Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Rua Pamplona,518 - 5º Andar Jd. Paulista – São Paulo (SP) – CEP 01405-000 (11) 3149-5190 – 0800-773-9973 abrale@abrale.org.br Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas do Sangue e da Medula Óssea Revisão: Dr. Cármino de Souza – Professor Titular de Hematologia e Hemoterapia da Universidade Estadual de Campinas / Coordenador do Centro de Hematologia e Hemoterapia da Unicamp (Hemocentro da Unicamp) / Diretor Científico da Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia. Este manual faz parte de uma série de publicações desenvolvida e distribuída pela Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (ABRALE) sobre doenças onco- hematológicas. O objetivo é levar a pacientes, familiares e médicos um material completo e confiável sobre a origem de cada doença, seus sinais e sintomas, os con- sensos e avanços da medicina mundial em relação ao diagnóstico e ao tratamento, os novos remédios que melhoram e aumentam a qualidade e a expectativa de vida, além das perspectivas de cura. Para isso, cada publicação contou com o apoio de um especialista no assunto, convidado para supervisionar o conteúdo, além da revisão do Comitê Científico da ABRALE, que reúne renomados oncologistas e hematologistas. Outros dois pontos em comum a todos os manuais foram os capítulos Condições Normais do Sangue e da Medula Óssea – para que o leitor entenda melhor o funcionamento do organismo e, consequentemente, os mecanismos que podem levar à doença – e o Glossário de Termos Médicos – que tem a função de esclarecer o vocabulário comum, e muito específico e técnico, associado ao universo da onco-hematologia. O tema deste manual é o Transplante de Células-Tronco Hematopo- éticas do Sangue e da Medula Óssea. O fundamento lógico para a utiliza- ção cada vez mais frequente deste procedimento no tratamento de doenças onco- hematológias é baseado no fato de que todas as células do sangue (como glóbulos vermelhos, fagócitos e plaquetas, por exemplo) e as células do sistema linfático, responsável pela imunidade (linfócitos) nascem das células-tronco que estão pre- sentes na medula óssea. Para obter células-tronco em número apropriado para o transplante, utiliza-se um equipamento chamado máquina de aférese. Nela, o sangue é centrifugado e as células sanguíneas são separadas de acordo com o seu peso. As células mononu- cleares, em cujo conteúdo estão as células-tronco, são obtidas em compartimento separado. Todos os demais componentes do sangue são devolvidos ao doador. Introdução Condições Normais do Sangue e da Medula Óssea 4 As Origens do Transplante 7 Razões Para a Utilização do Transplante 8 Doenças tratadas por TCTH 9 • Doenças de Deficiência de Imunidade 9 • Doenças Hereditárias das Células Sanguíneas 9 • Outras Doenças Hereditárias 10 • Aplasia da Medula 10 • Leucemia, Linfoma, Mieloma 11 A Decisão de Utilizar um Transplante de Células-Tronco 13 • Busca de Doador Compatível 14 Fontes de Células-Tronco 17 • Medula 17 • Sangue Periférico 18 • Sangue do Cordão Umbilical e Placentário 20 • Depleção do linfócito T 22 • Procedimentos de Seleção de Célula-Tronco Hematopoéticas 22 Tipos de Transplantes de Células-Tronco 23 • Transplante Singênico 23 • Transplante Alogênico 23 • Transplante Autólogo 24 • Transplante Não-Mieloablativo 26 O Procedimento do Transplante 26 • Condicionamento 26 • Infusão das Células-Tronco 27 • O Período Pós-Transplante Imediato 27 • Problemas Especiais 28 • Infecções 29 • Doença do Enxerto Contra o Hospedeiro 30 • Deixando o Hospital 32 • Tratamento Imediato 32 Aspectos Sociais e Emocionais 34 Glossário de Termos Médicos 36 Índice Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas do Sangue e da Medula Óssea Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas do Sangue e da Medula Óssea 3 O sangue é composto por plas- ma e células suspensas no plasma, que, por sua vez, também é formado por água, na qual se dissolvem vá- rios elementos químicos: proteínas (ex.: albumina), hormônios (ex.: hormônio da tireóide), minerais (ex.: ferro), vitaminas (ex.: ácido fólico) e anticorpos1, inclusive aqueles que desenvolvemos a partir da vacinação (ex: anticorpos ao vírus da poliomie- lite). As células presentes no sangue incluem os glóbulos vermelhos, os glóbulos brancos e as plaquetas. Os glóbulos vermelhos são cé- lulas sanguíneas que carregam he- moglobina, que se liga ao oxigênio e o transporta aos tecidos do cor- po. Também conhecidos como he- mácias ou eritrócitos, os glóbulos vermelhos constituem em torno de 45% do volume do sangue em indi- víduos saudáveis. Os glóbulos brancos (ou leu- cócitos) são também denominados fagócitos2, ou células “comedoras” por “ingerirem” bactérias ou fun- gos, ajudando a destruí-los. Assim, eles saem do sangue e vão para os tecidos, local em que ingerem bactérias ou fungos invasores, au- xiliando na cura de infecções. Os eosinófilos3 e os basófilos4 são subtipos de glóbulos brancos que participam da resposta a processos alérgicos. Já os linfócitos5, outro 1 Anticorpos são proteínas produzidas principalmente pelos linfócitos B (dos quais são derivados os plasmócitos) como res- posta a substâncias estranhas denominadas antígenos. Por exemplo, agentes infecciosos, como vírus ou bactérias, fazem com que os linfócitos produzam anticorpos para defender o organismo. Em alguns casos (como o vírus do sarampo), os anticorpos têm função protetora e impedem a segunda infecção. Esses anticorpos podem ser utilizados para identificar células específicas e melhorar os métodos de classificação das doenças onco-hematológicas. 2 Fagócitos são glóbulos brancos que “comem” (ingerem) micro-organismos, como bactérias ou fungos, matando-os como forma de proteger o corpo de infecções. Os dois principais tipos de fagócitos do sangue são os neutrófilos e os monócitos. A diminuição do número dessas células sanguíneas é a principal causa de suscetibilidade a infecções em pacientes com doenças onco-hematológicas tratados com radioterapia e/ou quimioterapia intensivas que suprimem a produção de células sanguí- neas na medula óssea. 3 Eosinófilos são glóbulos brancos que participam de certas reações alérgicas e auxiliam na defesa contra algumas infecções parasitárias. 4 Basófilos são glóbulos brancos que participam de certas reações alérgicas. 5 Linfócitos são glóbulos brancos que participam do sistema imunológico. Há três tipos principais de linfócitos: 1) Linfócitos B, que produzem anticorpos para auxiliar contra agentes infecciosos como bactérias, vírus e fungos; 2) Linfócitos T, que possuem várias funções, inclusive a de auxiliar os linfócitos B a produzirem anticorpos e atacar células infectadas por vírus; 3) Células NK (natural killer), que atacam células tumorais. Condições Normais do Sangue e da Medula Óssea Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas do Sangue e da Medula Óssea 4 6 Baço é um órgão do corpo que se localiza na porção superior esquerda do abdômen, bem abaixo do diafragma. Contém aglomerados de linfócitos (similarmente aos linfonodos), filtra células sanguíneas velhas ou gastas e é frequentemente afeta- do, principalmente, pelas doenças onco-hematológicas. O aumento do baço é denominado esplenomegalia, e a sua remoção cirúrgica, a esplenectomia, deve ser realizada apenas quando forem esgotadas todas as outras opções de tratamento. 8 Monócitos (ou macrófagos) são glóbulos brancos que auxiliam no combate às infecções. Os monócitos e os neu- trófilos são as duas principais células “matadoras e comedoras de micro-organismos” que encontramos no san- gue. Quando os monócitos saem do sangue e penetram no tecido, transformam-se em macrófagos, que são os mo- nócitos em ação, e podem combater infecções nos tecidos ou exercer outras funções, como ingerir célulasmortas. 9 Hematopoese é o processo de formação de células do sangue na medula óssea. As células mais primitivas da medula são as células-tronco, que iniciam o processo de diferenciação das células do sangue. As células-tronco se transformam em vários tipos de células maduras (cada qual com sua função específica no organismo), como os glóbulos brancos ou vermelhos. O processo da maturação ocorre quando as células sanguíneas jovens se transformam posteriormente em células sanguíneas totalmente funcionais, saindo, então, da medula óssea e penetrando na circulação sanguínea. A hematopoese é um processo contínuo, normalmente ativo ao longo da vida. A razão para esta atividade é o fato de que a maioria das células sanguíneas vive por períodos curtos e deve ser continuamente substituída. Diariamente são produzidos cerca de quinhentos bilhões de células sanguíneas. Os glóbulos vermelhos vivem, aproximadamente, quatro meses; as plaquetas, em torno de dez dias; e a maioria dos neutrófilos, de dois a três dias. Essa necessidade de reposição explica a deficiência severa do número de células sanguíneas quando a medula óssea é lesada por tratamento citotóxico intensivo (quimioterapia ou radioterapia) ou pela substituição de suas células por células cancerosas ou outras doenças hematológicas. 10 Células-tronco hematopoéticas são células primitivas da medula óssea, importantes para a produção de glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas. Geralmente, as células-tronco são encontradas abundantemente na medula óssea, porém, algumas saem e circulam no sangue. Por meio de técnicas especiais, as células-tronco do sangue podem ser coletadas, preservadas por congelamento e posteriormente descongeladas e utilizadas (transplante de células-tronco hematopoéticas – TCTH). 11 Diferenciação é o processo pelo qual as células-tronco de uma única linhagem passam a ter função específica no sangue. Os glóbulos vermelhos, plaquetas, neutrófilos, monócitos, eosinófilos, basófilos e linfócitos sofrem o processo de maturação a partir de um grupo de células-tronco hematopoéticas. tipo de glóbulos brancos, se encon- tram nos gânglios linfáticos, no ba- ço6, nos canais linfáticos e no san- gue. Outros tipos de leucócitos são os neutrófilos7 e monócitos . Já as plaquetas são pequenos fragmentos de sangue (em torno de um décimo do volume dos gló- bulos vermelhos) que aderem ao local onde um vaso sanguíneo foi lesionado, se agregam uns aos ou- tros, vedando o vaso e interrom- pendo o sangramento. A medula óssea é um tecido esponjoso que ocupa a cavidade central do osso, onde ocorre o de- senvolvimento de células maduras que circulam no sangue. Todos os ossos apresentam medula ativa ao nascimento. Entretanto, quando a pessoa alcança a idade adulta, a medula óssea é ativa nos ossos das vértebras, quadris, ombros, costelas, esterno e crânio, sendo capaz de produzir novas células sanguíneas, processo chamado de hematopoese9. Um pequeno grupo de células, denominadas células- tronco hematopoéticas10, é respon- sável por produzir todas as células sanguíneas no interior da medula óssea. Estas se desenvolvem em células sanguíneas específicas por um processo denominado diferen- ciação11 (v. Figura 1). Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas do Sangue e da Medula Óssea 5 Figura 1. Processo de hematopoese, responsável pelo desenvolvimento de células sanguíneas e linfáticas funcionais a partir de células precursoras. Figura 1. Desenvolvimento de Células Sanguíneas e Linfócitos Esqueleto Célula-Tronco Célula-Tronco Glóbulos Vermelhos Glóbulos Brancos Neutrófi los Linfócitos Plaquetas Medula óssea Esterno Pélvis Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas do Sangue e da Medula Óssea 6 Em meados do século 19, cien- tistas italianos concluíram que a me- dula óssea seria a fonte das células do sangue. Portanto, a ideia de que um fator no tecido de formação do sangue de uma pessoa poderia res- taurar a medula anormal de uma outra pessoa já havia sido conside- rada há um século. Algumas pesso- as pensavam que esse fator era um elemento químico que poderia ser transferido pela ingestão da medula pela boca. Na virada do século 20, cientistas começaram a formular a ideia de que um pequeno número As Origens do Transplante de células na medula poderia ser responsável pelo desenvolvimento de todas as células do sangue. Eles começaram a referir-se a elas como “células-tronco ou precursoras”. As- sim, as tentativas de utilização das células da medula óssea de uma pes- soa saudável para restaurar a função perdida pela medula de um pacien- te doente têm pelo menos 60 anos. Entretanto, as tentativas iniciais de transplante de medula em humanos foram muito malsucedidas devido à falta de base científica. Com isso, o transplante de Em pessoas saudáveis, há cé- lulas precursoras suficientes para manter a produção de novas células de sangue continuamente. Algumas células precursoras entram na cor- rente sanguínea e circulam pelo san- gue. Elas estão presentes em núme- ro bem pequeno e sequer podem ser contadas ou identificadas numa con- tagem usual, como no hemograma, por exemplo. Sua presença no san- gue é importante porque elas podem ser coletadas por técnicas especiais e transplantadas para um receptor, se a quantidade de células-tronco he- matopoéticas obtidas for suficiente. Essa circulação das células-tronco da medula óssea para o sangue e viceversa ocorre também no feto. Esse é o motivo pelo qual, após o parto, o sangue do cordão umbilical pode ser utilizado como fonte de cé- lulas para transplantes. Em resumo, as células sanguí- neas se originam na medula óssea e, quando estão completamente for- madas e capazes de funcionar, dei- xam a medula e entram no sangue. Os glóbulos vermelhos e as plaque- tas efetuam suas respectivas funções de transportar oxigênio e estancar sangramentos (hemostasia) nos va- sos sanguíneos lesados. Os neutrófi- los, eosinófilos, basófilos, monócitos e linfócitos, que são coletivamente os glóbulos brancos do sangue, mo- vem-se em direção aos tecidos, onde podem combater infecções como a pneumonia, e ainda realizar suas outras funções. Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas do Sangue e da Medula Óssea 7 12 Aférese (ou hemaférese) é o processo de remoção de certos componentes do sangue de um doador, restituindo-lhe os componentes não necessários. Este procedimento funciona a partir do sangue de um doador que circula por um aparelho, onde são feitas as remoções necessárias para, em seguida, retornar ao próprio doador. Este processo faz com que seja possível a remoção dos elementos como plaquetas, glóbulos vermelhos, glóbulos brancos ou células-tronco hematopoéticas. Esta técnica é utilizada para remover células-tronco da circulação, de forma que possam ser congeladas, armazenadas e utilizadas posteriormente para um transplante. A aférese também pode ser utilizada para retirar blastos de pacientes portadores de leucemia mielóide e/ou linfóide com altas contagens dos mesmos (hiperleucocitose). Razões para a Utilização do Transplante O fundamento lógico para o transplante de células-tronco he- matopoéticas é baseado no fato de que todas as células do sangue (como glóbulos vermelhos, fagóci- tos e plaquetas, por exemplo) e as células de imunidade (linfócitos) nascem das células-tronco que es- tão presentes na medula óssea. Para obter células-tronco em número apropriado para o trans- plante, utiliza-se um equipamen- to chamado máquina de aférese12. Nela, o sangue é centrifugado e as células sanguíneas são separadas de acordo com o seu peso. As células mononucleares, em cujo conteúdo estão as células-tronco, são obtidas em compartimento separado. Todos os demais componentesdo sangue são devolvidos ao doador. O sangue é uma fonte cada vez mais frequente de células-tronco para transplante. Assim, os trans- plantes de medula de óssea (ou TMO, um termo genérico para o medula óssea como forma de tra- tamento começou a ser explorado cientificamente no final da Segun- da Guerra Mundial. Como as cé- lulas-tronco da medula são muito sensíveis aos efeitos causados pela radiação, o dano da medula era um efeito colateral importante e poten- cialmente letal pela sua exposição à bomba atômica ou a acidentes cau- sados pela indústria de armas atô- micas. No final dos anos 40, estu- dos sobre o transplante de medula óssea como forma de tratamento à radiação e exposição de combaten- tes ou civis foram estimulados pela Comissão de Energia Atômica, pre- ocupada com a propagação da tec- nologia nuclear e de armas. A ideia de que doenças que afetam as células do sangue ou a formação das células de imuni- dade poderiam ser curadas pelo transplante de medula encoraja- ram a pesquisa também por parte de cientistas civis. Seus esforços de pesquisas conduziram ao atual sucesso tanto do transplante de cé- lulas-tronco hematopoéticas como uma forma de tratamento médico, quanto do seu aumento de disponi- bilidade para os pacientes. Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas do Sangue e da Medula Óssea 8 Doenças Tratadas por TCTH Crianças nascidas com sérios problemas de deficiência imunológi- ca são incapazes de produzir linfó- citos. Assim, pela falta dos linfócitos normais e de função imunológica adequada, essas crianças podem enfrentar frequentemente infecções que lhes causem risco de morte. Entretanto, o transplante de células-tronco hematopoéticas pode restaurar os linfócitos. Com isso, o transplante é facilitado pelo recep- tor que tem essa deficiência de cé- lulas de imunidade, fazendo com que seja incomum a rejeição das células-tronco do doador. Consequentemente, esse tipo de transplante não requer pré-tra- tamento intensivo (regime de con- dicionamento) do receptor, como a radiação ou a quimioterapia13, para suprimir o sistema imunológico. Doenças de Defi ciência de Imunidade procedimento), vêm sendo modi- ficados para significar transplan- te de medula óssea ou de sangue, permitindo a utilização contínua do acrônimo familiar, TMO. Nos últi- mos anos, adotou-se novo termo: transplante de células-tronco he- matopoéticas (TCTH) por ser mais específico, sendo este também o termo adotado neste manual. 13 Quimioterapia é o uso de substâncias químicas (medicamentos) para eliminar células malignas. Embora inúmeras me- dicações tenham sido desenvolvidas com esse objetivo, a maioria atua causando danos ao DNA das células que, por causa disso, não conseguem crescer ou sobreviver. Para uma quimioterapia bensucedida, as células malignas devem ser, pelo menos ,ligeiramente mais sensíveis às medicações que as células normais. Como as células da medula, do trato intestinal, da pele e dos folículos de cabelo são mais sensíveis a esses medicamentos, efeitos colaterais nesses órgãos, como feridas na boca e perda de fios, por exemplo, são comuns na quimioterapia. 14 Anemia é a diminuição do número de glóbulos vermelhos e, consequentemente, da concentração da hemoglobina no san- gue (abaixo de 10%, quando o normal é de 13% a 14%). Como consequência, a capacidade de transporte de oxigênio do san- gue é diminuída. Quando severa, a anemia pode causar fisionomia pálida, fraqueza, fadiga e falta de fôlego após esforços. Doenças Hereditárias das Células Sanguíneas Atualmente, o transplante de medula óssea é utilizado para tra- tar doenças como a talassemia ou anemia14 falciforme, onde um gene mutante é herdado e se expressa somente nas células de formação do sangue. Nesse sentido, os trans- plantes são, para esses pacientes, uma forma de terapia genética, pois as células-tronco de formação de sangue geneticamente anormais são substituídas por células de fun- cionamento normal. Um irmão ou irmã com o tipo de tecido compa- tível pode ser o doador de células- tronco. A diferença genética de cer- Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas do Sangue e da Medula Óssea 9 Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas do Sangue e da Medula Óssea 10 Outras Doenças Hereditárias Há um outro grupo de doen- ças hereditárias no qual ocorre um defeito nos monócitos. Logo após o nascimento, muitas anor- malidades, incluindo cegueira e retardamento mental, e sérias disfunções neurológicas podem se desenvolver no recém-nascido afetado. Como todas as células de glóbulos brancos, os monóci- tos descendem das células-tronco hematopoéticas. Se o defeito está nos monócitos, as células anor- mais podem ser substituídas pelo transplante de células de um do- ador saudável compatível. Aplasia de Medula O transplante de células-tronco hematopoéticas tem sido utilizado com sucesso para restaurar a função da medula óssea prejudicada. Esse tipo de doença representa uma falha na medula, chamada anemia aplásti- ca, que pode ser induzida por medi- camentos, autoimunização, ou mais raramente por hereditariedade. A fa- lha na medula óssea pode acontecer como resultado de exposição a certos medicamentos ou a agente nocivo tas características entre dois irmãos é uma vantagem nessa situação, pois o paciente pode ter a anemia falcifor- me (tendo recebido o gene mutante de ambos os pais) e o doador pode ter uma carreira dos genes e ter tra- ços de célula falcêmica (tendo rece- bido o gene mutante da mãe ou do pai, mas não de ambos). Com isso, é possível que as células-tronco que vêm do irmão ou irmã possam curar o paciente. Isso se explica pelo fato de pessoas, com metade da carga ge- nética acometida para a anemia fal- ciforme e talassemia, serem pessoas normais, geralmente sem crises ou com mínimas alterações do sangue. Avanços nas técnicas de trans- plante de células-tronco foram ne- cessários para que o procedimento pudesse se tornar proveitoso em situações como essas. Tais doenças, ainda que frequentemente sérias em suas manifestações, permitem que as pessoas atinjam a idade adulta. O alto risco e os efeitos colaterais graves do transplante limitam sua aplicação nesse ambiente até que avanços nas pesquisas conduzam a resultados aceitáveis em pacientes cuidadosamente selecionados. A decisão sobre quando e quem, entre as pessoas com doença hereditária das células sanguíneas, deve correr o risco do transplante e quando res- ponsabilizar-se pelo procedimento ainda está sob investigação, em es- pecial na anemia falciforme. Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas do Sangue e da Medula Óssea 11 externo, como químicos ou exposição à radiação sem propósito, ou ainda, devido ao ataque de autoimunidade dos linfócitos do paciente nas células de formação do sangue na medula. Se essa doença for séria, a medula óssea interrompe a produção das cé- lulas do sangue. Esta alteração leva a sério risco de hemorragia, devido à diminuição das plaquetas, e infec- ções de difícil tratamento, provenien- tes da queda de glóbulos brancos. A capacidade de produção das células do sangue pela medula óssea pode ser severamente diminuída também por uma doença chamada anemia aplástica de Fanconi. Em casos graves, nos quais se encontra um doador compatível na família ou no banco de medula, a anemia aplástica pode ser tratada pelo transplante de células-tronco hematopoéticas. Nessa situação, o pré-tratamento do paciente com qui- mioterapia e/ou radioterapia15 é ne- cessário para suprimir o sistema imu- nológico e aumentar a probabilidade de sucesso. A quimioterapia e/ou a radiação anteriores ao transplante diminuem o risco de as células de imunidadedo receptor rejeitarem as células-tronco transplantadas. Leucemia, Linfoma e Mieloma Leucemias agudas, linfomas e mieloma múltiplo podem alcan- çar remissão16 e taxas de cura mais elevadas em um grupo seleciona- do de pacientes. Grandes doses de quimiotera- pia e/ou radiação são necessárias para destruir as células doentes. Entretanto, essas terapias intensi- vas, necessárias para tratar a do- ença, quando persistente ou em recidiva17, podem destruir também as células normais da medula ós- sea, que tem sua capacidade de produzir células saudáveis de san- gue tão seriamente prejudicada que poucos pacientes sobreviveriam a esse tipo de tratamento. Eles pode- riam sucumbir devido a infecções (pela falta de glóbulos brancos), à hemorragia (por causa da falta de plaquetas no sangue), ou então, à persistência da doença, apesar dos tratamentos agressivos. De forma a administrar grandes doses de quimioterapia ou terapia de radiação, médicos especializados em transplante desenvolveram o 15 Radioterapia é o tratamento que utiliza raios de alta energia para destruir ou diminuir a ação das células cancerígenas em determinada área, realizado por meio de equipamento semelhante a uma máquina de raios-X. 16 Remissão é o desaparecimento completo de uma doença, geralmente como resultado do tratamento. Os termos “completa” e “parcial” são utilizados para modificar o termo remissão. Dessa forma, remissão completa significa que não existe mais qualquer evidência da doença, ao passo que remissão parcial significa que o tratamento provoca uma melhora acentuada, porém, ainda há evidências residuais da doença. 17 Recidiva é o retorno (recaída) da doença depois de um período de remissão pós-tratamento (controle da doença). Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas do Sangue e da Medula Óssea 12 18 HLA é a abreviação de “antígeno de leucócitos humanos”. Estas proteínas se encontram na superfície da maioria das células dos tecidos e fazem com que cada indivíduo tenha um tipo característico de tecido. O teste de antígenos HLA é conhecido como “tipagem do tecido”. Há quatro grupos principais de antígenos HLA: A, B, C e D. O grupo D é dividido em DR, DP e DQ. Em um teste de compatibilidade, os seus grupos de antígenos (A, B, C, DR, DP e DQ) do doador e do receptor são comparados. Estas pro- teínas na superfície das células atuam como antígenos quando doadas (transplantadas) a outro indivíduo, o receptor das células- tronco. Se os antígenos presentes nas células doadoras forem idênticos (gêmeos idênticos) ou muito similares (irmãos com HLA compatível), o transplante (células doadas) terá maiores possibilidades de sobreviver no receptor. Além disso, as células do corpo do receptor terão menos possibilidades de serem atacadas pelas células do doador (doença do enxerto versus hospedeiro). transplante de células-tronco hema- topoéticas como um método para restaurar a produção de células nor- mais de sangue. Com a infusão de células-tronco suficientes de um do- ador próximo e compatível, a função da medula óssea e a produção das células do sangue são rapidamente restauradas de maneira suficien- te a permitir a recuperação de um tratamento intensivo. Após várias décadas de pesquisa, descobertas e experiências clínicas, o transplante alogênico de células-tronco pode ser utilizado de forma bensucedida para curar pacientes que estejam enquadrados em um grupo de alto risco de recaída, que não respon- dem totalmente ao tratamento, ou ainda, aqueles que recidivam após o tratamento ter sido bensucedido anteriormente (v. Tabela 1). Em algumas circunstâncias, as células- tronco autólogas (obtidas da me- dula óssea ou do sangue do próprio paciente) podem ser utilizadas. Leucemia Mielóide Aguda Leucemia Linfóide Aguda de Adulto Leucemia Linfóide Aguda da Infância (três possibilidades: leucemia de alto risco; quando não entra em remissão; recidiva) Leucemia Linfóide Crônica Leucemia Mielóide Crônica Linfoma de Hodgkin (se resistente a tratamento ou se for recorrente) Mielofi brose Idiopática (metaplasia mielóide agnogênica) Linfoma não-Hodgkin (todos os subtipos, se resistente a tratamento ou se for recorrente) Mieloma Múltiplo Síndromes Mielodisplásicas Fatores como idade, condi- ções médicas, probabilidade de resposta da doença ao regime de condicionamento e a disponibili- dade de um doador HLA18 compa- tível são levados em consideração para decidir pela utilização do transplante alogênico. Tabela 1. Doenças Hematológicas Malignas em Que o Transplante Alogênico de Células-Tronco Hematopoéticas Pode Ser Utilizado Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas do Sangue e da Medula Óssea 13 19 Enxerto é o produto de células-tronco hematopoéticas transplantadas residentes na medula óssea do receptor, no sangue ou no cordão umbilical, responsável pela produção de células sanguíneas. Essa ocorrência é primeiramente evidente quando os novos glóbulos brancos, glóbulos vermelhos e plaquetas começam a aparecer no sangue do receptor após o transplante. A Decisão de Utilizar um Transplante de Célu- las-Tronco para Leucemia, Linfoma ou Mieloma Duas perguntas centrais de- vem ser respondidas no caso de um transplante para um paciente: 1) O transplante de células- -tronco hematopoéticas será mais apropriado para a cura da doença do que outras formas de terapia? 2) Há doador compatível? Além desses, outros fatores importantes e que influenciam a decisão também devem ser consi- derados, como a idade do paciente, a doença específica que está sendo tratada, as características biológi- cas na época do diagnóstico que indicam um prognóstico pobre e a presença ou ausência de condições e complicações médicas. A idade do paciente é um fator obrigatório para a decisão por um transplante, pois cerca de 75% das pessoas que desenvolvem leucemia, linfoma ou mieloma tem idades aci- ma de 50 anos e pacientes nessa faixa etária estão menos suscetíveis a resul- tado favorável após um transplante. Sem dúvida, os resultados de transplantes são melhores em crian- ças e começam a ser menos favorá- veis com o avanço de cada década a mais de vida. Pessoas mais idosas: 1) são mais suscetíveis à doença do enxerto19 contra o hospedeiro v. página 30; 2) têm maior probabili- dade de sofrerem complicações por problemas médicos e 3) têm mais chances de sofrer um decréscimo na tolerância aos efeitos cumulativos da quimioterapia intensiva prévia e ao regime de condicionamento necessá- rio para o transplante. Estas, contudo, são generalizações e os transplantes alogênicos podem ser utilizados em pessoas mais velhas quando o julga- mento for favorável a essa decisão. Novas técnicas de terapias menos agressivas nos regimes de condicio- namento estão sendo exploradas para certos tipos de linfoma e leucemia. Assim, se não houver resposta satisfatória da doença onco-hemato- lógica à quimioterapia, o paciente poderá, então, ser tratado com quimioterapia e/ou radioterapia muito intensa e resgatado com transplante de células-tronco hematopoéticas. Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas do Sangue e da Medula Óssea 14 20 Cromossomo: Todas as células humanas normais nucleadas contêm 46 estruturas denominadas cromossomos. Os genes, segmentos específicos de DNA, são as principais estruturas que formam os cromossomos. Um cromossomo de tamanho médio possui DNA suficiente para conter dois mil genes. Por determinarem nosso sexo, os cromossomos X e Y são conhecidos como cromossomos sexuais: dois cromossomos X, em mulheres, e um X e um Y, em homens. Os cromossomos podem sofrer várias alterações nas células das doenças onco-hematológicas. Seu arranjo sistemático, dos 46 cromossomos humanos de uma célula em 23 pares combinados(elemento materno e paterno de cada par) por comprimento (do mais longo para o mais curto) e outras características, por meio do uso de fotografias, é chamado de cariótipo. Nele, os cromossomos sexuais são mostrados como um par em separado (XX ou XY). Qualquer dos cromossomos que não sejam os sexuais são denominados autossômicos. Já o bandeamento de cromossomos é a marcação de cromossomos com corantes que acentuam ou enfatizam suas bandas ou regiões. As bandas definem características mais específicas dos cromossomos, permitindo que seus 23 pares sejam distingui- dos individualmente, com identificação mais precisa. Entretanto, ainda que os riscos do transplante alogênico tenham diminuído nas sucessivas décadas de experiência, o procedimento requer cuidadosa análise das cir- cunstâncias e uma profunda dis- cussão com o paciente. Pesquisas continuadas poderão modificar adiante a equação risco-benefício a favor do transplante. Alternativa- mente, novos medicamentos e no- vas modalidades poderão diminuir o risco agressivo de um transplante de medula óssea. Quando o transplante é consi- derado, o paciente e seus irmãos ou irmãs serão submetidos a testes a fim de determinar seus tipos de tecidos ou o tipo de antígeno de leucócito humano (HLA). O tipo de tecido de uma pessoa é determinado pelas proteínas na superfície das células. Como outras células de tecido, os leucócitos con- têm essas proteínas de superfície e, pelo teste desses leucócitos, obtidos por uma amostra de sangue, os la- boratórios de imunogenética podem determinar o tipo de HLA do pa- ciente e dos doadores potenciais. As reações de imunidade que ocorrem quando pessoas não idênticas rece- bem um transplante são amplamente influenciadas por essas proteínas de superfície da célula. Os linfócitos do Busca de Doador Compatível receptor podem perceber a diferença das células do doador e tentar matá- las (rejeição). Por outro lado, as célu- las de imunidade do doador podem “perceber” as células do paciente e também rejeitá-las. O grau de disparidade entre o doador e o receptor é o maior deter- minante da intensidade da reação do hospedeiro versus o tecido transplan- tado ou o tecido transplantado versus o hospedeiro. Essas reações não acon- tecem se o receptor e o doador forem gêmeos idênticos, mas podem acon- tecer entre irmãos, mesmo se eles ti- verem o tipo de tecido compatível. A determinação do HLA é do- minada pelos genes que residem no cromossomo20 número 6 nas células dos tecidos. Cada célula nucléica hu- mana tem 46 cromossomos por par 21 Haplótipo é a contribuição de cada um dos pais para a determinação do HLA (v. HLA). Está implícito que isso representa os genes do cromossomo de um dos pais. Quando o procedimento de transplante acontece entre um doador e um receptor que têm haplótipos idênticos, isso quer dizer que o tipo de tecido ou tipo de HLA de cada um deles é idêntico no que diz respeito à mãe ou pai, mas não idêntico entre um e outro. Em algumas situações, se a discrepância não for tão grande e se a doença de base justificar o risco, o transplante pode ser possível. O condicionamento do receptor e a depleção dos linfócitos do enxerto são etapas realizadas para diminuir o risco da ativação das células imunológicas. Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas do Sangue e da Medula Óssea 15 de cada cromossomo numerado de 1 a 22, sendo dois destes cromossomos referentes ao sexo (sendo XX para a mulher e XY para o homem). Os ge- nes que determinam o tecido ou tipo de HLA são transmitidos para a crian- ça da maneira demonstrada na Figura 2. Um gene de cada par é herdado da mãe e o outro é herdado do pai. Os ge- nes no cromossomo 6 do par AB, que vem da mãe, e um cromossomo do par CD, que vem do pai, determinam o tipo de HLA. A contribuição de cada um dos pais é chamada haplótipo21. Figura 2: Características do HLA de hereditariedade paterna. A e B descrevem os dois cromossomos número 6 da mãe e C e D, os dois cromossomos número 6 do pai. O termo haplótipo indica as características específicas de HLA determinadas pelos genes em um dos pares de cromossomo recebido pela criança. A probabilidade é de que, entre quatro crianças, uma delas herdará os pares de cromossomos mostrados (ou A ou B da mãe e C ou D do pai). A estimativa de que uma compatibilidade irá ocorrer é, em média, de uma a cada quatro vezes e está baseada nesses resultados. Assim, se a criança AC precisar de um doador compatível, essa combinação deverá ocorrer em um de cada quatro irmãos, em média. É claro que estas expectativas asseguram a verdade em um grande tamanho da amostra, entretanto, na família de um indivíduo específico, desvios favoráveis ou desfavoráveis podem ocorrer. 100% compatíveis 1 2 3 1 4 3 4 1 2 2 E (doador)A (paciente) Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas do Sangue e da Medula Óssea 16 Esse padrão de herança heredi- tária explica a razão pela qual os pais geralmente não são suficientemente compatíveis com relação ao tipo de tecido para serem os doadores. Em média, uma pessoa tem uma chance em quatro de ter os mesmos antíge- nos de HLA que seu irmão ou irmã. O sistema HLA se subdivide em dois grupos de antígenos de superfície da célula: o classe I, em que os antíge- nos são determinados pelos genes A, B e C, e o classe II, em que os antígenos são determinados pelos genes referi- dos como D. Esses lugares genéticos de A a D têm muitas variações cha- madas alelos, que dão exclusividade a cada pessoa. Por exemplo, uma pessoa pode ter A1, outra A2, outra A3 e as- sim por diante. Nas famílias, essas va- riações são minimizadas e propiciam a oportunidade de haver um irmão ou irmã que seja compatível, fazendo com que o transplante seja possível se o sistema de supressão imunológica também for utilizado. Há pouco tempo, a tipagem de HLA vinha sendo feita por um pro- cedimento chamado de tipagem so- rológica. Nesse processo, os glóbulos brancos do receptor e do possível do- ador eram testados para verificar se seus tipos de tecido eram idênticos. Este procedimento era muito usual, mas menos refinado do que o novo método de tipagem molecular, que caracteriza o DNA do receptor e do possível doador para identificar os genes específicos que direcionam a formação dos antígenos de HLA na superfície das células. Com a defini- ção do genótipo da pessoa, os resulta- dos são mais específicos do que pelo teste sorológico. Essa necessidade é particularmente importante quando se está buscando doador compatível entre pessoas que não são parentes. Desde que a probabilidade de encontrar um doador compatível entre irmãos é de uma chance em quatro, esforços estão sendo rea- lizados no intuito de desenvolver métodos que permitam o trans- plante entre pessoas que são ape- nas parcialmente compatíveis. Por exemplo, a possibilidade de utili- zar os pais como doadores, torna- ria o transplante quase universal para as doenças na infância, tendo como outro fator favorável a maior tolerância das crianças às diferen- ças de compatibilidade. Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas do Sangue e da Medula Óssea 17 Figura 3: Esquema de HLA (Antígeno de Histocompatibilidade Leucocitária, teste de compatibilidade que identifica doadores aparentados ou não-aparentados) Fontes de Células-Tronco A obtenção de células-tronco de medula óssea requer que o doador compatível realize exame físico com- pleto, incluindo eletrocardiograma, raio-X de tórax, avaliação da bioquí- mica do sangue e confirmação de que a contagem das células do sangue está normal. O doador é testado para assegurar que o vírus da hepatite e o vírus da imunodeficiência adquirida (HIV) não estejam presentes. A pre- sença positiva para o citomegalovírus(CMV) não necessariamente impede alguém de ser um doador. Se tudo estiver em ordem, é aplicada uma anestesia no doador e os médicos responsáveis pelo transplante usam uma agulha especial para aspirar a medula óssea dos ossos pélvicos. A quantidade de medula óssea removida é proporcional ao tamanho do receptor. A necessidade do adulto de tamanho grande será bem maior do que a das crianças. A medula é filtrada para remover fragmentos de osso ou tecido, depois é passada por uma tela, para separar células agre- gadas, e, em seguida, colocada em uma bolsa de transfusão pela qual poderá ser transfundida nas veias do Medula Óssea Genes HLACromossoma G paterno Cromossoma 6 materno Genes HLA 6 genes principais 6 genes principais Leucócito paterno Leucócito materno 2 (de 6) dos antígenos leucocitários humanos 2 (de 6) dos antígenos leucocitários humanos D B C A D B C A Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas do Sangue e da Medula Óssea 18 Sangue Periférico receptor. A infusão é semelhante a uma transfusão de sangue. Este tipo de administração, no entanto, é utili- zado se a fonte de células-tronco for da medula óssea ou do sangue. O doador geralmente permanece no hospital por cerca de 12 horas an- tes da alta hospitalar. Este é o tempo que ele(a) irá se recuperar da anes- tesia e da dor no local das punções. Se necessário, as células colhidas da medula óssea podem ser congeladas e estocadas para utilização posterior. A medula óssea pode ser con- gelada por anos e permanecer adequada para o transplante de células-tronco. Por exemplo, o con- gelamento é rotineiro no transplan- te de medula óssea autólogo. Nessa circunstância, o paciente é a fonte da medula óssea que poderá ser uti- lizada, caso ocorra recidiva. A técnica de TCTH começou com a suposição de que a principal fonte de células-tronco de formação de células de sangue era a medula óssea, visto que esse é o único lugar de produção de células do sangue após o nascimento. Sabe-se que as células-tronco deixam a medula óssea, circulam no sangue periférico e entram no- Célula Tronco prontas para infusão Célula Tronco prontas para infusão Tranplante Alogênico Sangue periférico Medula Óssea Figura 4. Coleta de células-tronco periféricas e de medula óssea Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas do Sangue e da Medula Óssea 19 vamente na medula. A raridade dessas células no sangue periféri- co, entretanto, fez com que esta opção parecesse uma improvável fonte para o transplante. Por isso, métodos foram desenvolvidos para mover as células da medula óssea para o sangue periférico em núme- ro suficiente para serem colhidas e utilizadas para transplantes. Este procedimento exige que o doador seja tratado com um me- dicamento que mobilize as células- tronco. Em alguns casos de trans- plante autólogo, as células-tronco podem ser mobilizadas pela com- binação de quimioterapia, utilizada para tratar a base da doença, e fato- res de crescimento medular. Então, as células são removidas do doador pelo processo chamado aférese, em que o doador é ligado a um tipo es- pecial de máquina. O sangue do doador é bombe- ado por um instrumento que separa o sangue em quatro componentes isolados: glóbulos vermelhos, plas- ma, glóbulos brancos e plaquetas. Destes, os glóbulos brancos e as plaquetas são colhidos, porque con- têm células-tronco, ao passo que os glóbulos vermelhos e as plaquetas são devolvidos ao doador. A aférese permite que o sangue seja circulado novamente pela máquina por di- versas horas. O procedimento pode ser repetido até o último momento, após o qual as coletas são reunifica- das. Para coletar a quantidade ade- quada de células-tronco da circula- ção do sangue, esse procedimento leva duas ou mais sessões. Assim, uma ampla quantidade de células-tronco hematopoéticas deve ser recuperada para assegurar o sucesso do transplante. Todo esse pro- cesso evita a utilização de anestesia geral ou peridural, necessárias para a coleta das células-tronco da medula óssea do doador (v. Figura5). Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas do Sangue e da Medula Óssea 20 As células-tronco circulam no sangue do feto, assim como no corpo das crianças e dos adultos. Na circulação do feto, a concentra- ção e o potencial da formação de células-tronco nas células do san- gue são ainda melhores do que as do sangue dos adultos. Na hora do parto, o cordão umbilical é cortado e, no pós-parto, descartado com a placenta. Ao invés de ser descarta- do, o sangue pode ser cuidadosa- mente drenado para um recipiente plástico esterilizado. A suspensão com as células-tronco poderá ser congelada e utilizada como produ- to para transplante numa data pos- terior (v. Figura 6), sendo chamada de células de sangue do cordão. Assim, estão sendo desenvol- Sangue do Cordão Umbilical e Placentário vidos bancos que contêm doações de amostras de sangue de cordões umbilicais. Em setembro de 2004, o Ministério da Saúde lançou a Brasil- Cord, uma rede pública de bancos de armazenamento de sangue do cordão para atendimento de pacientes que aguardam transplantes de medula óssea. No entanto, apesar de haver milhões de nascimentos saudáveis a cada ano, apenas uma pequena pro- porção de material biológico pode fornecer fonte potencial de células- -tronco para receptores que não tenham irmãos ou irmãs com mes- mo tipo de tecido similar. Isto por- que o número de células-tronco do cordão e da placenta é geralmente insuficiente para transplantar pesso- as adultas; já crianças e adultos de Figura 5. Aferése: coleta de células-tronco periféricas Fator de Crescimento para mobilizar as células Células Tronco Sangue total coletado do doador Sangue SEM as células tronco retornam para o doador Sangue total Células Tronco Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas do Sangue e da Medula Óssea 21 22 Mutação é a alteração de um gene como resultado de uma lesão ao DNA de uma célula. Mutações de células germinativas ocorrem no óvulo, ou no esperma, e são transmitidas de pai para filho. As mutações de células somáticas ocorrem em um tecido específico e podem resultar no crescimento da célula desse tecido, transformando-se em um tumor. Nos casos de leucemia, linfoma ou mieloma, uma célula primitiva da medula ou de um linfonodo sofre mutação(ões) que leva(m) à formação de um tumor. Por isso, os tumores geralmente se encontram amplamente disseminados quando são detectados e envolvem a medula ou os gânglios em muitos locais. tamanho pequeno ou médio podem frequentemente ser tratados com células-tronco do cordão umbilical. Há várias considerações impor- tantes com relação à utilização das células-tronco do cordão, uma vez que a possibilidade de que o sangue do recém-nascido carregue agente infeccioso ou que o recém-nascido apresente mutação22 genética que levará a uma séria doença heredi- tária da célula do sangue são exem- plos de consequências particulares das células-tronco do cordão. Para coletar as células-tronco do sangue do cordão, a placenta e o cordão umbilical são drenados. O sangue é coletado sob condições de esterilização. Cordão umbilical Fígado CÉLS TRONCO PRIMITIVAS Placenta Figura 6. Sangue do cordão umbilical como fonte de células-tronco Os linfócitos T na medula óssea ou sangue de um doador causam a doença do enxerto contra o hospe- deiro (GVHD). A fim de minimizar Depleção do Linfócito T essa reação perigosa, a medula ou a coleção de células do sangue podem ser tratadas com agentes que possi- bilitam a diminuição do número de Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas do Sangue e da MedulaÓssea 22 23 Efeito enxerto versus leucemia: A reação imunológica dos linfócitos T transplantados tem o potencial, não somente de atacar os tecidos normais (enxerto versus hospedeiro), como também de reconhecer e atacar as células malignas do receptor. Este efeito pode ser notado quando: 1) a recaída da leucemia após o transplante é mais frequente, caso o doador e o receptor sejam gêmeos idênticos, e nos transplantes autólogos; 2) a remoção dos linfócitos do doador diminui a reação do enxerto versus o hospedeiro e resulta em uma frequê- ncia mais alta de recaída; 3) a infusão de linfócitos T do doador é capaz de levar a uma remissão, no caso de recidiva de uma leucemia. Estas observações são explicadas por um ataque imunológico dos linfócitos do doador contra as células de leucemia do receptor. Tal efeito parece ser mais ativo em casos de leucemia mielóide crônica, ainda que isso também possa ocorrer em pacientes com mieloma. Quando o sangue ou a medu- la óssea de um doador alogênico é coletado, as células-tronco hemato- poéticas são misturadas com muitas outras células, inclusive com linfó- citos, que estão presentes na queles locais. Há características específicas na membrana externa das células- -tronco que permitem removê-las Procedimentos de Seleção de Células-Tronco Hematopoéticas seletivamente de uma mistura de células e depois recuperá-las. Quando esse procedimento de seleção é feito, resulta em uma população de células enriquecida, reduzindo-se, assim, o número de linfócitos T e a frequência ou gravidade da doença do enxerto contra hospedeiro. linfócitos T. Este processo, conhecido como depleção do linfócito T, reduz a incidência e a gravidade da doença do enxerto contra o hospedeiro, ao diminuir o número de células imuno- lógicas causadoras da GVHD. Geral- mente, anticorpos contra os linfócitos T são usados para extraí-los da amos- tra das células-tronco a serem utiliza- das para o transplante. A diminuição da presença dos linfócitos T no trans- plante minimiza a intensidade da do- ença do enxerto contra o hospedeiro. Visto que os linfócitos T auxiliam o enxerto das células-tronco e podem suprimir células residuais do tumor no receptor, algumas células T são úteis nas células transplantadas. Os linfócitos T também são bené- ficos por auxiliarem as células-tronco hematopoéticas doadas a se fixarem e crescerem dentro da medula óssea do receptor. Em alguns casos, os linfóci- tos T atacam as células da leucemia, aumentando os efeitos de supressão do tratamento. Conhecido como “en- xerto contra leucemia”23, esse efeito ocorre com mais frequência na leuce- mia mielóide crônica. O ataque às cé- lulas residuais do tumor faz com que se torne menos provável que a doen- ça retorne após o transplante. Assim, os médicos responsáveis pelo trans- plante devem ser cuidadosos sobre a quantidade de células T que serão removidas durante o procedimento. Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas do Sangue e da Medula Óssea 23 O transplante singênico é aque- le em que o doador e o receptor são gêmeos idênticos e possuem o mes- mo tipo de tecido idêntico, já que suas constituições genéticas são as Transplante Singênico mesmas. Neste tipo de transplante, as células do doador não devem ser rejeitadas e os tecidos do receptor não devem ser atacados pelas células imunológicas do doador (linfócitos). Tipos de Transplante de Células-Tronco Transplante alogênico é aquele entre duas pessoas da mesma espé- cie. Nesta modalidade, o doador é es- colhido de acordo com seu tipo de te- cido, muito próximo ao do receptor. O doador compatível com o possível receptor, na maioria das ve- Transplante Alogênico zes, é um irmão ou irmã do pacien- te, visto que ambos receberam suas composições genéticas dos mesmos pais. Esse fato, embora não assegu- re a compatibilidade, aumenta con- sideravelmente a probabilidade de sua existência. Transplante Alogênico Células-tronco coletadas de um doador Paciente recebendo quimioterapia e radioterapia Células-tronco infundidas migram para a medula óssea Figura 7. Esquematização do transplante alogênico Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas do Sangue e da Medula Óssea 24 Os laboratórios de HLA podem aplicar testes para determinar o grau de compatibilidade antes de uma decisão ser tomada pela utili- zação do doador. A compatibilida- de é acessada por testes de labo- ratório que identificam o tipo de tecido do doador e do receptor. Há dois tipos de doadores alogênicos: os parentes, geralmente doado- res que são irmãos ou irmãs, e os não aparentados, freqüentemente encontrados em pesquisas muito abrangentes de voluntários e que possuem tipo de tecido compatível com o do paciente (v. Figura 7). O transplante alogênico, pro- veniente de doador aparentado ou não, difere do transplante singêni- co e do autólogo pelo potencial da rejeição (imunidade contra o doa- dor) e da doença do enxerto con- tra o hospedeiro (imunidade do doador contra o receptor). A rejei- ção é, geralmente, prevenida pelo tratamento intensivo do receptor antes do transplante (regime de condicionamento) para suprimir o sistema imunológico. A doença do enxerto contra o hospedeiro é combatida pela administração de medicamentos ao receptor após o transplante para, assim, reduzir as habilidades das células de imu- nidade doadas de atacar e preju- dicar os tecidos do paciente (v. Doença do enxerto contra o hos- pedeiro, pág. 30). O transplante autólogo de células-tronco hematopoéticas é uma importante terapia, mas, em sentido estrito, não se trata neces- sariamente de um transplante: é, na verdade, uma técnica para se obter células-tronco do sangue ou da medula óssea e retorná-las à mesma pessoa. Consequentemente, barreiras imunológicas de trans- plante não existem. Apesar desses fatores, o procedimento, referen- ciado como transplante autólogo de células-tronco da medula óssea ou do sangue, geralmente é conduzi- do numa instalação específica para Transplante Autólogo transplante e supervisionado por especialistas da área. Para ser possí- vel, esse tipo de transplante requer que uma pessoa tenha número su- ficiente de células-tronco saudáveis na medula óssea ou no sangue, in- dependentemente da doença que esteja sendo tratada. Por exemplo, em pacientes com leucemia aguda, a obtenção da remissão é necessá- ria antes que a medula óssea ou o sangue do paciente sejam colhidos e congelados para utilização poste- rior (v. Figura 8). A medula óssea do paciente po- derá conter um número pequeno, Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas do Sangue e da Medula Óssea 25 porém significativo, de células ma- lignas residuais, que não são aparen- tes quando uma amostra da medula é examinada microscopicamente. “Purgar” pode, seletivamente, livrar a medula óssea dessas células inde- sejáveis. No transplante autólogo de medula óssea ou sangue não se cor- re o risco de rejeição pela doença do enxerto contra o hospedeiro, sendo assim, não requer tratamento con- dicionador ou imunossupressivo. De qualquer forma, o paciente recebe intensa quimioterapia para destruir as células doentes residuais, sejam na leucemia, no linfoma ou mielo- ma. As células-tronco autólogas são utilizadas para restaurar a produção das células do sangue e tornar o tra- tamento tolerável. As principais preocupações nos transplantes autólogos são: a quantidade suficiente de células- tronco e a ausência de células tu- morais. A utilização das células- tronco autólogas, para restaurar a produção de células do sangue após radiação intensiva e/ou qui- mioterapia, tem sido utilizada tam- bém para o tratamento de pacien- tes pediátricos e pacientes adultos comoutros tipos de câncer. Transplante Autólogo Células-tronco coletadas de um doador Células-tronco infundidas migram para a medula óssea Células-tronco do próprio indivíduo reinfundidas Figura 8. Esquematização do transplante autólogo Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas do Sangue e da Medula Óssea 26 - Náusea e vômitos - Diarreia - Ulcerações na boca - Sangue na urina proveniente da bexiga - Esterilidade * - Queda de cabelo - Pneumonia - Oclusão (fechamento) de veias no fígado - Insufi ciência cardíaca - Menopausa precoce* - Atraso no crescimento* - Cataratas* - Perda de formação de células do sangue * Esses efeitos são mais prováveis de ocorrer se a radiação total do corpo for necessária para o condicionamento. Os pacientes com doença he- matológica em fase de se submeter ao transplante alogênico são, ini- cialmente, tratados com regime de condicionamento (quimioterapia e/ ou radioterapia). Esse tratamento tem duas funções: 1) tirar de fun- Condicionamento cionamento o sistema imunológico do paciente e minimizar as chances de que o enxerto das células-tronco sofra rejeição; 2) tratar intensiva- mente as células malignas residu- ais, a fim de diminuir o risco de re- aparecimento do tumor. O Procedimento do Transplante Tabela 2. Efeitos colaterais do condicionamento Este procedimento é uma téc- nica que utiliza doses menores de tratamento mieloablativo, tanto de radiação quanto de quimioterapia, para o condicionamento do receptor em transplante alogênico de células- tronco. Isso pode ser vantajoso para pacientes mais velhos e para aqueles com comprometimento de algum Transplante Não-Mieloablativo órgão, situações que contraindicam um transplante alogênico conven- cional. O condicionamento suprime os linfócitos T do receptor, evitando a rejeição das células-tronco do doa- dor. Os linfócitos produzidos a partir das células-tronco do doador atacam e suprimem a leucemia residual ou as células tumorais do hospedeiro. Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas do Sangue e da Medula Óssea 27 Os regimes de condicionamen- to são modificados de acordo com a doença que está sendo tratada. Ainda que os programas variem nos diferen- tes centros de transplante, geralmen- te dois sistemas são utilizados para o tratamento. Os medicamentos, como a ciclofosfamida (Enduxan), busulfan (Mileran), citarabina (Aracytin), mel- falan (Alkeran) e etoposide (Vepesid, VP-16), são administrados separada- mente ou em conjunto, com ou sem irradiação do corpo todo. A radiação é administrada por pequenas doses aplicadas diariamente. Esta técnica, conhecida como fracionamento da dose, minimiza os efeitos colaterais, como danos ao pulmão, náusea e vô- mito (v. Tabela 2, pág. 26). As medicações e a radiação são dadas durante a semana que ante- cede o transplante. A definição da duração e sequência da administra- ção depende do tipo específico do regime de condicionamento. Os dias que antecedem o transplante são classificados como menos 6, menos 5, e assim por diante. O transplan- te acontece no dia zero (infusão das células-tronco). O período após o transplante começa com o dia +1, dia +2, e assim sucessivamente. A suspensão com as células- -tronco do doador é coletada em uma bolsa plástica para san- gue. Similar a uma transfusão de sangue, a suspensão da célula é infundida na veia do paciente. Filtros especiais são utilizados para a remoção de fragmentos de ossos, partículas de gordura e grandes grupos de células origi- nárias da suspensão. A infusão da suspensão das células geralmente Infusão das Células-Tronco requer entre quatro e seis horas. Os pacientes são frequentemente verificados para a averiguação de sinais de febre, calafrios, urticá- ria, queda na pressão sanguínea ou deficiência respiratória. Em- bora os pacientes geralmente não experimentem efeitos colaterais devido à infusão, alguns efeitos, ocasionalmente, podem ser regis- trados, tratados e rapidamente resolvidos (v. Figura 4). Por volta do segundo ou ter- ceiro dia do transplante, começam a aparecer os efeitos do condicio- namento, além da diminuição da função da medula óssea. Com isso, O Período Pós-Transplante Imediato paciente é mantido em ambiente protegido para minimizar o conta- to com agentes infecciosos. De duas a cinco semanas após o transplante, é esperado o início da Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas do Sangue e da Medula Óssea 28 A maioria dos pacientes sub- metidos ao transplante alogênico para leucemia, linfoma ou mielo- ma necessita de reposição, suporte nutricional e medicação especial para tratar os efeitos da doença do enxerto contra o hospedeiro. As dosagens dos medicamentos são cuidadosamente ajustadas, depen- dendo da gravidade da doença e se o doador é aparentado ou não. O regime de condicionamento pode causar efeitos na região gastroin- testinal (boca, esôfago, estômago e intestinos), pele e folículos do cabelo, que são muito sensíveis à quimioterapia e à terapia de radia- ção. São comuns feridas na boca, náuseas, diarréia, cólicas intesti- nais e ulceração anal ou do reto. A queda de cabelo é inevitável. Os pulmões são particularmente sensíveis ao regime de condiciona- mento, especialmente pela radiação total do corpo sobreposta à quimio- Problemas Especiais terapia prévia - a pneumonia intersti- cial24 é uma reação que pode ocorrer. Essa mudança no pulmão é causada por uma reação do tecido e não signi- fica que uma infecção esteja presen- te. De qualquer forma, isso pode ser muito grave e impedir a troca eficien- te de oxigênio nos pulmões. Pequenos danos nos vasos san- guíneos podem resultar da ação dos quimioterápicos e da radioterapia. Elementos químicos, liberados pe- las reações imunológicas que ocor- rem após o transplante, também contribuem para esse efeito, já que danificam as paredes dos vasos. O fluido escapa da circulação e causa edema dos tecidos. O acúmulo de fluido no pulmão pode causar con- gestão, troca pobre de oxigênio e insuficiência respiratória. Os vasos sanguíneos do fígado podem ser parcialmente obstruí- dos após o transplante. Esse sério efeito colateral é chamado de do- 24 Pneumonia intersticial é uma séria inflamação nos pulmões que pode ocorrer como um efeito tóxico da radiação total do corpo, devido ao regime de condicionamento, e comprometer a troca de oxigênio. recuperação dos glóbulos brancos no sangue do paciente. Os glóbulos ver- melhos e as plaquetas são transfundi- dos periodicamente até que a função da medula óssea esteja restaurada. O paciente é monitorado cuidadosamen- te pelo exame físico, análise bioquími- ca do sangue, estudos de imagem e outros testes que objetivam assegurar que os órgãos nobres, como coração, pulmões, rins e fígado estejam fun- cionando normalmente. Pode ser ne- cessário um período de alimentação intravenosa, chamada alimentação parenteral, para assegurar a adequa- da ingestão nutricional. Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas do Sangue e da Medula Óssea 29 ença venoclusiva (VOD) hepática, representa a toxicidade do regime de condicionamento sobre o fígado e é caracterizado por icterícia (pele e olhos amarelos) e por acúmulo de fluidos no abdômen e em ou- tros lugares. Às vezes, podem ficar acumuladas toxinas normalmente removidas pelo fígado, levando a confusão mental e sonolência. O tratamento intensivo é ge- ralmente necessário para suprimir a função imunológica e destruir as células da doença previamente ao transplante. A supressão resultan- te dos glóbulos brancos, que nor- malmente previnem ou combatem infecções, conduz a alto risco de infecção, sendo frequentesas infec- ções por bactérias, fungos, vírus ou outros parasitas. Estes micro-organis- mos estão presentes mais frequen- temente na pele, boca ou parte mais baixa do intestino, e também são encontrados em alimentos não cozidos (como saladas, frutas fres- cas e vegetais) e no ar. Quando os níveis das células do sangue e das células imunológi- cas estão normais e quando a pele e os revestimentos internos da boca e intestino estão intactos, o corpo facilmente se defende de tais mi- cróbios. Essas defesas normais são perdidas nos pacientes transplan- tados. Por essa razão, são adminis- trados antibióticos e outros medi- Infecções camentos antimicrobianos, até que os glóbulos brancos reapareçam no sangue em número suficiente para controlar as infecções. O termo “micróbios oportunis- tas” é aplicado a agentes infecciosos que raramente causam infecções, a menos que sérias imunodeficiên- cias estejam presentes. São exem- plos: candida, aspergillus, pneu- mocistis ou toxoplasma. Como são tomadas muitas pre- cauções para reduzir o risco de in- fecção, algumas medidas incluem a utilização de quarto individual com ar filtrado, contato limitado com visitantes e lavagem meticu- losa das mãos pela equipe e pelos visitantes que entram no quarto do paciente. Além disso, o local do implante do cateter25 precisa ser mantido limpo, e frutas e vegetais crus, que podem carregar bactérias e fungos em suas superfícies, são proibidos. Estas medidas de isola- mento podem ser necessárias ao paciente durante um mês ou mais. Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas do Sangue e da Medula Óssea 30 Durante os primeiros meses após o transplante, os linfócitos do doador proliferam e podem resul- tar na doença do enxerto contra o hospedeiro, que diminui ainda mais as defesas do paciente. A doença do enxerto é uma reação comum e que pode ser de difícil percepção. Sendo mais sé- ria em pacientes mais velhos, a re- ação ocorre com maior frequência e de maneira mais séria para cada década a mais de vida. As células imunológicas de uma pessoa reconhecem as células que não são geneticamente idên- ticas. No caso do transplante de células-tronco, as células do do- ador checam cuidadosamente as células dos tecidos do receptor e, caso haja alguma diferença, elas serão atacadas. Essas diferenças podem envolver proteínas da su- perfície celular que não são ava- liadas pelo HLA, ou então poderá haver diferenças sutis no tipo HLA que permitam o transplante, mas não sem produzir a reação. Com a exceção de gêmeos idênticos, al- guma incompatibilidade existirá, mesmo que testes de HLA indi- quem similaridade suficiente para permitir que o transplante seja bensucedido. Essa diferença é particular- mente evidente se o doador e o receptor forem de sexos opostos. A gravidade da doença do enxer- to contra o hospedeiro depende do tipo e do grau das diferenças entre o paciente e o doador (v. Ta- bela 3). Por isso, a doença pode ser classificada como aguda ou crô- nica. A GVHD aguda se inicia nos primeiros 90 dias após o trans- plante e seus primeiros sinais são, geralmente, lesões de pele, como brotoeja, queimadura e vermelhi- dão na palma das mãos ou sola dos pés. A brotoeja, a queima- dura e a vermelhidão podem se espalhar pelo tronco do paciente e, eventualmente, se desenvolver pelo corpo inteiro. Pode ainda ocorrer o aparecimento de bolhas e a descamação da superfície ex- posta da pele. Náuseas, vômitos, Comprometimento da pele Comprometimento gastrointestinal Comprometimento hepático (do fígado) Tabela 3. Doença do Enxerto Contra o Hospedeiro Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas do Sangue e da Medula Óssea 31 cólicas abdominais e perda de apetite são sinais da doença do enxerto contra o hospedeiro na região gastrointestinal. Além dis- so, a diarreia é frequente e tanto a icterícia quanto a dor no abdômen indicam que a doença do enxerto contra o hospedeiro comprome- teu também o fígado. Esta doen- ça pode ser branda, moderada ou grave, podendo ainda acarretar risco de morte se as manifestações forem difíceis de controlar. A GVHD crônica geralmen- te ocorre após o terceiro mês do transplante e também pode não se desenvolver por um ano ou mais após o procedimento. Assim como ocorre no caso da doença aguda, os pacientes mais velhos e os que já tenham manifestado a doen- ça aguda estão mais propensos a desenvolver a doença do enxerto contra o hospedeiro crônica. Muitos pacientes apresentam problemas de pele. Brotoejas ou comichões podem surgir primeiro, a pele pode se tornar escurecida, com textura áspera, e o movimen- to das articulações ficar restrito. Além dos danos à pele, pode ocor- rer a queda de cabelo. A parte interna da boca e do esôfago pode ficar seca e com úl- ceras. Esta tendência a ressecar pode levar à perda da capacidade de formação da lágrima e ao res- secamento da vagina e de outras superfícies. Além da possibilidade desses mesmos efeitos, os pulmões também podem sofrer o ataque das células imunológicas do doador. No caso do fígado, esses danos podem acarretar a falha da função. A doença do enxerto contra o hospedeiro pode ser grave e per- sistente em alguns pacientes, por isso, diversas medicações, como methotrexate, glicocorticóide, hormônios (esteróides), ciclospo- rina e tacrolimus, são utilizadas para prevenir ou minimizá-la (v. Tabela 4, pág. 33). Outra técnica utilizada para reduzir a gravidade e a incidência da doença do enxer- to contra o hospedeiro é a deple- ção do linfócito T. Visto que os linfócitos T são as células desencadeadoras da reação do enxerto versus o hospedeiro, o enxerto proveniente do doador pode ser esvaziado de células T, em um esforço para minimizar o ataque imunológico (depleção do linfócito T). Enfatiza-se que a depleção é atualmente recomendada em casos muito especiais, pelo risco de recaí- da da leucemia ou linfoma. Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas do Sangue e da Medula Óssea 32 Alguns centros de transplante executam transplantes autólogos em pacientes de ambulatório e al- guns pacientes podem ter parte do transplante autólogo ou alogênico realizada em ambulatórios. Entre três e cinco semanas após o transplante, muitos pacien- tes já conseguiram se recuperar de maneira suficiente para deixar o hospital. Isto porque um pacien- te só é liberado quando a medula óssea produzir número suficiente de glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas saudáveis e também quando esse paciente não apresentar complicações. Há variações de paciente para paciente quanto à recuperação da contagem de células do sangue e da gravidade de outras compli- cações associadas, especialmente a questão da doença do enxerto contra o hospedeiro. Quando as células do sangue retornam, o paciente tem sensa- ção de bem-estar. As inflamações na boca, assim como a diarréia, diminuem ou desaparecem e o apetite melhora. Antes de deixar o hospital, é importante que o pa- ciente seja capaz de comer e be- ber. A ausência de febre, vômito e diarréia são também considera- ções importantes. Antes da libera- ção, o médico e o paciente devem estar seguros de que não há ne- cessidades remanescentes que exi- jam vigilância muito próxima ou recursos baseados no hospital. Em geral, a recuperação de um transplante autólogo é mais rápida, por isso algumas das difi- culdades e restrições descritas a se- guir são aplicáveis principalmente nos transplantes alogênicos. Após ser liberado do hospi- tal, o paciente continua seu pro- cesso de recuperação em casa. Para isso, ele aprende que sinais como febre, dor e diarréia, entre outros, devem ser rapidamente informadosao médico responsá- Tratamento Imediato vel pelo tratamento. Visitas à casa do paciente por enfermeiros ou médicos e visitas do paciente ao ambulatório permitem, na maioria dos casos, um acompa- nhamento apropriado e ajustado às atividades e medicamentos. A princípio, essas visitas devem ser freqüentes. Após vários meses, se tudo estiver correndo conforme o previsto, o cateter venoso pode ser removido e a frequência de vi- sitas do paciente diminuída. Deixando o Hospital Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas do Sangue e da Medula Óssea 33 anticorpos contra as Célula T globulina antitimocitana azathioprine ciclofosfamida ciclosporina methotrexate prednisona tacrolimus Esse processo demora de seis a 12 meses (ou até um pou- co mais) para a recuperação bem próxima dos níveis normais das células do sangue e da função das células imunológicas. Durante esse período, o paciente deve evi- tar contato com multidões em sho- pping centers, centros religiosos, festas ou shows, a fim de reduzir os riscos de infecção. Os pacien- tes também devem ser avisados para evitar o contato com crian- ças que tenham sido imunizadas contra a paralisia infantil (Sa- bin). A imunidade que o paciente tinha de vacinações prévias pode ser diminuída, e a reimunização com vacinas produzidas a partir de organismos inativos pode ser de grande utilidade. Se o paciente foi tratado com radiação total do corpo durante o condicionamento, o cristalino dos olhos pode ter sido exposto à ra- diação, havendo, então, a possibi- lidade do desenvolvimento prema- turo de catarata. A radiação das gônadas conduz à esterilidade nos homens e menopausa precoce nas mulheres. No caso dos homens, a reposição hormonal geralmente não é necessária. Já nas mulheres assim tratadas, a terapia de repo- sição com estrogênio e progeste- rona é invariavelmente necessá- ria, indefinidamente. As crianças podem ter taxa de crescimento lento e, por isso, podem preci- sar de tratamento hormonal para crescimento, além da reposição de outros hormônios. Em pacientes muito jovens, a puberdade pode ser atrasada e a terapia hormonal também se fará necessária. A ra- diação pode diminuir as funções da tireóide e tornar necessária a administração oral desse hormô- nio. A gravidade da doença do en- xerto contra o hospedeiro tem im- pacto maior nos percursos a longo prazo. Se essa reação imunológica estiver presente, o paciente estará suscetível a infecções. Tabela 4. Alguns medicamentos utilizados para o tratamento da doença do enxerto contra o hospedeiro Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas do Sangue e da Medula Óssea 34 O diagnóstico de uma doença como o câncer pode provocar res- posta emocional significativa nos pacientes, em sua família e amigos. Negação, depressão, desespero e medo são reações comuns que, por vezes, interferem na resposta aos esquemas médicos de tratamento. As dúvidas sobre a doença, o medo do desconhecido e as incerte- zas sobre o futuro são temas que os pacientes devem discutir profunda e frequentemente com suas famílias, médicos e enfermeiros. O estresse emocional pode ser agravado por di- ficuldades no trabalho, estudos ou na interação com a família e amigos. Explicações abrangentes, abor- dando, inclusive, perspectivas de re- missão e planos de tratamento podem trazer alívio em termos emocionais, auxiliando o paciente a focar-se no tratamento que tem pela frente e nas perspectivas de recuperação. Membros da família ou entes Aspectos Sociais e Emocionais queridos podem ter perguntas a respeito da quimioterapia e de métodos alternativos de trata- mento. Médicos e equipe de saúde devem conversar abertamente e de forma clara com o paciente que assistem, esclarecendo suas dúvi- das. Profissionais de saúde como psicólogos ou psico-oncologistas, além de compreenderem a com- plexidade das emoções e as ne- cessidades especiais daqueles que convivem com a doença, dispõem de recursos e técnicas para lidar com elas de forma eficaz. Cabe lembrar que também os profissionais de saúde por vezes apresentam respostas emocionais importantes diante de insucessos terapêuticos, de pacientes ou fami- liares agressivos, de toda a carga de expectativas, ansiedades e tensões que acompanham todas as etapas das doenças onco-hematológicas, que vão do diagnóstico à cura ou à morte. É importante, e natural, que estes profissionais também re- cebam apoio psicológico. Glossário de Termos Médicos Aférese (ou Hemaférese) Processo de remoção de certos componentes do sangue de um doador, restituindo-lhe os componentes não necessários. Esse procedimento funciona pela circulação contínua do sangue do doador através de uma máquina que separa as células desejadas (por exemplo, células-tronco hematopoéticas), retornando os demais elementos novamente ao doador. Essa técnica permite, por exemplo, a coleta de plaquetas de um único doador em número suficiente para uma transfusão (em vez de seis ou oito doadores diferentes). Assim, o receptor das plaquetas é exposto a um número menor de doadores ou pode receber plaquetas compatíveis com o HLA de um único doador com quem tenha laços de sangue. Essa técnica também é utilizada para remover células-tronco hematopoéticas da circulação, de forma que possam ser congeladas, armazenadas e utilizadas posteriormente, substituindo a coleta de células-tronco hematopoéticas da medula óssea, para um transplante. Anemia Diminuição do número de glóbulos vermelhos e, consequentemente, da concentração da hemoglobina no sangue (abaixo de 10%, quando o normal é de 13 a 14%). Como consequência, a capacidade de transporte de oxigênio do sangue é diminuída. Quando severa, a anemia pode causar fisionomia pálida, fraqueza, fadiga e falta de fôlego após esforços. Antibióticos Medicações que matam ou interrompem o crescimento de células. Derivados de micróbios, como bactérias ou fungos, os antibióticos são utilizados principalmente para tratar doenças infecciosas e têm como exemplo clássico a penicilina. Em alguns casos, os antibióticos também podem ser utilizados como agentes anticâncer, como a antraciclina. Anticorpos Proteínas produzidas principalmente pelos linfócitos B (do qual são derivados os plasmócitos) como resposta a substâncias estranhas denominadas antígenos. Por exemplo, agentes infecciosos, como vírus ou bactérias, fazem com que os linfócitos produzam anticorpos para defender o organismo. Em alguns casos (como o vírus do sarampo), os anticorpos têm função protetora e impedem a segunda infecção. Esses anticorpos podem ser utilizados para identificar células específicas e melhorar os métodos de classificação das doenças onco-hematológicas (v. Imunofenotipagem). Antígenos Qualquer parte de uma molécula capaz de ser reconhecida pelo sistema imunológico como estranha ao organismo. Apoptose Morte celular programada. Normalmente, os genes da célula determinam a duração de sua vida, pois esses codificam as proteínas que executam esse processo. Em algumas células sanguíneas cancerígenas, a morte rápida da célula pode impedir o seu desenvolvimento normal, ao passo que a morte muito lenta pode levar ao acúmulo de grande número de células anormais. O termo apoptose deriva do termo grego usado para “folhas que caem”, traçando uma analogia com a morte das folhas em árvores caducas que são repostas por novas folhas. Assim, as células mortas são repostas por células novas em um processo normal, cuidadosamente controlado, para que se mantenha o número adequado de células em cada tecido em uma pessoa saudável. Baço Órgão do corpo que se localiza na porção superior esquerda do abdômen, bem abaixo do diafragma. Contém aglomerados de linfócitos (similarmente
Compartilhar