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O Navio abortador O denominado "barco ou navio do aborto", que pertence a uma organização não- governamental holandesa (Women On Waves), continua navegando pelo mundo todo. Em 29 de agosto de 2004 foi impedido de se aproximar de Portugal. Cuidando-se de embarcação privada e estando em alto-mar (fora das 12 milhas marítimas que integram o território dos países), todo aborto que nele é realizado deveria ser punido, por força do princípio da bandeira ou do pavilhão, pelo país da bandeira do barco (Holanda, no caso). Ocorre que a Holanda não pune o aborto em várias situações e a gestante conta, naquele país, com grande liberdade de atuação (no sentido de se praticar o aborto). Conclusão: nem no Brasil nem em Portugal (aliás, em nenhum país) pode-se punir o aborto feito no interior desse navio, quando ele se encontra em alto-mar (leia-se: além das 12 milhas). Isso é o que decorre das normas do chamado Direito penal internacional (que é o conjunto de regras que disciplinam o direito de punir de um Estado frente aos outros Estados). Também não é o caso de incidência do Direito Internacional Penal (porque a situação foge da competência do T.P.I.). O princípio básico que rege esse assunto (âmbito de eficácia espacial do Direito penal) é o da territorialidade. Quanto ao nosso país, ao crime ocorrido no território nacional, aplica-se a lei penal brasileira (CP, art. 5º: "Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional"). Não se trata, como se vê, de regra absoluta. No caso de imunidade diplomática, embora o crime venha a ocorrer no Brasil, aplica-se a lei do sujeito ativo que desfruta de tal imunidade (e no seu país de origem, não no Brasil). A isso dá-se o nome de intraterritorialidade (que é o oposto de extraterritorialidade). O conceito de território nacional envolve o solo, o subsolo, o mar e o ar respectivo (excluído o espaço cósmico, que é de uso comum de todos os países - cf. Tratado do Espaço Cósmico, da ONU, ratificado pelo Decreto 64.362/69). Nosso mar territorial hoje compreende 12 milhas (Lei 8.617/93). A zona contígua, que já é alto-mar, abarca as 12 milhas seguintes ao território nacional. Mas a zona contígua, reitere-se, está fora do território brasileiro. É alto-mar. Extensão do território nacional: por força do art. 5º, §§ 1º e 2º, do CP, "Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as embarcações brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto- mar"; "É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se aquelas em pouso no território nacional ou em vôo no espaço aéreo correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil". Do que acaba de ser transcrito, podemos inferir quatro regras fundamentais sobre a extensão do território brasileiro: a) embarcações e aeronaves públicas brasileiras ou a serviço do poder público: aplica-se sempre a lei brasileira, onde quer que se encontrem. b) embarcações e aeronaves privadas brasileiras: aplica-se a lei brasileira se estão no território nacional ou em alto mar (observa-se aqui o princípio do pavilhão ou da bandeira); c) embarcações e aeronaves privadas estrangeiras: só se aplica a lei brasileira se estiverem em território brasileiro. d) embarcações e aeronaves públicas estrangeiras ou a serviço do poder público estrangeiro: não se aplica a lei brasileira. No caso de crime cometido a bordo de embarcações ou aeronaves privadas brasileiras, quando em território estrangeiro, em princípio, não se aplica a lei brasileira, salvo se o crime não for julgado no país em que foi concretizado (CP, art. 7º, II, "c"). Nesse caso, o Brasil representa o país onde se deu o crime. Princípio da representação. As embaixadas estrangeiras no Brasil são também território brasileiro (para fins penais). Mas se o autor do crime goza de imunidade diplomática, não se aplica a lei penal brasileira. O famoso navio abortador já esteve próximo da costa brasileira e aqui foram realizados (conforme se noticiou) muitos abortos. Mas nada foi feito (nem seria mesmo possível) em termos de repressão penal. Tal fato não é punível no Brasil. Examinadas as regras (de Direito penal internacional) que foram alinhadas, verifica-se que quando o crime ocorre a bordo de avião ou navio privado estrangeiro, só se aplica a lei penal brasileira se ele se encontra dentro do território brasileiro. Estando em alto-mar, deve-se respeitar a lei do pavilhão ou da bandeira (leia-se: a lei do país onde o avião ou navio está registrado). E se a lei desse país não pune o fato praticado, só resta concluir que não se trata de fato punível. Não há que se falar, ademais, em extraterritorialidade da lei penal brasileira: primeiro porque ela exige fato ocorrido no estrangeiro (e alto-mar não é território estrangeiro); segundo porque o fato não é punível no país onde o navio está registrado (no caso, Holanda). Restaria examinar o convite público que sempre é feito para que gestantes se submetam ao aborto. Mas isso tampouco é punível. Incitação só existe quando se trata de incitar à prática de crime (leia-se de fato punível). Apologia somente existe quando se trata de crime (isto é, de fato punível). Se o aborto realizado em alto-mar, em navio estrangeiro privado, não é punível no seu país de origem, não há que se falar em fato punível. Logo, não há incitação ao crime nem apologia de crime. Salvo melhor juízo, é uma hipótese de impunidade absoluta em razão da não incidência de nenhuma norma do Direito penal.
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