunde com tiro nas costas). É a ocultação moral ou mesmo física da intenção do sujeito ativo, que viola a confiança da vítima; é a deslealdade. Não se caracteriza unicamente por haver o golpe letal ter sido desferido pelas costas da vítima. Não se configura se a vítima percebe ou se há tempo para ela fugir. De emboscada – é a tocaia, a espreita, verificando-se quando o agente se esconde para surpreender a vítima; é a ação premeditada, é a espera dissimulada da vítima em lugar por onde esta terá de passar. A vítima é surpreendida, sem qualquer possibilidade de defesa, é sempre premeditado. Mediante dissimulação – é a ocultação da intenção hostil, para surpreender a vítima. O sujeito ativo faz-se passar por amigo, ilude a vítima. Por meio dela o agente esconde ou disfarça o seu propósito para surpreender a vítima desprevinida. É uma modalidade de surpresa. Recurso que dificulta ou impossibilita a defesa – somente poderá ser hipótese análoga à traição, emboscada ou dissimulação, do qual são exemplificativas. Ex. Surpresa, a qual constitui um ataque inesperado, imprevisto e imprevisível; a vítima não espera a agressão. Assemelha-se à traição, pois é necessário que o agente atue com dissimulação, procurando, com sua ação repentina, dificultar ou impossibilitar a defesa da vítima. Quanto aos fins qualificadores: assegurar a execução, ocultação, impunidade ou vantagem de outro crime – independe se tentado ou consumado, no assegurar a execução, o que qualifica não é a prática efetiva de outro crime, mas o fim de assegurar a execução desse outro crime, que pode vir a não ocorrer. Ex. Sequestrar alguém e matar o guarda-costas que pretendia evitar o sequestro. Em assegurar ocultação ou impunidade, a finalidade do sujeito é destruir a prova do outro crime ou evitar-lhe as consequências jurídicas. Ex. O sonegador mata o fiscal que lhe surpreende. Em assegurar a vantagem de outro crime, se pretende garantir o êxito do empreendimento delituoso, o aproveitamento da vantagem que o crime pode lhe proporcionar, seja ele patrimonial ou não, direta ou indireta. É irrelevante que o autor do crime aja no interesse próprio ou de terceiro. Não desaparece a qualificadora, mesmo que se extinga a punibilidade do outro crime (art. 108, 2ª parte, CP). Constituem o elemento subjetivo especial do tipo, representado pelo fim especial de agir. O outro crime pode ter sido praticado por outra pessoa. Devem ser abrangidos pelo dolo. A premeditação não qualifica o crime. 
Homicídio culposo: aplicação do princípio da excepcionalidade (art. 18, parágrafo único, CP). A tipificação está no artigo 121, § 3º, do CP. Ocorre quando o agente, com manifesta imprudência, negligência ou imperícia, deixa de empregar a atenção ou diligência de que era capaz, provocando, com sua conduta, o resultado lesivo (morte), previsto (culpa consciente) ou previsível (inconsciente), porém jamais aceito ou querido. Imprudência – é a prática de uma conduta arriscada ou perigosa, e tem caráter comissivo. É aquela que se caracteriza pela intempestividade, precipitação, insensatez ou imoderação. Ex. Motorista que viaja embriagado. Negligência – é a displicência no agir, a falta de precaução, a indiferença do agente, que, podendo adotar as cautelas necessárias, não o faz. É o desleixo, a inação, a imprevisão passiva. É não fazer o que deveria ser feito. Ex. Motorista de ônibus que trafega com as portas abertas. Imperícia – é a falta de capacidade, despreparo ou insuficiência de conhecimentos técnicos para o exercício de arte, ofício, profissão. A inabilidade para o desempenho de determinada atividade fora do campo profissional ou técnico tem sido considerada modalidade de culpa imprudente ou negligente, conforme o caso. A culpa da vítima pode concorrer com a do agente, inexistindo compensação. Entretanto, a culpa da vítima poderá ser considerada como circunstância judicial na aplicação na pena (art. 59 do CP). Somente no caso de culpa exclusiva da vítima é que fica excluída a do autor dos fatos. Com o advento da Lei. 9.503/97, o homicídio culposo na direção de veiculo automotor passou a subsumir-se ao disposto no art. 302 do CTB, o que será abordado em aula própria. 
Majorante para o homicídio culposo (§ 4º, 1ª parte): enumeração taxativa e exaustiva. Inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício – não se confunde com a imperícia, pois aqui o agente conhece a regra técnica, mas nãoa observa. Para Bitencourt aplica-se apenas a profissional. Omissão de socorro à vítima – não constitui crime autônomo, no presente caso (o crime continua a ser de resultado: morte, ao contrário do crime omissivo próprio). Somente pode ser aplicada quando o socorro omitido possa ser prestado. A presença de risco pessoal afasta a majorante. Não procurar diminuir as consequências do comportamento – não deixa de ser uma forma de omitir socorro, é redundante, segundo Bitencourt. Fuga para evitar prisão em flagrante - espécie sui generis de elemento subjetivo do tipo majorado, segundo Bitencourt. Quem permanece no local para prestar socorro ou minimizar as consequências, não pode ser preso em flagrante delito. 
Homicídio doloso contra menor de 14 anos ou maior de 60 anos (§ 4º, 2ª parte): causa de aumento de pena acrescentada pela Lei n. 8.069/90, de natureza objetiva e de aplicação obrigatória, incidindo sempre que o homicídio doloso for praticado contra menor de 14 anos, em qualquer as suas modalidades. Adotada a teoria da atividade (art. 4º), a menoridade é aferida na data da prática da ação delituosa. A Lei n. 10.741/03 (Estatuto do Idoso), também insere causa de aumento de pena, no homicídio doloso praticado contra pessoa maior de 60 anos e não com idade igual a 60 anos. Reconhecida a majorante, não incide a agravante genérica do art. 61, II, b, do CP. É necessário que o agente tenha consciência da menoridade ou da condição de idoso para a majorante incidir, pode ocorrer o erro de tipo. 
Homicídio doloso praticado por milícia privada: causa de aumento de pena inserida pela Lei n. 12.720/2012, que criou o crime de constituição de milícia privada. Cuidar com o bis in idem, acaso seja o agente condenado pelo delito descrito no art. 288-A do CP. 
Isenção de pena ou perdão judicial: natureza jurídica
A previsão do § 5º do art. 121 do CP refere-se à hipótese em que o agente é punido diretamente pelo próprio fato que praticou, em razão das gravosas consequências produzidas, que o atingem profundamente. A gravidade das consequências deve ser aferida em função da pessoa do agente, não se cogitando aqui de critérios objetivos. As consequências de que se cogita não se limitam aos danos morais, podendo constituir-se danos materiais. Quando as consequências atingem o agente, via indireta, exige-se entre este e a vítima vínculo afetivo de importância significativa. O entendimento dominante é que aqui temos o perdão judicial. Bitencourt entende tratar-se de direito público subjetivo de liberdade, portanto, adimplidos os seus requsitivos, a sua concessão é obrigatória. É causa extintiva da punibilidade (art. 107, IX, CP e Súmula 18 do STJ). 
Ação Penal: pública incondicionada. 
Induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio (art. 122 do CP)
Não pune o suicidio, mas a conduta de terceiro que participa do evento, instigando, induzindo ou auxiliando aquela pessoa a eliminar a própria vida. 
Sujeitos do crime: é crime comum, qualquer pessoa pode ser sujeito ativo. É admissível concurso de pessoas: coautoria e participação. Apenas pessoa capaz pode ser sujeito passivo. Não basta o induzimento genérico, a conduta do agente deve ser dirigida a uma ou várias pessoas determinadas. 
Tipo objetivo: três são as formas de praticar: induzimento – o agente faz nascer na vitima a ideia e a vontade mórbida de se matar; instigação – caso em que o autor reforça a vontade mórbida preexistente na vítima; auxílio – prestando o agente efetiva assistência material, facilitando a execução do suicídio, quer fornecendo, quer colocando a disposição do ofendido os meios necessários para fazê-lo. Ex. Emprestando instrumentos letais. Nas duas primeiras hipóteses temos a participação moral e na última a participação material. Tratando-se de crime de conduta multipla ou de conteúdo variado (plurinuclear), mesmo que o agente pratique, no mesmo contexto fático e, sucessivamente, mais de uma ação descrita no tipo penal, responderá por crime único, juiz poderá, nesse caso, sopesar as ações na aplicação da pena. Para a maioria da doutrina a colaboração moral (instigar e induzir) só pode ser praticada por ação. Segundo Sanches, Paulo José da Costa Júnior entende diferente, sendo possível falar-se em omissão. O autor acompanha-o, desde que o omitente tenha o dever jurídico de evitar o evento. A mesma discussão se repete na hipótese de cooperação material (auxílio). O auxílio deve ser sempre acessório. Deixa de haver participação em suicidio quando o auxílio intervém diretamente nos atos executórios, caso em que o agente colaborador responderá por homicídio. O art. 146, § 3º, II, do CP estabelece que não haja crime de constrangimento ilegal na coação para impedir suicídio. 
Tipo subjetivo: só é punido a título de dolo, cabe o dolo eventual. Não havendo a figura culposa do crime, prevalece que a conduta negligente causadora do suicídio de outrem é fato atípico. 
Consumação e tentativa: entende a doutrina clássica que o crime se consuma com o induzimento, institgação ou auxílio, ficando a punição do crime consumado condicionada à superveniência da morte ou de lesão grave da vítima (condição objetiva de punibilidade), não admitindo a tentativa. Se ocorre morte, há uma pena específica; se ocorre lesão grave, outra pena específica, de acordo com o artigo de lei; mas, se ocorrer lesão leve apenas, o fato é atípico. Para Bitencourt, no caso da lesão grave o código não considera o crime consumado, mas pune a tentativa do agente, uma tentativa diferenciada, qualificada. 
Majorante: parágrafo único – A pena será duplicada quando: o crime for praticado por motivo egoistico, ou seja, para satisfazer interesses pessoais do agente. Ex. Buscando receber herança do suicida ou ocupar seu nobre cargo; a vítima for menor, a lei não delimita a idade, portanto, entende Sanches que menor para fins do artigo em comento é todo aquele com idade inferior a 18 anos, que não tenha suprimida, por completo, a sua capacidade de resistência, devendo o juiz analisar sua existência de acordo com o caso concreto; em vítima que tenha diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência, como, por exemplo, o ébrio, o enfermo, o senil, etc. 
O duelo americano e a roleta russa se enquadram no referido dispostivo de lei, punição que alcançará o sobrevivente. Entretanto, no pacto de morte (ambicídio) é diferente, poderá ou não se enquadrar no presente, assim como no homicídio ou na tentativa de homicídio. Ex. Casal de namorados que decide suicídio a dois. No caso das testemunhas de jeová poderá ocorrer enquadramento no homicídio e poderá o médico, quando imprescindível, por exemplo, uma transfusão de sangue, mesmo sendo a vítima maior e capaz, intevir, já que ocupa a posição de garantidor. 
Ação penal: pública incondicionada. 
Infanticídio (art. 123 do CP)
É o homicídio praticado pela genitora contra o próprio filho, influenciada pelo estado puerperal, durante ou logo após o parto. Aplica-se, aqui, o princípio da especialidade, um dos componentes do concurso aparente de normas, para afastar o homicídio. A norma especial prevalece sobre a geral. O delito é etiquetado como uma forma especial, privilegiada, de homicídio, assim considerado em face dos sintomas fisiopsicológicos da gestante. Aliás, não há diferença do objeto jurídico do homicídio (vida humana).
Sujeitos do crime: é crime próprio, em que somente a mãe (parturiente), sob influência do estado puerperal, pode ser sujeito ativo. A maioria da doutrina reconhece como possível o concurso de agentes (coautoria e participação), fundada no art. 30 do CP. Hipóteses: a parturiente e o médico executam o núcleo matar o neonato (coautores de infanticídio); a parturiente, auxiliada pelo médico, executa, sozinha, o verbo matar (ambos responderão por infanticídio, mas o médico como partícipe); o médico, induzido pela parturiente, isolado, execução a ação de matar (ambos responderiam por homicídio, mas há incongruência, porque se a mãe matasse responderia por crime menos grave, então,a doutrina entende de aplicar o infanticídio a ambos). Sujeito passivo é o ser humano, durante ou logo após o parto (nascente ou recém-nascido). A mãe pode praticar infanticídio putativo, no caso do art. 20§ 3º, do CP. 
Tipo objetivo: causar a mãe à morte do próprio filho, durante ou logo após o parto (elemento cronológico), sob a influência do estado puerperal (elemento etiológico). A morte pode ser causada de forma livre, por ação (asfixia), omissão (deixar de amamentar), por meios diretos ou indiretos. A circunstância de tempo é elemento normativo constitutivo do tipo. Se a morte ocorrer antes do parto, tem-se aborto, se, após, homicídio. O estado puerperal e a sua duração requer análise pericial. É preciso, também, que haja relação de causa e efeito entre o estado puerperal e o crime, pois nem sempre ele produz pertubação psíquica. Deve-se avaliar o tamanho e a extensão da pertubação mental, pois pode gerar a aplicação do artigo 26 do CP. 
Tipo subjetivo: só é punido a título de dolo, direto ou eventual, consistente na vontade consciente de matar o próprio filho. Não há previsão de culpa, por isso, parte da doutrina entende que se a mãe, por imprudência, em estado puerperal, mata o próprio filho, o fato é atípico. Entretanto, Bitencourt pensa em sentido contrário, entendendo que haveria homicídio culposo e as circunstâncias do infanticídio, como, por exemplo, o estado puerperal e o tempo da ação ou omissão, seria objeto de dosagem da pena, tão-somente. 
Consumação e tentativa: o crime é material, consumando-se com a morte do nascente ou recém-nascido. A tentativa é admissível (delito plurissubsistente). 
Aborto (artigos 124 a 128 do CP)
De acordo com Sanches, citando Mirabete, o aborto é a interrupção da gravidez com a destruição do produto da concepção. Pouco importa para a sua caracterização que a gravidez seja natural (fruto de cópula carnal) ou não (inseminação artificial). Protege-se, aqui, a vida intrauterina. A doutrina o classifica em: natural, interrupção espontânea da gravidez, normalmente causada por problemas de saúde da gestante (um indiferente penal); acidental, decorrente de quedas, traumatismos e acidentes em geral (em regra, atípico); criminoso, artigos 124 a 127 do CP; legal ou permitido, artigo 128 do CP; miserável ou econômico-social, praticado por razões de miséria, incapacidade financeira de sustentar a vida futura (não exime o agente de pena, de acordo com a legislação pátria); eugênico ou eugenésico, praticado em face dos comprovados riscos de que o feto nasça com graves anomalias psíquicas ou físicas (exculpante não acolhida pela nossa lei – falaremos mais adiante, especificamente, sobre a anencefalia e a decisão do STF em ADPF acerca da matéria); e honoris causa, realizado para interromper a gravidez extra matrimonium (é crime, de acordo com a nossa legislação). 
Artigo 124 – Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento
O presente artigo traz duas formas de aborto: o autoaborto e o aborto provocado com o consentimento da gestante.
Sujeitos do crime: as duas condutas trazidas pelo tipo só podem ser praticadas diretamente pela mulher grávida. Admite-se participação (instigar, auxiliar, induzir) de terceiros, porém não a coautoria (crime de mão própria), respondendo o terceiro provocador nas penas do art. 126 do CP, excetuando-se, desse modo, a teoria monista ou unitária trazida pelo art. 29 do CP. Para alguns, não sendo o feto titular de direitos (salvo aqueles expressamente previstos na lei civil), o sujeito passivo é apenas o Estado. Entretanto, prevalece o entendimento de que o sujeito passivo é o produto da concepção (óvulo, embrião ou feto). Assim, caso sejam vários os fetos (gravidez de gêmeos, trigêmeos, etc.), haverá, para os partidários da segunda corrente, concurso formal de crimes (art. 70, CP). 
Tipo objetivo: na primeira figura típica, a mulher grávida, por intermédio de meios executivos químicos, físicos ou mecânicos, provoca (da causa, promove) nela mesma, mediante ação ou omissão, a interrupção da gravidez, destruindo a vida endouterina. A segunda conduta típica é a de consentir a gestante no abortamento, exigindo-se, assim, a figura do provocador, o qual responderá pelo crime do art. 126 do CP. A gravidez há que ser normal, difere da extrauterina (que se dá no ovário, trompas, parede uterina) e da molar (formação degenerativa do ovo fecundado, sendo sanguínea, carnosa e vesicular). Inexiste o crime nas manobras abortivas realizadas pela mulher que erroneamente acredita estar grávida (delito putativo ou de alucinação). Diga-se o mesmo quando o feto já está morto. 
Tipo subjetivo: só é punível a título de dolo, consistente na consciente vontade de interromper a gravidez (ou consentir para tanto). Nelson Hungria admite também o dolo eventual, dando como exemplo a mulher que ao descobrir que está grávida, tenta suicidar-se, resultando o aborto. Se a intenção não for de morte, mas de antecipação do nascimento, não há delito de aborto. Nesse caso, se praticado por terceiro, responderá este pelo evento relativo à mulher, se houver (lesões ou morte). Não se pune a modalidade culposa, caso provocado, culposamente, por terceiro, responde este por lesão corporal culposa (art. 129, § 6º, do CP). 
Consumação e tentativa: é crime material, portanto, consuma-se com a morte do feto ou a destruição do produto da concepção, pouco importando se esta ocorre dentro ou fora do ventre materno, desde que, é claro, decorrente das manobras abortivas. Ocorrendo nascimento com vida e verificando-se a morte posterior, decorrência de nova ação ou omissão do agente, o delito a se cogitar é o homicídio (ou infanticídio) e não mais o aborto, vez que a conduta criminosa recaiu sobre a vida extrauterina. Alguns autores, ainda, defendem o cúmulo material do homicídio com a tentativa de aborto. Tratando-se de crime plurissubsistente, a tentativa é admissível (ex. Realizada a manobra abortiva, o feto é expulso com vida, sobrevivendo). 
Artigo 125 – Aborto provocado por terceiro, sem o consentimento da gestante
É chamado de abortamento sofrido e espelha a forma mais grave do crime (inafiançável), verificando-se em duas situações: quando o aborto é provocado por terceiro, sem o consentimento da gestante (dissenso real ou expresso); quando o aborto é praticado por terceiro, mas o consentimento é dado por gestante não maior de 14 anos, ou alienada mental, ou, ainda, se é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência (dissenso presumido – art. 126, parágrafo único). 
Sujeitos do crime: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo (crime comum), admitindo-se o concurso de agentes. Trata-se de crime de dupla subjetividade passiva, figurando como vítimas o produto da concepção (óvulo, embrião ou feto) e a gestante. 
Tipo objetivo: a conduta é, tal qual o artigo anterior, interromper, violenta e intencionalmente, uma gravidez, destruindo o produto da concepção. Quem desfere violento pontapé no ventre de mulher sabidamente grávida pratica o crime de aborto (RT 578/305). O crime será impossível nas manobras abortivas realizadas em mulher que erroneamente se suponha grávida. 
Tipo subjetivo: é punido a título de dolo, consistente na consciente vontade de interromper a gravidez contra o anseio da gestante. No caso do dissenso presumido (art. 126, parágrafo único), o dolo deve compreender, também, as qualidades da grávida (pessoa não maior de 14 anos ou alienada ou débil mental) ou o modo de execução (consentimento obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência). De acordo com Bitencourt, matar mulher que sabe estar grávida configura também o crime de aborto, verificando-se, no mínimo, o dolo eventual; nessa hipótese, o agente responde, em concurso formal, pelos crimes de homicídio e de aborto. Se houver desígnios autônomos, a intenção de praticar os dois crimes, o concurso formal será impróprio, aplicando-se cumulativamente a pena dos dois crimes; caso contrário, será próprio e o sistema de aplicação será o da exasperação. 
Consumaçãoe tentativa: consuma-se com a privação do nascimento, a destruição do produto da concepção (crime material). Admite-se a tentativa (delito plurissubsistente) caso o resultado não seja alcançado por circunstâncias alheias à vontade do agente. 
Artigo 126 – Aborto provocado por terceiro, com o consentimento da gestante
Sujeitos do crime: qualquer pessoa pode praticar este delito (crime comum). O concurso de agentes é possível, nas duas formas (coautoria e participação). Sujeito passivo é apenas o feto.
Tipo objetivo: mesma conduta típica anterior, ocasionar (ação ou omissão), com o consentimento válido da gestante, a interrupção da gravidez, destruindo o produto da concepção. Se durante a operação (porém antes da interrupção da gravidez) a gestante desistir do intento criminoso, responderá por aborto não consentido o terceiro que insistir em provocá-lo. Haverá delito impossível, nas manobras abortivas realizadas em mulher que erroneamente se suponha grávida (absoluta impropriedade do objeto material). 
Tipo subjetivo: é o dolo, consistente na vontade consciente de provocar o abortamento consentido.
Consumação e tentativa: consuma-se com a interrupção da gravidez (crime material), sendo possível à tentativa (crime plurissubsistente). Se a gestante se enquadrar nas hipóteses do art. 126 do CP, parágrafo único, ela restará isenta de pena (porque irreponsável), mas o terceiro é punido na forma do art. 125 do CP	.
Artigo 127 – Aborto majorado pelo resultado
O crime de aborto será majorado: se, em consequência do aborto ou das manobras abortivas, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave (art. 129, §§ 1º e 2º, do CP); se, por qualquer dessas causas (aborto ou meios empregados), lhe sobrevém morte. Essas causas apenas se aplicam aos crimes dos artigos 125 e 126 do CP. No caso do art. 124 do CP, não se pune a autolesão. Está presente a figura do preterdolo. Querendo (dolo direto) ou assumindo (dolo eventual) o resultado mais grave, o agente responderá pelos dois crimes (aborto e lesões corporais ou homicídio, conforme o caso) em concurso formal (art. 70, CP). Para que haja a majoração não é indispensável que o aborto se consume. Basta que a gestante sofra lesão grave ou que venha a morrer. Nesse caso, o agente responde por tentativa de aborto qualificado? Seria uma exceção ao fato de que não cabe tentativa em crime preterdoloso? Para Capez, o agente responde por aborto qualificado consumado, tal como no latrocínio, haja vista a impossibilidade de tentativa em crime preterdoloso, já que o resultado agravador não é querido pelo agente, sendo impossível o agente tentar produzir algo que não quis. Mas Frederico Marques entende diferente, para ele terá tentativa de aborto qualificado pelo evento morte ou tentativa de aborto qualificado pela ocorrência de lesões graves, conforme o caso. 
Art. 128 – Aborto legal: exclusão do crime. Ação penal. 
O dispositivo prevê, no primeiro inciso, o aborto necessário (ou terapêutico), e, no segundo, o aborto sentimental (ou humanitário ou ético), ambos espécie de aborto legal ou permitido. A razão da permissão está tratada na Exposição de Motivos do CP, item 41. De acordo com a maioria da doutrina, o artigo em comento traz duas causas especiais de exclusão da ilicitude. Para o primeiro caso, o de aborto necessário, indispensável o preenchimento de três condições: aborto praticado por médico, caso seja necessária à realização do aborto por pessoa sem a habilitação profissional do médido (parteira, farmacêutico etc.), apesar do fato ser típico, estará o agente acobertado pela descriminante do estado de necessidade (art. 24, CP); o perigo de vida para a gestante, não basta o perigo para a saúde; a impossibilidade do uso de outro meio para salvá-la, não pode o médico escolher o meio mais cômodo, pois se houver outra maneira, que não a interrupção da gravidez, para salvar a vida da gestante, o agente responderá pelo crime. Desnecessário o consentimento da gestante e autorização judicial, nessa hipótese. No caso do inciso II, a exclusão do crime depende das seguintes condições: que o aborto seja praticado por médico, caso realizado por pessoa sem habilitação legal, haverá o crime, não se ajustando qualquer causa legal (ou extralegal) de justificação; que a gravidez seja resultante de estupro, seja com violência real ou presumida; prévio consentimento da gestante ou seu representante legal, de, preferência, segundo Sanches, que esse consentimento seja o mais formal possível, acompanhado de boletim de ocorrência, inclusive com testemunhas. Não é necessário sentença condenatória do crime sexual ou autorização judicial. Cumpre asseverar, no que diz com o aborto humanitário, que no ano de 2005, o Ministério da Saúde lançou uma Norma Técnica de Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes. Neste documento, a principal novidade dizia com a desnecessidade de boletim de ocorrência por parte das mulheres grávidas por meio do estupro para a realização do aborto. A Norma divulgada no dia 22 de março de 2005, segundo site do CREMESP�, integra várias medidas da Política Nacional de Direitos Sexuais e Reprodutivos, sendo, também, na oportunidade, lançada a norma de Atenção Humanizada ao Abortamento, que cria parâmetros de humanização e acolhimento para as mulheres que chegam aos serviços de saúde em processo de abortamento espontâneo ou inseguro. 
Segundo o site, todos os anos, no Brasil, ocorrem, de acordo com as estimativas, cerca de 1,4 milhões de abortamentos espontâneos ou inseguros, com uma taxa de 3,7 abortos para 100 mulheres de 15 a 49 anos. Como reflexo dessa situação, no ano de 2004, 243.998 internações no SUS foram motivadas por curetagens pós-aborto. São complicações decorrentes de abortamentos espontâneos ou inseguros, geralmente realizados por mulheres pobres que chegam com hemorragia intensa ou infecção. As curetagens são o segundo procedimento obstétrico mais praticado nas unidades de internação, superadas apenas pelos partos normais. Já o abortamento é a quarta causa de óbito materno no país. Os dados mais recentes disponíveis de razão de mortalidade materna por causa, de 2001, apontaram 9,4 mortes de mulheres por aborto por 100 mil nascidos vivos. A prática do aborto inseguro, aquele que se dá em condições precárias, não higiênicas, viola por completo os direitos humanos fundamentais das mulheres. E o aborto eugenésico?
Da Anencefalia
O Código Penal pune tal conduta, eis que não se encontra inserida nas hipóteses legais dos incisos I e II do artigo 128, entretanto, anteriormente ao ajuizamento da ADPF nº 54, os Tribunais concediam em determinadas circunstâncias autorização para o abortamento, quase sempre, na hipótese de anencefalia e desde que: as anomalias inviabilizassem a vida extrauterina; tivesse devidamente atestada por perícia médica e houvesse a prova do dano psicológico da gestante. 
A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) ingressou com a ADPF nº 54 no Supremo Tribunal Federal, em 2004, tendo por Relator o Ministro Marco Aurélio. Segundo a autora, nesses casos, não haveria que se falar no crime de aborto do Código Penal. Em sede de liminar, num primeiro momento, o Relator reconheceu o direito constitucional das gestantes que decidam realizar operação terapêutica de parto de fetos anencéfalos, condicionando a interrupção a prévio laudo médico. Na oportunidade, também, foram paralisados os feitos que discutiam essa possibilidade, caso ainda não acobertados pela coisa julgada. O Ministro, na ocasião, levou em consideração ser a deformidade irreversível, podendo isto a medicina atestar com margem de certeza igual a 100%. Disse que a situação fugiria do aborto, eis que a gestante convive com uma realidade triste que é saber que o seu feto nunca se tornará ser vivo, o que conflita com a dignidade humana, legalidade, liberdade e autonomia da vontade.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal, posterior, por maioria, cassou em parte a liminar, proibindoa interrupção nesses casos, apenas mantendo a suspensão dos feitos. A doutrina procura legitimar essa espécie de abortamento valendo-se de interpretação da Lei nº 9.434/97, a qual determina como morte a cessação da atividade encefálica. Ora, se a cessação da atividade cerebral é caso de morte (não vida), feto anencéfalo não tem vida intrauterina, logo, não morre juridicamente (não se mata aquilo que jamais viveu para o direito). Logo, seria o caso de revelar-se atípico o fato em comento. 
Ocorre que em abril de 2012, o Supremo Tribunal Federal acabou por julgar procedente a referida Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, para declarar inconstitucional a interpretação dada aos artigos 124, 126 e 128 (incisos I e II) do Código Penal que criminaliza a antecipação terapêutica de parto nos casos de anencefalia.
A quase totalidade dos votos proferidos levou em consideração a dignidade da pessoa humana, a liberdade, a autonomia da vontade e a saúde física e psíquica da mulher, desconsiderada a conceituação do que seja o marco do início da vida, apenas asseverado que a anencefalia, para a maioria dos Ministros, não revelaria vida, diante a ausência de possibilidade de sobrevivência extrauterina. Todavia, vale trazer a baila alguns votos proferidos. 
O voto� do Ministro Marco Aurélio, Relator, foi no sentido da descriminalização da prática da antecipação de parto no caso de anencefalia, na medida em que para ele é inadmissível que o direito à vida de um feto que não tem chances de sobreviver prevaleça em detrimento das garantias à dignidade da pessoa humana, à liberdade no campo sexual, à autonomia, à privacidade, à saúde e à integridade física, psicológica e moral da mãe, todas previstas na Constituição Federal. A imposição estatal da manutenção de gravidez cujo resultado final será a morte do feto vai de encontro aos princípios basilares do sistema constitucional. Cabe à mulher, e não ao Estado, sopesar valores e sentimentos de ordem estritamente privada, para deliberar pela interrupção, ou não, da gravidez. Ao Estado cabe o dever de informar e prestar apoio médico e psicológico à paciente antes e depois da decisão, independente de qual seja ela, o que hoje é perfeitamente viável no Brasil. Não se discute aqui a descriminalização do aborto. A anencefalia, que pressupõe a ausência parcial ou total do cérebro, é doença congênita letal, para a qual não há cura e tampouco possibilidade de desenvolvimento da massa encefálica em momento posterior. O anencéfalo jamais se tornará uma pessoa. Nesse sentido, no entendimento do Relator, não há que se falar em direito à vida ou garantias do indivíduo quando se trata de um ser natimorto, com possibilidade quase nula de sobreviver por mais de 24 horas, principalmente quando do outro lado estão em jogo os direitos da mulher. Mesmo à falta de precisão expressa no Código Penal de 1940, parece-lhe lógico que o feto sem potencialidade de vida não pode ser tutelado pelo tipo penal que protege a vida. Ademais, se não se tem crime no caso de aborto em gravidez resultante de estupro, se a proteção do feto saudável é passível de ponderação com os direitos da mulher, com maior razão o é eventual proteção dada ao feto anencéfalo. Além disso, as concepções morais e religiosas não podem guiar as decisões estatais, devendo ficar circunscritas à esfera privada. O Estado não é religioso, tampouco é ateu. O Estado é simplesmente neutro. Obrigar a mulher a manter a gravidez apenas com o propósito, por exemplo, de viabilizar uma futura doação de órgãos, seria tratá-la a partir de uma perspectiva utilitarista, de instrumento de geração de órgãos para doação, o que também fere o princípio da dignidade da pessoa humana. Até o ano de 2005, os juízes e Tribunais de Justiça formalizaram cerca de 3 mil autorizações para interromper gestações em decorrência da impossibilidade de sobrevivência do feto, o que demonstra segundo constatou o Ministro, a necessidade do Supremo Tribunal Federal de se pronunciar sobre o tema. Conforme menciona, o Brasil é o quarto país do mundo em casos de fetos anencéfalos, ficando atrás do Chile, México e Paraguai.
O Ministro Luiz Fux também votou� para autorizar a interrupção da gravidez de fetos anencéfalos. Ressaltou a importância de se proteger a saúde física e psíquica da gestante, dois componentes da dignidade humana da mulher. Ele desafiou a possibilidade de qualquer pessoa comprovar, à luz do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, que é justo relegar a gestante de um feto anencéfalo aos bancos de um tribunal do júri para responder penalmente por aborto. Por que punir essa mulher que já padece de uma tragédia humana? Para o Ministro esse intuito punitivo que não só não se coaduna com a sociedade moderna, está desconectado da necessidade de se reservar para o direito penal apenas aquelas situações realmente aviltantes para a vida em comunidade. Enquadra o caso como de saúde pública, o qual atinge na maioria mulheres pobres, sendo, portanto, uma questão a ser tratada como política de assistência social. É importante dar à gestante todo o apoio necessário em uma situação tão lastimável e não punir com uma repressão penal destituída de qualquer fundamento razoável. Esta hipótese, para ele, seria o punir pelo punir, como se o direito penal fosse a panaceia de todos os problemas sociais. O Ministro disse, ainda, que crianças com esta disfunção nascem sem a porção anterior do cérebro e a área responsável pelo pensamento e pela coordenação. A parte remanescente do cérebro dessas crianças fica exposta e, em geral, eles são cegos, surdos, inconscientes e incapazes de sentir dor. Ainda, se o infante não é natimorto, falece horas após o nascimento. Também destacou que não discutiria no seu voto qual a vida mais importante: se a da mulher ou a do feto. Ele explicou que o debate é alvo de significativo dissenso moral e que, por isso mesmo, impõe uma postura minimalista do Judiciário, adstrita à questão da criminalização ou não da interrupção da gravidez de fetos anencéfalos. No seu modo de ver, seria extremamente prematura que o Supremo Tribunal Federal buscasse solucionar, como se legislador fosse, todas as premissas de um intenso debate que apenas se inicia na nossa sociedade, fruto do pluralismo que a caracteriza. 
 Entretanto, o Ministro Lewandowski abriu divergência votando� pela improcedência da ação. O seu voto seguiu duas linhas de raciocínio. Na primeira, ele destacou os limites objetivos do controle de constitucionalidade das leis e da chamada interpretação conforme a Constituição, com base na independência e harmonia entre os Poderes. O Supremo Tribunal Federal, à semelhança das demais cortes constitucionais, só pode exercer o papel de legislador negativo, cabendo a função de extirpar do ordenamento jurídico as normas incompatíveis com a Constituição. Mesmo este papel deve ser exercido com cerimoniosa parcimônia, diante do risco de usurpação de poderes atribuídos constitucionalmente aos integrantes do Congresso Nacional. Não é dado aos integrantes do Judiciário, que carecem da unção legitimadora do voto popular, promover inovações no ordenamento normativo como se fossem parlamentares eleitos.
Nesse aspecto, o Ministro observou que o Congresso Nacional, “se assim o desejasse”, poderia ter alterado a legislação para incluir os anencéfalos nos casos em que o aborto não é criminalizado, mas até hoje não o fez. O tema é extremamente controvertido e ambos os lados defendem suas posições com base na dignidade da pessoa humana. Nosso parlamento encontra-se dividido refletindo a abissal cisão da própria sociedade em torno da matéria. O segundo ponto enfatizado foi a possibilidade de que uma decisão favorável ao aborto de fetos anencéfalos torne lícita a interrupção da gestação de embriões com diversas outras patologias que resultem em pouca ou nenhuma perspectiva de vida extrauterina. Citando dados da Organização Mundial de Saúde sobre malformações congênitas, deformidades e anomalias cromossômicas, o Ministro ressaltou que existemdezenas de patologias fetais em que as chances de sobrevivência são nulas ou muito pequenas. Para ele, uma decisão judicial isentando de sanção o aborto de fetos portadores de anencefalia, ao arrepio da legislação penal vigente, além de discutível do ponto de vista ético, jurídico e científico, abriria a possibilidade de interrupção da gestação de inúmeros outros casos. Sem lei devidamente aprovada pelo parlamento, que regule o tema com minúcias, precedida de amplo debate público, provavelmente retrocederíamos aos tempos dos antigos romanos, em que se lançavam a morte, do alto de uma rocha, as crianças consideradas fracas ou debilitadas.
Já o Ministro Gilmar Mendes votou� pela procedência, mas considerou a interrupção da gravidez de feto anencéfalo como hipótese de aborto, entendendo que esta situação estaria compreendida como uma causa de exclusão da ilicitude, já prevista no Código Penal, por ser comprovado que a gravidez de anencéfalo é perigosa a saúde da gestante. No entanto, o Ministro ressalvou ser indispensável que as autoridades competentes regulamentem de forma adequada, com normas de organização e procedimento, o reconhecimento da anencefalia a fim de conferir segurança ao diagnóstico dessa espécie. Enquanto pendente de regulamentação, disse o Ministro, a anencefalia deverá ser atestada por, no mínimo, dois laudos com diagnósticos produzidos por médicos distintos e segundo técnicas de exames atuais e suficientemente seguras. Sobre ser inserido o caso como uma excludente de ilicitude, disse o Ministro que era inimaginável para o legislador de 1940, em razão das próprias limitações tecnológicas prever tal situação. Entretanto, com o avanço das técnicas de diagnóstico, tornou-se comum e relativamente simples descobrir a anencefalia fetal, de modo que a não inclusão na legislação penal dessa hipótese de excludente de ilicitude pode ser considerada uma omissão legislativa, não condizente com o Código Penal e com a própria Constituição. De acordo com o Ministro, a inconstitucionalidade da omissão legislativa está na ofensa à integridade física e psíquica da mulher, bem como na violação ao seu direito de privacidade e intimidade, aliados à ofensa à autonomia da vontade. 
O Ministro Celso de Mello julgou procedente a ação para confirmar o pleno direito da mulher gestante de interromper a gravidez de feto comprovadamente portador de anencefalia, dando interpretação conforme a Constituição Federal aos artigos 124, 126, caput, e 128, incisos I e II, todos do Código Penal, para que, sem redução de texto, seja declarada a inconstitucionalidade, com eficácia erga omnes e efeito vinculante, de qualquer outra interpretação que obste a realização voluntária de antecipação terapêutica de parto de feto anencéfalo. Ele condicionou, entretanto, esta interrupção da gravidez a que esta malformação fetal seja diagnosticada e comprovadamente identificada por profissional médico legalmente habilitado, reconhecendo a gestante o direito de submeter-se a tal procedimento, sem necessidade de prévia obtenção de autorização judicial ou permissão outorgada por qualquer outro órgão do Estado. Em seu voto ele endossou proposta do Ministro Gilmar Mendes no sentido de que seja solicitada ao Ministério da Saúde e ao Conselho Federal de Medicina a adoção de medidas que possam viabilizar a adoção desse procedimento. Após lembrar que a Suprema Corte julga o caso imparcialmente, ancorada na própria Constituição Federal, nos tratados internacionais sobre direitos humanos, particularmente da mulher, de que o Brasil é signatário, bem como na legislação ordinária, o Ministro disse que a Corte não estava impondo nada, mas reconhecendo pleno direito à mulher de escolher o caminho a seguir, em casos de anencefalia, inclusive o de conduzir a gravidez até o fim. O Supremo Tribunal Federal, no estágio em que já se acha esse julgamento, está a reconhecer que a mulher, apoiada em razões fundadas nos seus direitos reprodutivos e protegida pela eficácia incontrastável dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação pessoal e da intimidade, tem o direito insuprimível de optar pela antecipação terapêutica do parto nos casos de comprovada malformação fetal por anencefalia; ou então, legitimada por razões que decorrem de sua autonomia privada, o direito de manifestar sua liberdade individual, em clima de absoluta liberdade, pelo prosseguimento natural do processo fisiológico de gestação. Ele fez questão de afirmar que há uma grande diferença entre legalização do aborto e a antecipação terapêutica do parto em caso de anencefalia. Em seu voto, ele lembrou que há diversos conceitos de vida, sobre seu início e fim, e que a Constituição não define quando ela se inicia. Lembrou, inclusive, que na Assembleia Nacional Constituinte foram apresentadas diversas emendas definindo o início da vida humana a partir do momento da concepção, mas elas foram todas rejeitadas. Entretanto, o Ministro mencionou a palestra de um médico durante a audiência pública de 2008 que antecedeu o julgamento desta ADPF, segundo o qual o critério deve ser o mesmo previsto na Lei nº 9.434/97 e na Resolução 1752/97 do Conselho Federal de Medicina, que consideram morto um ser humano quando cessa completamente sua atividade cerebral, ou seja, a morte encefálica. Por analogia, segundo ele, o feto anencéfalo não é um ser humano vivo, porque não tem cérebro e nunca vai desenvolver atividade cerebral. Portanto, sequer haveria tipicidade de crime contra a vida. 
Embora à divergência, apenas dois Ministros, dos dez componentes da Suprema Corte votaram pela improcedência da ação, é inegável que a referida decisão representa um avanço e uma atualização que o legislativo se quedou a realizar. A ampliação das hipóteses de aborto legal ou permitido, conforme se vê da respectiva decisão, veio a abarcar infindáveis situações levadas a cabo ao Judiciário, as quais esperavam e ansiavam por uma resposta. 
Contudo, há quem entenda, que a argumentação utilizada pelo Supremo Tribunal Federal, ao primar, de forma ampla e vaga por demais pelos direitos fundamentais das mulheres, pode vir a ser utilizada para outros casos de malformações fetais que não os referentes à anencefalia, com isso causando preocupação, diante da possibilidade de realização de abortos eugênicos, o que poderia representar seleção de embriões. 
	Segundo SILVA�, a decisão do Supremo Tribunal Federal pode acabar dando margem a outras interpretações, uma vez que a morte cerebral não pacificamente configura a morte de um indivíduo, tendo sido, em nossa opinião, uma construção argumentativa que mais se encaixa em aborto eugênico por malformação incompatível com a vida extrauterina. Mesmo hoje, nenhum, sistema jurídico considera como mortos àqueles que estão num estado vegetativo persistente. A morte cerebral como critério descriminalizador obedece a um raciocínio utilitarista que, muito embora possa ser empregado em um sentido ético prático, ou seja, a partir de um caso específico, não pode ser desvinculado de sua possibilidade de aplicação universal. Dentro da lógica consequencialista, nota-se que da decisão prepondera o direito da mãe em interromper a gestação, uma vez que do mesmo decorra algum risco à sua saúde física e psicológica. A gestação compulsória, nesses casos, seria considerada como tortura à mulher. Está em jogo, portanto, o direito da mulher de autodeterminar-se, de escolher, de agir de acordo com a sua vontade. Estão em jogo a privacidade, a autonomia e a dignidade humana dessas mulheres. Para SILVA, invariavelmente, esses são valores presentes nos demais casos de malformações fetais incompatíveis com a vida extrauterina. Isso nos remete à possibilidade da ocorrência do fenômeno denominado na bioética de slippery slope, onde a construção de determinados critérios e argumentos previstos para casos específicos pode acabar servindo para outros casos análogos não previstos ou indesejados.
	Embora a preocupação referida acima, é fato, conforme veremos na sequência,que o Projeto de Reforma do Código Penal (de início), ao ampliar as hipóteses de abortos legais e permitidos, prevê a possibilidade de realização do aborto não somente no caso de anencefalia, mas, também, referentemente a outras malformações congênitas que impeçam a vida extrauterina, por isso, a assente discussão em torno do tema. 
Conforme relatório final apresentado pela Comissão de Juristas para a elaboração de Anteprojeto de Código Penal, em junho de 2012, verificava-se que a Comissão informava que as suas tarefas disseram com a modernização do Código, a unificação da legislação esparsa, a compatibilidade dos tipos com a Constituição Federal, a descriminalização de determinadas figuras, se necessárias, e, também, criação de novas, bem como com a proporcionalidade das penas dos diversos crimes, a partir de sua gravidade relativa, sempre primando por buscar formas alternativas, não prisionais, de sanção penal.
Entretanto, verifica-se do Projeto que o delito de aborto, dessa forma, ainda se encontra inserido na Parte Especial do Código Penal, mormente em seu Título I, Dos Crimes contra a pessoa, Capítulo I, Dos Crimes contra a vida, mais especificamente nos artigos 125, 126, 127 e 128. 
O delito de autoaborto, com a mesma redação, encontra-se no artigo 125, alterada apenas a penalidade, reduzida de detenção de 1 a 3 anos para prisão de seis meses a dois anos. Por outro lado, tem-se no artigo 125 a figura do aborto consensual provocado por terceiro, antigo artigo 126, sem o seu parágrafo único, onde, também, se verifica uma redução de pena, de reclusão de 1 a 4 anos para prisão de seis meses a dois anos, mesma pena, portanto, do autoaborto ou do aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento. 
O artigo 127 diz com o aborto provocado por terceiro, repetindo a redação do artigo 125 do Código Penal vigente. Traz uma pena maior, pois de reclusão de 3 a 10 anos, passa-se para prisão de 4 a 10 anos. Dentro do artigo 127 temos a inserção de dois parágrafos. O § 1º diz com uma causa de aumento de pena, de um a dois terços se, em consequência do aborto ou da tentativa de aborto, resultar má formação do feto sobrevivente. O § 2º traz outra causa de aumento de pena, na metade se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal grave; e até o dobro, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte, o que estava tipificado no Código Penal vigente em seu artigo 127 como forma qualificada, mas lá se aplicava ao aborto com e sem consentimento da gestante e, aqui, se aplica tão só ao aborto sem consentimento da gestante, retirada a forma qualificada, eis que causa de aumento de pena. 
E, veja-se, que o disposto no parágrafo único do artigo 126 do Código Penal vigente não veio a ser contemplado pelo Projeto, logo, o chamado não consentimento ficto não mais se encontra inserido no aborto realizado sem consentimento da gestante. 
Por fim, o artigo 128 do Projeto, sob o título exclusão do crime, amplia as causas de aborto legal ou permitido, aduzindo que não há crime de aborto quando: houver risco à vida ou à saúde da gestante (na redação atual o aborto terapêutico tutela somente a vida e não a saúde da gestante); se a gravidez resulta de violação da dignidade sexual (ingressa, aqui, inclusive, o estupro de vulnerável, hoje artigo 217-A do Código Penal, praticado sem o emprego de violência ou grave ameaça à pessoa, em que se presume pela idade ou condição da vítima a não concordância com a realização do ato sexual), ou do emprego não consentido de técnica de reprodução assistida (atualização da nomenclatura no aborto ético, humanitário, inserido aí também a reprodução assistida); se comprovada à anencefalia (conforme decisão do Supremo Tribunal Federal) ou quando o feto padecer de graves e incuráveis anomalias que inviabilizem a vida extrauterina, em ambos os casos atestado por dois médicos (evidente ampliação das hipóteses de realização do aborto para além da decisão do Supremo Tribunal Federal, o que pode gerar para alguns a inserção do aborto eugênico); ou, se por vontade da gestante, até a décima segunda semana da gestação (veja-se que nessa hipótese é até quando o feto está iniciando a sua atividade cerebral), quando o médico ou psicólogo (isso requererá regulamentação por parte dos respectivos Conselhos Federais e Regionais) constatar que a mulher não apresenta condições psicológicas de arcar com a maternidade. Nos casos dos incisos II (humanitário e técnica de reprodução assistida) e III (anencefalia e outras alterações) e da segunda parte do inciso I (saúde da gestante), o aborto deve ser precedido de consentimento da gestante, ou, quando menor, incapaz ou impossibilitada de consentir, de seu representante legal, do cônjuge ou de seu companheiro. 
Desta simples análise, resta evidente, portanto, a ampliação dos casos de aborto legal ou permitido, quase que se podendo dizer que desta forma pretende-se buscar uma alternativa à descriminalização e despenalização do aborto, deixando para trás, assim, a discussão em torno do autoaborto.
Parece que a Comissão de Juristas, ao que se vê, se pautou na dignidade da pessoa humana, bem como em diversos direitos fundamentais como a saúde, privacidade, integridade física e moral, igualdade e autonomia reprodutiva, todos eles encontrando equivalência em tratados internacionais de direitos humanos. 
Isso porque, e, destacando a posição de FERNANDES�, a reforma do Código Penal, nesses termos, mesmo mantendo a criminalização do aborto, representaria avanço enorme no campo da saúde reprodutiva da mulher brasileira e aproximaria o Brasil das recomendações de saúde internacionais, dentre as quais a da Conferência Internacional de População e Desenvolvimento, no Cairo, em 1994, e da Conferência Mundial sobre a Mulher, em Pequim, de 1995, que consolidaram os conceitos de direitos reprodutivos e direitos sexuais no cenário internacional. Tais direitos, por sua vez, constituem parte inalienável dos direitos humanos universais e indivisíveis.
Segundo a autora já referida, os documentos internacionais originados nestas conferências – o Programa de Ação do Cairo e a Plataforma de Ação de Beijing – são diretrizes para ações governamentais na área de saúde sexual e reprodutiva. Com efeito, o § 8.25 do relatório da CIPD diz que em circunstâncias em que o aborto não contraria a lei, esse aborto deve ser seguro. Em todos os casos, as mulheres devem ter acesso a serviços de qualidade para o tratamento de complicações resultantes de aborto. E o § 106 K da Plataforma de Ação de Beijing, de 1995, dispõe que os governos devem considerar revisarem as leis que contêm medidas punitivas contra mulheres que realizaram abortos ilegais. 
Assim, a aprovação da proposta de reforma do Código Penal, nesses moldes, poderia representar não só uma atenção especial aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos dos quais o Brasil é signatário, mas, sobretudo, uma drástica redução da mortalidade materna, desafio que nosso país precisa alcançar para atingir a meta cinco (melhorar a saúde materna) dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas (o Brasil é um dos 191 Estados-membros das Nações Unidas que assumiram o compromisso de alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas até 2015. O aborto inseguro é a 4ª causa de mortalidade materna no país. Sem revisão da legislação punitiva do aborto, aliada a uma promoção integral da saúde das mulheres em idade reprodutiva, dificilmente o país conseguirá atingir essa meta). 
Vale ressaltar que à luz dos preceitos enunciados em diversos instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos, pode-se asseverar que os direitos reprodutivos incluem: o direito de adotar decisões relativas à reprodução sem sofrer discriminação, coerção ou violência; o direito de decidir livremente de forma responsável o número de filhos e o intervalo entre seus nascimentos; o direito de ter acesso a informações e meios seguros, disponíveis e acessíveis;e o direito de acesso ao mais elevado padrão de saúde reprodutiva. Já os direitos sexuais compreendem: o direito de decidir livre e responsavelmente sobre sua sexualidade; o direito a ter controle sobre seu próprio corpo; o direito a viver livremente sua orientação sexual, sem sofrer discriminação, coação ou violência; o direito a receber educação sexual; o direito à privacidade; o direito de acesso às informações e aos meios para desfrutar do mais alto padrão de saúde sexual; e o direito a fruir do progresso científico e a consentir livremente à experimentação, com os devidos cuidados éticos recomendados pelos instrumentos internacionais. 
Por outro lado, o efetivo exercício destes direitos demanda políticas públicas, que assegurem a saúde sexual e reprodutiva. Podendo-se dizer que a plena observância dos direitos reprodutivos impõe ao Estado um duplo papel. De um lado, demanda políticas públicas voltadas a assegurar alto padrão de saúde sexual e reprodutiva. Por outro lado, exige a omissão do Estado em área reservada à decisão livre e responsável dos indivíduos acerca da sua vida sexual e reprodutiva.
Por isso tudo é que PIOVESAN� aduz que como afirmaram, recentemente, os Comitês da ONU (PIDESC, sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; e CEDAW, sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher), o Estado Brasileiro deve adotar medidas que garantam o pleno exercício dos direitos sexuais e reprodutivos, enfatizando, mais uma vez, a incompatibilidade entre a criminalização do abortamento e a necessidade de garantir a saúde das mulheres, pois o abortamento, conforme já reconhecimento pelo sistema internacional de direitos humanos, é um grave problema de saúde pública, não um problema que pode ser enfrentado no âmbito repressivo dos sistemas penais. 
Embora o projeto não descriminalize o aborto, a ampliação das causas de exclusão de ilicitude já representariam avanço na garantia e proteção dos direitos humanos das mulheres, nos termos das recomendações do Sistema Internacional de Direitos Humanos, especialmente em face da certa e consequente redução dos índices de mortalidade e morbidade feminina, e das sequelas físicas, psicológicas e sociais acarretadas às mulheres pelo aborto inseguro.
A aprovação do projeto, nesse ponto, portanto, para ela, já é bastante para demonstrar que a perspectiva da saúde pública pode substituir com eficiência a ótica da repressão penal. Por fim, assevera que muitos países adotaram o caminho da descriminalização do aborto, como a quase unanimidade dos países europeus, EUA, Canadá, África do Sul e México. Em todos eles houve redução significativa da mortalidade materna e maior acesso das mulheres à informação em saúde sexual e reprodutiva e a métodos contraceptivos, com a consequente redução drástica da prática do aborto em condições inseguras.
Entretanto, não se pode esquecer que há muito ainda a se caminhar, já enfrentando o Projeto de Reforma do Código Penal críticas quanto a sua metodologia e orientação, quiçá quanto a sua Parte Geral, carecendo, ainda, de análise pelo Congresso Nacional. 
No entanto, parece, então, que as alterações formuladas pela Comissão de Juristas são positivas para alguns e nem tanto para outros, embora cumpram com a atualidade do tema. Agora, é esperar para ver o que o Congresso Nacional irá decidir, sempre pretendendo que seja o melhor para a manutenção dos direitos fundamentais dos cidadãos e consequentemente do Estado Democrático de Direito. 
E, segundo a última informação obtida junto ao site do Senado Federal, de dezembro de 2014, o projeto (PL 236/12), já alterado, retrocede, para os seguintes termos:
Disposições gerais aplicáveis ao aborto
Art. 127. Não se pune o aborto praticado por médico: I – se não houver outro modo de salvar a vida da gestante; II – se a gravidez resulta de estupro; ou III – se comprovada a anencefalia ou se o feto padecer de graves e incuráveis anomalias que inviabilizem a vida extra-uterina, em ambos os casos atestado por dois médicos. 
§ 1º Ressalvada a hipótese do inciso I, o aborto deve ser precedido do consentimento da gestante, ou, sendo esta absolutamente incapaz ou estando impossibilitada de consentir, de seu representante legal, do cônjuge ou de seu companheiro. 
§ 2º Se gestante é relativamente incapaz, a coleta do consentimento será precedida de avaliação técnica interdisciplinar, observados os princípios constantes da legislação especial, bem como sua maturidade, estágio de desenvolvimento e capacidade de compreensão, devendo ser prestada toda assistência psicológica e social que se fizer necessária à superação de possíveis traumas decorrentes da medida. 
§ 3º A difusão ou propaganda indevidas de procedimento, substância ou objeto destinado a provocar o aborto é punível com pena de prisão, de seis meses a um ano. 
Ação Penal: pública incondicionada.
Da Lei de Contravenções Penais
Cabe referir, ainda, a título de ilustração, que a Lei das Contravenções Penais, em seu artigo 20, no Capítulo I, que diz com as contravenções referentes à pessoa, traz a contravenção do anúncio de meio abortivo, punindo com multa a ação de anunciar processo, substância ou objeto destinado a provocar aborto. Obviamente, quer-se com isso evitar a publicidade apta a despertar o interesse pela prática do aborto, consignando-se, ainda, que o Decreto-Lei nº 3.688 é de 03 de outubro de 1941. 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Especial 2. Dos crimes contra a pessoa. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte especial. V.2. São Paulo: Saraiva, 2004. 
CUNHA, Rogério Sanches. Direito Penal. Parte Especial. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. 
� CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SÃO PAULO. CREMESP. Disponível em: <http:// � HYPERLINK "http://WWW.cremesp.org.br" �WWW.cremesp.org.br�>. Acesso em: 01 de nov. 2012. 
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� SILVA, Anelise Crippa, FEIJÓ, Anamaria Gonçalves dos Santos, ROCHA, Andréia Ribeiro da e NETO, João Beccon de Almeida. Análise das decisões judiciais de aborto de malformações fetais e a problematização do slippery slope. Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 56 (2): 175-182, abr.-jun. 2012.
� FERNANDES, Maíra, GOLLOP, Thomaz Rafael, PEDROSO, Daniela e TORRES, José Henrique Rodrigues. Os Crimes Contra a Vida na Reforma do Código Penal: Uma Visão Médico-Jurista. Cienc. Cult. Vol. 64. nº 2. São Paulo, Apr. Jun. 2012. 
� PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2012.

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