Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Capı´tulo 5 Uma Introduc¸a˜o ao Ca´lculo de Volumes Para introduzir o conceito de volume, o professor deve, antes de qualquer tentativa de uma definic¸a˜o formal, apresentar uma ide´ia intuitiva e fornecer diversos exemplos para que os alunos possam compreender do que vai se falar. E qual e´ a primeira coisa que devemos dizer? Na˜o nos ocorre nenhuma outra frase melhor que a seguinte: Volume de um so´lido e´ a quantidade de espac¸o por ele ocupada. Com esta ide´ia, inu´meras comparac¸o˜es provocativas podem ser feitas. Dadas duas caixas, qual delas tem maior volume? Quem tem maior volume: Maria ou Pedro? Observando uma panela pe- quena e uma garrafa, que objeto parece ter maior volume? Uma bola de futebol ou uma caixa de sapatos? Muitas comparac¸o˜es sa˜o o´bvias, outras na˜o. No caso da panela e da garrafa, pode-se encher a garrafa com a´gua e despejar dentro da panela. Para comparar volumes de objetos impermea´veis pode- mos mergulha´-los, um de cada vez, em um reservato´rio contendo a´gua ate´ o bordo e comparar a quantidade de a´gua que transbor- dou. Se tivermos um reservato´rio cilı´ndrico de vidro, podemos colar em sua parede uma escala de nossa escolha e, com ela medir volumes de pequenos objetos impermea´veis, como uma pedra de formato irregular, por exemplo. Este tipo de experieˆncia e´ um elemento motivador para o estu- do dos volumes e pode ate´ ser eventualmente de alguma utilidade pra´tica, mas na maioria dos problemas que teremos que enfren- tar, e´ totalmente inu´til. Por exemplo, o mestre de obras precisa 73 74 Temas e Problemas saber o volume de concreto que sera´ utilizado na construc¸a˜o das colunas, vigas e lajes de um edifı´cio. A forma e as dimenso˜es de cada um destes objetos esta˜o na planta e o ca´lculo do volume deve ser feito antes que o edifı´cio exista. Alguns objetos sa˜o pequenos demais, ou grandes demais, ou sa˜o inacessı´veis ou, simplesmen- te, na˜o existem concretamente. Sentimos enta˜o a necessidade de obter me´todos para o ca´lculo de volumes, pelo menos de objetos simples, conhecendo sua forma e suas dimenso˜es. Para medir esta grandeza chamada volume, devemos compara´- la com uma unidade e, tradicionalmente, a unidade de volume e´ o cubo cuja aresta mede uma unidade de comprimento, denominado de cubo unita´rio. Por exemplo, se um cubo tem 1 cm de aresta, seu volume e´ a unidade chamada de centı´metro cu´bico (cm3). 1 1 1 1 unidade de volume Figura 36 Assim, o volume de um so´lido deve ser um nu´mero que ex- prima quantas vezes ele conte´m o cubo unita´rio. Esta e´ a ide´ia que devemos ter para desenvolver o estudo dos volumes mas, con- venhamos que ainda tem um significado muito vago. Por exem- plo, quantos cubos unita´rios de 1 cm de aresta cabem dentro de uma panela? Na˜o saberı´amos dizer. Entretanto, esta ide´ia inicial vai nos permitir calcular precisamente o volume de um parale- lepı´pedo retaˆngulo, ou simplesmente, um bloco retangular. Uma Introduc¸a˜o ao Ca´lculo de Volumes 75 1 O volume do bloco retangular Imaginemos inicialmente umm bloco retangular com dimenso˜es 4 cm, 3 cm e 2 cm. Qual e´ o seu volume? 4 3 2 Figura 37 Observando o desenho, na˜o ha´ du´vida que este bloco pode ser dividido em 4×3×2 = 24 cubos unita´rios e, portanto, seu volume e´ de 24 cm3. A maioria dos livros dida´ticos brasileiros usa um exem- plo como este para “concluir” que o volume de um paralelepı´pedo retaˆngulo qualquer e´ o produto de suas dimenso˜es. Este chute e´ difı´cil de aceitar. O que ocorre se as dimensa˜o do bloco na˜o forem inteiras? Continua valendo o produto? Por que? Esta´ certo que em muitas ocasio˜es o professor na˜o pode fazer em sala de aula uma demonstrac¸a˜o completa de cada um dos con- teu´dos exigidos no programa do ensino me´dio. Mas, se na˜o o fizer, deve oferecer algo mais que a fo´rmula pronta ou o decreto publi- cado no livro dida´tico. Vejamos um exemplo. Exemplo. Calcule o volume do bloco retangular de 5,6 cm de com- primento, 4,7 cm de largura e 2,0 cm de altura (Figura 38). Para resolver este problema, dividamos cada aresta do cubo unita´rio (com 1 cm de aresta) em 10 partes iguais (Figura 39). Trac¸ando pelos pontos de divisa˜o planos paralelos a`s faces, dividi- mos esse cubo unita´rio em 1000 cubinhos de aresta 1/10. 76 Temas e Problemas 5,6 4,7 2 Figura 38 1 1 10 _ Figura 39 Naturalmente que o volume de cada cubinho e´ v = 1/1000, e e´ fa´cil contar quantos destes cubinhos enchem o bloco retangular dado: sa˜o 54 × 47 × 20 cubinhos. Logo, o volume do bloco retan- gular e´ igual ao nu´mero de cubinhos multiplicado pelo volume de 1 cubinho, ou seja, 56× 47× 20× 1 1000 = 5,6× 4,7× 2,0. Este singelo exemplo confirma o produto das dimenso˜es para o ca´lculo do volume do bloco retangular e conte´m a esseˆncia do que e´ necessa´rio para a demonstrac¸a˜o no caso em que as medidas das arestas sa˜o nu´meros racionais (veja o Problema 1 proposto no Uma Introduc¸a˜o ao Ca´lculo de Volumes 77 final deste capı´tulo). Para o caso geral, onde as medidas das arestas do bloco retan- gular sa˜o nu´meros reais positivos quaisquer, o volume e´ ainda o produto dessas medidas e, para demonstrar, usaremos o teorema fundamental da proporcionalidade. O roteiro para a demonstrac¸a˜o esta´ no Problema 2. Consideremos portanto estabelecido que o volume de um bloco retangular cujas arestas medem x, y e z, e´ dado por V = xyz. 2 A definic¸a˜o do volume Chamaremos de poliedro retangular a todo so´lido formado pela reunia˜o de um nu´mero finito de blocos retangulares justapostos. Figura 40 O volume de um poliedro retangular e´ a soma dos volumes dos blocos retangulares que o constituem. Vamos enta˜o definir o volu- me de um so´lido S qualquer utilizando os poliedros retangulares contidos em S. 78 Temas e Problemas Seja V o volume de S e seja v(P) o volume de um poliedro re- tangular P contido em S. O nu´mero V na˜o e´ ainda conhecido mas deve satisfazer a` condic¸a˜o v(P) ≤ V para todo poliedro retangu- lar P contido em S. Para cada poliedro retangular P contido em S, mas na˜o igual a S, e´ possı´vel sempre obter um poliedro retangu- lar P ′, maior que P e ainda contido em S. Basta acrescentar a P novos blocos retangulares que ainda estejam dentro de S. Portan- to, v(P) < v(P ′) ≤ V, o que quer dizer que v(P) e´ uma aproximac¸a˜o por falta para o volume de S e v(P ′) e´ uma aproximac¸a˜o melhor para este resultado. Continuando este procedimento, obteremos aproximac¸o˜es cada vez melhores para o volume de S e essa ide´ia conduz a` definic¸a˜o: V = v(S) e´ um nu´mero real cujas aproximac¸o˜es por falta sa˜o os volumes dos poliedros retangulares contidos em S (veja o Problema 3 para comenta´rios sobre esta definic¸a˜o). 3 So´lidos semelhantes Seja B(x, y, z) um bloco retangular de dimenso˜es x, y e z. Os blocos B(x, y, z) e B ′(x ′, y ′, z ′) sa˜o semelhantes se, e somente se, x ′ = kx, y ′ = ky e z ′ = kz para algum nu´mero real positivo k, chamado raza˜o de semelhanc¸a (ou fator de ampliac¸a˜o). Os volumes de B e B ′ sa˜o tais que v(B ′) = kx · ky · kz = k3 xyz = k3 v(B), ou seja, multiplicando as arestas de B por k, seu volume ficou multipli- cado por k3 (Figura 41). Este resultado vale naturalmente para poliedros retangulares semelhantes P e P ′, e levando em conta a definic¸a˜o de volume, vale tambe´m para dois so´lidos semelhantes quaisquer: A raza˜o entre os volumes de so´lidos semelhantes e´ o cubo da raza˜o de semelhanc¸a. Os argumentos acima na˜o esta˜o demonstrando este importan- tı´ssimo resultado. Eles esta˜o apenas mostrando as ide´ias neces- sa´rias para a demonstrac¸a˜o. Para realiza´-la, o conceito de seme- lhanc¸a e´ fundamental e para conhecer ou rever este assunto, reco- mendamos a leitura do livro “Medida e Forma em Geometria” do prof. Elon Lages Lima (p. 33 e 55). UmaIntroduc¸a˜o ao Ca´lculo de Volumes 79 S S’ x y z kx ky kz Figura 41 4 O Princı´pio de Cavalieri O ca´lculo dos volumes dos diversos so´lidos so´ vai avanc¸ar com esta nova ferramenta. Imagine inicialmente um so´lido qualquer S apoiado em um plano horizontal H. Imagine tambe´m que S tenha sido cortado por planos paralelos a H em fatias muito finas, todas de mesma altura. Observe enta˜o que o so´lido S pode mudar de forma quando deslizamos ligeiramente cada fatia em relac¸a˜o com a que esta´ abaixo dela. Podemos assim obter um outro so´lido S ′, diferente de S, mas com o mesmo volume de S, uma vez que eles sa˜o constituı´dos das mesmas fatias (Figura 42). S S’ H Figura 42 80 Temas e Problemas Esta ide´ia inicial ja´ nos conduz a dois importantes resultados. a) Dois prismas de mesma base e mesma altura teˆm mesmo volume (Figura 43). Figura 43 b) Duas piraˆmides de mesma base e mesma altura possuem mesmo volume (Figura 44). Figura 44 As situac¸o˜es que acabamos de apresentar constituem um caso bastante particular do princı´pio que vamos enunciar. Aqui, fatias que esta˜o na mesma altura nos dois so´lidos sa˜o congruentes. Mas, em uma situac¸a˜o mais geral, considerando dois so´lidos quaisquer A e B (Figura 45), se as duas fatias que estiverem na mesma altu- ra tiverem mesma a´rea enta˜o, como possuem mesma espessura, tera˜o muito aproximadamente volumes iguais. Tanto mais apro- ximadamente quanto mais finas forem. Sendo o volume de cada so´lido a soma dos volumes das respectivas fatias, e a aproximac¸a˜o entre os volumes das fatias podendo tornar-se ta˜o precisa quanto se deseje, concluı´mos que os volumes de A e B sa˜o iguais. Uma Introduc¸a˜o ao Ca´lculo de Volumes 81 h A B SA B S Figura 45 O Princı´pio de Cavalieri e´ enunciado da seguinte forma: Sejam A e B dois so´lidos. Se qualquer plano horizontal secciona A e B segundo figuras planas de mesma a´rea, enta˜o estes so´lidos teˆm volumes iguais. E´ preciso deixar claro ao leitor que o Princı´pio de Cavalieri na˜o pode ser demonstrado com apenas os recursos da Matema´tica elementar. Ele deve ser incorporado a` teoria como um axioma, mas os argumentos anteriores sa˜o bastante intuitivos e convin- centes. Os exercı´cios que se seguem, complementam o texto, su- gerem demonstrac¸o˜es e algumas aplicac¸o˜es. 5 Comenta´rio final Nos livros dida´ticos brasileiros, este assunto e´ apresentado, em geral, de forma bastante insatisfato´ria. Muitos sequer dizem o que significa calcular um volume e va´rios chutam, sem do´ nem piedade, todas as fo´rmulas. Alguns citam o Princı´pio de Cavalie- ri, mas na˜o o utilizam corretamente, e outros nem isto fazem. O importantı´ssimo conceito de semelhanc¸a na˜o e´ abordado por ne- nhum deles e, por consequ¨eˆncia, a teoria presente nesses livros e´ quase ininteligı´vel. Para refereˆncias adequadas ao professor do ensino me´dio reco- mendamos: 82 Temas e Problemas • “Medida e Forma em Geometria” – Elon Lages Lima – SBM • “A Matema´tica do Ensino Me´dio”, vol. 2 – 4 autores – SBM Uma Introduc¸a˜o ao Ca´lculo de Volumes 83 Problemas Propostos∗ 1. Demonstre que o volume de um bloco retangular cujas medidas das arestas sa˜o nu´meros racionais e´ o produto das treˆs dimenso˜es. Sugesta˜o: Treˆs nu´meros racionais sempre podem ser expressos como frac¸o˜es de mesmo denominador. Considere enta˜o como di- menso˜es do bloco retangular os nu´meros a/d, b/d e c/d, e mos- tre que o volume e´ o produto dessas treˆs dimenso˜es. 2. Mostre que o volume de qualquer bloco retangular e´ o produto de suas dimenso˜es. Sugesta˜o: Verifique que se duas dimenso˜es do bloco ficam constan- tes, o volume e´ proporcional a` terceira dimensa˜o. Use o teorema fundamental da proporcionalidade (Capı´tulo 1 desde livro) para concluir o resultado. 3. Explique melhor a definic¸a˜o que demos para o volume V de um so´lido qualquer S: V = v(S) e´ o nu´mero real cujas aproximac¸o˜es por falta sa˜o os volumes dos poliedros retangulares contidos em S. 4. Uma questa˜o do vestibular da UFRJ era assim: desmanchando um brigadeiro (uma bola de massa de chocolate) de raio R, quantos brigadeiros de raio R/2 podemos formar? 5. Uma loja para turistas vende miniaturas da esta´tua do Cristo Redentor feitas em gesso, umas com 10 cm de altura e outras com 15 cm de altura. Se as menores pesam 120 g, cada uma, quanto pesam as maiores? 6. Demonstre que o volume de um prisma qualquer e´ o produto da a´rea da base pela altura. 7. Divida um prisma triangular em treˆs piraˆmides triangulares de mesmo volume (Figura 46). ∗Soluc¸o˜es na pa´gina 165. 84 Temas e Problemas Figura 46 8. Demonstre que o volume de qualquer piraˆmide e´ a terc¸a parte do produto da a´rea da base pela altura. 9. Por que o volume de um cilindro de base circular com raio R e altura h e´ πR2 h? 10. Calcule o volume de um cone com base circular de raio R e altura h. 11. Mostre que o volume de um tronco de cone de altura h cujas bases sa˜o cı´rculos de raios R e r e´ dado por V = πh 3 (R2 + r2 + Rr). 12. Todos no´s utilizamos frequ¨entemente dois tipos de copos pla´s- ticos descarta´veis. Os maiores para a´gua ou refrigerante e os me- nores para o cafe´. a) Observe os dois copos e deˆ um chute baseado apenas na intuic¸a˜o: quantas vezes o volume do copo grande e´ maior que o do copo pequeno? b) Com uma re´gua, mec¸a as dimenso˜es dos copos, calcule os volumes e veja se a sua intuic¸a˜o estava pro´xima do resultado correto. 13. Fac¸a uma pesquisa nos livros que voceˆ dispo˜e e mostre como se pode calcular o volume de uma esfera de raio R.
Compartilhar