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O DIREITO NAS SOCIEDADES PRIMITIVAS Introdução histórica Segundo Cristiano da Paixão Araújo Pinto, pode-se ilustrar a transição das formas arcaicas de sociedade para as primeiras civilizações da Antiguidade mediante três fatores históricos: a) o surgimento das cidades cuja origem pode-se situar no Paleolítico, na Mesopotâmia. Pode-se dizer que o processo de destribalização teve início no século IV a . C. , tendo-se notícia da formação de cidades nos anos 3100-2900 a. C., na Baixa Mesopotâmia, isto é, região designada por Suméria, nas margens do Rio Eufrates. b) a invenção e domínio da escrita, estreitamente ligada ao surgimento das cidades, cujas primeiras manifestações (cuneiformes) se deram na Mesopotâmia, por volta de 3.100 a. C. c) o advento do comércio e, numa etapa posterior, da moeda metálica, por um sistema de trocas de mercadorias, e venda em mercados ou na navegação. A síntese desses três elementos (cidades-escrita-comércio), como esclarece o mencionado Cristiano da Paixão Araújo Pinto. representou a derrocada de uma sociedade fechada, organizada em tribos ou clãs, com pouca diferenciação de papéis sociais e fortemente influenciada, no plano das mentalidades, por aspectos místicos ou religiosos. Há, nestas sociedades arcaicas, um direito ainda incipiente, bastante concreto, cognoscível apenas pelo costume e que se confunde com a própria religião. A construção de uma sociedade urbana, aberta a trocas políticas, mais dinâmica e complexa, demandará, contudo, um novo direito, cujas primeiras manifestações ocorrem na Mesopotâmia e no Egito. Já o período, em Roma, é aquele conhecido como a Realeza (753 a . C. a 510 a . C), o qual, em razão dos objetivos deste trabalho e da importância do Direito Romano, não será aqui estudado. No que se refere ao direito grego, é o período que se inicia com o aparecimento da polis, meados do século VIII a C. , e vai até o seu desaparecimento e surgimento dos reinos helenísticos do século III a C., isto é, "esse período de cinco séculos corresponde aos convencionalmente denominados época arcaica (776 a 480 a C., datas dos primeiros Jogos Olímpicos e batalha de Salamina, respectivamente) e período clássico (quinto e quarto séculos a C.)". Introdução ao estudo da história do Direito "Na maioria das sociedades remotas, a lei é considerada parte nuclear de controle social, elemento material para prevenir, remediar ou castigar os desvios das regras prescritas. A lei expressa a presença de um direito ordenado na tradição e nas práticas costumeiras que mantêm a coesão social", no dizer de Antonio Carlos Wolkmer. Assim, falar em um direito arcaico ou primitivo implica, contudo, ter presente uma diferenciação da pré-história e da história do direito e ainda, quanto aos horizontes de diversas civilizações, no sentido de precisar o surgimento dos primeiros textos jurídicos com o aparecimento da escrita, tudo dependendo do grau de evolução e complexidade de cada povo. Por isso, prossegue Wolmer: o direito arcaico pode ser interpretado a partir da compreensão do tipo de sociedade que o gerou. Se a sociedade da pré-história fundamenta-se no princípio do parentesco, nada mais considerar que a base geradora do jurídico encontra-se, primeiramente, nos laços de consanguinidade, nas práticas do convívio familiar de um mesmo grupo social, unido por crenças e tradições. Num tempo em que inexistiam legislações escritas e códigos formais, as práticas primárias de controle são transmitidas oralmente, marcadas por revelações sagradas e divinas, vale dizer, constata-se esse caráter religioso do direito arcaico, imbuído de sanções rigorosas e repressoras, fato que levou os sacerdotes-legisladores a serem os intérpretes e executores destas leis (recebidas diretamente do Deus da cidade), onde o ilícito se confundia com a quebra da tradição e com infração ao que a divindade havia proclamado. A formação do direito nas sociedades primitivas Como se vê, no dizer de Wolkmmer, não se trata, na época, de um direito escrito mas de um conjunto disperso de usos, práticas e costumes, reiterados por um longo período de tempo e publicamente aceitos. É o tempo do direito consuetudinário, em que não se conheceu a invenção da escrita, em que uma casta ou aristocracia "investida do poder judicial era o único meio que poderia conservar, com algum rigor, os costumes da raça ou tribo Registre-se, contudo, que a inversão e a difusão da técnica da escritura, somada à compilação de costumes tradicionais, proporcionaram os primeiros Códigos da Antiguidade, a saber, o de Hamurabi, o Código de Manu, a Lei das XII Tábuas e, na Grécia, as legislações de Dracon e de Sólon. A seguir, pequeno resumo destas primeiras compilações. O código de Hamurabi Para parte das fontes históricas, o código de Hamurabi teria sido promulgado aproximadamente em 1694 a . C., e contem dispositivos a respeito de todos os aspectos da vida da sociedade babilônica, isto é: comércio, família, propriedade, herança (art. 167 a 173), adoção (ex. art. 185 a 194), escravidão, sendo os direitos acompanhados da respectiva punição, mas variando de acordo com a categoria social do infrator e da vítima. Código de Manu Sua data de promulgação situa-se aproximadamente entre os anos de 1300 a 800 a. C. e foi redigido de forma poética: as regras são expostas em versos, composto de mais de cem mil dísticos (grupo de dez versos), mas que interessam, para efeito dos estudos jurídicos, os livros Oitavo e Nono. Lei das XII Tábuas Proposta pelo tribuno Tarentílio Arasa, em 462 a . C., mas elaborada pelos Decênviros (eleitos em 461 a . C. ), a Lei das XII Tábuas – também chamada simplesmente de Lex, ou ainda Legis XII Tabularum ou Lex Decenvilaris - resultou num conjunto de 10 tábuas gravadas sobre bronze ou carvalho, em 451 a . C., as quais foram acrescidas mais duas tábuas no ano seguinte. É considerada como a fonte de todo direito público e privado para os próprios romanos. Seu grande valor consiste em ter sido uma das primeiras leis que ditava normas eliminando as diferenças de classes, isto em função de as leis do período monárquico não mais se adaptarem à nova forma de governo, isto é, à República; e por ter sido a que deu origem ao Direito Civil e às ações da lei, evidenciando-se o caráter tipicamente romano (povo prático, objetivo e imediatista). O direito e a sociedade Mesopotâmia e Egito A história e o direito se misturam com o desenvolvimento das sociedades constatados através de seus documentos, testemunhos e fontes históricas conforme. (PINTO, 2003) “Não há direito fora da sociedade. E não há sociedade fora da história.” (PINTO, 2003, p. 21) Niklas Luhmann classifica três grandes grupos de manifestações do direito, o direito arcaico, o direito antigo e o direito moderno. (PINTO, 2003) O direito arcaico e o antigo são verificados no Egito e na Mesopotâmia. A transição do direito arcaico para o antigo se deve a partir de três fatos históricos conforme o autor, O surgimento das cidades, a invenção e domínio da escrita e o advento do comércio, posteriormente a criação da moeda metálica. (PINTO, 2003) As cidades surgem da necessidade de agrupamento e proteção de seus elementos, com isso passam a se fixar e cultivar, o que ocorreu primeiramente na Mesopotâmia. A estrutura dessas primeiras cidades eram as cidades cercadas por muralhas, uma espécie de subúrbio extramuro e o porto fluvial. (PINTO, 2003) Também é na baixa Mesopotâmia em torno de 3.100 a.C, o surgimento da primeira escrita, mais complexa, com maior número de sinais, aspectos ideográficos e fonéticos, a escrita cuneiforme. As civilizações do Egito e da Mesopotâmia,em sua geografia se desenvolveram praticamente no mesmo tempo histórico, sua escrita e urbanização também. Segundo o autor, a Mesopotâmia e o Egito formaram suas civilizações próximos dos rios, Tigre, Eufrates e Nilo. E claro com a proximidade dos rios o plantio, agricultura, e a navegação fluvial foi essencial para o transporte de mercadorias e sofisticação do comércio, aumentando a população e propiciando um maior desenvolvimento político e economia. (PINTO, 2003) Na política a Mesopotâmia e o Egito também continuam similares, desenvolvendo a monarquia como forma de governo, mais com diferenças evidentes. No Egito desde a consolidação da unificação dos reinos do Sul e do Norte, até o final dos períodos de predominância persa e início da dominação romana, consolidou-se uma monarquia unificada com um poder central bastante definido, titularizada pelo Faraó, sendo o mesmo considerado o próprio Deus na terra, sendo sua realeza egípcia nunca foi contestada. (PINTO, 2003) Na Mesopotâmia a política era diversa, fundando cidades, designadas cidades-estados com alto grau de independência. (PINTO, 2003). A Mesopotâmia e o Egito na economia seu aspecto comum é que plantavam e utilizavam a navegação como meio de transporte. O Egito era rico em vários produtos minerais, mais pobre em madeira, e as condições de irrigação e drenagem do solo eram bastante favoráveis na extensão do rio Nilo. (PINTO,2003). Na Mesopotâmia havia carência de minerais (com exceção do cobre) e solo ainda que bastante fértil, apresenta problemas quanto a dificuldade de drenagem e contenção do avanço da vegetação desértica. A civilização Mesopotâmica dependia do comercio em grau sensivelmente superior ao Egito, o que causaram grandes reflexos no desenvolvimento do direito privado nessas duas cidades. (PINTO, 2003). O direito nas civilizações Mesopotâmica e Egípcia possuía a característica como relata nosso autor, de ideia de Revelação Divina. O primeiro documento escrito na história do direito foi o código de Ur-Nammu, que surgiu entre 2.140 e 2.004 a.C, com o intuito de criar um meio termo entre o direito arcaico e as formas abstratas e gerais que compunham o direito moderno. O código dividia os homens entre homens livres e os escravos, bem como os funcionários que trabalhavam nos palácios e templos, que tinham uma liberdade limitada. (PINTO, 2003) As normas ligavam-se predominantemente ao direito penal, existindo a importância concedida pelas cidades da Mesopotâmia às penas pecuniárias. Outros códigos surgem na Mesopotâmia, após o código de Ur-Nammu, entre outros o código de Lipit-Ishtar redigido possivelmente entre 1934 e 1924 a.C, contendo um prólogo, epílogo e 43 artigos e o código de Esnunna, mais extenso e completo possuindo 60 artigos, traz uma simbiose entre matéria civil e penal, que caracterizará o código de Hammurabi. (PINTO, 2003) Este código foi promulgado aproximadamente em 1694 a.C, apogeu do império babilônico do rei Hammurabi, conforme autor cita, este código possuía 3600 linhas de texto, 282 artigos, que discorriam sobre penas definidas e até institutos do direito privado, e regulamentação do domínio econômico, tentativa de delimitação de salários e preços, tabelamento oficial. Delimitação do direito de família, a mulher torna-se proprietária de seu dote, podendo propor ação para retornar a sua família de origem em caso de má conduta do marido levando seu dote consigo. (PINTO, 2003) O código prevê também o instituto da adoção e sucessão. O direito penal trazido por esse código centraliza o poder nas mãos do soberano, e no que diz respeito aos delitos utilizam o princípio de autotutela e retaliação com penas de mutilação e castigos físicos. A grande herança deste código foi o a regulamentação do direito privado, contendo contratos e negócios jurídicos, como contrato de compra e venda, arrendamento, depósito, e essa responsabilidade civil é levada a sério. (PINTO, 2003) Apesar do Egito não contar com tanto informação quanto a Mesopotâmia, há, contudo excertos de contratos, testamentos, decisões judiciais, e atos administrativos, grande referencia as normas jurídicas em textos sagrados e narrativas literárias. Seu maior legado deixado foi a consagração na aplicação do direito, um princípio de justiça simbolizada pela deusa Maat. A aplicação do direito deve ser feito para agradar ao Deus Maat, na tradução, Verdade e Ordem propriamente dita. E como o faraó ela Deus na terra, era através dele que se tomavam todas as decisões em nome de Maat. (PINTO, 2003) O direito e a sociedade dos hititas Os Hititas são os antepassados diretos dos turcos otomanos, aplicavam suas leis com o máximo de abrandamento do rigor, dispondo de composição pecuniária, não aplicavam a lei de Talião, ao invés de olho por olho, dente por dente, aplicavam multas e indenizações, os castigos corporais, pena de morte e cruéis mutilações eram muito raros, conforme narra nosso autor. (PALMA, 2011) Na política os Hititas viviam uma monarquia constitucional segundo C.W. Ceram, neste sistema conferia um herdeiro varão a prerrogativa de tomar assento do trono e de suceder a monarquia. Possuíam um conselho fiscalizador com autoridade de julgar, condenar o rei se necessário até a pena de morte se quisessem. (PALMA, 2011) Em 1258 a.C foi assinado um dos primeiros tratados de paz da historia do direito entre os Hatusitis III e Ramses II, conforme fala o autor. (PALMA, 2011) O direito e a sociedade persa Os persas são de origem indo-europeia, com traços étnicos-linguistico, como conta o autor R.F. Palma, desenvolveram-se no planalto de Irã e construíram grande império, sobrepujando a hegemonia Babilônica. (PALMA, 2011) Utilizavam a escrita cuneiforme derivada da Suméria, adaptada ao idioma local, com isso, foram registrados os escritos literários essencialmente religiosos, e as leis a reger o império. (PALMA, 2011) Sua religião aproximava-se do credo hebraico, acreditando em uma divindade que representava todo o bem, a Ahura-Masda e uma do mal a Arinã. O direito persa admitia três crimes, crime conta a Masda, crime contra o rei, e contra o próximo. E apesar de sua grande severidade os roubos eram costumeiros. O direito civil na pérsia se destaca o direito de família, e de sucessão, regulamentaram também o matrimônio, a adoção, a antecipação da herança e a participação nos bens. (PALMA, 2011) A aplicação de suas leis utilizavam veneno, crucificação, enforcamento, lapidação (morte por apedrejamento) durante o império de Ciro o grande houveram momentos de benevolência. (PALMA, 2011) Direito e a sociedade hebraica O direito Hebraico foi profundamente vinculado ao sagrado, uma fonte de inspiração e revelação divina, um conjunto de regras preceitos religiosos monoteístas conforme relata o autor. (PALMA, 2011). Seu antigo testamento “Tanak” contribuiu para o desenvolvimento filosófico doutrinário da cultura hebraica. Formado pelo Toráh (Pentateuco), Neebin (Profetas) e Ketubin (escritos). (PALMA, 2011) A essência da legislação de Israel Antigo é o Toráh, o mesmo se subdivide entre o código da Aliança e o código da Santidade ou Sacerdotal, possuindo 613 leis, 365 preceitos negativos e outros 248 positivos. O direito hebraico apresenta todo seu esplendor através do Decálogo (asseguravam que foi o dedo de Deus que escreveu) os Dez Mandamentos. (PALMA, 2011) Acreditamos por um tempo que o cerne das leis foi transmitido no final da Idade do Bronze Oriental (sec. XII a.C) no entanto outras leis foram produzidas com a instauração da monarquia por volta de 1020 a.C. Este processo de criação continuou por todo o séc. VIII a.C, quanto teve inícioa Era dos Profetas de Israel. (PALMA, 2011) Quando estudamos as leis antigas como a de Israel, só serão compreendidas se considerarmos a religião hebraico como forte influencia praticando o monoteísmo. A tradição hebraica, assegurava a revelação divina, teve lugar entre os patriarcas Abraão e Jacob, acreditavam que eles firmaram um pacto com Deus. O direito sagrado se projeta no conteúdo jurídico do chamado Antigo Testamento, o direito e o sagrado se fundem como um todo. (PALMA, 2011) Paul Johnson sita “Moises é a figura central na história Judaica... Se Abrão era o antepassado da raça, Moisés foi a força essencialmente criativa, o modelador do povo...” O autor fala que na cultura Judaica Deus é o único modelo de justiça, “Tsedaka” a justiça absoluta. O modelo a ser seguido para a pratica do bem estava no Israel Antigo, Torah e seus mandamentos. No séc. VIII a.C os profetas acusavam os juízes de não praticar a justiça verdadeira, pois não se comoviam com as viúvas, órfãos, estrangeiros e pessoas necessitadas. (PALMA, 2011) A lei hebraica sempre foi fundada na caridade o amor ao próximo. Todos deveriam dar o melhor de si para o progresso da humanidade seguir os mandamentos e cuidar dos pequenos. Os hebreus desenvolveram leis de caráter civilista. Os negócios jurídicos eram constantes desde o 2 milênio a.C. Comprovam esta verdade inúmeros contratos encontrados na Mesopotâmia e seus entorno, uma espécie de Direito civil israelita. (PALMA, 2011) Constatou-se o penhor, como garantia de dividas, mais não aceitando instrumentos da agricultura, e a inviolabilidade do lar, que também não podem ser penhorados. A herança já era regulamentada pelo direito mosaico, o primogênito herdava tudo e manteria sua mãe e irmãos. O casamento era celebrado mediante contrato conhecido como Ketubah é pago o dote aos pais da noiva. O divórcio era aceito pelo Torah, caso a noiva não seja virgem, desagradasse de alguma forma seu marido. Existia também a defesa do consumidor, não aceitando desonestidade como meio de enriquecimento. O Torah preservava a vida, responsabilidade civil, aconselhando as construções a colocar parapeito nas sacadas a fim de preservar a vida dos moradores e evitar acidentes. Os hebreus não distinguiam lei e religião como o autor já relatou, em nenhum outro lugar da Antiguidade foi reunido tantos preceitos éticos tão universalmente aceitos por um povo. (PALMA, 2011) A Torah busca a preservação dos pequenos, dos desvalidos, procurando assegurar o mínimo de assistência e amparo aos menos favorecidos. Sua lei amparava os órfãos, as viúvas, os estrangeiros e os pobres, suas leis buscavam equilibrar as relações sociais. (PALMA, 2011) O DIREITO GREGO ANTIGO (meados do século VIII a. C. a século III a. C.). As legislações de Dracon e de Sólon Introdução Ao se iniciar o estudo da Grécia Antiga, é costume dividir sua história em vários períodos, a saber: o arcaico (do oitavo ao sexto século a. C.), o clássico (quinto e quarto séculos a. C.), o helenístico (de Alexandre Magno à conquista romana do Mediterrâneo oriental), o romano (a partir da derrota de Antonio e Cleópatra, por Augusto). O objeto do presente estudo se volta para o período iniciado com o aparecimento da polis (metade do século VIII a. C.) e vai até o século III a. C. (surgimento dos reinos helenísticos), isto é, um período de cinco séculos correspondente às denominadas época arcaica (776 a 480 a. C, cujo marco histórico são os primeiros Jogos Olímpicos e a batalha de Salamina) e período clássico (quinto e quarto séculos a. C). O estudo sobre a Grécia ficará centrado nas instituições da cidade de Atenas, utilizada pelos historiadores como paradigma, dada a sua importância: é dela que se tem mais informações (Aristófanes; oradores áticos; historiadores e a Constituição de Atenas, de Aristóteles); Atenas foi onde a democracia melhor se desenvolveu e o direito atingiu sua mais perfeita forma quanto a legislação e processo. A época arcaica é um período de grandes transformações, entre as quais a colonização, o comércio, o aparecimento da moeda, o surgimento de nova classe social (plutocratas), a escrita e a obra dos legisladores (sabe-se que dois códigos de leis foram redigidos em Atenas, separados por um período de 30 anos, o primeiro por Dracon, o segundo por Solon, como se verá mais adiante). Sobre a colonização, pode-se dizer que foi uma prática que continuou até o período helenístico (excesso de população, secas ou chuvas em demasia, dificuldades de alimentar a população, são motivos para se fundar uma apokia – lugar distante). Foi dessa forma que os gregos se espalharam pelo mediterrâneo. Além de dispersarem geograficamente os gregos, a colonização estimulou o comércio e indústria (cerâmica, principalmente), atividades incrementadas com o aparecimento e adoção da moeda (Lídia, século VII a. C.), fatos que propiciaram, por sua vez, à acumulação de riquezas e ao aparecimento de uma nova classe, a dos plutocratas. Com o surgimento dos plutocratas, a aristocracia perdeu o poder econômico, embora ainda mantivesse o poder político, por ela controlado mas, posteriormente, retirado com as reformas introduzidas pelos legisladores. A obra dos legisladores: Zaleuco, Dracon e Sólon Retirar o poder das mãos da aristocracia com leis escritas foi o papel dos legisladores, destacando-se, inicialmente, Zaleuco de Locros (650 a. C.), a quem é atribuído o primeiro código escrito de leis e ter sido o primeiro legislador a fixar penas determinadas para cada tipo de crime. Outro importante legislador da época foi Drácon (620 a.C.), que fornece a Atenas seu primeiro código de leis. Ficou conhecido por sua severidade, cuja lei relativa ao homicídio foi mantida pela reforma de Sólon, sobrevivendo até nossos dias graças a uma inscrição em pedra. Foi ele o responsável pela introdução de importante princípio do direito penal: a distinção entre os diversos tipos de homicídio: voluntário – julgados pelo Areópago; homicídio involuntário e em legítima defesa, julgados pelo Tribunal dos Éfetas, composto de 4 tribunais de 51 pessoas com mais de 50 anos e designadas por sorteio. O Areópago (mais antigo tribunal ateniense) enviava a esses tribunais os casos de homicídio involuntário ou desculpável. O Código de Sólon é completamente diferente. Vê-se que corresponde a uma grande revolução social. A primeira coisa que aí se observa é que as leis são as mesmas para todos. Não estabelecem distinção entre o eupátrida, o simples homem livre e o teta. Estes nomes nem sequer figuram em nenhum dos artigos que nos foram conservados. Sólon se vangloria nos seus versos de ter escrito as mesmas leis para os grandes e para os pequenos. O direito antigo prescrevia que o filho primogênito fosse o único herdeiro. A lei de Sólon se distancia disso e afirma em termos formais: "Os irmãos repartirão o patrimônio". Mas o legislador não se afasta ainda do direito primitivo a ponto de conferir à irmã uma parcela da sucessão. "A partilha – diz ele – se fará entre os filhos". E há mais: se um pai deixa apenas uma filha, esta filha única, não pode ser herdeira; é sempre o agnado mais próximo que detém a sucessão. Nisto Sólon se conforma ao antigo direito. Ao menos, consegue dar à filha o gozo do patrimônio forçando o herdeiro a desposá-la. O parentesco entre as mulheres era desconhecido no antigo direito. Sólon o admite no direito novo, mas colocando-o abaixo do parentesco por via masculina ["Se um pai morre intestado deixando apenas uma filha, o agnado mais próximo herda desposando essa filha. Se não deixar filho algum, seu irmão herdará e não sua irmã; e seu irmão germano ou consangüíneo, enão seu irmão uterino. À falta de irmãos, ou de filhos dos irmãos, a sucessão passará a sua irmã. Se não houver nem irmãos, nem irmãs, nem sobrinhos, os primos e seus filhos do lado paterno herdarão. Se não houver primos no lado paterno (ou seja, entre os agnados), a sucessão será deferida aos colaterais do lado materno (quer dizer, aos cognados"]. Sólon introduz ainda na legislação ateniense algo de muito novo, o testamento (lembre-se que, antes, os bens pertenciam ao indivíduo, mas sim à família). O legislador permite, então, ao homem dispor de sua fortuna e escolher seu legatário [mas] o filho foi conservado como herdeiro necessário. Se o morto deixasse somente uma filha, não podia escolher seu herdeiro a não ser sob a condição de tal herdeiro desposar sua filha; sem filhos, o homem era livre para testar como quisesse (regra absolutamente nova no direito ateniense). Sabe-se que Sólon proibiu o pai de vender a filha [a religião primitiva o permitia], a não ser que ela tivesse cometido um delito grave. É verossímil que a mesma proibição protegesse o filho, [permitindo a este] que chegou a uma certa idade que escape do poder paterno. Os costumes, senão as leis, passaram de modo pouco perceptível a estabelecer a maioridade do filho, mesmo que o pai ainda estivesse vivo. Para a mulher a lei de Sólon se conformava ainda ao direito antigo, proibindo-a de fazer testamento, porque a mulher jamais fora realmente proprietária, podendo ter apenas em usufruto. Mas a lei de Sólon se afasta desse direito antigo ao permitir à mulher que retome seu dote. Havia ainda outras novidades nesse código. Em oposição a Drácon, que concedera o direito de demandar em justiça um crime somente à família da vítima, Sólon o concedeu a todo cidadão. Mais uma regra do velho direito patriarcal a desaparecer". Ainda no mesmo período ora estudado pode-se apontar o aparecimento de tiranos (640- 630 a.C.), entre os quais Pisístrato (546-510), déspota esclarecido cujo período coincide com importante fase de desenvolvimento econômico de Atenas (são desta fase as famosas moedas de prata com a imagem da coruja, símbolo da deusa protetora da cidade). Este tirano mantém o que Sólon tinha estabelecido. Por vontade do povo, é eleito Clístenes (510 a.C.), considerado o pai da democracia grega porque, atuando como legislador, realizou verdadeira reforma e instaurando nova Constituição. Posteriormente, com as guerras pérsicas (490 e 489-479 a.C.), inicia-se a era clássica da Grécia (séculos V e IV a.C.), destacando-se generais gregos (Milcíades, com a vitória em Maratona); Temístocles, com a vitória naval de Salamina; Elfíates (retira a maioria dos poderes do Aerópago) e, finalmente, Péricles, que estabelece a remuneração para o tempo a serviço da polis. É na época clássica que se consolidam as principais instituições gregas: a Assembléia, o Conselho dos Quinhentos (boulê) e os Tribunais da Heliaia. Por volta de 430 a.C. (Guerra do Peloponeso), estima-se que Atenas tivesse cerca de 300 mil habitantes,dos quais 30 a 40 mil eram cidadãos e de 100 a 150 mil eram escravos (democracia escravagista?), mas pode-se dizer que Atenas atingiu sua maioridade e elevado grau de democracia (e que foi estendido para outras cidades gregas). A Assembléia do Povo era a principal das instituições e eram onde as decisões eram efetivamente tomadas. A lei grega escrita como fonte de poder É consenso que os historiadores têm dado pouca importância ao direito grego por que seu estudo tem sido feito mais por parte dos filósofos (que não se preocupavam muito com a verdade jurídica) e por romanistas, que permaneceram fechados em suas categorias tradicionais. Pode-se adicionar outra razão: a de que a escrita grega surgiu e se desenvolveu ao longo da história da civilização grega, tendo atingido sua maturidade somente após o ocaso dessa civilização. Estivessem a escrita, os meios de escrita e a tecnologia da produção de livros em adiantado estágio quando a civilização grega atingiu seu auge, como foi o caso da civilização romana, talvez teríamos outra história quanto ao direito grego: é que direito e escrita se interelacionam e se confundem com a própria história da civilização grega. A escrita surge como nova tecnologia, permitindo a codificação das leis e sua divulgação (em que os legisladores exerceram papel destacado), o que levou à participação do povo e daí, à perda do monopólio da aplicação do direito, então nas mãos da aristocracia. Sabe-se que as grandes obras de Atenas do século V a.C. foram escritas em dialeto ático, mas a Odisséia, datada do século VIII a.C. foi escrita em dialeto jônico. O alfabeto fonético grego data de 776 a.C. (data em que se aponta como a realização da Primeira Olimpíada). Duas outras características podem ter contribuído, ainda, para obscurecimento do direito grego, ao longo da história: a) a recusa do grego em aceitar a profissionalização do direito e da figura do advogado (que, quando existia, não podia receber pagamento) b) os gregos preferiam falar e ouvir a escrever: Heródoto, fez leituras públicas da sua História; os filósofos ensinavam mediante o discurso e a discussão; Platão (que escreveu em forma de diálogos) exprimiu abertamente sua desconfiança dos livros (não podem ser inquiridos e, por conseguinte, as suas ideias estão fechadas a correção ou ao maior aperfeiçoamento e, além disso, "enfraquecem a memória"); Sócrates conseguiu sua reputação apenas com uma longa vida de conversação, já que não escreveu uma linha sequer. A preferência dos gregos à fala também é reforçada pelas dificuldades que a escrita ainda apresentava (séc. V a. C.), como a pouca disponibilidade e o alto custo do material para escrita e produção de obras para consumo (o papiro foi introduzido no século IV a. C., vindo de Cartago; o pergaminho teve sua utilização coincidente no momento em o apogeu da Grécia já tinha passado e Roma dominava). O que levou os gregos a utilizarem a escrita para publicar suas leis tem sido objeto de controvérsias. Acredita-se que em determinado ponto da história (por volta do séc. VII a. C.), o povo começou a exigir leis escritas para assegurar melhor sua forma de aplicação. É provável, também, que as primeiras leis escritas reduziram as contendas entre os membros da polis, aumentaram o alcance e a eficiência do sistema judiciário e culminaram, por fim, por aumentar gradualmente o poder das cidades, às custas das famílias e dos indivíduos. O direito grego e suas fontes. A retórica grega como instrumento de persuasão jurídica Os gregos não elaboram tratados sobre o direito, limitando-se apenas à tarefa de legislar (criação das leis) e administrar a justiça pela resolução de conflitos (direito processual). Tem-se notícia de que os assassinatos eram resolvidos pelos membros das famílias das vítimas, que buscavam e matavam o assassino, dando início a disputas sangrentas sem fim. Somente no meio do século VII a. C., estabeleceram os gregos suas primeiras leis codificadas oficiais. As fontes das leis escritas são encontradas em inserções em pedra, madeiras e bronze, mas não chegaram até nós como os escritos da filosofia, literatura e história porque estes foram constantemente citados, copiados, o que não ocorreu com as leis gregas. Os gregos tinham muito clara a distinção (superada, neste século XXI, com o advento dos Estados Democráticos de Direito,) entre lei substantiva (o próprio fim que a administração da justiça busca; determina a conduta e as relações com respeito aos assuntos litigados) e lei processual (trata dos meios e dos instrumentos pelos quais o fim deve ser atingido, regulando a conduta e as relações dos tribunais e dos litigantes comrespeito à litigação em si). Como forma de solução de controvérsias havia árbitros públicos (visava reduzir a carga dos dikastas: o árbitro era designado pelo magistrado e tinha como principal característica a emissão de um julgamento correspondente à moderna arbitragem, mas que deu origem à jurisdição, tal como em Roma) e árbitros privados (meio alternativo mais simples e mais rápido, realizado fora do tribunal, para se resolver um litígio, em que as próprias partes escolhiam os árbitros entre pessoas de sua confiança. Buscava-se a equidade). Por outro lado, embora não chegassem a diferenciar o direito civil do penal ou o direito público do privado, havia uma forma de mover uma ação: ação pública (graphé) – por cidadãos que se considerassem prejudicados pelo Estado – e ação privada (diké) – um debate judiciário entre dois litigantes, reivindicando um direito ou apresentando uma defesa, adstrito às partes (exemplos: assassinato, propriedade, assalto, violência sexual, roubo, etc.). Cabia à pessoa lesada ou a seu representante legal intentar a ação, fazer a citação, tomar a palavra na audiência, sem auxílio do advogado. Não havia, também juízes e promotores, apenas dois litigantes dirigindo-se a centenas de jurados (cidadãos comuns, os heliastas, sorteados anualmente), com julgamentos completados em um ou dois dias. Os juízes dos demos tinham a responsabilidade da investigação preliminar, facilitando a vida dos cidadãos no campo. Particular característica dessa época era a utilização da retórica como instrumento de persuasão dos litigantes gregos, em sessões de trabalho para julgar os casos apresentados junto à heliaia (grande demonstração de que o povo era soberano em matéria judiciária, era o grande tribunal popular e onde a cidade se reunia para julgar todas as causas, tanto públicas quanto privadas, à exceção dos crimes de sangue que ficavam sob a alçada do areópago, o mais antigo tribunal de Atenas: seus membros eram os ex-arcontes). Os litigantes dirigiam-se diretamente aos jurados através de um discurso (ajudados algumas vezes por amigos e parentes), sendo o julgamento um exercício de retórica e persuasão, para convencer a maior parte de jurados. Não havia advogado profissional, porque nenhum litigante corria o risco de admitir que seu discurso era na realidade um discurso fantasma, feito por um orador profissional. Como bem apontado por Raquel de Souza, as pessoas em Atenas que correspondem mais de perto à nossa idéia de advogado, não eram os oradores nos tribunais, mas aqueles que forneciam discursos para os clientes (logógrafos) para serem apresentados pelas partes em seu próprio benefício. Os logógrafos eram pessoas com considerável familiaridade com as leis e o processo, e se utilizavam da retórica como meio eficaz de persuasão (no sentido grego original, a palavra retórica significava orador e se referia à arte de dizer, de eloqüência, e tinha como objetivo original persuadir com a força dos argumentos e com a conveniência da expressão) As instituições gregas As instituições gregas e que se consolidaram na época clássica, podem ser classificadas em instituições políticas de governo da cidade e instituições relativas à administração da justiça, entre as quais os tribunais (organizados em justiça criminal – o Areópago e os Efetas – e justiça civil – os árbitros, os heliastas e os juízes dos tribunais marítimos). Assim, temos entre as primeiras (governo da cidade): Assembléia do Povo (ekklêsia), composta por todos os cidadãos acima de 20 anos e de posse de seus direitos políticos; se reuniam na praça pública (ágora) ou no grande teatro de Dionísio (quarto século), que delibera, decide, elege e julga. Constituía-se no órgão de maior autoridade; O Conselho dos Quinhentos (boulê): composto de 500 cidadãos (50 para dada tribo), com idade acima de 30 anos e escolhidos por sorteio a partir de candidatura prévia. Eram submetidos a exame moral prévio pelos conselheiros antigos. O papel do Conselho, devido à sua dedicação total à atividade pública, era o de auxiliar da Assembléia. Assim, examinava, preparava as leis e as controlava; Os Estrategos (501 a. C.), em número de 10 eleitos pela Assembléia, eram eleitos e reeleitos indefinidamente. Tinham que ser cidadãos natos, casados legitimamente (não eram elegíveis os solteiros) e possuir uma propriedade financeira na Ática que assegurassem alguma renda. Sua atividade principal era administrar a guerra, distribuir os impostos e dirigir a polícia de Atenas e a defesa nacional. Foram aos poucos substituindo os arcontes como verdadeiros chefes do poder executivo; Os Magistrados eram sorteados dentre os candidatos eleitos (não poderiam ser reeleitos). Havia vários tipos de magistraturas, quase sempre agrupadas em colegiado, sendo o grupo mais importante o dos arcontes. o arconte rei (basileu) tinha funções religiosas e presidia os tribunais do Areópago. Seis arcontes, denominados tesmótetas (thesmothétai) eram os presidentes de tribunais e, a partir do quarto século a. C., passaram a revisar e coordenar anualmente as leis. Resumindo, instruíam os processos, ocupavam-se dos cultos e exerciam as funções municipais. Características e fontes do direito arcaico Segundo Jonh Gilissen, pode-se distinguir algumas características do direito nas sociedades arcaicas, a saber: a) o direito não era legislado, vez que as populações não conheciam a escritura formal e suas regras de regulamentação mantinham-se e conservavam-se pela tradição, isto é, os costumes eram transmitidos oralmente, de geração para geração; b) cada organização social possuía um direito único, que não se confundia com o de outras formas de associação, com suas próprias regras, vivendo com autonomia e tendo pouco contato com outros povos (a não ser pelas guerras), fato explicado talvez pelas longas distâncias e, principalmente, pelas características geográficas de cada lugar; c) corolário deste pensamento é que há uma diversidade destes direitos não escritos diante de uma gama de sociedades atuantes, advinda da especificidade para cada um dos costumes jurídicos concomitantes e de possíveis e inúmeras semelhanças ou aproximações de um para outro sistema primitivo. De todo modo, pode-se dizer (com o mesmo Gilissen) que o direito arcaico está profundamente contaminado pela prática religiosa, isto é, o direito estava totalmente subordinado à imposição de crenças dos antepassados, ao ritualismo simbólico e à força das divindades. Um sincretismo nebuloso mesclava e integrava, no religioso, as regras de cunho social, moral e político. d) o que é jurídico, nos dias de hoje, não pode ser aplicado às sociedades da pré-história, onde não havia uma diferenciação efetiva entre o que é jurídico do que não é jurídico, embora este caráter tivesse sido implantado paulatinamente (variando no tempo e no espaço) na medida em que, constrangendo (no sentido de se sentir obrigado), garantiu o cumprimento das normas de comportamento.
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