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Introdução Tontura é a sensação de perturbação do equilíbrio corpóreo no meio ambiente. Vertigem é um tipo particular de tontura em que o paciente sente o ambiente girando em torno de si ou se sente girando no meio circundante. As tonturas rotatórias e não rotatórias po- dem ser induzidas por estimulação fisiológica (vertigem das alturas, cinetose) ou por disfun- ção patológica dos sistemas visual, vestibular ou somatossensorial. Distúrbios psíquicos também podem ocasionar tonturas, mas em geral é a insegurança física das síndromes vestibulares a responsável pela insegurança psí- quica freqüentemente encontrada nos pacientes com comprometimento vestibular. As lesões vestibulares periféricas (que comprometem o labirinto e/ou nervo(s) vesti- bular(es) ou centrais (que acometem núcleos, vias e inter-relações no sistema nervoso cen- tral) caracterizam-se por uma combinação de fenômenos perceptuais (vertigem e outros ti- pos de tontura), oculomotores (nistagmo e ou- tros movimentos oculares), posturais (ataxia) e neurovegetativos (náusea, vômitos, sudore- se, palidez, taquicardia). A tontura é resultan- te de um distúrbio da orientação espacial cortical. O nistagmo é ocasionado por altera- ção do reflexo vestibulocular. A ataxia é origi- nada por ativação anormal das vias vestibuloes- Maurício Malavasi Ganança; Pedro Luiz Mangabeira Albernaz; Yotaka Fukuda; Mário Sérgio Lei Munhoz; Heloisa Helena Caovilla Capítulo 24 Neuroanatomofisiologia do Sistema Vestibular – Correlações Clínicas pinhais. Os sintomas neurovegetativos são produzidos por ativação química do centro medular do vômito. As tonturas podem ser agudas (crise verti- ginosa) ou crônicas (sintomas intermitentes ou constantes, em diversos graus de intensidade), desencadeadas ou não em certas posições da cabeça e/ou corpo (ou à mudança da posição corpóreo), e serem acompanhadas ou não de desequilíbrio postural ou à marcha. A semiologia otoneurológica permite compro- var ou não a existência de afecção vestibular, localizá-la a nível periférico ou central, indicar o(s) lado(s) lesado(s) e estabelecer o seu prognóstico em cada caso. Inúmeras são as possíveis causas de distúr- bios do sistema vestibular. Entre os fatores etioló- gicos mais comuns estão os de natureza metabóli- ca, vascular, tóxica, inflamatória, traumática, iatrogênica e tumoral. Sistema vestibular periférico Na manutenção do equilíbrio no espaço, intervém o aparelho vestibular, que informa ao sistema nervoso central a posição e os movi- mentos da cabeça, os olhos, sensores das rela- ções espaciais e o sistema proprioceptivo, cons- tituído pelos interoceptores dos músculos, tendões, articulações, vísceras, etc., e os exte- Neuroanatomofisiologia do Sistema Vestibular – Correlações Clínicas 815 roceptores da pele, sensores da postura e da movimentação do corpo. A participação do aparelho vestibular ini- cia-se com a excitação de receptores sensoriais localizados na porção posterior do labirinto, sensíveis a variações hidráulicas da endolinfa causadas pelos movimentos da cabeça ou por seus posicionamentos no espaço. A crista ampular, estrutura celular sensori- al localizada na ampola de cada canal semicir- cular, é o receptor para as acelerações tangen- ciais. Os três canais semicirculares, de cada lado, dispõem-se no espaço formando ângulos retos uns com os outros, representando os três planos principais do corpo (ântero-posterior, lateral e vertical). Os dois canais laterais se encontram no mesmo plano do espaço, forman- do um par funcionalmente sinérgico. O canal superior de um lado encontra-se no mesmo plano do canal posterior do lado oposto; por- tanto, o par sinérgico do canal superior direito é o posterior esquerdo e o par sinérgico do canal superior esquerdo é o posterior direito. Como todos os planos espaciais estão representados, pelo menos um dos ductos semicirculares de cada labirinto apresentará um movimento da endolinfa em função de qualquer movimento da cabeça. Os movimentos da endolinfa flexionam os cílios das células sensoriais da crista. A cúpula, na qual estão imersos os cílios, é uma massa gelatinosa rígida, que se desloca como um pêndulo sobre a crista à movimentação da endolinfa. A flexão ciliar promove uma alteração da polariza- ção das células sensoriais, desencadeando-se em conseqüência um estímulo bioelétrico que é encaminhado às terminações nervosas e ao sistema nervoso central. Os cílios são de dois tipos: o cinocílio, apenas um por célula, calibroso, e o estereocílio, cerca de 70 por célula, menos espesso. Quando os estereocílios se desviam para o lado do cinocílio, a descarga elétrica da célula aumenta e, ao contrário, quando o desvio dos estereocílios se faz para o lado oposto do cinocílio, a descarga da célula diminui. A disposição dos cílios nas células senso- riais é diferente para os canais semicirculares laterais, em que o cinocílio se localiza do lado proximal ao utrículo e para os canais superior e posterior, em que o cinocílio se localiza do lado distal ao utrículo. Nos canais laterais, o deslocamento da en- dolinfa no sentido da ampola (corrente ampu- lípeta) desvia os estereocílios na direção do cinocílio e ocasiona resposta mais intensa do que a corrente ampulífuga, em que os este- reocílios se desviam na direção oposta à do cinocílio. Através desse mecanismo de sensibi- lização direcional a corrente ampulípeta despo- lariza a célula, reduzindo a sua diferença de potencial elétrico em relação à endolinfa e pro- duz um aumento da descarga elétrica na fibra nervosa correspondente; a corrente ampulífuga polariza a célula, aumentando o seu potencial interno e reduzindo a freqüência de impulsos elétricos por segundo na fibra nervosa. Nos canais superior e posterior, ao contrá- rio, a corrente ampulífuga produz maiores res- postas do que a corrente ampulípeta. O meca- nismo é inverso ao que ocorre nos canais late- rais: a corrente ampulípeta polariza a célula, aumenta o seu potencial interno e reduz a descarga na fibra nervosa, enquanto que a corrente am- pulífuga despolariza a célula, reduz o seu potencial interno e aumenta a descarga no nervo. As máculas utricular e sacular, por sua vez, constituem os receptores para as acelerações lineares. A mácula utricular, colocada aproximada- mente no plano horizontal e a mácula sacular, situada num plano aproximadamente vertical, graças às suas morfologias e disposições es- paciais, têm condições de se sensibilizarem aos estímulos em qualquer dos três planos do cor- po. Os cílios das células sensoriais maculares estão imersos também em uma massa gelatino- sa, que contém no seu interior concreções sólidas de carbonato de cálcio, os otólitos. Dife- rentes posições da cabeça fazem com que os otóli- tos exerçam diferentes pressões sobre os cíli- os do epitélio sensorial. O utrículo responde fundamentalmente à gravidade, à aceleração linear e à força centrí- fuga e se relaciona especialmente com os movi- mentos de flexão e extensão da cabeça. O sáculo, considerado como órgão de tran- sição vestibulococlear, tem função ainda não perfeitamente conhecida. Seria sensível às for- ças gravitacionais, especialmente relacionadas com as inclinações laterais da cabeça e também se destinaria à percepção de estímulos vibrató- rios de baixa freqüência. Recentemente, verificou-se que os canais semicirculares também podem responder a for- ças lineares constantes, como a gravidade, quando se inclina a cabeça e ainda à força centrífuga. E por sua vez, utrículo e sáculo podem responder a acelerações angulares de Tratado de Otorrinolaringologia 816 baixa freqüência, especialmente em torno dos planos ântero-posterior e lateral, em que se modifica a direção do efeito da gravidade sobre as máculas. É o que parece ocorrer nas cinetoses, em especial nas que se relacionam com embar- caçõesno mar, em que os movimentos causa- dores de tonturas e enjôos são precisamente os que se realizam no plano ântero-posterior e lateral. Os impulsos bioelétricos originados nos canais semicirculares, utrículo e sáculo são conduzidos aos ramos vestibulares do nervo acústico. O estudo da inervação das células senso- riais, ao microscópio eletrônico, revelou a exis- tência de dois tipos de terminações nervosas. As células do Tipo I apresentam uma termina- ção em cálice, que engloba a maior parte da célula; as células do tTipo II apresentam peque- nas terminações nervosas, algumas com mi- crovesículas. As terminações vesiculares cor- respondem, em parte, às vias vestibulares efe- rentes; algumas terminações eferentes provêm de outras células sensoriais vizinhas. As fibras oriundas das cristas e máculas reúnem-se para compor os dois nervos vestibu- lares, superior e inferior. O primeiro recebe fibras dos canais lateral e superior, utrículo e sáculo; o segundo reúne fibras do sáculo e do canal posterior. Por outro lado, o nervo auditivo recebe fibras do sáculo (ramus Hardy) e o nervo vestibular inferior recebe fibras provenientes do órgão de Corti (ramus Oort), demonstrando o relaciona- mento sensorioneural entre o aparelho auditivo e vestibular. A influência de sons intensos sobre a cúpula (fenômeno de Tullio) e o efeito destrutivo da exposição sonora intensa sobre a estrutura anatômica do sáculo são eventos que evidenciam a inter-relação vestíbulococlear. As fibras dos nervos vestibulares alcançam a cavidade craniana através do meato acústico interno, em cuja base as suas células gangliais, dipolares, constituem o gânglio de Scarpa, pri- meira estação sináptica da via vestibular. As fibras vestibulares, provenientes dos canais semicirculares, utrículo e sáculo apre- sentam uma atividade espontânea, variável na sua freqüência de impulsos por segundo, que constituiria o fundamento fisiológico da in- fluência tônica que o labirinto exerce sobre o sistema nervoso central. Cada labirinto envia- ria aproximadamente 1,5 × 10 impulsos por segundo ao sistema nervoso central, em condi- ções de repouso. Sistema vestibular central Os nervos vestibulares penetram no tronco cerebral a nível bulbar, dirigindo-se as suas fibras, na maioria, para os núcleos vestibulares situados na porção inferior do assoalho do IV ventrículo, em sua asa branca externa (área vestibular) (Fig. 1). Outro contingente de fibras se dirige dire- tamente ao cerebelo, sem passar pelos nú- cleos vestibulares (feixe vestíbulo-cerebelar direto de Edinger), terminando no núcleo do teto (arquicerebelo). Os principais núcleos vestibulares são os seguintes: 1. Núcleo vestibular lateral (núcleo de Deiters). 2. Núcleo vestibular medial (núcleo de Schwalbe). 3. Núcleo vestibular superior (núcleo de Bechterew). 4. Núcleo vestibular descendente (núcleo de Roller). Figura 1 – Vias vestibulares. FR = Formação reticular; FVEL = fascículo vestibuloespinhal lateral; FVEM = fascículo vestibuloespinhal medial; GS = gânglio de Scarpa; NV = nervo vestibular; NC = via núcleo do cerebelo; FCV = fascículo cerebelovestibular; FLM = fascículo longitudinal medial. III IV FCV via NC S FR L MVI FR I GS NV FVELFVVEM FLM Neuroanatomofisiologia do Sistema Vestibular – Correlações Clínicas 817 5. Núcleo supravestibular. 6. Núcleo intersticial. 7. Células do Grupo f. 8. Células do Grupo l. 9. Células do Grupo x. 10. Células do Grupo y. 11. Células do Grupo z. Núcleo de Deiters Recebe a maioria das fibras nervosas oriun- das do utrículo do mesmo lado e do cerebelo. Dele partem fibras que se dirigem à linha média e se incorporam ao fascículo longitudi- nal medial. Ao atingir o fascículo longitudinal medial as fibras bifurcam-se. As ascendentes constituem as vias vestibulooculomotoras, re- lacionadas com a produção do nistagmo, e as descendentes representam as vias vestibuloespi- nhais, relacionadas com os reflexos posturais do corpo. É um mediador da influência do cerebelo sobre os reflexos e o tônus muscular. As fibras das vias vestibulares eferentes provêm essencialmente desse núcleo e da oliva bulbar, possuindo uma atividade inibitória so- bre a função vestibular periférica. Núcleo de Schwalbe Recebe fibras dos canais semicirculares e do cerebelo. Participa também da constituição das vias vestibuloculomotoras e vestibuloespinhais, através do fascículo longitudinal medial. Núcleo de Bechterew Recebe fibras dos canais semicirculares e do núcleo fastígio e lobo floculonodular do cerebelo. Envia fibras, todas ascendentes, para os núcleos oculomotores e para outros núcleos do tronco cerebral, através do fascículo longitudi- nal medial. Núcleo de Roller Recebe fibras das cristas ampulares e das máculas, do núcleo fastígio e verme do cerebe- lo, da medula espinhal e das raízes posteriores cervicais. Envia fibras para o flóculo e o nódulo cerebelares, constituindo-se no principal nú- cleo vestibular, no que se refere à inter-relação com o cerebelo. Núcleos supravestibular, intersticial e células dos Grupos f, l, x, y e z Constituem agrupamentos celulares ainda não perfeitamente estudados. Considerados por alguns autores como diferenciações dos núcleos principais, vários não recebem fibras vestibula- res primárias. Os núcleos vestibulares, de cada lado, apresentam numerosas conexões com os do lado oposto, quer diretas, quer através da for- mação reticular. As conexões do aparelho vestibular incluem numerosos grupos de neurônios, com sinapses em vários núcleos anatômicos, e inter-relaciona- dos de várias formas, com amplos elos de reali- mentação em que a participação da formação reticular é essencial. A formação reticular é um conjunto de células e fibras nervosas que se distribuem ao longo do tronco cerebral, medula espinal, tálamo e hipotálamo. Praticamente, todas as atividades do siste- ma nervoso central estão intimamente relaciona- das com a formação reticular. A ativação da formação reticular, por estímulos sensoriais, permite a eclosão de uma reação de alerta, com o objetivo de diminuir o limiar de excitabilidade no sistema nervoso central. Em condições de repouso, a formação reticular tem uma ativida- de elétrica espontânea, que pode se modificar diante da descarga de fibras aferentes, porta- doras de mensagens sensoriais. A formação reticular reage com uma descarga repetitiva, um verdadeiro bombardeio sobre o córtex cerebral, possibilitando a sensibilização de áreas associati- vas cerebrais para a interpretação de um deter- minado estímulo. A repetição do estímulo sensorial de origem vestibular produz, em função do tempo, a ate- nuação desse mecanismo de ação da formação reticular, por meio dos fenômenos de habituação e compensação, com ampla participação dos núcleos vestibulares. A habituação é uma forma de controle córtico- reticular sobre o afluxo de aferentes, que consiste na redução ou eliminação da atividade central, produzida por estímulos monotonamente repeti- dos. É um fenômeno diverso da adaptação, que se caracteriza por redução da atividade do neurônio ou da célula sensorial, em respostas a estímulos repetidos; os órgãos vestibulares periféricos apre- sentam pouca adaptação. No fenômeno da habituação, a formação reticular modula a atividade periférica por meio Tratado de Otorrinolaringologia 818 das vias vestibulares eferentes. Como conse- qüência da ação inibitória do trato eferente, ocorre o declínio das respostas vestibulares, que apresenta as características comuns ao fenôme- no da aprendizagem, ou seja, a aquisição, reten- ção e transferência. Aquisição indica o decrésci- mo progressivo de parâmetros das respostas vestibulares. Retenção é a persistência, durante dias ou semanas, da habituação. Transferência indica que o nistagmo em uma determinadadireção, reduzido ou extinto por habituação, apresenta características idênticas ao nistagmo de mesma direção, obtido por estimulação ade- quada do lado oposto. Desabituação é a recuperação da resposta normal às estimulações sensoriais. O repouso prolongado e a anestesia barbitúrica são algu- mas das condições que exercem efeito inibidor sobre a habituação vestibular. A função vestibular é exercida por dois sistemas sensoriais periféricos que enviam mensagens harmônicas ao sistema nervoso central. A integração central pode acomodar diferenças entre os dois sistemas e a este fenô- meno denominamos compensação. Os mecanismos compensatórios em nível vestibular, após uma lesão labiríntica unilate- ral, dependem da integridade do sistema ner- voso central e se sucedem por etapas: I – Na crise labiríntica o paciente apresenta- rá vertigem típica, nistagmo espontâneo con- tralateral e desvios segmentares homolaterais, além de profusas manifestações neurovegetati- vas (náuseas, vômitos, sudorese, palidez, ta- quicardia ou até mesmo diarréia) por ruptura do equilíbrio tônico entre os núcleos vestibulares direitos e esquerdos. II – Os núcleos vestibulares contralaterais reduzem a sua atividade elétrica por influência do mecanismo eferente inibidor sobre o labirinto são. III – Progressivamente os núcleos vestibulares ipsi e contralaterais passam a mostrar potenciais elétricos que aumentam até alcançar os seus valores normais. Esses potenciais se originam no lado são e passam para o lado comprometido através da formação reticular. Nesta fase desapa- recem os sintomas e sinais da crise labiríntica, completando-se a compensação. IV – Quando há recuperação integral do labirinto afetado, os núcleos vestibulares ipsi- laterais apresentarão uma sobrecarga em seu potencial elétrico, que provocará novamente uma diferença de tônus entre os dois sistemas vestibulares, direito e esquerdo, ocasionando novamente sintomas e sinais de desequilíbrio. O processo de restauração do equilíbrio estático e dinâmico e o reajuste da amplitude da resposta vestibular podem ser mediados por diferentes estruturas no SNC. A compensação vestibular requer uma modificação química nas sinapses dos neurônios vestibulares a nível de tronco cerebral. Muitos neurotransmissores (acetilcolina, adenosina trifosfato, aspartato, dopamina, encefalina, ácido gama-amino- butírico, glutamato, glicina, noradrenalina, se- rotonina, somatostatina, substância P, etc.) podem estar diretamente envolvidos no proces- so de recuperação. Muitos estudos experimen- tais têm evidenciado os efeitos dessas substân- cias sobre os neurônios vestibulares. O sistema vestibular possivelmente exerce controle está- tico e dinâmico sobre as vias vestibuloespinhal e vestibulocular, principalmente por meio de modulação da neurotransmissão dopaminér- gica, colinérgica, adrenérgica, gabaminérgica e histaminérgica (Fig. 2). A inter-relação vestibulocerebelar é com- plexa, mas de grande importância fisiológica e clínica. Além das fibras que provêm diretamente dos receptores labirínticos, sem passar pelos núcleos vestibulares, o cerebelo também rece- be fibras dos núcleos medial, descendente e das células do Grupo x. Saliente-se que nenhum destes três núcleos recebe fibras diretamente dos receptores sensoriais labirínticos. As fibras vestibulares estabelecem sinapses com neurônios do lobo floculonodular, do nú- cleo fastigial e, um número menor, do verme do cerebelo, particularmente da língula e da úvula. Todas as conexões são homolaterais. O lobo floculonodular representa o lobo vestibular do cerebelo, pois a maioria de suas fibras, aferentes e eferentes, faz parte do siste- ma vestibular. As fibras eferentes dirigem-se para os núcleos vestibulares formando dois grupos: o fascículo fastígio-bulbar direto, que termina na formação reticular e vai a todos os núcleos vestibulares homolaterais, e o fascículo uncinado cruzado, que cruza a linha média, contorna o pedúnculo do cerebelo superior e o núcleo fastígio do lado oposto e termina nos núcleos vestibulares, particular- mente no de Deiters. A função do cerebelo é a de inter-relacionar e coordenar as aferências proprioceptivas corpóreas e vestibulares com as eferências motoras. O cerebelo não é indispensável aos reflexos vestibulares, mas a intensidade e o ritmo das respostas sofrem nítidas influências cerebe- lares. Neuroanatomofisiologia do Sistema Vestibular – Correlações Clínicas 819 Figura 2 – Neurotransmissão nas vias vestibulares. 1 = Dopaminérgica; 2 = co- linérgica; 3 = adrenérgica; 4 = gabaminér- gica; 5 = histaminérgica. 1 3 4 5 2 Nistagmo vestibular A inter-relação vestibuloculomotora é da mais alta importância fisiológica e clínica. Como a locomoção do corpo implica em movimentos complexos, existe a necessidade de compensar os movimentos oculares com os da cabeça. Os movimentos compensatórios dos olhos, conse- qüentes aos estímulos originados do aparelho vestibular, são denominados de nistagmo e têm, fisiologicamente, amplitudes pequenas. Nos distúrbios vestibulares, no entanto, ou depois de estimularmos o labirinto de diversas maneiras, poderemos registrar, ou até mesmo ver a olho nu, esses movimentos nistágmicos. Verifica-se que o nistagmo apresenta um com- ponente rápido e um componente lent. O pri- meiro é o melhor observado e, por convenção, o sentido do nistagmo é o da sua fase rápida. O componente lento é o único que se origina efetivamente do aparelho vestibular e a sua avaliação constitui atualmente a melhor esti- mativa da função vestibular. O componente rápido se origina na formação reticular. A fase lenta é a expressão da excitação la- biríntica e a fase rápida representa um meca- nismo de correção da posição dos olhos. A via de transmissão do nistagmo horizon- tal é constituída essencialmente pelas fibras que partem dos núcleos vestibulares medial e lateral, dirigem-se à linha média, incorporam- se ao fascículo longitudinal medial, onde se bifurcam. A partir deste ponto, as fibras ascen- Na espécie humana, os conhecimentos so- bre a representação cortical do sistema vesti- bular são limitados. Supõe-se apenas que exis- ta uma área de representação cortical vestibular no lobo temporal e, mais recentemente, surgi- ram fortes indícios eletrofisiológicos de uma possível localização no lobo parietal. A conexão vestibulocortical seria a responsável pela sen- sação de vertigem. A inter-relação entre a formação reticular e o hipotálamo e o sistema límbico intervém nas manifestações de psicoafetividade que podem acompanhar os distúrbios labirínticos. O estado de alerta, desencadeado por um estímulo senso- rial, pode gerar ansiedade e depressão e estabele- cer um círculo vicioso complexo, integrado por sintomas vestibulares e sintomas psíquicos. As vias vestibuloespinhais são constituídas por fibras vestibulares descendentes diretas e cruzadas, que transmitem impulsos dos nú- cleos vestibulares aos neurônios motores pri- mários da medula. As fibras cruzadas terminam na região cer- vical, enquanto as diretas prosseguem por toda a medula. As conexões entre os núcleos vestibulares e a formação reticular transmitem aos centros motores da medula as informações relativas à posição da cabeça e integram o conjunto de reflexos destinados à preservação da postura normal do corpo. Nesses reflexos posturais há grande influência dos interoceptores e extero- ceptores proprioceptivos. Tratado de Otorrinolaringologia 820 dentes homolaterais estabelecem sinapses no núcleo do nervo abducente do mesmo lado, enquanto que as fibras ascendentes contrala- terais dirigem-se ao núcleo abducente do lado oposto. Os impulsos nervosos transmitidos por essas fibras estimulam a contração dos mús- culos retos laterais. A via de transmissão dos nistagmos rotató- rio e vertical é constituída porfibras que partem do núcleo superior, mas não se bifurcam, nem cruzam a linha média; todas as fibras são ascendentes e terminam nos núcleos dos ner- vos troclear e oculomotor. O grau de fixação ocular influencia o nis- tagmo de origem vestibular. O uso de lentes de Frenzel, de 20 dioptrias, evita a acomodação visual e as respostas oculares são mais inten- sas e, portanto, melhor visíveis. Quando se utiliza a eletronistagmografia, em indivíduos normais e nas síndromes vestibulares periféri- cas o nistagmo que se inscreve com os olhos fechados é de maior amplitude e velocidade do que o que se registra com os olhos abertos. Somente em pacientes com alterações vesti- bulares centrais é que poderemos encontrar a ausência do efeito inibidor da fixação ocular. Este é um sinal patognomônico de comprome- timento central, desde que se exclua afecção puramente ocular ou uso de drogas (especial- mente barbitúricos) no paciente. O mecanismo da fixação ocular ocorre a nível de tronco cere- bral, provavelmente na região dos núcleos oculomotores. Em determinadas circunstâncias, a excita- ção vestibular produz não apenas vertigem e nistagmo, mas também diversos graus de rea- ções parassimpáticas, como náuseas, vômitos, sudorese, etc. Essas reações são comuns nos pacientes vestibulares periféricos, possivelmente por estimulação de uma via vestibulovagal. Outras alterações das funções vegetativas po- dem ser desencadeadas por estimulação labi- ríntica: aumento da freqüência e da amplitude dos movimentos respiratórios, queda da pres- são arterial, alterações da vasomotricidade da retina, aumento do peristaltismo intestinal, reações pupilares (constrição progressiva à prova rotatória e midríase à parada brusca da rotação), etc. A influência cortical sobre as respostas vestibulares é também extremamente variável, conforme a suscetibilidade individual. Pode ser voluntária ou involuntária. É mais comum em pacientes com crises vertiginosas recidivantes do que em pessoas normais. A distração do paciente pela conversa sem sentido, ou a apre- sentação de tarefas que requeiram alguma con- centração mental, tais como cálculos aritméti- cos (adições, subtrações, etc.) contribuem para atenuar o controle cortical. Observa-se mais nitidamente a influência inibidora cortical com os olhos abertos do que fechados, às provas labirínticas, provavelmente porque a identifi- cação de objetos em deslocamento no espaço induz a uma tentativa de extinguir voluntaria- mente a sensação vertiginosa. Avaliação clínica do aparelho vestibular A vertigem é o sintoma mais intenso e mais freqüente nos distúrbios vestibulares e corres- ponde à sensação errônea de deslocamento de objetos ou do próprio paciente no espaço. A alusão de movimento tem caráter giratório: o paciente tem a impressão de que os objetos rodam à sua volta (vertigem objetiva) ou o paciente tem a impressão de estar rodando no ambiente que o cerca (vertigem subjetiva). As tonturas não rotatórias são outras mani- festações que podem ser determinadas por altera- ções do sistema vestibular, apresentando-se com diversas configurações sintomáticas: sensação de instabilidade, flutuação, desvios corpóreos à mar- cha, etc. As vertigens são praticamente sempre de origem vestibular. Os outros tipos de tonturas podem ser vestibulares ou não. O exame da função vestibular é imprescindível para se es- tabelecer o seu comprometimento e para loca- lizar a parte do sistema responsável pelo apare- cimento dos sintomas de desequilíbrio. Além disso, o exame vestibular constitui um verda- deiro teste neurológico, da mais alta importân- cia clínica, diante da sua sensibilidade em avaliar a formação reticular e diversas áreas do sistema nervoso central. Além do estudo da marcha e do equilíbrio estático, a exploração clínica do aparelho ves- tibular dedica-se à apreciação de determinados movimentos oculares. Alguns dos movimentos oculares estudados são ou podem estar direta- mente ligados ao aparelho vestibular e outros são movimentos relacionados exclusivamente com os núcleos oculomotores. A presença de nistagmo espontâneo e/ou do nistagmo semi-espontâneo pode estar ligada ou não à alterações vestibulares; há problemas ocu- Neuroanatomofisiologia do Sistema Vestibular – Correlações Clínicas 821 lares puros, sem envolvimento do sistema vestibu- lar, que ocasionam esses movimentos oculares. O nistagmo de posição e o nistagmo induzido por meio de estimulações rotatórias ou calóricas sempre se originam do sistema vestibular, en- quanto que o rastreio pendular e o nistagmo optocinético são de origem puramente ocular. A maioria dos otoneurologistas utiliza atualmente a eletronistagmografia (ENG) para o registro dos movimentos dos olhos, durante a exploração clínica labiríntica. A ENG se baseia no princípio da captação das diferenças de potencial elétrico entre a córnea e a retina, que ocorrem proporcionalmente à movimentação ocular. Grava os movimentos oculares com olhos abertos e fechados, permitindo a com- paração entre ambos e possibilita, também, a quantificação mais precisa das reações vesti- bulares, através da medida da velocidade angu- lar do componente lento do nistagmo (VACL). A VACL, medida em graus por segundo, repre- senta, no momento atual, o parâmetro mais fiel de avaliação da função labiríntica. A medida da freqüência nistágmica, em determinados pe- ríodos das provas labirínticas, também tem valor clínico. É óbvio que se pode fazer diagnóstico sem a ENG, contando apenas com a simples observa- ção visual. A ENG, no entanto, propicia diagnós- ticos muito mais precisos e anteriormente im- possíveis. A vectoeletronistagmografia (VENG), utili- zando-se de três ou mais canais de registros, sensibiliza ainda mais os testes labirínticos, pois permite a gravação não apenas dos movi- mentos oculares horizontais e verticais, como também dos oblíquos e rotatórios, muito fre- qüentes e de grande importância semiológica. As principais etapas da avaliação funcional labiríntica serão descritas a seguir: Estudo do equilíbrio estático e dinâmico O equilíbrio corpóreo é apreciado com o paciente imóvel (através das clássicas provas de Romberg e suas variantes sensibilizadas, Romberg-Barré, Fournier e outras) e com o pa- ciente em movimento (prova da marcha com olhos abertos e fechados e Unterberger). Alterações do equilíbrio estático e dinâmico ocorrem nas síndromes vestibulares agudas (crise labiríntica) ou nas síndromes que acome- tem o tronco cerebral e/ou cerebelo. As informações obtidas dos distúrbios do equilíbrio estático e dinâmico, infelizmente, ape- nas nos fazem constatar o desequilíbrio do pa- ciente, pois não têm nenhum valor topodiagnós- tico. Calibração biológica dos movimentos ocula- res É um pré-requisito fundamental para a gravação dos movimentos oculares que interes- sam à vestibulometria. Faz-se com que a cada grau de desvio do olhar corresponda uma ins- crição, pela agulha do nistagmógrafo, de 1 mm de altura no papel de registro. O outro pré- requisito importante é o conhecimento da ve- locidade de deslocamento do papel no nis- tagmógrafo, geralmente de 10 mm/s por se- gundo. Já à calibração podem ser detectadas alte- rações importantes da movimentação ocular, tais como dismetrias e disritmias, sugestivas de comprometimento da fossa posterior e, mais particularmente, do cerebelo. Estudo do nistagmo espontâneo Nistagmo espontâneo é o encontrado no olhar de frente, com os olhos abertos ou fecha- dos. Quando presente, é um dos elementos mais importantes do exame vestibular. O nistagmo espontâneo registrado à ENG, com o paciente com os olhos fechados, pode ocorrer em pessoas normais e a sua VACL nunca ultrapassa o valor de 7°/s. Com olhos abertos é sempre patológico: de origem ocular (congênito ou não) ou vestibular (periférico ou central). Para efeitodo topodiagnóstico, considera- mos como situação periférica a que abrange o labirinto e o nervo vestibular e como situação central a que se relaciona com os núcleos, vias e inter-relações vestibulares no sistema nervoso central. Nas síndromes periféricas, o nistagmo es- pontâneo com olhos abertos só ocorre nas crises labirínticas e é de tipo horizontal, ro- tatório ou horizonto-rotatório, geralmente in- tenso e acompanhado de vertigem e manifesta- ções neurovegetativas. Fora das crises, pode-se observá-lo eventualmente, com os olhos fecha- dos, à ENG. Nas síndromes centrais, o nistagmo espon- tâneo com olhos abertos é muito comum, geral- mente não acompanhado de vertigem e, além de horizontal ou horizonto-rotatório (mais fre- Tratado de Otorrinolaringologia 822 qüentes nas lesões protuberanciais e do ângulo pontocerebelar), pode ser também: a) Vertical superior – Mais comum nas lesões altas do tronco cerebral (mesen- céfalo). b) Vertical inferior – Mais comum nas le- sões baixas do tronco cerebral (bulbo). c) Rotatório – Idem. d) Oblíquo – Combinação de horizontal e vertical, pode ter variada localização. Os nistagmos espontâneos verticais, rotatóri- os e oblíquos com os olhos abertos são sempre de origem central. O nistagmo espontâneo vertical com olhos fechados pode ser encontrado em indivíduos idosos normais, possivelmente por fragilidade da musculatura extrínseca dos globos oculares. Os nistagmos rotatórios e oblíquos com os olhos fechados não são registrados de rotina e não se sabe sobre a sua ocorrência em normais e nas síndromes periféricas. Outros tipos de nistagmo espontâneo de origem central são os seguintes: a) Nistagmo alternante – Bate ora num sentido, ora no outro. Indica comprometimento da porção caudal do tronco cerebral ou é de origem cerebelar. b) Nistagmo disrítmico – Varia de amplitude e freqüência, ou aparece e desaparece seguida- mente. Indica lesão cerebelar. c) Nistagmo dissociado – Em que um olho bate em intensidade diferente do outro olho ou um olho bate numa direção e o outro olho bate noutra direção (nistagmo em gangorra) ou ainda só ocorra num dos olhos (monocular). Indica lesão do fascículo longitudinal medial e, no caso particular do nistagmo em gangorra (“see- saw nystagmus”), parece haver envolvimento do tegment. d) Nistagmo retratório – Em que os olhos, além de se movimentarem no sentido errôneo ântero-posterior, apresentam ainda uma con- vergência concomitante e rítmica. Indica lesão supratentorial, das áreas tectal e pré-tectal, ou mesencefálica nas vizinhanças do aqueduto de Silvius. Estudo do nistagmo semi-espontâneo O nistagmo semi-espontâneo é o que ocorre em uma ou mais posições cardinais do olhar: para a direita, para a esquerda, para cima e para baixo. Deve-se evitar desvios maiores que 30° em relação ao olhar de frente, pois além desse limite podem aparecer nistagmo fisiológico de adaptação. Não há nistagmo semi-espontâneo com olhos abertos em indivíduos normais. Com olhos fecha- dos, indivíduos normais podem apresentá-lo, fre- qüentemente como reforço de um nistagmo es- pontâneo preexistente. Ocorre só numa das dire- ções do olhar. Nas síndromes periféricas, pode surgir com os olhos abertos (apenas nas crises labirínticas) ou fechados, geralmente também como reforço de nistagmo espontâneo, só numa direção do olhar. Nas síndromes centrais, com olhos abertos e/ou fechados, pode aparecer em mais de uma direção do olhar, indicando comprometimento ocular ou vestibular de tronco cerebral, ou ainda, cerebelar. O topodiagnóstico preciso da lesão (núcleos vestibulares, núcleos oculomo- tores, tronco cerebral difuso ou cerebelo) de- penderá do confronto com os demais sinais ao exame vestibular, especialmente com os re- sultados da prova calórica. Há um tipo de nistagmo semi-espontâneo, denominado nistagmo de rebote, que é de origem caracteristicamente cerebelar. Aparece no olhar lateral, depois de certo tempo desaparece e, na mesma posição do olhar, reaparece batendo no sentido oposto ao anterior. Fazendo retornar os olhos à sua posição na linha média, ele aumenta de intensidade, depois decresce e desaparece. Outras vezes, no retorno do olhar à linha mé- dia, ocorre um nistagmo de sentido inverso ao de rebote, que não existia antes da execução da pesquisa do nistagmo semi-espontâneo. Estudo do nistagmo de posição Nistagmo de posição é o que surge em certas posições da cabeça e do corpo. Com os olhos fechados é extremamente comum em indivíduos normais, com as mais variadas características qualitativas e quantitativas. Por esse motivo, não atribuímos valor patológico à presença do nistagmo de posição com olhos fechados. A sua pesquisa é realizada em decúbitos laterais direito e esquerdo, com a cabeça pendente e na posição sentada. Na posição de cabeça pen- dente pode-se acrescentar torção cervical, pri- meiro para um dos lados e depois para o outro. A presença de nistagmo de posição com os olhos abertos tem valor clínico extraordinário: indica sempre alteração vestibular e não rara- mente constitui o único sinal ao exame vestibu- lar. Pode ser de três tipos: 1. Com latência, pa- roxístico, acompanhado de vertigem e fatigável; 2. sem latência, prolongado, sem vertigem, não Neuroanatomofisiologia do Sistema Vestibular – Correlações Clínicas 823 fatigável, e 3. diferentes combinações entre os dois tipos. Desses tipos, o primeiro é mais comum nas síndromes periféricas, o segundo nas centrais e o terceiro, mais raro, ocorre indiferentemente em ambas. Não é possível estabelecer a localização da lesão vestibular baseando-se apenas no tipo de nistagmo de posição. Estudo do rastreio pendular O rastreio é a manobra de acompanhamento visual do movimento de um pêndulo, sem qual- quer estimulação vestibular. Há quatro tipos: I – Registra-se como uma curva perfeita- mente sinusoidal. II – Apresenta uma reentrância ou degrau na curva sinusoidal. III – Apresenta vários degraus de um lado ou dos dois lados da curva sinusoidal. IV – Totalmente anárquico, sem a caracte- rística sinusoidal do movimento ocular. O Tipo I e o Tipo II são normais. O Tipo III é patológico e geralmente repre- senta uma superposição à curva de um nistagmo espontâneo, de origem periférica ou central. Na ausência de nistagmo espontâneo, geralmente é de origem central, ocular ou cerebelar. Estudo do nistagmo optocinético O nistagmo optocinético é a movimentação ocular gerada por uma sucessão rítmica de ima- gens diante do paciente e que é por ele acompa- nhada visualmente. Não há qualquer estimulação vestibular en- volvida no procedimento. Como em relação ao rastreio pendular, é um teste exclusivamente ocular, de grande importância na detecção de sinais de comprometimento do sistema nervoso central. Usamos um tambor rotativo com listas pre- tas e brancas para a sua pesquisa. Em indivíduos normais, sempre é simétrico nas direções para a direita e para a esquerda, ao giro anti-horário e horário do tambor. Quando ocorre um nistagmo espontâneo com olhos abertos, a sua influência sobre o nistagmo optocinético sempre se faz sentir nas síndromes periféricas, mas nem sempre nas síndromes cen- trais. A ausência de influência de um nistagmo espontâneo sobre o nistagmo optocinético é sem- pre central (tronco cerebral). A depressão bilateral ou abolição do nis- tagmo optocinético também é um sinal im- portante de comprometimento de tronco ce- rebral. A assimetria optocinética na ausência de nistagmo espontâneo é um sinal de lesão supratentorial, atingindo o centro de movimen- tos sacádicos do globo ocular no lobo frontal ou de outras áreas nos hemisférios cerebrais pa- rietal, temporal e occipital. A associação com hemianopsia homônima e quadrantopsia indi- ca lesão parietal. A inversão do nistagmo optocinético, muito rara em lesões adquiridas,assinala quase sem- pre a existência de nistagmo congênito latente. Estudo da estimulação rotatória pendular decrescente Apesar de estimular simultaneamente am- bos os labirintos, como todas as provas rotató- rias, a prova rotatória pendular decrescente pode trazer informações importantes para o diagnóstico vestibular. Em indivíduos normais, o nistagmo per- rotatório em sentido anti-horário e horário é essencialmente simétrico, na ausência de nis- tagmo espontâneo com olhos fechados. A situação é semelhante nas síndromes periféricas. As assimetrias em termos de pre- ponderância direcional do nistagmo à essa pro- va, nas síndromes periféricas em que não ocor- re nistagmo espontâneo com olhos fechados, equivale à influência de um nistagmo latente, revelado na estimulação labiríntica. Quando a presença de um nistagmo espontâ- neo não influencia quantitativamente o nistagmo per-rotatório, estamos diante de um sinal central patognomônico de comprometimento de tronco cerebral. Em pessoas normais e nas síndromes peri- féricas, as respostas máximas à prova rotatória pendular decrescente costumam ser mais in- tensas do que as respostas máximas à prova calórica. Quando ocorre uma inversão acen- tuada nessa situação e, mais particularmente, quando nos defrontamos com ausência de res- postas à prova pendular e respostas normais ou intensas à prova calórica, caracteriza-se o fenômeno do decrutamento, que indica lesão de tronco cerebral. Além da estimulação dos canais semicir- culares laterais, mais importantes por serem os únicos realmente estimuláveis à prova calórica, a prova pendular possibilita a estimulação dos canais verticais, de grande importância em otoneurologia. A abolição do nistagmo provoca- Tratado de Otorrinolaringologia 824 do rotatório e/ou vertical, em presença de nis- tagmo horizontal, na comparação das respostas à estimulação dos canais verticais e laterais, cons- titui o chamado sinal de Aubry (ou de Eagleton) patognomônico de comprometimento do tronco cerebral. A estimulação separada de cada canal ver- tical, inclinando-se a cabeça 80° para trás e 45° para um dos lados, torna possível a identifica- ção do lado lesado, nas lesões unilaterais: isto é possível graças à precariedade ou inexistência dos efeitos do fenômeno da compensação labi- ríntica para os canais verticais. Como o nistagmo resultante da estimulação separada dos canais posterior e superior é de direção oblíqua, é imprescindível utilizar a vectoeletronistagmo- grafia para obter o seu registro. Com a VENG tem sido possível demonstrar lesões vestibula- res ao nível de canal semicircular superior – nervo vestibular superior e de canal semici- rcular posterior – nervo vestibular inferior. Estudo do nistagmo pós-calórico O nistagmo pós-calórico é o nistagmo resul- tante da estimulação de cada labirinto com água ou ar, a temperaturas que produzam correntes de convecção na endolinfa, excitando a crista ampular do canal semicircular. A prova calórica é o único teste de função labiríntica capaz de estimular separadamente cada canal lateral, daí o seu grande valor em vestibulometria. Pode-se utilizar água a 44 e 30°C, ou ainda a 42 e 34°C. Os estímulos menores reduzem a possi- bilidade de obter respostas normais, em pacientes periféricos, em virtude do fenômeno de recruta- mento vestibular. A utilização do ar como veículo da estimulação térmica resulta não apenas em mais conforto para o paciente, como também pode ser empregado em casos com processos inflama- tórios da orelha externa e média, até mesmo quando há perfuração da membrana do tímpano. Empre- gamos o ar a 42 e 20°C, temperaturas que equivalem a 42 e 34°C com água. As respostas nistágmicas às quatro estimu- lações, em indivíduos normais, apresentam um padrão de simetria com algumas variações no sentido de respostas maiores às duas estimu- lações de um mesmo lado ou de respostas maiores em uma determinada direção do nistagmo. Na primeira dessas situações temos caracterizado o predomínio labiríntico e, na outra, a preponde- rância direcional do nistagmo, que não ultra- passam a 33% de desvio à aplicação das co- nhecidas fórmulas de Jongkees. No entanto, se ocorrer nistagmo espontâneo com olhos fe- chados, fato que não é raro em normais, o desvio a essas fórmulas pode ser superior ao limite acima, sem representar afecção. Nas síndromes periféricas ou centrais, o desvio percentual pode ou não ultrapassar o valor limite de 33%. Quando ocorre nistagmo espontâneo, nem sempre é muito fácil descar- tar a sua influência sobre os resultados da prova calórica; diante desta situação, cremos que a melhor atitude é realizar uma excitação labirín- tica mais intensa (10°C), que permitirá uma melhor interpretação dos resultados, já que o nistagmo pós-calórico, muito mais intenso, so- frerá muito menos a influência do nistagmo espontâneo. A prova calórica permite configurar duas caracterizações quantitativas distintas: a das síndromes deficitárias, em que um dos labirin- tos ou os dois apresentam respostas reduzidas (hiporreflexia) ou ausentes (arreflexia) e a das síndromes irritativas, que abrange a normo- reflexia que pode ocorrer nos distúrbios vesti- bulares, a preponderância direcional e a hiper- reflexia. O interesse maior na identificação des- sas situações é representado pelo fato de que as síndromes irritativas têm melhor prognóstico, de modo geral. Ambas podem ocorrer em dis- túrbios vestibulares periféricos e centrais. Na prova calórica, como no restante do exame vestibular, não há sinais patognomônicos de comprometimento periférico. Na verdade, exis- tem sinais patognomônicos de comprometi- mento central. O diagnóstico periférico é feito por exclusão destes sinais à avaliação otoneu- rológica. As principais alterações centrais à prova calórica são as seguintes: a) Ausência do efeito inibidor da fixação ocular, tornando as respostas mais intensas ou só presentes com os olhos abertos. b) Ausência de influência do nistagmo es- pontâneo sobre a simetria quantitativa da pro- va calórica. c) Nistagmo invertido, em que as respostas ocorrem no sentido oposto ao esperado. d) Nistagmo pervertido, em que as respos- tas ocorrem na direção vertical ou oblíqua, ao invés de horizontais. e) Disritmia + hiper-reflexia, em que estão combinadas diversas alterações de ritmo e mor- fologia a respostas extremamente elevadas. f) Abolição da componente rápida do nis- tagmo, com bloqueio parcial ou total dos olhos Neuroanatomofisiologia do Sistema Vestibular – Correlações Clínicas 825 no olhar extremo, pelo tempo que durar a excita- ção labiríntica. A ausência do efeito inibidor da fixação ocular e de influência do nistagmo espontâneo na prova calórica são sinais de comprometi- mento do cerebelo, muito freqüentes. A inversão e a perversão do nistagmo pós- calórico aparecem nas destruições parciais dos núcleos vestibulares no assoalho do IV ventrí- culo. A associação de disritmia à hiper-reflexia constitui um sinal de envolvimento da inter- relação vestibulocerebelar, quando concomi- tante à presença de outros sinais de lesão da fossa posterior. A abolição do componente rápido aponta o comprometimento da formação reticular no tronco cerebral. Os resultados à prova calórica podem ser muito úteis na determinação de topodiagnós- ticos, por comparação com os demais dados à semiologia vestibular. Nas lesões de tronco cerebral alto, geralmente não há alterações na prova calórica. Nas lesões totais do assoalho do IV ventrículo, ocorre arreflexia vestibular bila- teral, aliada a um nistagmo espontâneo de tipo central. Nas lesões difusas do tronco cerebral é freqüente a associação de nistagmo semi-es- pontâneo múltiplo às provas calóricas quanti- tativamente simétricas. Na síndrome do ângulo pontocerebelar, além do nistagmo espontâneo e semi-espontâneo de váriostipos, ocorre arreflexia labiríntica homolateral. Depreende-se da exposição sobre a semio- logia vestibular que é fundamental não apenas conhecer bem cada sinal, como também esta- belecer uma comparação analítica entre os sinais presentes em cada caso. Todos os casos devem ser analisados em conjunto. As informações fornecidas pelo exame ves- tibular são exclusivamente topográficas, ja- mais etiológicas. A vestibulometria é de execução relativa- mente simples e oferece bases muito seguras para sua interpretação clínica, constituindo-se em inestimável contribuição para o diagnóstico dos distúrbios otológicos e dos distúrbios neu- rológicos sediados na fossa posterior. Leitura recomendada BALOH, R. 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