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Igualdade e diferenca - Flavia Piovesan e Roberto Dias

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1
PIOVESAN, Flávia e SILVA, Roberto B. Dias da. “Igualdade e diferença: o 
direito à livre orientação sexual na Corte Européia de Direitos Humanos e no 
Judiciário brasileiro”. In VIEIRA, José Ribas (Org.). 20 da Constituição cidadã 
de 1988: efetivação ou impasse institucional? Rio de Janeiro: Forense, 2008, 
p. 341-367. 
 
[a paginação original está indicada entre colchetes – ao citar o trabalho, 
pede-se usá-las] 
 
 
IGUALDADE E DIFERENÇA: 
O DIREITO À LIVRE ORIENTAÇÃO SEXUAL NA CORTE EUROPÉIA DE 
DIREITOS HUMANOS E NO JUDICIÁRIO BRASILEIRO 
 
Flávia Piovesan 
Professora doutora em Direito Constitucional e Direitos 
Humanos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 
Professora de Direitos Humanos dos Programas de Pós 
Graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 
da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e da 
Universidade Pablo de Olavide (Sevilha, Espanha); visiting 
fellow do Human Rights Program da Harvard Law School (1995 
e 2000), visiting fellow do Centre for Brazilian Studies da 
University of Oxford (2005), visiting fellow do Max Planck 
Institute for Comparative Public Law and International Law 
(Heidelberg - 2007), procuradora do Estado de São Paulo, 
membro do CLADEM (Comitê Latino-Americano e do Caribe 
para a Defesa dos Direitos da Mulher), membro do Conselho 
Nacional de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana e membro 
da SUR – Human Rights University Network. 
 
Roberto B. Dias da Silva 
Mestre e doutor em Direito Constitucional pela Pontifícia 
Universidade Católica de São Paulo. Professor de Direito 
Constitucional da mesma Universidade, nos cursos de 
graduação e especialização. 
 
 2
1. Introdução 
 
 Como revisitar a concepção da igualdade à luz do direito à 
diferença e do direito ao reconhecimento de identidades? De que modo os 
sistemas global, regional e local, cada qual ao seu modo, têm enfrentado a 
temática da igualdade e da diferença? Qual [342] é o alcance do direito à 
igualdade e da cláusula da não discriminação considerando as 
especificidades de cada sistema? Qual tem sido a experiência das Cortes 
nacionais, especialmente do Supremo Tribunal Federal, ao tratar do direito à 
igualdade e à diferença, sobretudo após a promulgação da Constituição 
Federal de 1988? A partir de um diálogo global, inter-regional e nacional, 
quais são as perspectivas para avançar na proteção do direito à igualdade e 
à diferença? 
 São estas as questões centrais a inspirar o presente estudo, 
que tem por objetivo maior enfocar os direitos à igualdade e à diferença sob 
as perspectivas global, regional e nacional, adotando como case study o 
direito à livre orientação sexual, sob a análise comparativa da jurisprudência 
nacional e da Corte Européia de Direitos Humanos, fomentando, assim, um 
diálogo emancipatório sob a ótica dos direitos humanos. 
 
2. Revisitando a concepção da igualdade à luz do direito à diferença 
 
 A ética dos direitos humanos é a ética que vê no outro um ser 
merecedor de igual consideração e respeito, dotado do direito de 
desenvolver as potencialidades humanas de forma livre, autônoma e plena. 
É a ética orientada pela afirmação da dignidade e pela prevenção ao 
sofrimento humano. 
 Os direitos humanos refletem um construído axiológico, a partir 
de um espaço simbólico de luta e ação social. No dizer de Joaquin Herrera 
Flores,1 compõem uma racionalidade de resistência, na medida em que 
traduzem processos que abrem e consolidam espaços de luta pela 
 
1 Joaquín Herrera Flores, Direitos Humanos, Interculturalidade e Racionalidade de 
Resistência, mimeo, p. 7. 
 3
dignidade humana. Invocam uma plataforma emancipatória voltada à 
proteção da dignidade humana. 
 Ao longo da história, as mais graves violações aos direitos 
humanos tiveram como fundamento a dicotomia do "eu versus o outro", em 
que a diversidade era captada como elemento para aniquilar direitos. Vale 
dizer, a diferença se tornava visível para conceber o "outro" como um ser 
menor em dignidade e direitos, ou, em situações limites, um ser esvaziado 
mesmo de qualquer dignidade, um ser descartável, um ser supérfluo, objeto 
de compra e venda (como na escravidão) ou de campos de extermínio 
(como no nazismo). Nesta direção, além da escravidão e do nazismo, 
merecem destaque as violações do sexismo, do racismo, da xenofobia, da 
homofobia e de outras práticas de intolerância.2 
 O temor à diferença é fator que permite compreender a 
primeira fase de proteção dos direitos humanos, marcada pela tônica da 
proteção geral e abstrata, com base na igualdade formal, eis que o legado 
do nazismo pautou-se na diferença como base para as políticas de 
extermínio, sob o lema da prevalência e da superioridade da raça pura 
ariana e da eliminação das demais. 
 [343] Torna-se, contudo, insuficiente tratar o indivíduo de forma 
genérica, geral e abstrata. Faz-se necessária a especificação do sujeito de 
direito, que passa a ser visto em sua peculiaridade e particularidade. Nesta 
ótica, determinados sujeitos de direitos, ou determinadas violações de 
direitos, exigem uma resposta específica e diferenciada. Neste cenário, as 
mulheres, as crianças, as populações afro-descendentes, os migrantes, as 
pessoas com deficiência, dentre outras categorias vulneráveis, devem ser 
vistas nas especificidades e peculiaridades de sua condição social. Ao lado 
do direito à igualdade, surge também como direito fundamental, o direito à 
diferença. Importa o respeito à diferença e à diversidade, o que lhes 
assegura um tratamento especial. 
 
2 Como leciona Amartya Sen, "identity can be a source of richness and warmth as well as of 
violence and terror". O autor ainda tece aguda crítica ao que denomina como “serious 
miniaturization of human beings”, quando é negado o reconhecimento da pluralidade de 
identidades humanas, na medida em que as pessoas são “diversily different” (Amartya Sen, 
Identity and Violence: The illusion of destiny, New York/London, W. W. Norton & Company, 
2006, p. XIII e XIV e p. 4). 
 4
 Destacam-se, assim, três vertentes no que tange à concepção 
da igualdade: a) a igualdade formal, reduzida à fórmula “todos são iguais 
perante a lei” (que, ao seu tempo, foi crucial para a abolição de privilégios); 
b) a igualdade material, correspondente ao ideal de justiça social e 
distributiva (igualdade orientada pelo critério sócio-econômico); e c) a 
igualdade material, correspondente ao ideal de justiça como reconhecimento 
de identidades (igualdade orientada pelos critérios de gênero, orientação 
sexual, idade, raça, etnia e demais critérios). 
 Para Nancy Fraser, a justiça exige, simultaneamente, 
redistribuição e reconhecimento de identidades. Como atenta a autora: “O 
reconhecimento não pode se reduzir à distribuição, porque o status na 
sociedade não decorre simplesmente em função da classe. [...] 
Reciprocamente, a distribuição não pode se reduzir ao reconhecimento, 
porque o acesso aos recursos não decorre simplesmente em função de 
status.”3 Há, assim, o caráter bidimensional da justiça: redistribuição somada 
ao reconhecimento. Atente-se que esta feição bidimensional da justiça 
mantém uma relação dinâmica e dialética, ou [344] seja, os dois termos 
relacionam-se e interagem mutuamente, na medida em que a discriminação 
implica pobreza e a pobreza implica discriminação. 
 
3 Afirma Nancy Fraser: “O reconhecimento não pode se reduzir à distribuição, porque o 
status na sociedade não decorre simplesmente em função da classe. Tomemos o exemplo 
de um banqueiro afro-americano de Wall Street, que nãoconsegue tomar um táxi. Neste 
caso, a injustiça da falta de reconhecimento tem pouco a ver com a má distribuição. [...] 
Reciprocamente, a distribuição não pode se reduzir ao reconhecimento, porque o acesso 
aos recursos não decorre simplesmente da função de status. Tomemos, como exemplo, um 
trabalhador industrial especializado, que fica desempregado em virtude do fechamento da 
fábrica em que trabalha, em vista de uma fusão corporativa especulativa. Neste caso, a 
injustiça da má distribuição tem pouco a ver com a falta de reconhecimento. [...] Proponho 
desenvolver o que chamo concepção bidimensional da justiça. Esta concepção trata da 
redistribuição e do reconhecimento como perspectivas e dimensões distintas da justiça. 
Sem reduzir uma à outra, abarca ambas em um marco mais amplo”. (Nancy Fraser, 
Redistribución, reconocimiento y participación: hacia un concepto integrado de la justicia, In: 
Unesco, Informe Mundial sobre la Cultura, 2000-2001, p.55-56). Ver ainda da mesma autora 
o artigo “From Redistribution to Recognition? Dilemmas of Justice in a Postsocialist age” em 
seu livro Justice Interruptus. Critical reflections on the "Postsocialist" condition, NY/London, 
Routledge, 1997. Sobre a matéria, consultar Axel Honneth, The Struggle for Recognition: 
The moral grammar of social conflicts, Cambridge/Massachussets, MIT Press, 1996; Nancy 
Fraser e Axel Honneth, Redistribution or Recognition? A political-philosophical exchange, 
London/NY, verso, 2003; Charles Taylor, “The politics of recognition”, in: Charles Taylor et. 
al., Multiculturalism – Examining the politics of recognition, Princeton, Princeton University 
Press, 1994; Iris Young, Justice and the politics of difference, Princenton, Princenton 
University Press, 1990; Amy Gutmann, Multiculturalism: examining the politics of recognition, 
Princenton, Princenton University Press, 1994. 
 5
 Boaventura de Souza Santos acrescenta que “temos o direito a 
ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser 
diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade 
de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não 
produza, alimente ou reproduza as desigualdades”.4 
 Se, para a concepção formal de igualdade, esta é tomada 
como pressuposto, como um dado e um ponto de partida abstrato, para a 
concepção material de igualdade, esta é tomada como um resultado ao qual 
se pretende chegar, tendo como ponto de partida a visibilidade às 
diferenças. É essencial distinguir a diferença e a desigualdade. A ótica 
material busca construir e afirmar a igualdade com respeito à diversidade. O 
reconhecimento de identidades e o direito à diferença é que conduzirão a 
uma plataforma emancipatória e igualitária. A emergência conceitual do 
direito à diferença e do reconhecimento de identidades é capaz de refletir a 
crescente voz dos movimentos sociais e o surgimento de uma sociedade 
civil plural e diversa no marco do multiculturalismo.5 
 Este estudo permitirá analisar o modo pelo qual o sistema 
global, os diversos sistemas regionais, bem como o sistema constitucional 
brasileiro de proteção dos direitos humanos incorporam o valor da 
diversidade, bem como adotam instrumentos específicos voltados à proteção 
dos grupos socialmente mais vulneráveis, em especial no que toca ao direito 
à livre orientação sexual. 
 
3. Proteção dos direitos à igualdade e à diferença no sistema global 
 
 Considerando a historicidade dos direitos humanos, destaca-se 
a chamada concepção contemporânea de direitos humanos, que veio a ser 
 
4 “Introdução: para ampliar o cânone do reconhecimento, da diferença e da igualdade”. In: 
Reconhecer para Libertar: Os caminhos do cosmopolitanismo multicultural, Rio de Janeiro, 
Civilização Brasileira, 2003, p.56. Ver ainda do mesmo autor “Por uma Concepção 
Multicultural de Direitos Humanos”, op. cit. p. 429-461. 
5 A título exemplificativo, se em 1948 apenas 41 ONGs tinham status consultivo junto ao 
Conselho Econômico e Social da ONU, em 2004 este número alcançava aproximadamente 
2350 ONGs com status consultivo. Consultar Gay J. McDougall, Decade for NGO Struggle, 
In: Human Rights Brief – 10th Anniversary, American University Washington College of Law, 
Center for Human Rights and Humanitarian Law, v. 11, issue 3 (spring 2004), p. 13. 
 6
introduzida pela Declaração Universal de 1948 e reiterada pela Declaração 
de Direitos Humanos de Viena de 1993.6 
 Esta concepção é fruto do movimento de internacionalização 
dos direitos humanos, que surge, no pós-guerra, como resposta às 
atrocidades e aos horrores cometidos durante o nazismo. É neste cenário 
que se vislumbra o esforço de reconstrução dos direitos humanos, como 
paradigma e referencial ético a orientar a ordem internacional. [345] A 
barbárie do totalitarismo significou a ruptura do paradigma dos direitos 
humanos, por meio da negação do valor da pessoa humana como valor 
fonte do Direito. Se a Segunda Guerra significou a ruptura com os direitos 
humanos, o pós-guerra deveria significar a sua reconstrução.7 
 Fortalece-se a idéia de que a proteção dos direitos humanos 
não deve se reduzir ao domínio reservado do Estado, porque revela tema de 
legítimo interesse internacional. Prenuncia-se, deste modo, o fim da era em 
que a forma pela qual o Estado tratava seus nacionais era concebida como 
um problema de jurisdição doméstica, decorrência de sua soberania.8 
 Neste contexto, a Declaração de 1948 vem a inovar a 
gramática dos direitos humanos, ao introduzir a chamada concepção 
contemporânea de direitos humanos, marcada pela universalidade e 
 
6 A Declaração de Direitos Humanos de Viena, de 1993, reitera a concepção da Declaração 
de 1948, quando, em seu parágrafo 5º, afirma: "Todos os direitos humanos são universais, 
interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos 
humanos globalmente de forma justa e eqüitativa, em pé de igualdade e com a mesma 
ênfase." 
7. Nas palavras de Thomas Buergenthal: “O moderno Direito Internacional dos Direitos 
Humanos é um fenômeno do pós-guerra. Seu desenvolvimento pode ser atribuído às 
monstruosas violações de direitos humanos da era Hitler e à crença de que parte destas 
violações poderiam ser prevenidas se um efetivo sistema de proteção internacional de 
direitos humanos existisse (Thomas Buergenthal, International human rights, p. 17). Para 
Henkin: “Por mais de meio século, o sistema internacional tem demonstrado 
comprometimento com valores que transcendem os valores puramente “estatais”, 
notadamente os direitos humanos, e tem desenvolvido um impressionante sistema 
normativo de proteção desses direitos”. (International law, p. 2). Ainda sobre o processo de 
internacionalização dos direitos humanos, observa Celso Lafer: “Configurou-se como a 
primeira resposta jurídica da comunidade internacional ao fato de que o direito ex parte 
populi de todo ser humano à hospitabilidade universal só começaria a viabilizar-se se o 
‘direito a ter direitos’, para falar com Hannah Arendt, tivesse uma tutela internacional, 
homologadora do ponto de vista da humanidade. Foi assim que começou efetivamente a ser 
delimitada a ‘razão de estado’ e corroída a competência reservada da soberania dos 
governantes, em matéria de direitos humanos, encetando-se a sua vinculação aos temas da 
democracia e da paz”. (Prefácio ao livro Os direitos humanos como tema global, p. XXVI). 
8 Sobre essa questão, ver Andrew Hurrell, “Power, principles and prudence: protecting 
human rights in a deeply divided world”, In: Tim Dunne e Nicholas J. Wheeler, Human Rights 
in Global Politics, Cambridge, Cambridge University Press, 1999, p. 277. 
 7
indivisibilidadedestes direitos. Universalidade porque clama pela extensão 
universal dos direitos humanos, sob a crença de que a condição de pessoa é 
o requisito único para a titularidade de direitos, considerando o ser humano 
como um ser essencialmente moral, dotado de unicidade existencial e 
dignidade, esta como valor intrínseco à condição humana. Indivisibilidade 
porque a garantia dos direitos civis e políticos é condição para a observância 
dos direitos sociais, econômicos e culturais e vice-versa. Quando um deles é 
violado, os demais também o são. Os direitos humanos compõem, assim, 
uma unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada, capaz de 
conjugar o catálogo de direitos civis e políticos com o catálogo de direitos 
sociais, econômicos e culturais. 
 O processo de universalização dos direitos humanos permitiu a 
formação de um sistema internacional de proteção destes direitos. Este 
sistema é integrado por tratados internacionais de proteção que refletem, 
sobretudo, a consciência ética contemporânea compartilhada pelos Estados, 
na medida em que invocam o consenso internacional acer-[346]ca de temas 
centrais aos direitos humanos, na busca da salvaguarda de parâmetros 
protetivos mínimos — do “mínimo ético irredutível”.9 
 Ao lado do sistema normativo global, surgem os sistemas 
regionais de proteção, que buscam internacionalizar os direitos humanos 
nos planos regionais, particularmente na Europa, América e África. 
Consolida-se, assim, a convivência do sistema global da ONU com os 
sistemas regionais, por sua vez, integrados pelos sistemas interamericano, 
europeu e africano de proteção aos direitos humanos. 
 Os sistemas global e regional não são dicotômicos, mas 
complementares. Inspirados pelos valores e princípios da Declaração 
Universal, compõem o universo instrumental de proteção dos direitos 
humanos, no plano internacional. Nesta ótica, os diversos sistemas de 
 
9 Cabe destacar que, até junho de 2006, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos 
contava com 156 Estados-partes; o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e 
Culturais contava com 153 Estados-partes; a Convenção contra a Tortura contava com 141 
Estados-partes; a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação Racial contava com 170 
Estados-partes; a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher contava 
com 183 Estados-partes e a Convenção sobre os Direitos da Criança apresentava a mais 
ampla adesão, com 192 Estados-partes. Alto Comissariado de Direitos Humanos das 
Nações Unidas, Status of Ratifications of the Principal International Human Rights Treaties, 
http://www.unhchr.ch/pdf/report.pdf 
 8
proteção de direitos humanos interagem em benefício dos indivíduos 
protegidos. Ao adotar o valor da primazia da pessoa humana, estes sistemas 
se complementam, somando-se ao sistema nacional de proteção, a fim de 
proporcionar a maior efetividade possível na tutela e promoção de direitos 
fundamentais. Esta é inclusive a lógica e a principiologia próprias do Direito 
dos Direitos Humanos. 
 Sob o prisma do sistema global de proteção, constata-se que o 
direito à igualdade e a proibição da discriminação foram enfaticamente 
consagrados pela Declaração Universal de 1948, pelo Pacto Internacional 
dos Direitos Civis e Políticos e pelo Pacto Internacional dos Direitos 
Econômicos, Sociais e Culturais. 
 A Declaração Universal de 1948, em seu artigo I, desde logo 
enuncia que "todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e 
direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas 
às outras com espírito de fraternidade". Prossegue, no artigo II, a endossar 
que "toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades 
estabelecidos na Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de 
raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem 
nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. 
Estabelece o artigo VII a concepção da igualdade formal, prescrevendo que 
"todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual 
proteção da lei". Portanto, se o primeiro artigo da Declaração afirma o direito 
à igualdade, o segundo artigo adiciona a cláusula da proibição da 
discriminação de qualquer espécie, como corolário do princípio da igualdade. 
O binômio da igualdade e da não discriminação, assegurado pela 
Declaração, sob a inspiração da concepção formal de igualdade, impactará a 
feição de todo sistema normativo global de proteção dos direitos humanos. 
 Com efeito, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos 
de 1966, já em seu artigo 2º (1), consagra que "os Estados-partes no Pacto 
comprometem-se a garantir [347] a todos os indivíduos que se encontrem 
em seu território e que estejam sujeitos à sua jurisdição os direitos 
reconhecidos no presente Pacto, sem discriminação alguma por motivo de 
raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de qualquer outra 
natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou 
 9
qualquer outra situação". Uma vez mais, afirma-se a cláusula da proibição 
da discriminação para o exercício dos direitos humanos. A relevância de tal 
cláusula é acentuada pelo artigo 4º do Pacto, ao prever um núcleo 
inderrogável de direitos, a ser preservado ainda que em situações 
excepcionais e ameaçadoras, admitindo-se, contudo, a adoção de medidas 
restritivas de direitos estritamente necessárias, "desde que tais medidas não 
acarretem discriminação alguma apenas por motivo de raça, cor, sexo, 
língua, religião ou origem social". A concepção da igualdade formal, tal como 
na Declaração, é prevista pelo Pacto, em seu artigo 26, ao determinar que 
"todas as pessoas são iguais perante a lei e têm direito, sem discriminação 
alguma, a igual proteção da lei. [...] a lei deverá proibir qualquer forma de 
discriminação e garantir a todas as pessoas proteção igual e eficaz contra 
qualquer discriminação por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, 
opinião política ou de outra natureza, origem [348] nacional ou social, 
situação econômica, nascimento ou qualquer outra situação".10 
 Quanto à proteção das minorias étnicas, religiosas ou 
lingüísticas, assegura o Pacto às pessoas a elas pertencentes o direito de 
ter, conjuntamente com outros membros de seu grupo, sua própria vida 
cultural, de professar e praticar sua própria religião e usar sua própria língua 
(artigo 27).11 
 Por sua vez, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, 
Sociais e Culturais de 1966, em seu artigo 2º, estabelece que os Estados-
 
10 O Comitê de Direitos Humanos, em sua Recomendação Geral nº 18, a respeito do artigo 
26, entende que o princípio da não discriminação é um princípio fundamental previsto no 
próprio Pacto, condição e pressuposto para o pleno exercício dos direitos humanos nele 
enunciados. No entender do Comitê: "A não discriminação, assim como a igualdade perante 
a lei e a igual proteção da lei sem nenhuma discriminação, constituem um princípio básico e 
geral, relacionado à proteção dos direitos humanos". No mesmo sentido, destaca a 
Recomendação Geral nº 14 do Comitê sobre a Eliminação de todas as formas de 
Discriminação Racial, adotada em 1993: "Non-discrimination, together with equality before 
the law and equal protection of the law without any discrimination, constitutes a basic 
principle in the protection of human rights". 
11 A Recomendação Geral nº 23 se refere ao artigo 27 do Pacto, com o objetivo de proteger 
as minorias étnicas. O Comitê faz uma diferenciação entre o direito protegido no artigo 27 e 
os direitos protegidos nos artigos 2ºe 26. Os artigos 2º e 26 tratam da não discriminação e 
da igualdade perante a lei, independentemente do indivíduo pertencer a uma minoria étnica 
ou não. As pessoas às quais se destina o artigo 27 são aquelas que pertencem a um grupo 
e têm uma cultura, religião e/ou língua comum. Apesar dos direitos protegidos pelo artigo 27 
serem individuais, eles dependem da existência de uma minoria étnica, ou seja, de uma 
coletividade. A Recomendação n.23, assim como a n.18, prevê a possibilidade de ações 
afirmativas que garantam a igualdade dessas minorias étnicas, respeitando o disposto nos 
artigos 2º e 26 do Pacto. 
 10
partes comprometem-se a garantir que os direitos nele previstos serão 
exercidos sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, língua, 
religião, opinião política ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou 
social, situação econômica, nascimento ou qualquer outra situação. Uma vez 
mais, consagra-se a cláusula da proibição da discriminação.12 
 Merece destaque a atuação construtiva dos Comitês de 
Direitos Humanos e de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais em 
transcender os limites das cláusulas da igualdade formal e da proibição da 
discriminação enunciadas nos Pactos. A jurisprudência criativa destes 
Comitês, por meio da adoção de recomendações gerais, têm permitido 
delinear a concepção material de igualdade, com a distinção da igualdade de 
direito e de fato (de jure and de facto equality). É a partir desta distinção que 
é lançado o questionamento a respeito do papel do Estado, demandando-se, 
por vezes, se transite de uma posição de neutralidade para um 
protagonismo — por exemplo, mediante a adoção de ações afirmativas — 
capaz de aliviar e remediar o impacto não igualitário da legislação e de 
políticas públicas no exercício de direitos.13 
 De todo modo, em si mesmos, a Declaração Universal e os 
Pactos invocam a primeira fase de proteção dos direitos humanos, 
caracterizada pela tônica da proteção geral, genérica e abstrata, sob o lema 
da igualdade formal e da proibição da discriminação. 
 A segunda fase de proteção, reflexo do processo de 
especificação do sujeito de direito, será marcada pela proteção específica e 
 
12 O Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em sua Recomendação Geral nº 
16, adotada em 2005, realça que "guarantees of non-discrimination and equality in 
international human rights treaties mandate both de facto and de jure equality. De jure (or 
formal) equality and de facto (or substantive) equality are different but interconnected 
concepts. Formal equality assumes that equality is achieved if a law or policy treats men 
and women in a neutral manner. Substantive equality is concerned, in addition, with the 
effects of laws, policies and practices and with ensuring that they do not maintain, but rather 
alleviate, the inherent disadvantage that particular groups experience. Substantive equality 
for men and women will not be achieved simply through the enactment of laws or the 
adoption of policies that are, prima facie, gender-neutral. In implementing article 3, States 
parties should take into account that such laws, policies and practice can fail to address or 
even perpetuate inequality between men and women because they do not take account of 
existing economic, social and cultural inequalities, particularly those experienced by women". 
13 Ao diferenciar a igualdade de direito e de fato, o Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais 
e Culturais distingue a discriminação direta da denominada discriminação indireta, 
considerando a perspectiva de gênero. A Recomendação Geral nº 16, por seu turno, avança 
para a temática das ações afirmativas. 
 11
especial, a partir de tratados que objetivam eliminar todas as formas de 
discriminação que afetam de forma desproporcional determinados grupos, 
como as minorias étnico-raciais, as mulheres, dentre outros. 
 Neste contexto é que se inserem a Convenção sobre a 
Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial (1965) e a 
Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra 
a Mulher (1979).14 
 Desde seu preâmbulo, a Convenção sobre a Eliminação de 
todas as Formas de Discriminação Racial assinala que qualquer “doutrina de 
superioridade baseada em diferenças raciais é cientificamente falsa, 
moralmente condenável, socialmente injusta e [349] perigosa, inexistindo 
justificativa para a discriminação racial, em teoria ou prática, em lugar 
algum”. Adiciona a urgência em se adotar todas as medidas necessárias 
para eliminar a discriminação racial em todas as suas formas e 
manifestações e para prevenir e combater doutrinas e práticas racistas.15 
 Daí a urgência em se erradicar todas as formas de 
discriminação, baseadas em raça, cor, descendência ou origem nacional ou 
étnica, que tenham como escopo a exclusão. O combate à discriminação 
racial é medida fundamental para que se garanta o pleno exercício dos 
direitos civis e políticos, como também dos direitos sociais, econômicos e 
culturais. 
 Se o combate à discriminação é medida emergencial à 
implementação do direito à igualdade, todavia, por si só, é medida 
insuficiente. Faz-se necessário combinar a proibição da discriminação com 
políticas compensatórias que acelerem a igualdade como processo. Isto é, 
 
14 No campo do sistema especial de proteção, merecem também menção a recente 
Convenção sobre os Direitos de Pessoas com Deficiência (texto disponível em: 
<http://www.ohchr.org/english/law/disabilities-convention.htm> — acessado em 5 de outubro 
de 2007) e a Convenção sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores 
Migrantes e seus Familiares, de 1990. 
15 O artigo 1º da Convenção define a discriminação racial como “qualquer distinção, 
exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional 
ou étnica, que tenha o propósito ou o efeito de anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo 
ou exercício em pé de igualdade dos direitos humanos e liberdades fundamentais”. Vale 
dizer, a discriminação significa toda distinção, exclusão, restrição ou preferência que tenha 
por objeto ou resultado prejudicar ou anular o exercício, em igualdade de condições, dos 
direitos humanos e liberdades fundamentais, nos campos político, econômico, social, 
cultural e civil ou em qualquer outro campo. Logo, a discriminação significa sempre 
desigualdade. 
 12
para assegurar a igualdade não basta apenas proibir a discriminação, 
mediante legislação repressiva. São essenciais as estratégias promocionais 
capazes de estimular a inserção e inclusão de grupos socialmente 
vulneráveis nos espaços sociais. 
 Enquanto a igualdade pressupõe formas de inclusão social, a 
discriminação implica violenta exclusão e intolerância à diferença e 
diversidade. Assim, a proibição da exclusão, em si mesma, não resulta 
automaticamente na inclusão. Logo, não é suficiente proibir a exclusão, 
quando o que se pretende é garantir a igualdade de fato, com a efetiva 
inclusão social de grupos que sofreram e sofrem um consistente padrão de 
violência e discriminação. 
 Por estas razões, a Convenção sobre a Eliminação de todas as 
formas de Discriminação Racial prevê, no artigo 1º, § 4º, a possibilidade das 
ações afirmativas, mediante a adoção de medidas especiais de proteção ou 
incentivo a grupos ou indivíduos, com vistas a promover sua ascensão na 
sociedade até um nível de equiparação com os demais. As ações afirmativas 
constituem medidas especiais e temporárias, que, buscando remediar um 
passado discriminatório, objetivam acelerar o processo de igualdade, com o 
alcance da igualdade substantiva por parte de grupos socialmentevulneráveis, como as minorias étnicas e raciais, dentre outros. Enquanto 
políticas compensatórias adotadas para aliviar e remediar as condições 
resultantes de um passado discriminatório, as ações afirmativas objetivam 
transformar a igualdade formal em igualdade material e substantiva, 
assegurando a diversidade e a pluralidade social. Devem ser compreendidas 
não somente pelo prisma retrospectivo — no sentido de aliviar a carga de 
um passado discriminatório —, mas também prospectivo, no sentido de 
fomentar a transformação social, criando uma [350] nova realidade. 
Constituem medidas concretas que viabilizam o direito à igualdade, com a 
crença de que a igualdade deve se moldar no respeito à diferença e à 
diversidade. Por meio delas, transita-se da igualdade formal para a 
igualdade material e substantiva. 
 Importa acrescentar que a Convenção sobre a Eliminação de 
todas as formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979, ao definir a 
 13
discriminação contra a mulher (artigo 1º),16 adota como fonte inspiradora o 
artigo 1º da Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de 
Discriminação Racial, estabelecendo, de igual modo, em seu artigo 4º, § 1º, 
a possibilidade dos Estados-partes adotarem ações afirmativas, como 
medidas especiais e temporárias destinadas a acelerar a igualdade de fato 
entre homens e mulheres.17 
 Cabe salientar que a Recomendação Geral nº XXV do Comitê 
sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial alia a 
perspectiva racial à de gênero. Sob esta ótica, o Comitê entende que a 
discriminação racial atinge de forma diferenciada homens e mulheres, já que 
práticas de discriminação racial podem ser dirigidas a certos indivíduos 
especificamente em razão do seu sexo, como no caso da violência sexual 
praticada contra mulheres de determinada origem étnico-racial.18 O Comitê 
pretende monitorar como as mulheres que pertencem às minorias étnicas e 
raciais exercem seus direitos, avaliando a dimensão da discriminação racial 
a partir de uma perspectiva de gênero.19 
 Conclui-se que, no âmbito global, os primeiros instrumentos de 
proteção — a Declaração Universal e os dois Pactos que a sucederam — 
 
16 Nos termos do artigo 1º da Convenção, a expressão "discriminação contra a mulher 
significará toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou 
resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, 
independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos 
direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural 
e civil ou em qualquer outro campo". 
17 A respeito da importância das ações afirmativas, destaca a Recomendação Geral nº 5 do 
Comitê sobre a Eliminação de Discriminação contra a Mulher: “O Comitê sobre a Eliminação 
de Discriminação contra a Mulher [...] recomenda que os Estados-partes façam maior uso 
de medidas especiais de caráter temporário como a ação afirmativa, o tratamento 
preferencial ou sistema de quotas para que a mulher se integre na educação, na economia, 
na política e no emprego”. Nos termos da Recomendação Geral nº 25 do mesmo Comitê: 
“Os Estados-partes deverão incluir em suas Constituições ou em sua legislação nacional 
disposições que permitam a adoção de medidas especiais de caráter temporário”. 
18 Dispõe a Recomendação Geral nº XXV, adotada pelo Comitê em 2000: “The Committee 
notes that racial discrimination does not always affect women and men equally or in the 
same way. There are circumstances in which racial discrimination only or primarily affects 
women, or affects women in a different way, or to a different degree than men. Such racial 
discrimination will often escape detection if there is no explicit recognition or 
acknowledgement of the different life experiences of women and men, in areas of both public 
and private life". 
19 As Recomendações nº 18 e nº 28 do Comitê de Direitos Humanos dispõem sobre o dever 
do Estado de adotar medidas (legislativas, administrativas e judiciais) que visem a garantir a 
não discriminação, sugerindo inclusive a adoção de ações afirmativas por parte do Estado 
para diminuir ou eliminar as causas que perpetuem a discriminação. Na permanência de 
causas discriminatórias, as ações afirmativas são consideradas uma medida legítima e 
necessária para o Comitê de Direitos Humanos. 
 14
incorporam uma concepção for-[351]mal de igualdade, sob o binômio da 
igualdade e da não discriminação, assegurando uma proteção geral, 
genérica e abstrata. 
 Já os instrumentos internacionais que integram o sistema 
especial de proteção invocam uma proteção específica e concreta, que, 
transcendendo a concepção meramente formal e abstrata de igualdade, 
objetivam o alcance da igualdade material e substantiva, por meio, por 
exemplo, de ações afirmativas, com vistas a acelerar o processo de 
construção da igualdade em prol de grupos socialmente vulneráveis. 
 Da esfera global transita-se à esfera regional de proteção, com 
a finalidade de analisar como os sistemas regionais enfocam os direitos à 
igualdade e à diferença. 
 
4. Proteção dos direitos à igualdade e à diferença nos sistemas 
regionais europeu, interamericano e africano 
 
 Tal como o sistema global, os sistemas regionais europeu, 
interamericano e africano, por meio de seus principais tratados, consagram o 
binômio da igualdade e da não discriminação. 
 Cada qual dos sistemas regionais de proteção apresenta um 
aparato jurídico próprio.20 O sistema europeu conta com a Convenção 
Européia de Direitos Humanos de 1950, que estabeleceu originariamente a 
Comissão e a Corte Européia de Direitos Humanos, sendo que, com o 
Protocolo nº 11, em vigor desde novembro de 1998, houve a fusão da 
Comissão com a Corte, com vistas à maior justicialização do sistema 
europeu, mediante uma Corte reformada e permanente.21 Já o sistema 
interamericano tem como principal instrumento a Convenção Americana de 
Direitos Humanos de 1969, que prevê a Comissão Interamericana de 
 
20 Para uma análise comparativa dos sistemas regionais, ver Flávia Piovesan, Direitos 
Humanos e Justiça Internacional: um estudo comparativo dos sistemas regionais europeu, 
interamericano e africano, São Paulo, ed. Saraiva, 2006. 
21. O Protocolo nº 11 objetivou simplificar e diminuir a duração dos processos, reforçando o 
caráter judicial do sistema e tornando-o obrigatório. A Corte Européia é composta por tantos 
juízes quantos forem os Estados-partes, os quais exercerão o mandato a título pessoal, e 
não como representantes do Estado. Sobre as atividades da Corte Européia, ver European 
Court of Human Rights (disponível em http://www.echr.coe.int/echr/ — acesso em 5 de 
outubro de 2007). 
 15
Direitos Humanos e a Corte Interamericana. Por fim, o sistema africano 
apresenta como principal instrumento a Carta Africana dos Direitos 
Humanos e dos Povos de 1981, que, por sua vez, institui a Comissão 
Africana de Direitos Humanos, tendo sido posteriormente criada a Corte 
Africana de Direitos Humanos, mediante um Protocolo à Carta, que entrou 
em vigor em 2004.22 
 Os sistemas global e regional não são dicotômicos, mas, ao 
revés, são complementares. Inspirados pelos valores e princípios da 
Declaração Universal, compõem o universo instrumental de proteção dos 
direitos humanos, no plano internacional. Vale dizer, os diversos sistemas de 
proteção de direitos humanos interagem em benefício dos [352] indivíduos 
protegidos.23 O propósito da coexistência de distintos instrumentos jurídicos 
— garantindo os mesmos direitos — é, pois, no sentido de ampliar e 
fortalecer a proteção dos direitos humanos.Ao enfocar o modo pelo qual os direitos à igualdade e à 
diferença são dispostos pelos sistemas regionais, constata-se que a 
Convenção Européia de 1950, em seu artigo 14, consagra a cláusula da 
proibição da discriminação, ressaltando que "o gozo dos direitos e 
liberdades reconhecidos na Convenção deve ser assegurado sem quaisquer 
distinções, tais como as fundadas no sexo, raça, cor, língua, religião, 
opiniões políticas ou outras, origem nacional ou social, pertença a uma 
minoria nacional, riqueza, nascimento ou qualquer outra situação". 
 A cláusula da proibição da discriminação é também enunciada 
enfaticamente pela Convenção Americana de 1969, ao estabelecer o dever 
dos Estados-partes de respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e 
a garantir seu livre e pleno exercício, sem discriminação alguma, por motivo 
de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra 
 
22. De acordo com artigo 34 (3), o Protocolo entrará em vigor no 30º dia após o depósito do 
15º instrumento de ratificação por Estado membro da Organização da Unidade Africana. Em 
25 de janeiro de 2004, o Protocolo entrou em vigor. 
23. Na explicação de Henry Steiner: “Hoje não tem havido grandes conflitos de interpretação 
entre os regimes regionais e o regime das Nações Unidas. Teoricamente, os conflitos 
devem ser evitados mediante a aplicação das seguintes regras: 1) os parâmetros da 
Declaração Universal e de qualquer outro tratado das Nações Unidas acolhido por um país 
devem ser respeitados; 2) os parâmetros de direitos humanos que integram os princípios 
gerais de Direito Internacional devem ser também observados; e 3) quando os parâmetros 
conflitam, o que for mais favorável ao indivíduo deve prevalecer”. (Steiner, op. cit., supra, p. 
401). 
 16
natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou 
qualquer outra condição social (artigo 1º). À cláusula da não discriminação 
soma-se o princípio da igualdade formal, por meio do qual "todas as pessoas 
são iguais perante a lei, tendo direito, sem discriminação alguma, à igual 
proteção da lei" (artigo 24). Assim como o Pacto Internacional dos Direitos 
Civis e Políticos, a Convenção Americana, ao admitir a suspensão de 
garantias e a restrição a direitos em casos de guerra, perigo público, ou 
outra emergência, explicitamente adverte que tal suspensão não poderá, de 
forma alguma, implicar discriminação fundada em motivos de raça, cor, 
sexo, idioma, religião ou origem social, enunciando, ainda, um núcleo 
inderrogável de direitos (artigo 27). 
 Por sua vez, a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos 
Povos de 1981, em seu artigo 2º, assegura a toda pessoa o direito ao gozo 
dos direitos e liberdades reconhecidos e garantidos na Carta, sem nenhuma 
distinção, nomeadamente de raça, de etnia, de cor, de sexo, de língua, de 
religião, de opinião política ou de qualquer outra opinião, de origem nacional 
ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. 
 Tal como na Convenção Americana de Direitos Humanos, à 
cláusula da não discriminação conjuga-se o princípio da igualdade formal, 
previsto pelo artigo 3º da Carta, por meio do qual "todas as pessoas 
beneficiam-se de uma total igualdade perante a lei. Todas as pessoas têm 
direito a uma igual proteção da lei". 
 A análise dos sistemas regionais, no que tange ao direito à 
igualdade e ao direito à diferença, assemelha-se à análise do sistema global. 
Também no âmbito regional os [353] primeiros instrumentos de proteção 
incorporam uma concepção formal de igualdade, sob o binômio da igualdade 
e da não discriminação, assegurando uma proteção geral, genérica e 
abstrata. 
 Posteriormente, cada qual destes sistemas será ampliado 
mediante a adoção de tratados regionais específicos, que enfocam a 
temática da proteção dos direitos humanos das mulheres, das crianças, das 
 17
pessoas com deficiência, dentre outros — reflexo do processo de 
especificação do sujeito de direito.24 
 
5. Proteção dos direitos à igualdade e à diferença no sistema 
constitucional brasileiro 
 
 Sem ingressar na questão da incorporação dos tratados 
internacionais sobre direitos humanos pelo ordenamento jurídico brasileiro 
— por força do artigo 5º, §§ 2º e 3º, da Constituição Federal —,25 é possível 
afirmar que o atual texto constitucional contempla as três vertentes da 
concepção de igualdade mencionadas no início deste artigo. 
 Com efeito, a igualdade formal, prevista na fórmula “todos são iguais 
perante a lei”, está contemplada no caput do artigo 5º. Por seu turno, a 
igualdade distributiva, como ideal de justiça social, vem contemplada logo a 
seguir, quando o mesmo caput estabelece a garantia de inviolabilidade do 
direito à igualdade.26 Como menciona Oscar Vilhena Vieira, esse dispositivo 
constitucionalizou “duas faces do princípio da igualdade”: a igualdade como 
imparcialidade e a igualdade distributiva.27 
 Mas a Constituição brasileira vai além, pois também leva em 
consideração a igualdade material ao reconhecer as identidades, dando 
 
24 A título de exemplo, no sistema regional interamericano destacam-se: a Convenção 
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (1994); a 
Convenção Interamericana para a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra 
as Pessoas Portadoras de Deficiência (1999); o anteprojeto de Convenção Interamericana 
contra o Racismo e todas as formas de Discriminação e Intolerância; e o projeto de 
Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas. No sistema regional africano, 
cabe menção à Carta Africana sobre Direitos e Bem-Estar de Crianças (1990) e ao 
Protocolo à Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos sobre Direitos das Mulheres 
na África. No sistema regional europeu, merece destaque o Protocolo nº 7 à Convenção 
Européia a respeito do direito à igualdade entre os cônjuges e o Protocolo nº 12 a respeito 
do direito a não discriminação. 
25 Para uma análise das posições doutrinárias e da jurisprudência acerca desta questão, 
conferir Flávia Piovesan, Direitos humanos e o direito constitucional internacional, p. 60 e 
seguintes. Ver, também, Celso de Albuquerque Mello, “O § 2º do art. 5º da Constituição 
Federal”. In: Ricardo Lobo Torres (Org.), Teoria dos direitos fundamentais, 2ª ed. Rio de 
Janeiro: Renovar, 2001, p. 1-33; Alexandre de Moraes, Direito constitucional, p. 616-619 e 
662-664; Oscar Vilhena Vieira, Direitos fundamentais: uma leitura da jurisprudência do STF, 
p. 43. 
26 O artigo 3º, inciso III, da Constituição, explicita como um dos objetivos da República 
Federativa do Brasil a erradicação da pobreza e da marginalização, bem como a redução 
das igualdades sociais e regionais. 
27 Oscar Vilhena Vieira, Direitos fundamentais: uma leitura da jurisprudência do STF, p. 287. 
 18
guarida à igualdade orientada pelos critérios de gênero, idade, raça, etnia e 
orientação sexual, dentre outros. Em relação a [354] tal aspecto, vale 
lembrar dispositivos constitucionais que protegem este ideal de justiça, como 
os estampados nos artigos 3º, inciso IV;28 5º, inciso XLII;29 7º, inciso XX;30 
37, inciso VIII;31 227 a 23232. 
 Contudo, a igualdade como imparcialidade e como reconhecimento 
das identidades não poderia ser levada a sério sem a separação entre 
Estado e Igreja, no âmbito do ordenamento jurídico interno. Só é possível 
falar em igualdade, nos termos expostos acima, se o Estado for erguido em 
bases laicas, sem que isso, por outro lado, signifique a exclusão do debate 
político e democrático as opiniões religiosas. A questão é que estas devem 
ser traduzidas em argumentos quem pressuponham a laicidadeestatal. 
 Parece induvidoso que a religião, assim como as mais diversas 
forças sociais e políticas, além das históricas, influenciam a formação do 
Direito.33 Levando essa concepção ao extremo, Ferdnand Lassalle, no 
século XIX, afirmava que a Constituição, em essência, é a somatória dos 
fatores reais de poder que regem uma nação.34 E o mesmo autor 
asseverava que, se os fatores reais de poder forem escritos em uma folha 
de papel, ou seja, adquirirem expressão escrita, passarão a ser verdadeiros 
direitos.35 Ainda segundo Lassalle, uma Constituição escrita é “boa e 
duradoura” quando “corresponder à constituição real e tiver suas raízes nos 
fatores do poder que regem o país”. No entanto, adverte que onde “a 
 
28 Este dispositivo está assim redigido: “Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da 
República Federativa do Brasil: [...] IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de 
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. 
29 “XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de 
reclusão, nos termos da lei”. 
30 “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à 
melhoria de sua condição social: [...] XX – proteção do mercado de trabalho da mulher, 
mediante incentivos específicos, nos termos da lei”. 
31 “VIII – a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas 
portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão”. 
32 Esses dispositivos tratam da proteção da criança, do adolescente, do idoso e dos índios. 
33 Antonio Reposo e Lucio Pegoraro, ao tratarem das fontes do Direito e dos modos 
contemporâneos da produção dele, fazem a relação entre religião e direito, abordando o 
direito canônico, hebraico, muçulmano, hindu, chinês e japonês (Antonio Reposo e Lucio 
Pegoraro. “Le fonti del diritto”. In: Giuseppe Morbidelli et. al. Diritto costituzionale italiano e 
comparato, Bologna: Monduzzi, 1995, p. 155 e seguintes). 
34 Ferdinand Lassalle, A essência da Constituição, 5ª ed. Trad. Walter Stönner, Rio de 
Janeiro: Lumen Juris, 2000, p. 17. 
35 Ferdinand Lassalle, A essência da Constituição, p. 17-18. 
 19
constituição escrita não corresponder à real, irrompe inevitavelmente um 
conflito que é impossível evitar e no qual, mais dia menos dia, a constituição 
escrita, a folha de papel, sucumbirá necessariamente, perante a constituição 
real, a das verdadeiras forças vitais do país”.36 [355] 
 De fato, a religião pode ser considerada como um “fator real de 
poder”, nos termos da concepção de Lassalle. Mas, a partir do momento em 
que uma determinada nação decide, livremente, pela laicidade, deixando de 
lado uma religião oficial — como ocorreu no Brasil, quando da proclamação 
da República —, esse fator de poder não está autorizado, por meio da força 
do Estado, a obrigar as pessoas. 
 Mônica de Melo, abordando essa questão sob o ponto de vista 
democrático, explica o seguinte: “Não se ignora que as religiões possuem 
códigos de valores que encontram respaldo na comunidade e que estão 
entranhados em sua cultura e vivência e que, por muitas vezes, o próprio 
Direito, nas suas mais diversas expressões — lei, doutrina e decisão judicial 
— os assume e os reconhece. Porém, sempre há de haver um limite para as 
decisões da maioria, ou seja, ainda que tenhamos uma maioria religiosa 
expressiva numericamente, bem organizada e que elege representantes no 
Parlamento, no Executivo entre outras instâncias, capaz, de forma legítima, 
de fazer predominar sua orientação moral, a minoria tem que encontrar na 
Constituição proteção para a defesa de seus direitos e de sua liberdade e a 
possibilidade de resistir a padrões morais de uma maioria eventual.”37 
 Portanto, com a secularização estatal, os dogmas de igrejas de 
quaisquer credos não podem impor, coercitivamente, uma conduta ou uma 
 
36 Ferdinand Lassalle, A essência da Constituição, p. 33. Konrad Hesse discorda dessa 
posição adotada por Lassalle: “A Constituição jurídica não significa simples pedaço de 
papel, tal como caracterizada por Lassalle. Ela não se afigura ‘impotente para dominar, 
efetivamente, a distribuição de poder’, tal como ensinado por Georg Jellinek e como, 
hodiernamente, divulgado por um naturalismo e sociologismo que se pretende cético. A 
Constituição não está desvinculada da realidade histórica concreta do seu tempo. Todavia, 
ela não está condicionada, simplesmente, por essa realidade. Em caso de eventual conflito, 
a Constituição não deve ser considerada, necessariamente, a parte mais fraca. Ao contrário, 
existem pressupostos realizáveis (realizierbare Voraussetzungen) que, mesmo em caso de 
confronto, permitem assegurar a força normativa da Constituição”. (Konrad Hesse, A força 
normativa da constituição, Trad. Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre: Fabris, 1991, p. 25.) 
37 Mônica de Melo, “O Estado laico e a defesa dos direitos fundamentais: democracia, 
liberdade de crença e consciência e o direito à vida”. In: Roberto B. Dias da Silva (Org.), 
Direito constitucional: temas atuais – Homenagem à Professora Leda Pereira da Mota, São 
Paulo: Método, 2007, p. 144. 
 20
abstenção a quem quer que seja, por meio do Estado.38 A confusão entre 
Estado e religião “implica a adoção oficial de dogmas incontestáveis, que, ao 
impor uma moral única, inviabilizam qualquer projeto de sociedade aberta, 
pluralista e democrática”, ou seja, a “ordem jurídica em um Estado 
Democrático de Direito não pode se converter na voz exclusiva da moral de 
[356] qualquer religião. Os grupos religiosos têm o direito de constituir suas 
identidades em torno de seus princípios e valores, pois são parte de uma 
sociedade democrática. Mas não têm o direito de pretender hegemonizar a 
cultura de um Estado constitucionalmente laico.”39 
 A liberdade de crença, intrinsecamente ligada à liberdade de 
consciência — apesar da maior amplitude desta última40 —, não significa 
somente que todos podem livremente exercer o direito de crer em algo ou 
em alguém, mas que as pessoas também têm o direito de não crer em nada 
ou em ninguém, sem qualquer intervenção do Estado, a não ser para 
garantir o exercício desses direitos de crentes, deístas, ateus e agnósticos.41 
 
38 Flávia Piovesan, com base em Aníbal Faundes e José Barzelatto, relata um diálogo entre 
o ex-presidente francês Valéry Giscard D´Estaind e o Papa João Paulo II em que aquele se 
dizia cristão e, portanto, entendia legítimo que a Igreja Católica pedisse a seus fiéis o 
respeito a certas proibições, mas como presidente de uma República cujo Estado é laico, 
não poderia admitir que tais proibições religiosas pudessem ser impostas como lei, com 
sanções penais, ao conjunto do corpo social. O mesmo Papa, em 1º de janeiro de 1991, 
reconhece que as normas religiosas, quando se tornam leis civis, podem constranger a 
liberdade religiosa e restringir ou negar outros direitos humanos. Além disso, a intolerância 
advinda do fundamentalismo leva a abusos, razão pela qual a liberdade de consciência de 
cada pessoa deve ser respeitada como forma de preservação da paz. (Flávia Piovesan, 
“Direitos sexuais e reprodutivos: aborto inseguro como violação aos direitos humanos”. In: 
Daniel Sarmento e Flávia Piovesan (Coords.), Nos limites da vida: aborto, clonagem 
humana e eutanásia sob a perspectiva dos direitos humanos, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 
2007, p. 68, nota de rodapé n. 36). 
39 Flávia Piovesan, Direitos humanos e justiça internacional: um estudo comparativo dos 
sistemas regionais europeu, interamericano e africano, p. 20. 
40 Verificar, nesse sentido, Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, TomoIV, p. 365-
366: “A liberdade religiosa aparece indissociável, como não podia deixar de ser, da 
liberdade de consciência. No entanto, não se lhe assimila, visto que, por um lado, a 
liberdade de consciência é mais ampla e compreende quer a liberdade de ter ou não ter 
religião (e de ter qualquer religião) quer a liberdade de convicções de natureza não religiosa 
(filosófica, designadamente); e, por outro lado, a liberdade de consciência revela, por 
definição, só do foro individual, ao passo que a liberdade religiosa possui (como já se 
acentuou) também a dimensão social e institucional”. 
41 Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, Tomo IV, p. 365. Conferir, também, 
Konrad Hesse, Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha, 
Trad. Luís Afonso Heck, Porto Alegre: Fabris, 1998, p. 236: “é sempre não só garantida a 
liberdade positiva, de confessar uma fé, de manifestar uma opinião, de formar uma 
associação, e assim por diante, mas do mesmo modo, a liberdade negativa, de não 
confessar uma fé, de não manifestar uma opinião, de não aderir a uma associação, e assim 
por diante”. 
 21
 Acerca desse ponto, Jorge Miranda,42 após reconhecer que “a 
liberdade religiosa está no cerne da problemática dos direitos fundamentais”, 
explica que a “liberdade religiosa não consiste apenas em o Estado a 
ninguém impor qualquer religião ou a ninguém impedir de professar 
determinada crença. Consiste ainda, por um lado, em o Estado permitir ou 
propiciar a quem seguir determinada religião o cumprimento dos deveres 
que dela decorrem (em matéria de culto, de família ou de ensino, por 
exemplo) em termos razoáveis. E consiste, por outro lado (e sem que haja 
qualquer contradição), em o Estado não impor ou não garantir com as leis o 
cumprimento desses deveres.” 
 José Afonso da Silva também é enfático ao abordar essa mesma 
questão e afirmar que, na “liberdade de crença entra a liberdade de escolha 
da religião, a liberdade de aderir a qualquer seita religiosa, a liberdade (ou o 
direito) de mudar de religião, mas também compreende a liberdade de não 
aderir a religião alguma, assim como a liberdade de descrença, a liberdade 
de ser ateu e de exprimir o agnosticismo. Mas não compreende a liberdade 
de embaraçar o livre exercício de qualquer religião, de qualquer crença, pois 
aqui também a liberdade de alguém vai até onde não prejudique a liberdade 
dos outros.”43 
 Vale acrescentar a essas assertivas finais de José Afonso da Silva 
que a liberdade de crença, além de não compreender a possibilidade de 
embaraço ao livre exercício de [357] qualquer religião, também não 
compreende o direito de embaraçar a liberdade de descrença e a liberdade 
de não aderir a religião alguma.44 
 
42 Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, Tomo IV, p. 357-359. 
43 José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, p. 252. 
44 Discussões interessantes surgiram tanto no Brasil quanto na França e na Alemanha 
acerca da utilização de símbolos religiosos em órgãos estatais. O Tribunal Constitucional 
Alemão, analisando a tensão entre a liberdade de crença positiva e negativa, especialmente 
com base na neutralidade religioso-política, proibiu a “colocação de cruzes ou crucifixos em 
espaços escolares públicos” (Robert Alexy, “Colisão de direitos fundamentais e realização 
de direitos fundamentais no Estado de Direito Democrático”, Revista de Direito 
Administrativo, Rio de Janeiro, v. 217, p. 69-70, jul./set. 1999). Na França, o Senado 
proibiu, em março de 2004, a presença de símbolos religiosos nas escolas estatais do 
país, como as cruzes cristãs, os turbantes usados pelo seguidores da religião Sikh e 
os véus utilizados pelas mulheres muçulmanas. Verificar as seguintes notícias: a) 
Chacra, Gustavo. Muçulmanas do Brasil condenam proibição do véu. Disponível na 
internet via http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u69258.shtml. Acesso em 
15 de fevereiro de 2004; b) Senado da França proíbe símbolos religiosos em 
 22
 Isso permite afirmar que a laicidade traz, em seu âmago, não só a 
idéia de liberdade, mas também a de igualdade, pois, como explica Mônica 
de Melo, um “Estado que se assenta no princípio democrático e na defesa 
de direitos fundamentais para todos indistintamente, de forma universal, não 
pode patrocinar ou assumir uma determinada religião”.45 
 Ademais, o pluralismo inerente a um Estado Democrático como o 
brasileiro não admite a imposição de uma única forma de pensar ou agir, 
mesmo porque há em nossa Constituição a previsão da liberdade de 
expressão e de pensamento, da inviolabilidade de consciência e de crença, 
bem como da proteção à intimidade, à vida privada, à imagem e à honra das 
pessoas (art. 5º, incisos IV a X). 
 Portanto, com a laicidade estatal, as religiões podem, no máximo, 
impor sanções religiosas a seus seguidores. Contudo, não se pode exigir a 
mesma conduta do Estado, que deve garantir o exercício da liberdade 
constitucional de crença e de culto — incluindo a liberdade de não crer e de 
não seguir qualquer religião —, além de permitir que as pessoas ajam ou se 
omitam segundo suas crenças ou com base na absoluta ausência delas. E 
isso é fundamental para a proteção da igualdade constitucionalmente 
protegida. 
[358] 
6. Direitos à igualdade e à diferença: análise de casos sobre o direito à 
livre orientação sexual 
 
 Para o estudo de casos relacionados aos direitos à igualdade e 
à diferença, optou-se por analisar questões sobre o direito à livre orientação 
 
escolas. Disponível na internet, em 4 de março de 2004, no site: 
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/story/2004/03/printable/040304_veurg.shtml; c) 
Chirac defende lei contra véu na escola, Folha de S. Paulo, 18 de dezembro de 2003, p. A-
17. No Brasil, em setembro de 2005, o juiz Roberto Arriada Lorea, da 2ª Vara da Família e 
Sucessões do Foro Central de Proto Alegre, Rio Grande do Sul, sugeriu que os tribunais 
retirassem os crucifixos que mantêm nas salas de audiência (verificar a notícia veiculadas 
pela internet nos sites http://ultimainstancia.uol.com.br/noticia/19279.shtml e 
http://conjur.estadao.com.br/static/text/37946,1, este acessado em 17 de setembro de 2005 
e aquele, em 9 de dezembro de 2006). Em 2007, o Conselho Nacional de Justiça, por 
maioria de votos, entendeu que “o uso de símbolos religiosos em órgãos da Justiça não fere 
o princípio da laicidade do Estado”, ao apreciar os Pedidos de Providência 1344, 1345, 1346 
e 1362, como noticiou o site Consultor Jurídico, acessado em 1º de junho de 2007 
(http://conjur.estadao.com.br/static/text/56091,1). 
45 Mônica de Melo, “O Estado laico e a defesa dos direitos fundamentais: democracia, 
liberdade de crença e consciência e o direito à vida”, p. 144. 
 23
sexual levadas à apreciação da Corte Européia de Direitos Humanos e de 
Tribunais brasileiros, refletindo sobre a resposta do sistema e o repertório 
argumentativo desenvolvido. 
 Esta análise será concentrada no sistema regional europeu e 
no ordenamento constitucional brasileiro, tendo em vista que a Corte 
Africana, recentemente instalada, não apresenta, até o momento, 
jurisprudência a respeito de qualquer tipo de violação à igualdade e o 
sistema interamericano, de igual modo, não contempla qualquer caso 
envolvendo discriminação fundada em orientação sexual. 
 Os critérios a justificar tal seleção de casos para uma análise 
qualitativa — e não quantitativa — são os seguintes: a) traduzem novos 
desafios não contemplados pelos textos normativos; b) acenam à construção 
da concepção da igualdade material e do reconhecimento de identidades; e 
c) demandamcriatividade e ousadia por parte das Cortes, mediante o 
recurso à interpretação evolutiva, culminando em decisões paradigmáticas, 
que se referem a situações originalmente não previstas pelos tratados ou 
pela Constituição brasileira. 
 Com efeito, em razão de mudanças históricas ou de fatores 
políticos, sociais e culturais, mas sem violar o texto normativo, é possível 
conferir à norma novos conteúdos, por meio da interpretação evolutiva. Com 
ela, evita-se que a idéia posta pelo texto da norma torne-se imune ao futuro 
e às novas gerações. Por meio da interpretação evolutiva é possível manter 
os tratados e a Constituição vivos e atuais, adaptando seu conteúdo a novas 
exigências e necessidades, sem contrariar seu texto.46 E esse desafio pode 
ser notado nos casos a seguir relatados. 
 
 
46 Pietro Merola Chierchia traça as linhas essenciais para se entender a interpretação 
evolutiva: “Em primeiro lugar, a interpretação evolutiva surge como possibilidade de 
adaptação da norma às exigências histórico-sociais [...]. Fala-se ainda de interpretação 
evolutiva quando a norma a ser interpretada vem referida por todo o sistema, e subsistem 
os efeitos das transformações que são realizadas no ordenamento mediante a introdução 
de novas normas. Outra hipótese, enfim, é aquela de uma norma originariamente formulada 
com base em conceitos de conteúdo elástico ou indeterminado — como, por exemplo, os 
conceitos de ‘bom costume’ e de ‘ordem pública’ — capazes de assumir um conteúdo 
historicamente variável e de determinar, por isso, variações da área de operatividade da 
norma.” (L’Interpretazione sistematica della costituzione, Padova, Cedam, 1978.p. 65). 
 24
6.1. Corte Européia de Direitos Humanos 
 
1) Caso Perkins e R. v. Reino Unido47 e Caso Beck, Copp e Bazeley v. 
Reino Unido48 
 Ambos os casos referem-se à demissão de homossexuais das 
forças armadas no Reino Unido, após investigação de suas vidas privadas. 
Os peticionários, todos nacio-[359]nais do Reino Unido, servindo nas forças 
armadas britânicas, foram demitidos com base em sua orientação sexual. 
 O Sr. Perkins servia junto à Royal Navy como assistente 
médico desde 1991, sendo descrito como competente e com muito bom 
caráter. Admitiu sua condição de homossexual em uma entrevista, após as 
autoridades navais terem recebido a informação concernente à sua 
orientação sexual. 
 A Sra. R., por sua vez, ingressou na Marinha (Royal Navy) em 
1990, estagiando como operadora de rádio. Em 1992, foi aprovada em um 
exame de qualificação profissional para operadora de rádio "primeira 
classe", sendo o seu caráter reconhecido como muito bom. Depois que uma 
colega — para quem teria confidenciado ter tido uma breve relação lésbica 
com uma civil — informou as autoridades a respeito de sua 
homossexualidade, foi ela submetida a uma entrevista e demitida. 
 O Sr. Beck ingressou na Royal Air Force (RAF) em 1976. 
Quando de sua demissão, em virtude de sua homossexualidade, era um 
analista de sistema de comunicações, com uma conduta profissional 
exemplar e altamente recomendado para promoção. 
 Já o Sr. Copp ingressou na Army Medical Corps em 1978. 
Após receber uma promoção, sendo-lhe designado um posto na Alemanha 
em 1981, ele declarou sua homossexualidade, a fim de que não fosse 
separado de seu companheiro (um civil), tendo sido, por isso, demitido. 
 
47 Casos n. 43208/98 e 44875/98, disponíveis em <http://www.echr.coe.int/> (acesso em 5 
de outubro de 2007). 
48 Casos nº 48535/99, 48536/99 e 48537/99, disponíveis em <http://www.echr.coe.int/> 
(acesso em 5 de outubro de 2007). 
 25
 O Sr. Bazeley entrou na Royal Air Force em 1985. Quando de 
sua demissão, era assistente de vôo, considerado com bom potencial. 
Durante entrevista admitiu sua condição de homossexual, após sua carteira 
ter sido localizada contendo cartões de dois clubes homossexuais, tendo 
sido, por este motivo, também demitido. 
 Sem qualquer sucesso, os peticionários adotaram todas as 
medidas internas, visando à reforma da decisão de demissão, sob o 
argumento de discriminação por orientação sexual. Alegaram ainda que a 
política do Ministério da Defesa do Reino Unido, relativa a não presença de 
homossexuais nas forças armadas, era "irracional" e contrária à Convenção 
Européia de Direitos Humanos. 
 A Corte acolheu os dois casos, sob o fundamento de que a 
política de banir a presença de homossexuais nas forças armadas, mediante 
investigação na vida privada e sexualidade, constituía violação aos artigos 8º 
(direito ao respeito à vida privada) e 14 (proibição de discriminação) da 
Convenção Européia. Argumentou que tal prática constituía uma flagrante 
discriminação e indevida ingerência no direito ao respeito à vida privada, não 
justificável à luz do § 2º do artigo 8º da Convenção como uma medida 
"necessária em uma sociedade democrática". 
 
2) Caso Christine Goodwin v. Reino Unido49 
 Trata-se de caso objetivando o reconhecimento legal de 
transexual que realizou operação de mudança do sexo masculino para 
feminino, bem como tratamento dife-[360]renciado especialmente na esfera 
trabalhista, seguridade social, pensão e casamento no Reino Unido. 
 A peticionária, com registro de nascimento do sexo masculino, 
viveu como uma mulher de 1985 a 1990, submetendo-se a cirurgia para 
mudança de sexo pelo serviço nacional de saúde. Denuncia a falta de 
reconhecimento legal da mudança de sexo, aludindo existir documentos nos 
quais ainda constam seu sexo como sendo masculino, o que lhe causa 
dificuldades, constrangimentos e humilhações. Acrescenta não ter, ademais, 
 
49 Caso nº 28957/95, Judgment 11.7.2002 [Grand Chamber], disponível em 
<http://www.echr.coe.int/> (acesso em 5 de outubro de 2007). 
 26
acesso à aposentadoria aos 60 anos (idade aplicável às mulheres). Como na 
esfera legal ainda é tida como homem, é obrigada a pagar contribuições até 
a idade de 65 anos. Também denuncia a violação ao direito ao casamento, 
restritivamente entendido como uma união entre um homem e uma mulher. 
 A Corte assumiu a necessidade de recorrer à uma 
interpretação dinâmica e evolutiva, de modo a aplicar a Convenção à luz das 
condições da realidade atual. Ressaltou que a falta de consenso na 
sociedade a respeito do status de um transexual (pós-operação) não pode 
ser compreendida como uma mera inconveniência ou formalidade. Não 
parece lógico, entendeu a Corte, permitir que a aludida cirurgia seja feita 
pelo sistema nacional de saúde e depois negar suas implicações legais e 
impacto jurídico. Tal situação tem gerado à peticionária conseqüências de 
alta relevância. 
 Afirmou a Corte existir uma tendência internacional em favor da 
aceitação social de transexuais, bem como do reconhecimento legal de sua 
nova identidade sexual (após a operação para a mudança de sexo). 
Argumentou que exceções têm sido admitidas no sistema de registro de 
nascimento, como, por exemplo, na hipótese de adoção ou legitimação de 
filhos. Adicionar uma nova exceção relativa aos transexuais não colocaria 
em risco o sistema de registros como um todo, nem traria prejuízos a 
terceiros. Realçou ser a essência real da Convenção assegurar o respeito à 
dignidade humana e à liberdades, o que abrangeria, no século XXI, o direito 
dos transexuais ao desenvolvimento pessoal e à segurança física e moral de 
forma plena, tal como assegurado às demais pessoas. A zona intermediária 
em que os transexuais pós-operados se situam não é mais sustentável. 
Ponderou não haver qualquer suposto interesse público a caracterizar a 
chamada "margem de apreciação" para eventualmente legitimar a restrição 
do direito da peticionária. Na ponderaçãode bens, a Convenção mostrou-se 
absolutamente favorável ao direito da peticionária. 
 No que tange ao direito de casamento da peticionária, 
observou a Corte que, embora o artigo 12 da Convenção trate do direito ao 
casamento com expressa referência ao direito "do homem e da mulher" de 
se casar e de constituir uma família, tal previsão não obsta a pretensão do 
aplicante de casar-se e formar uma família – até porque não pode ser 
 27
apenas considerado o critério puramente biológico para a definição dos 
sexos. A Convenção deve levar em consideração as profundas mudanças 
sofridas pela instituição do casamento, bem como os extraordinários 
avanços da medicina e da ciência no campo da transexualidade. Com 
fundamento no direito ao respeito à vida privada (artigo 8º da Convenção), a 
Corte sustentou que fatores biológicos não mais poderiam ser decisivos para 
negar o reconhecimento legal à mudança de sexo, nem tampouco privar a 
peticionária do direito ao casamento. 
 [361] A Corte concluiu pela violação aos artigos 8º (direito ao 
respeito à vida privada e familiar), 12 (direito ao casamento e a fundar uma 
família) e 14 (proibição de discriminação), em prol do direito ao respeito à 
nova identidade sexual da peticionária. 
 
3) Caso Grant v. Reino Unido50 
 Trata-se de caso objetivando o reconhecimento legal da 
mudança de sexo de transexual, bem como a concessão de aposentadoria, 
considerando a idade mínima aplicável a mulheres, com fundamento no 
artigo 8º da Convenção Européia (direito ao respeito pela vida privada e 
familiar). 
 A peticionária é um indivíduo transexual, com 68 (sessenta e 
oito) anos, já submetido à operação para a mudança de sexo (masculino 
para feminino). Identifica-se como mulher desde 1963 para fins 
previdenciários, efetuando o pagamento das contribuições com base no 
critério aplicável às mulheres (até 1975, quando a diferença de valores foi 
abolida). Solicitou, assim, o direito à aposentadoria ao Estado quando 
alcançados os 60 anos, tendo sido seu pedido indeferido, sob o 
entendimento de que a idade mínima, no caso, seria 65 anos (idade para o 
sexo masculino). Foi interposto recurso da decisão, sem qualquer sucesso. 
 Entendeu a Corte que, na hipótese, estaria caracterizada a 
violação ao artigo 8º da Convenção Européia, devido à falta de 
reconhecimento legal da mudança de sexo do peticionário. Adicionou 
 
50 Caso nº 32570/03, Judgment 23.5.2006 [Section IV], disponível em 
<http://www.echr.coe.int/> (acesso em 5 de outubro de 2007). 
 28
inexistir qualquer justificativa para a negativa de tal reconhecimento, 
considerando a realização da operação para a mudança de sexo. Restaria, 
assim, configurada a afronta ao direito ao respeito à vida privada do 
peticionário, com fundamento nos artigos 8º e 14 da Convenção Européia. 
 
6.2. O Judiciário brasileiro 
 
1) Os transexuais e a retificação dos registros civis 
 Os órgãos de cúpula do Judiciário brasileiro ainda não tiveram 
a oportunidade de se manifestar acerca dos direitos de os transexuais terem 
a retificação de seus assentamentos civis. Mas a mudança de sexo tem sido 
debatida perante diversos órgãos da Justiça estadual pelo menos desde a 
década de 1980. 
 A jurisprudência, com certa hesitação,51 tem admitido a 
mudança do registro civil tanto no tocante ao nome quanto no que se refere 
 
51 Verificar, por exemplo, os seguintes acórdãos do Tribunal de Justiça de São Paulo, que 
admitiram a retificação do assento civil para dele constar outro prenome e outro sexo: 
Apelação Cível nº 86.851.4/7 (Relator Rodrigues de Carvalho, j. 10/02/2000, votação 
unânime); Apelação Cível nº 209.101-4/0-00 (Relator Elliot Akel, j. 09/04/2002; o voto 
vencido do Desembargador Guimarães e Souza admitia a mudança do prenome, mas 
entendia que no local destinado a especificar o sexo figurasse a condição de transexual). 
Conferir, também, algumas das decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul sobre 
o assunto: Apelação Cível nº 585049927 (Relator Mário Rocha Lopes, j. 19/12/1985; nesse 
caso, houve o indeferimento da retificação do assento de nascimento ante a impossibilidade 
de mudança de sexo em razão da persistência das características somáticas que 
informaram o assento); Apelação Cível nº 596103135 (Relator Tael João Selistre, j. 
12/09/1996; por maioria de votos o Tribunal entendeu que o pedido de autorização cirurgia 
para mudança de sexo e a conseqüente retificação do registro civil era juridicamente 
impossível); Apelação Cível nº 597134964 (Relator Tael João Selistre, j. 28/08/1997; o 
Tribunal, ao julgar esse recurso, entendeu, por maioria de votos, que, apesar de ter se 
submetido à cirurgia de mudança de sexo, o requerente continuava sendo, biológica e 
somaticamente, do sexo masculino, situação que inviabilizava a alteração do nome e do 
sexo em seu assento de nascimento, mesmo porque não havia qualquer erro ou falsidade 
no registro); Apelação Cível nº 597156728 (Relator Tael João Selistre, j. 18/12/1997; nesse 
caso, o Tribunal determinou a anotação de que o requerente modificou o prenome e passou 
a ser considerado como do sexo masculino em virtude de sua condição transexual, dando 
publicidade ao registro); Apelação Cível nº 70013909874 (Relatora Maria Berenice Dias, j. 
05/04/2006; por maioria de votos, foi deferido o pedido apenas para autorizar a mudança do 
nome, mas não do sexo); Apelação Cível nº 70013580055 (Relator Claudir Fidelis 
Faccenda, j. 17/08/2006, votação unânime; nesse julgamento, admitiu-se a alteração do 
registro de nascimento relativamente ao sexo e ao nome, em virtude da realização da 
cirurgia de redesignação sexual, vedando-se a extração de certidões referentes à situação 
anterior do requerente); Apelação Cível nº 70006828321 (Relatora Catarina Rita Krieger 
Martins, j. 11/12/2003, votação unânime; a decisão acolheu o pedido de alteração do nome 
 29
ao sexo, após cirurgia de alteração [362] do sexo biológico com vistas a 
compatibilizá-lo com o sexo psicológico. E o fundamento para tanto é que a 
retificação do registro civil, além de não trazer prejuízo para a sociedade, 
garante o respeito e repele a discriminação do transexual. Com acerto, a 
tendência é a de consolidação do entendimento segundo o qual o direito tem 
de ser dinâmico e não pode se calar diante de situações que causem 
constrangimentos às pessoas, ferindo a intimidade, a honra e a dignidade do 
ser humano. 
 Nesse sentido, destacam-se duas decisões: uma do Tribunal 
de Justiça do Rio Grande do Sul e outra do Tribunal de Justiça de São 
Paulo. 
 Em março de 1994, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do 
Sul52 deferiu o pedido de retificação do registro civil de um transexual para 
determinar a alteração de nome e sexo, visto que, na falta de disposições 
normativas expressas, no Brasil, deve-se buscar o “direito vivo”. Na decisão, 
argumenta-se que “discriminar um homem é tão abominável como odiar um 
negro, um judeu, um palestino, um alemão ou um homossexual”. E depois 
de assentar que “o direito à identidade pessoal é um dos direitos 
fundamentais da pessoa humana”, o acórdão sustenta que a “identidade 
sexual, considerada como um dos aspectos mais importantes e complexos 
compreendidos dentro da identidade pessoal, forma-se em estreita conexão 
com uma pluralidade de direitos, como são aqueles atinentes ao livre 
desenvolvimento da personalidade”. 
 O Tribunal de Justiça de São Paulo,53 em março de 2001, 
determinou que o assento de nascimento de Adão Lucimar Donizete de 
Camargo fosse alterado para constar o [363] nome Lucimara Camargo, 
retificando-se também a indicação do sexo, de masculino para feminino. 
Tratava-se de um transexual que se submeteu a uma

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