Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICOLOGIA HUMANISTA EXISTENCIAL INSTITUTO DE ENSINO E FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICA E ANÁLISE DO EXISTIR 1 1 CURSO DE FORMAÇÃO PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICA EXISTENCIAL E ANÁLISE DA RELAÇÃO EXISTENCIAL - ARE TEXTO: DA ALMA À EXISTÊNCIA - PARTE 1 Profª Ms. Josefina Daniel Piccino SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICOLOGIA HUMANISTA EXISTENCIAL INSTITUTO DE ENSINO E FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICA E ANÁLISE DO EXISTIR 2 2 Considerações iniciais Este texto trabalha, ao mesmo tempo, em três frentes. Estabelece uma trajetória da Psicologia desde seus primórdios na Filosofia grega até o aparecimento da chamada “Psicologia Fenomenológico- Existencial”. O objetivo da trajetória não é apenas fazer uma historia da Psicologia, mas, por intermédio dela, levantar as características da metafísica ocidental indiciadas tanto na Filosofia desde Sócrates quanto na Ciência Natural moderna. À esta segunda frente, está ligada uma terceira que trata das discussões, também tanto na Filosofia quanto na Psicologia, que foram as bases do nascimento da chamada “Psicologia Existencial” oi “Psicologia Fenomenológico-Existencial”. De início, o texto foi resultado de estudos pessoais comandados pela indisposição de trabalhar em clínica seguindo a Psicanálise ou Behaviorismo e a consequente necessidade de encontrar outros caminhos pensar questões relativas à ação clínica, à psicopatologias etc. Em 1986, os estudos e anotações viraram um texto para ser conteúdo de um curso para psicólogos humanistas ministrado na Sociedade Brasileira de Psicologia Humanista (Sobrapshum) da qual, desde 1985, eu era conselheira. O texto inicial, a partir de 1992, foi modificado duas vezes com o objetivo de acrescentar conteúdos e facilitar o entendimento dos alunos do curso de CURSO DE FORMAÇÃO EM ANÁLISE DA RELAÇÃO EXISTENCIAL – ARE que desenvolvi e coordeno no Instituto Sobraphe. Mas desde sempre, a questão que o orientou foi entender claramente em quê as filosofias fenomenológica e existencial podiam contribuir para constituição de bases para as ciências humanas que partissem da forma do homem ser no mundo e não do projeto de ciência natural. A idéia era (ainda é, e hoje de maneira sedimentada) que, se as bases tiverem a forma do homem ser no mundo como orientação, as práticas profissionais que dizem respeito às questões fundamentais da existência humana, poderão ser mais valiosas, válidas e eficazes. De duas décadas para cá, o que tem regido mais e mais meu trabalho profissional é pensar uma ”ciência” radicalmente existencial. Denominei a tarefa clínica com a existência de Análise da Relação Existencial. Prof.Ms. Josefina Daniel Piccino – 2009 SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICOLOGIA HUMANISTA EXISTENCIAL INSTITUTO DE ENSINO E FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICA E ANÁLISE DO EXISTIR 3 3 I – INTRODUÇÃO A Psicologia é uma ciência recente. Tal como as outras ciências humanas, a Psicologia só atingiu o estatuto de ciência autônoma da Filosofia no segundo quinquênio do Século XIX. A primeira ciência humana a adquirir autonomia e se constituir como um ramo específico e distinto da Filosofia foi a Sociologia por intermédio, principalmente, dos trabalhos de Augusto Comte. A Psicologia, só se torna independente da ciência-mãe, a Filosofia, na segunda metade do século XIX com a fundação em 1879 do primeiro Laboratório de Psicologia Experimental por iniciativa do alemão Wilhelm Wundt em Leipzig. A fundação do laboratório constitui um marco importante. Mas é preciso considerar que, em História, não se pode falar em começos absolutos, nada surge como um passe de mágica de um momento para o outro. Assim, a fundação do Laboratório em 1879 ficou como ponto de referência, mas com a consideração dos trabalhos experimentais feitos até então, trabalhos que prepararam o terreno para o aparecimento e desenvolvimento da Psicologia Experimental ou Psicologia Científica. Até época da fundação do laboratório, a Psicologia era um dos tantos ramos do saber da Filosofia, ramo dedicado ao estudo da alma, estudo elaborado e fundamentado especificamente pela atitude racional - pelo exercício da razão - reflexão crítica -. Por muito tempo, a Filosofia condensou todos os ramos do saber. Por muito tempo representou a totalidade do saber. Eram considerados filósofos todos aqueles que se dedicavam a alguma atividade intelectual e ao conhecimento de algum setor da realidade de maneira desinteressada de necessidades materiais. O filósofo era "amante da sabedoria", curioso e interessado pelo conhecimento do mundo sem se preocupar com a utilidade e resultados práticos que esse conhecimento pudesse trazer. A Filosofia resultava, a princípio, quer dizer, no mundo grego onde nasceu, do logos entendido como “fazer ver”, tornar claro o que se mostra. Aos poucos, as atitudes específicas do filosofar tornaram-se: a especulação e razão lógico-dedutiva. A Filosofia consiste em investigação que realiza observações perspicazes e cuidadosas do mundo, reflexões críticas rigorosas e constrói sistemas que são o resultado dessas atitudes de observação e reflexão. O filósofo é aquele que elabora, em uma doutrina, sua maneira de compreender e interpretar o mundo; constitui um discurso que consiste em uma interpretação da realidade, em uma visão de mundo. Na Grécia Antiga, o filósofo se caracterizava por um lado, por realizar reflexões, desvinculadas de interesses outros, o saber pelo saber e, por outro, por ter um espírito cheio de inquietações, indagações, por admiração. Independente da época, a Filosofia consiste em "por em questão."1 1 A Filosofia em Questão - Paz e Terra - Rio de Janeiro - Brasil - 1967 - pg. 23. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICOLOGIA HUMANISTA EXISTENCIAL INSTITUTO DE ENSINO E FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICA E ANÁLISE DO EXISTIR 4 4 Os filósofos antigos se propuseram a pensar sobre os mais variados problemas das mais diferentes áreas da realidade e, com isso, fizeram com que o saber filosófico se constituísse da Física, da Lógica, da Mecânica, da Matemática, da Astronomia, da Ética, da Metafísica e também de áreas de que, depois, as ciências humanas se constituíram. Na medida em que a história da humanidade se desenrola, os "saberes" se desenvolvem e se ampliam de tal forma que o campo da Filosofia sofre desmembramentos; algumas de suas áreas de estudo ao mesmo tempo que se ampliam, tornam-se mais específicas. A partir do momento que essas áreas têm objeto e campo de estudo definidos e método específico para investigação de seu objeto, passam a constituir-se como área de conhecimento a parte da Ciência maior - a Filosofia -. Ou seja, para que uma disciplina possa existir como ramo autônomo é necessário que cumpra alguns requisitos. Entre eles, a exigência de objeto próprio e específico de estudo, da delimitação de campo de investigação, do estabelecimento claro e rigoroso do método para a investigação de seu objeto. Isso tudo sem desconsiderar, também, postulados e princípios básicos orientadores das pesquisas. Até o século III a.C. não havia nenhuma disciplina particular isolada do conjunto dos saberes - a Filosofia -. A partir dessa época, alguns setores de conhecimento tornam-se independentes de sua origem formando investigações especializadas. As primeiras disciplinas que alcançaram os critérios necessários e se emanciparam da Filosofia foram a Matemática e a Mecânica no século II a.C. Depois disso, somente nos séculos XVII e XVIII ocorrem novas emancipações: da Física, por intermédio dos trabalhos de Galileu1, Kepler2 e Newton3, e da Química com Lavoisier4. Quanto às ciências humanas e, entre elas, a Psicologia,o êxito de emancipação só se concretizou por volta da segunda metade do século XIX com a fundação do laboratório o que indica a direção tomada pela Psicologia: ser científica, no sentido moderno da palavra. Enquanto ramo do saber total - a Filosofia -, a Psicologia era filosófica (também chamada de Psicologia Racional). Esta denominação se deve ao fato de suas verdades serem obtidas e fundamentadas pelo processo de formulação do conhecimento filosófico: atitude racional, ou seja, pelo exercício da razão crítica-dedutiva. O procedimento da razão dedutiva implica em um tipo de reflexão crítica, sistematizada e organizada com o intento de alcançar conhecimentos dotados de generalidade, precisão e universalidade e, por isso mesmo, desprovidos do que é acidental e contingente. Essa forma de estabelecer os conhecimentos tinha o objetivo fundamental de alcançar a verdade. Até porque, 1 Nasceu na Itália em 1564. Foi introdutor do método experimental. 2 Nasceu em Weil em 1591. Foi matemático e astrônomo. Ocupou-se em conhecer a teoria heliocêntrica de Copérnico, a força da gravidade e os movimentos das marés. 3 Nasceu em Woolsthorpe em 1642. Foi matemático. Elaborou as leis do movimento, da gravitação universal e das marés. Revelou a composição da cor branca e criou um telescópio mais avançado do que o que já existia. 4 Nasceu na França em 1743. É considerado o fundador da Química Moderna. Foi guilhotinado durante a Revolução Francesa em 1794. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICOLOGIA HUMANISTA EXISTENCIAL INSTITUTO DE ENSINO E FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICA E ANÁLISE DO EXISTIR 5 5 sempre foi questão da Filosofia discutir a estrutura do conhecimento no sentido de sua legitimidade e verdade. A Teoria do Conhecimento e a Lógica são duas áreas da Filosofia que tratam dessa questão. A primeira discute os tipos de conhecimento, suas condições de possibilidade, a definição de verdade, os meios de obter o conhecimento correto, etc. Já, a segunda discute as regras do pensamento correto, as regras que devem ser seguidas para o estabelecimento de conhecimentos verdadeiros. II - PSICOLOGIA FILOSÓFICA OU RACIONAL Como área de reflexão da Filosofia, a Psicologia Filosófica se dedicava ao estudo da alma. É preciso entender esse conceito nos diferentes sentidos que adquiriu até hoje. Se observarmos a história do pensar, veremos que a partir de certo momento a forma do pensar se dar se modificou significativamente. O homem, por exemplo, tinha a forma mitológica de explicação e entendimento do mundo. Essa forma, aos poucos, foi substituída por uma atitude de investigação racional, sistemática, crítica e ordenada. As histórias que formavam os mitos representavam as maneiras do homem entender e lidar com a vida no mundo. Do ponto de vista do pensamento de tipo filosófico o mito era uma maneira ingênua de interpretar, dizer e agir. A partir de um certo momento, o homem é atravessado pelo enigma, perplexidade, admiração, surpresa, com o quê, questões são estabelecidas. O perguntar torna-se a sustentação de qualquer explicação. A pergunta - questão – expressa a situação de ser atravessado pelo enigma. O mito representa um modo de entender e explicar o enigma do ser homem, do mundo, da relação do ser homem e mundo que precedeu o pensar de tipo filosófico. Em um dado momento, o homem passa a olhar o mundo com outros “olhos”: quer saber sobre si e o mundo não mais de forma mítica, ingênua e aleatória. O mito representa a forma de relação do homem - mundo que se caracteriza pela formulação de estórias, sem preocupação com dedução lógica, rigor, sistematização, ordenação e coisas do tipo. A Filosofia, também nasce da lida do homem com o desconhecido, misterioso. Apesar disso, na antiguidade grega constituiu-se a partir, do buscar que questiona com o objetivo de saber o que se dá, de fato como se dá. De início, os gregos fazem questionamentos sobre a origem e constituição do mundo, sobre a possibilidade da existência de tantos entes diferentes, etc. O ad-mirar filosófico traz direção e maneira de constituir os conhecimentos completamente diferentes daquela existente até então. A forma de lida com o mistério se modifica: acontecem as perguntas e, delas, certo tipo de respostas, não somente estórias e explicações ingênuas. Desde o século VI a.C. até o aparecimento de Sócrates, o problema cosmológico se tornou o objeto principal de reflexão dos pensadores gregos. Os gregos que inauguraram a Filosofia se SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICOLOGIA HUMANISTA EXISTENCIAL INSTITUTO DE ENSINO E FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICA E ANÁLISE DO EXISTIR 6 6 interessaram pela origem da natureza. Preocuparam-se com observar entender e explicar “cientificamente” o princípio gerador de todas as coisas. Os pensadores da Grécia antiga despertaram para a questão da origem do cosmos. A mitologia deixou de ser suficiente para a questão da origem e existência do homem e do mundo. Inquietos, os pensadores ad-miraram e, aos poucos, ultrapassaram a forma mitológica de compreensão do mundo e da vida e não vida no mundo e instauraram uma forma diferente de pensar. As primeiras indagações a que se dedicaram diziam respeito à questões a origem, estrutura de ser e transformações dos entes do mundo. Apesar de também discutirem e refletirem sobre problemas morais, políticos, éticos, etc., os pré-socráticos deram ênfase aos questionamentos sobre a natureza - a Physis -. Suas perguntas fundamentais eram: como e de que surgiu a Physis (natureza1)?; como acontecem as transformações da natureza de modo existam tantos entes diferentes? Algumas questões fundamentais com as quais os filósofos se envolveram eram: qual é o processo, formação e ordem do cosmos, ou seja, qual a origem da natureza? Como ocorrem transformações na natureza? Que fatores determinam as transformações na Physis? De início, o foco de atenção do pensador grego era natureza, ou seja, a materialidade do mundo, o inanimado. Mas, porque o espírito grego estava sobremaneira aguçado2, no processo de conhecimento da Physis, não lhes passou desapercebido o fato de que alguns entes do mundo eram animados. A pergunta inclusa nessa percepção era: se há entes inanimados e animados, o que seria responsável por essa diferença? O que determinaria a "animação" de alguns e o caráter inanimado de outros? Em resposta a perguntas desse tipo, os filósofos conceberam a idéia da existência de um princípio interior que animava alguns entes e deixava outros inanimados. Esse princípio é eles denominaram alma. Ou seja, uma das diferenças entre a forma de explicar o acontecer da vida-não vida, movimento movimento – não movimento dizia respeito a um princípio totêmico - anima - que, ligado ao corpo material, lhe dá movimento e inteligência. A anima é o princípio do movimento, “inteligência” e transformação dos corpos. A descoberta era: um corpo movimentado por algo que lhe é exterior é inanimado, quando ele próprio gera seu movimento é animado. Mas, ao mesmo tempo, os gregos entendiam que o princípio gerador do movimento, embora interno, e, portanto, ligado ao corpos materiais eram distinto deles, 1 É interessante pesquisar a evolução do conceito de natureza. 2 Também é interessante pensar no que foi responsável, na época, por essas mudanças tão fundamentais do pensar, o quê instigou tão fortemente os sábios gregos? SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICOLOGIA HUMANISTA EXISTENCIAL INSTITUTO DE ENSINO E FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICA E ANÁLISE DO EXISTIR 7 7 No que diz respeito à Natureza persistiu a idéia de que havia um princípio - um elemento único ou múltiplo – originário. Quanto aos seres animados existiriauma substância: um princípio gerador do movimento => alma. Pensadores como Anaxágoras, Demócrito, Empédocles, etc. elaboraram reflexões sobre esse princípio "animador" e sobre o processo das transformações gerador das diferenças entre os “objetos” do mundo. Em função dos objetivos deste trabalho, sobre a fase cosmológica da Filosofia, apenas apontamos o “lugar” de nascimento do conceito de alma. Alma significava aquilo que é responsável pelas características específicas e diferenciadas dos diferentes entes intra-mundanos. A alma, assim compreendida, constituiu o “objeto” de estudo de uma área de conhecimento, a Psicologia que, como parte do arcabouço da filosofia, era filosófica. Dentro da fase dos primórdios do pensar, para estabelecer verdades sobre o homem e o mundo de maneira diferença da maneira dos mitos, é preciso falar também de Anaximandro, Parmênides de Eléia e Heráclito de Éfeso. Anaximandro, Parmênides e Heráclito foram considerados mais tarde e, de maneira importantíssima, particularmente, por Heidegger, como os pensadores originários. Para Heidegger, o saber essencial reside na atenção para o essencial que, nada mais é que o pensar. O importante quanto ao saber essencial é que ele não consiste em obter informações sobre as “coisas” para poder dominá-las, mas deixar-se tocar por elas e contemplá-las naquilo que elas são. (Isto, para a visão fenomenológica em clínica, é fundamental). Parmênides e Heráclito, que viveram praticamente na mesma época, seguiram caminhos de pensamento bem diferentes. Diferentes a ponto de se conflitarem. Heráclito entendia que o “movimento” era o princípio fundamental. (Entre os “mobilistas”, ele é considerado o mais importante representante pré-socrático da dialética). Parmênides, escrevendo sob a forma de “poemas” defendia o “monismo” com o quê confrontava o pensamento de Heráclito. A filosofia “monista” defende a idéia de que o monos - a unidade - consiste na totalidade do real enquanto o movimento é somente um aspecto aparente do real. A unidade como totalidade é o fundamento da variação e da multiplicidade e garantia para que seja possível encontrar a realidade tal como ela é, para o encontro da verdade. Heráclito, ao contrário, pensa que o mais fundamental para que possamos entender o real é o movimento, mais particularmente, o conflito entre os opostos. Apesar do pouco que se tem das filosofias desses pensadores, Parmênides é considerado como o filósofo do Ser e Heráclito como o filósofo do Logos. Ser, logos, origem, contemplar o essencial e outros apontamentos que ainda faremos, são fundamentais para a análise existencial. Mas, agora, nosso momento consiste em preparar um caminho. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICOLOGIA HUMANISTA EXISTENCIAL INSTITUTO DE ENSINO E FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICA E ANÁLISE DO EXISTIR 8 8 A fase seguinte à era cosmológica em Filosofia foi denominada antropológica. O marco da fase antropológica foi a presença de Sócrates. Ele foi o primeiro filósofo a se ocupar com questões unicamente relacionadas ao homem, tanto enquanto está presente no mundo, quanto depois de sua morte. Sócrates viveu em Atenas onde também morreu em 399 a.C. com 70 anos ao tomar o veneno cicuta como sentença por desrespeito às leis e aos deuses, e perverter a juventude. Mas, o mestre de Platão, não se revoltou contra a sentença de morte, pois considerava um erro pensar que a morte é um mal. Argumentava com o seguinte: ou a morte é o nada e morrer seria maravilhoso, pois o morto não tem consciência de nada ou ela é apenas a “migração da alma deste lugar para um outro”. Neste caso, também seria maravilhoso na medida em que a alma iria para o lugar onde estão os homens que, em vida, foram verdadeiramente justos. Encontrá-los e passar com eles o tempo investigando e analisando as pessoas para de lá saber quem é de fato sábio e quem não o é, seria uma imensa felicidade. Então, os juizes, ao condenarem-no a morte, não só não estariam fazendo-lhe nenhum mal, mas, sim, um grande bem. Sócrates entendia, ainda, que falar da virtude, questionar a si mesmo e aos outros e tornar-se bom ao máximo consistiam no bem maior do homem. O homem que procura a riqueza ao invés de procurar ser virtuoso ou pensa ser alguma coisa quando não vale nada é o homem que, realmente, deve ser repreendido e punido. Apesar de termos falado muito pouco sobre o que e como pensava o criador da maiêutica, podemos apontar algumas coisas. Uma delas é o tipo de raciocínio que ele executava: bastante racional, lógico e dedutivo. Outro aspecto diz respeito à suas reflexões sobre a alma que seguiram direções inusitadas para a época. Enquanto, à sua época, era preeminente a preocupação com o princípio gerador da Physis, ou seja, com a origem do cosmos ou com questões referentes à verdade, ao monismo ou ao pluralismo como princípio fundamental para pensar a realidade, Sócrates voltou sua atenção para questões relativas ao homem. Sócrates entendia que o homem é a grande questão a ser investigada, o foco a ser considerado. Talvez por isso, foi considerado o primeiro humanista da história da Filosofia. Com sua famosa frase "conhece-te a ti mesmo”, ele propôs que a natureza do homem fosse o foco de sua própria reflexão. Sócrates entendia que o homem é o foco a ser considerado, a grande questão a ser investigada. Talvez por isso, foi considerado o primeiro humanista da história da Filosofia. Com sua famosa frase "conhece-te a ti mesmo”, ele propôs que a natureza do homem fosse o foco de sua própria reflexão. Sócrates acreditava que a alma do homem era dotada de sabedoria perfeitamente passível de ser revelada desde que os meios usados fossem adequados - método maiêutico -. Não só acreditava na existência da alma como também na sua imortalidade. No diálogo Fedon, Platão relata SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICOLOGIA HUMANISTA EXISTENCIAL INSTITUTO DE ENSINO E FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICA E ANÁLISE DO EXISTIR 9 9 os acontecimentos do dia anterior a morte de Sócrates e dos últimos momentos de sua vida. Sócrates esteve até seus últimos momentos de vida em companhia e diálogo com seus discípulos. Conta a história que os discípulos inconformados com a injustiça da pena de morte imposta ao mestre insistiram para que ele fugisse da prisão. Mas, Sócrates acreditava de tal modo nas idéias que pregara que se negou a fugir. Insistia com os seus discípulos que a alma era dotada de imortalidade e, por isso, apenas seu corpo desapareceria. Sua alma, porque imortal, continuaria viva. Sócrates afirmava ser o homem composto de alma e corpo sendo o corpo material e a alma imaterial. Para ele, além de imaterial a alma é imortal e a melhor parte de nós. Análises posteriores do pensamento de Sócrates definiram-no como a inauguração da “metafísica ocidental”: um pensamento que, sendo estritamente argumentativo, movimenta-se em meio a construções racionais desviando-se da atitude de desvelamento fiel do ser daquilo que se mostra. Platão foi discípulo de Sócrates e, além de apresentar o que seu mestre pensou, disse e desenvolveu em sua Filosofia, fez acrescentamentos interessantes ao conceito de alma. Platão entendia que a alma - vida intelectual - é responsável pelo melhor de nós. A alma é o intelecto, o princípio primeiro, a causa da vida. Por ser princípio, a alma move-se por si mesma. Quanto a imortalidade, Platão entende que nem sempre a alma é imortal. Ela contém três princípios sendo, dois deles, mortais. O princípio imortal é a parte racional da alma - alma racional localizada no cérebro. Os princípios mortais são a alma irascível, localizada no peito (que diz respeito aos desejos e prazeres sensíveis) e a alma concupiscente localizada no ventre. Platão1 desenvolveu uma Teoria Política na obra Repúblicae a Teoria das Idéias. Ele não desenvolveu uma teoria específica sobre a alma. O que se tem são várias afirmações esparsas em sua obra. Além dessa subdivisão referente aos tipos de almas, é interessante a afirmação de que, para obter a imortalidade, é preciso que a alma imortal (racional) submeta as outras a seu controle. Porque, a alma irascível e concupiscente, uma vez que não são racionais, podem, até, ser prejudiciais ao homem. Se o homem se submeter a elas, pode até perder a sua imortalidade. Platão fundamenta sua afirmação sobre a imortalidade da alma partindo do seguinte princípio: tudo que tem o poder de mover-se a si mesmo é princípio e é imortal. Os corpos que movem outros corpos e os que são movimentados por outros, uma vez terminada a influência que os faz se moverem, cessam seu processo de movimento e se anulam. Agora, aquilo que se movimenta por si mesmo, que tem a capacidade de produzir e interromper movimento e é fonte de movimento para si e para outros corpos, não tem início nem fim - é imortal. Além de ser imortal, esta fonte de movimento, também, não provém de nada, pois, do contrário, teria um princípio e não seria o princípio. Aquilo que é princípio não pode vir de outro princípio, pois este seria, daí, o princípio primeiro e, também, não 1 Nasceu em 428 a.C. em Atenas. Morreu em 347 a.C. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICOLOGIA HUMANISTA EXISTENCIAL INSTITUTO DE ENSINO E FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICA E ANÁLISE DO EXISTIR 10 10 poderia ser destruído. Se este princípio pudesse ser destruído, ele desapareceria e perderia a característica de infinitude. Além disso, o que desaparece pode nascer novamente de outro princípio e, o que nasce de outro princípio não é fonte de si mesmo nem do aparecimento de qualquer coisa. Assim, o princípio do movimento é aquilo que a si mesmo se move: não pode desaparecer e não pode se formar a partir de nada anterior a ele. Isto explica porque as gerações não param: porque há um princípio de movimento - a alma - que garante um continuum constante e, por mover-se a si mesmo, é início de tudo - é imortal. Os corpos movidos por um princípio externo são corpos inanimados; os que possuem um princípio de movimento são corpos animados, quer dizer, possuem alma. Assim, o movimento é a essência da alma. A alma é o princípio responsável pelo movimento constante de certos corpos: ela de nada se formou e também não é passível de finitude, embora seja a causa das transformações. Para caracterizar a alma, Platão usa uma imagem. Compara a alma a um carro puxado por uma parelha de animais, conduzido por um cocheiro. Os cavalos e os cocheiros das almas divinas são bons e de boa raça, mas dos outros seres são mestiços. O cocheiro que nos rege pode ter um cavalo belo, bom e de boa raça, ou de natureza contrária a do anterior, de outra raça e, assim, dirigir nosso carro consiste em um ofício difícil e penoso. Embora Platão não tenha elaborado uma doutrina psicológica específica, desenvolveu algumas noções sobre a alma que, além de constituir uma forma de entender a vida e o mundo, são também reflexões sobre a natureza do homem. Estas reflexões constituíam a Psicologia da época. Estudos sobre a alma - Psicologia - são aprofundados na filosofia aristotélica. Aristóteles1 estudou todos os conhecimentos elaborados até sua época; analisou-os e, então, elaborou seu próprio sistema. Foi o primeiro pensador a dedicar uma obra somente ao estudo da alma. A obra em que sistematizou as idéias dos outros pensadores sobre a alma e introduziu suas próprias idéias chamou- se “Da Alma”. Neste livro, ele não só definiu a alma, como também fez uma pesquisa sobre as suas funções. Aristóteles dividiu o livro “Da Alma” em três livros. No primeiro, fez um estudo histórico das doutrinas psicológicas elaboradas pelos seus antecessores. A alma, até então, foi entendida como um princípio de explicação ou do movimento ou do conhecimento. Com a análise das doutrina e um passo a passo de questionamentos, Aristóteles estabeleceu sua própria teoria psicológica. As bases dessa teoria estão na metafísica que desenvolveu. Enquanto metafísico ele estabelecera uma forma de explicação (fundada em um grupo ordenado de categorias) para a questão da composição e transformações dos entes do real. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICOLOGIA HUMANISTA EXISTENCIAL INSTITUTO DE ENSINO E FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICA E ANÁLISE DO EXISTIR 11 11 Os conceitos de potência e ato, por exemplo, explicavam as transformações que aconteciam com os seres existentes no universo. Para Aristóteles, existia dois aspectos fundamentais para a constituição das coisas: matéria e forma. Todas as transformações pelas quais passam os entes do mundo consistem em atualizações do já pré-existente em potência. Ou seja, cada ente existente no mundo tem várias potencialidades sendo que, em diferentes momentos, uma ou mais potencialidades são atualizadas Por exemplo, o homem, tem a potencialidade de falar ou andar, mas só coloca essa potencialidade em ato, quando está falando ou andando. Se, por intermédio dos conceitos de potência e ato Aristóteles explicou as transformações dos corpos existentes no mundo, com os conceitos de matéria e forma explicou suas composições. A matéria constitui a potencialidade de algo vir a ser alguma coisa dotada de características específicas e definidas. Mas isto só ocorre se, sobre esta matéria, incidir uma forma que organiza e estrutura a materia - o ato -. O mármore, por exemplo, é a matéria sobre a qual é aplicada uma forma que faz surgir a escultura. Quando o corpo do real a ser considerado é um corpo animado, Aristóteles prefere substituir os termos matéria e forma por corpo e alma. Todos os seres são compostos de uma matéria - corpo - e possuem uma alma, uma organização que, ao se unir ao corpo, lhe dá vida - forma. A vida para Aristóteles, é não só o funcionamento de órgãos e tecidos, mas o resultado de um corpo organizado, estruturado, um corpo onde existe uma alma. O corpo possui a vida em potencial, mas só terá a vida em ato pelo cumprimento das funções que lhe são próprias. Atualizações são funções da alma. Quer dizer, o que torna um corpo vivo é justamente o ato - a forma intelectiva – a alma. Sem a alma, o corpo não é nada mais que possibilidade de vida. A alma, para Aristóteles, "é a enteléquia primeira de um corpo material que possui a vida em potência". Enteléquia tem dois sentidos: ou ciência ou ato de contemplação. A ciência está em potência no homem que aprende e em ato naquele que já tem o conhecimento. A alma, antes de atividade em exercício, é aptidão. Existe a potência primeira que é a simples potencialidade e a potência segunda que é aptidão, potência ativa determinada. Por exemplo: olhos e visão. A visão consiste na função dos olhos. Assim, os olhos devem ter a estrutura e a forma exatas para exercer essa função. É a função que determina a estrutura do órgão, da mesma maneira que o uso para o qual está destinado uma ferramenta determina sua forma. A forma das ferramentas e dos instrumentos é definida pela(s) função(ões) a que eles se presta(m); também a constituição anatômica dos órgãos deve estar em acordo com as funções que eles devem cumprir. A função determina a forma de tudo o que existe. Um corpo vivo é composto de partes e a estrutura dessas partes é determinada pelas exigências de certas funções que elas devem 1 Nasceu, provavelmente, no ano 384 a.C. em Estagira. Foi para Atenas com 18 anos (mais ou SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICOLOGIA HUMANISTA EXISTENCIAL INSTITUTO DE ENSINO E FORMAÇÃO EM PSICOLOGIAFENOMENOLÓGICA E ANÁLISE DO EXISTIR 12 12 exercer. A alma é o ato das funções que o organismo é capaz de desempenhar. A função do corpo enquanto instrumento é viver e pensar, o ato dessa função é a alma. Assim, a alma não pode existir fora do corpo porque não pode haver forma sem matéria; ela é substância, forma do corpo. Mas Aristóteles considerou que existe uma parte da alma que é separada do corpo porque é "um outro gênero da alma": a alma intelectiva. Ao tratar das funções da alma, Aristóteles estabeleceu quatro níveis diferentes sendo cada um responsável por funções específicas: nível vegetativo ou nutritivo - existente nos vegetais; alma sensitiva - responsável pela sensação dos animais em geral; alma intelectual - responsável pelo cumprimento das funções intelectivas existentes nos homens; alma locomotora - que diz respeito ao movimento. Para Aristóteles e os outros pensadores da época, a alma era o princípio de vida, de movimento, de transformação e conhecimento. As divisões pensadas por Aristóteles indicam seu entendimento sobre os seres humanos: há características específicas - inteligência, sensações, intuição e raciocínio - que os distinguem dos outros entes do mundo. Durante muito tempo os pensadores contemporâneos a Aristóteles e posteriores a ele ficaram às voltas, principalmente, com seus conceitos de alma como substância (realidade) e alma como princípio, causa. Esses conceitos constituíam a Psicologia. As discussões sobre a alma continuaram por toda a Idade Média1. Aliás, a alma foi a questão fundamental dessa época, um tema primordial das reflexões da filosofia dos padres. A Psicologia (filosófica) na antiguidade foi representada por Sócrates, Platão e Aristóteles. Eles desenvolveram uma Metafísica (interpretação explicativa de mundo) na qual basearam suas reflexões sobre a alma. Na Idade Média, as coisas tomaram um outro rumo em função das transformações pelas quais o mundo passava em termos políticos, econômicos e sociais. Para os interesses deste texto, lembremos que a Idade Média se caracterizou pelo desenvolvimento da religião católica. A intensa religiosidade trazida pelo advento do cristianismo foi determinante nos acontecimentos históricos e nas características dos conhecimentos da época. Nessa fase, os estudos sobre a alma - Psicologia - eram elaborados a partir das concepções religiosas, a partir da Teologia. A ciência Psicologia que pertencia a Filosofia e era formulada a partir da metafísica, tornou-se dependente de outro campo de atividade para se constituir - a Religião -. Na Grécia antiga, o fundamento da Psicologia era a Metafísica, na época medieval seu fundamento era a Teologia. menos) onde se tornou discípulo de Platão. 1 Inicia-se no final do séc V, 476 com a queda do Império Romano e termina em 1453 com a tomada de Constantinopla. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICOLOGIA HUMANISTA EXISTENCIAL INSTITUTO DE ENSINO E FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICA E ANÁLISE DO EXISTIR 13 13 Acrescenta-se a isso o fato de que a preocupação fundamental da época medieval não era o conhecimento “científico”, mas, sim, a religião. Os pensadores da época ocupavam-se com as questões que já eram discutidas (o que seria responsável pelo caráter de "animação" de alguns seres e o caráter inanimado de outros, a definição da alma, o esclarecimento sobre suas funções, etc.) e também com outras questões como: que relações existem entre corpo e alma?; a alma depende do corpo ou é dele desvinculada?; como se dá a atuação da alma sobre o corpo?; o que ela lhe confere? Toda sabedoria medieval estava ligada a teologia e astrologia. Os filósofos antigos, de início receberam influência do misticismo, mas fizeram filosofia; os pensadores medievais receberam influência da filosofia de Platão e, principalmente de Aristóteles formularam uma certa teologia que passou a ser o fundamento de todo o conhecimento. Dois comentários são, agora, importantes: 1) a Filosofia em seus primórdios, embora tivesse características bem diferentes do pensamento mítico, não se desvencilhou dele de maneira total e rápida. Na Idade Média, esse pensamento ainda foi fortemente presente; 2) a expressão pensamento racional que caracterizava a Filosofia da Antiguidade e Idade Média não tem o sentido que lhe foi conferido a partir da Idade Moderna e Contemporânea ligado à Lógica e à Ciência: rigor do pensamento objetivo comprovado por deduções, quantificações experimentações, etc. Os pensadores da Antiguidade eram tomados pela admiração diante das coisas, pela inquietação e insatisfação com as explicações existentes e pelo desejo de compreender o homem e o mundo de modo diferente do mito. Mas, embora tivessem utilizado procedimentos não característicos do pensamento mítico, tal como os pensadores da Idade Média, ainda, apresentaram resquícios importantes da forma mítica de pensar. A Idade Média se caracterizava pela Filosofia patrística que se dedicou a discussão dos conceitos já presentes na filosofia aristotélica e ao desenvolvimento do cristianismo fundamentado nessa filosofia. A preocupação fundamental do pensamento da Idade Média era construir ou aperfeiçoar a síntese católica1. A Idade Média durou 10 séculos. A força dessa época, aos poucos se assentou na crença, fé e religiosidade. O grande esforço do pensamento medieval foi o de colocar em evidência a originalidade do texto sagrado, esclarecer sua função e difundi-lo.2 Portanto, a nova força integrada a filosofia na Idade Média foi a Religião. O objetivo era difundir e apresentar a originalidade do texto sagrado. Hajam vistas, as noções de divindade, imortalidade da alma, vida após morte, os preceitos orientadores da ação correta, etc. A filosofia da época acabou por ser especialmente romana já que o império grego fora dominado pelos romanos. Com a dominação romana, muitas idéias dos gregos (sobre estado, 1 História da Filosofia Ocidental -Bertrand Russell. Companhia Editora Nacional Volume 2. Introdução-VII 2 Idem. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICOLOGIA HUMANISTA EXISTENCIAL INSTITUTO DE ENSINO E FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICA E ANÁLISE DO EXISTIR 14 14 liberdade, conhecimento especulativo) e muitas atitudes (como busca da compreensão da origem do mundo e de sua constituição, suas transformações, sua diferença com os seres animados, etc.) fossem modificadas de maneira importante. Os romanos não tinham uma filosofia muito desenvolvida e, por isso, não recusaram idéias úteis para a manutenção de seu domínio. Apesar disso, muitas idéias essenciais da filosofia grega se modificaram importantemente. Vários historiadores afirmaram que a Idade Média foi um período de obscurantismo nas ciências e nas artes. A Filosofia e, por tabela a Psicologia, passou a ser desenvolvida por um grupo de elite representado por um dos dois poderes da época, a Igreja Católica. A religião, e não o conhecimento, era a preocupação primeira dos padres filósofos. A finalidade de refletir sobre as questões relativas à alma (Psicologia) ocorria na medida em que a reflexão produzisse explicações para a doutrina religiosa ou servisse como dogma religioso. Santo Agostinho (1354 -1430), por exemplo, desenvolveu o método da introspecção como meio de conhecimento sobre a alma, de interpretação dos seus estados e de análise fria das paixões. O método introspectivo acabou tendo importância para a Psicologia, embora a pretensão de Santo Agostinho fosse perscrutar sua própria interioridade para verificar suas fraquezas e poder combatê-las através de penitências. Quer dizer: seu interesse era puramente religioso,aperfeiçoamento da alma. De qualquer modo, o método da introspecção de Santo Agostinho representou progressos para a Psicologia. Ao praticar a introspecção, ele desenvolveu um método de obtenção de clareza de alguns processos da alma. A introspecção foi, por um certo tempo, um recurso importante da Psicologia na compreensão dos processos psíquicos. Segundo Santo Agostinho, o homem é uma alma que se serve do corpo. A alma, hierarquicamente, transcende o corpo, está presente em todo o corpo e exerce uma ação incessante sobre ele no sentido de vivificá-lo. A alma está atenta a tudo o que se passa no corpo. Por exemplo: os objetos fustigam os sentidos, agem sobre eles e a alma faz com que esta modificação não passe despercebida. Ao mesmo tempo que possibilita o reconhecimento da interferência dos objetos no corpo, a alma não sofre alterações. Essa função consiste na sensação que tira de sua substância uma imagem semelhante ao objeto. Isto explica como acontece de o corpo poder ser afetado pelo que está fora dele. Segundo Agostinho, as sensações nos ensinam simplesmente sobre o estado e as necessidades de nosso corpo e sobre os objetos que nos rodeiam. Os objetos externos são instáveis porque aparecem e desaparecem, existem e deixam de existir. A falta de estabilidade dos objetos externos torna-os mutáveis e impede seu conhecimento verdadeiro. Então, conhecer implica a apreensão um objeto passível de observação, pelo pensamento passando pela sensação. Mas, como se dão os conhecimentos que não advém da constatação empírica de fatos como a verdade, por exemplo. A verdade produto de realidades não sensíveis e são imutáveis e eternas. Imutáveis porque relativas à uma necessidade e eternas porque imutáveis. Então, é verdade aquilo SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICOLOGIA HUMANISTA EXISTENCIAL INSTITUTO DE ENSINO E FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICA E ANÁLISE DO EXISTIR 15 15 que é imutável, necessário e eterno. Este tipo de conceito determina a verdade como não inteligível por meios empíricos, mas, sim, puramente. Santo Tomás, outro dos grandes pensadores da época medieval, também se ocupou com o estudo da alma. Como os outros, Santo Tomás não se dedicou a esse estudo com a intenção de fazer Ciência, mas, sim, de estabelecer dogmas religiosos. Ele aceitou a concepção da alma dada por Aristóteles e tentou provar o acordo dessa concepção com a fé cristã. Distinguiu os modos de vida segundo a ordem dos seres vivos: plantas: seres vivos cuja natureza é puramente vegetativa; animais imóveis como as ostras, por exemplo, cuja natureza é vegetativa e sensível mas sem o poder de locomoção; animais que tem muitas necessidades para viver e possuem o poder de locomoção para buscar o que necessitam; outros seres vivos, como os homens que além de tudo, têm, um dado a mais, o intelecto. Além de destacar as diferenças entre os seres animados e os inanimados, existe no pensamento de São Tomás uma preocupação com observar as diferenças marcantes entre os próprios seres animados. Os filósofos não só perceberam a diferença entre animados e inanimados, mas, também, procuraram estabelecer as diferenças significativas entre a classe dos seres animados. Quanto ao ente humano, estabeleceram-no como o ente capaz de locomoção dirigida para satisfação de necessidades, como portador de uma alma independente do corpo embora, inexoravelmente, ligada a ele, e como ente pensante por intermédio do intelecto. A Idade Média trouxe progressos, mas não foi extremamente rica do ponto de vista de criação e desenvolvimento da Psicologia. Até o século XI, tivemos uma fase considerada por alguns historiadores como uma fase de obscurantismo. No final dessa época e no início da Idade Moderna, inicia-se o reflorescimento das artes, do pensar e da filosofia grega que é retomada, agora, sob perspectivas não religiosas. Nos seis séculos finais da Idade Média, ocorreram mudanças interessantes do ponto de vista social, econômico e político e o mundo romano sofreu grandes transformações. Durante o império grego, a ética predominante era a do dever do cidadão para com o Estado. Com a organização da religião católica, durante o império romano, a Igreja adquiriu grande poder e mais um dever foi instituído ao povo, a submissão a Igreja Católica Apostólica Romana. A partir de certas circunstâncias históricas, ocorreram lutas de poder entre Estado (reis) e Igreja (clero). O cidadão passou a ter um conflito importante entre os seus dois deveres: o dever é para com Deus ou para com o Estado? Ocorreu que, a jurisdição e influência e domínio material e espiritual dos papas estenderam-se por toda Europa e o clero se formou com uma organização única dirigida por Roma. A Igreja, gradativamente, adquiriu poder maior que o poder dos próprios reis porque tinha o monopólio do SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICOLOGIA HUMANISTA EXISTENCIAL INSTITUTO DE ENSINO E FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICA E ANÁLISE DO EXISTIR 16 16 ensino e a "submissão" dos reis. A chave do céu estava na mão da Igreja, ou seja, o poder de decisão sobre quem mereceria o reino do céu ou seria destinado ao inferno lhe pertencia. Se essa decisão era clerical, consequentemente, os próprios reis eram dependentes da Santa Madre Igreja. Esta dependência enfraqueceu o poder dos reis. Por seu lado, o povo, também estava vulnerável com dupla submissão a Igreja e ao Estado. Quanto mais poder a Igreja Católica adquiriu, mais necessidade de poder ela gerou para si mesma. Para manter e ampliar o poderio adquirido, o clero acabou por entrar em gastos exagerados e ganância por riqueza e poder. Dessa situação para a corrupção e abusos, foi um passo não rápido, mas direto e, a partir de certo momento, radical. Corrupção, abusos de poder, imoralidade dos papas e de todo o clero, redundou em revoltas, movimentos de oposição, na guerra dos cem anos, etc. A corrupção clerical dividiu a adesão do povo a Igreja Católica. As lutas pelo poder entre reis e clero, as corrupções de ambos trouxeram anarquia e desordem política. Outros acontecimentos importantes, circunstâncias políticas, sociais e econômicas, também, enfraqueceram o poder dos imperadores e clero e mudaram o panorama histórico e, claro, a mentalidade da época. Abalos consideráveis na política, economia e moral da Idade Média, ocorreram. Em termos de Religião, os protestantes, aos poucos, adquiriram influência e poder. Em termos de Estado surgiram pequenos monarcas independentes que também, gradativamente, adquiriram força e influência. O enfraquecimento do poder tanto do Estado quanto da Igreja trouxe uma permissão ao povo e a pensadores para se libertarem da filosofia e da moral a que estavam submetidos. Apesar da turbulência, de transtornos de vários tipos, da desordem político-social-econômica e profunda violência, a necessidade de libertação apareceu. Desobrigado da obediência aos corruptos, o povo desenvolveu novos modos de conceber a vida e agir. Exemplos dessa situação foram a presença de Luthero, a Reforma, a Contra Reforma, etc. Esse contexto produziu um clima de tolerância quanto a situação de diversidade de pensamentos. Os homens puderam pensar com um pouco mais de liberdade e criar outras teorias sem sofrer perseguições tão terríveis quanto as que aconteceram anteriormente. Enfim, em paralelo com a conturbação social, um fato foi positivo: a liberação do povo de seu aprisionamento aos deveres para com ambas as facções. Foi possível, aos poucos deixar de seguir a moral estabelecida por elas. Ocorreu também em paralelo, certa ampliação no desenvolvimento do ensino das matemáticas e das ciências. Os artistas, filósofos e pensadores liberados do totalitarismo da sabedoria vigente dedicaram-se a criar e desenvolver novas idéias e conhecimentos. Apesar disso tudo, a produçãofilosófica e, por tabela, a da Psicologia, até um século depois da Reforma, um período foi de quase total esterilidade. O Renascimento que surgiu mais tarde na Literatura e nas Artes teve sua raiz mais distante nesse contexto. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICOLOGIA HUMANISTA EXISTENCIAL INSTITUTO DE ENSINO E FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICA E ANÁLISE DO EXISTIR 17 17 Cronologicamente, marca-se o início da Idade Moderna em 1453 com a queda de Constantinopla. A Renascença foi uma fase de transição da Idade Média para a Idade Moderna. O Renascimento começou na Itália com poucos indivíduos que tinham uma visão transformista e libertadora. Mais tarde, se estendeu a maior parte dos indivíduos cultos da Itália e depois a outros países da Europa como França, Inglaterra e Alemanha. 1527 é considerado o ano da morte da Renascença na Itália. Segundo Bertrand Russell1, a Idade Moderna, como um todo, caracterizou-se por uma perspectiva mental diferente das épocas anteriores segundo muitos aspectos mas, principalmente, sobre dois: decrescente autoridade do Estado e da Igreja no saber da época e na política e crescimento da autoridade da ciência. É indiscutível a evolução da ciência empírica nessa época. A evolução do poder da ciência foi lenta e gradativa até certo momento. Depois, atingiu pontos extremos representados pela tendência para transformar o homem em um ente como todos os outros entes naturais. Os primeiros renascentistas não tiveram pela ciência o respeito que aconteceu a partir do século XVII. Apesar de muito revolucionários e inovadores, eles não estavam ainda, totalmente, emancipados nem da influência e necessidade do apoio da igreja, nem da Filosofia Grega. Além disso, ainda eram presas de superstições de vários tipos (principalmente ligadas a Astrologia). A Renascença não representou um período de grande realizações na Filosofia, pelo menos comparando-se com as produções gregas e com o que ocorreu a partir do século XVII. Mas, segundo Bertrand Russell, o grande valor da Renascença esteve no fato de ter2 acabado com o rígido sistema escolástico que aprisionava o desenvolvimento da cultura filosófica; renovado os estudos dos pensadores humanistas como Sócrates e Platão promovendo a independência da influência autocrática do aristotelismo (agora existiam no mínimo duas possibilidades: Platão e Aristóteles); encorajado o hábito da atividade intelectual para um grupo maior da população e mesmo para leigos, tirando, com isso, a possibilidade de meditação e pensamento das mãos somente de alguns religiosos cujo propósito consistia em circunscrever o pensar no âmbito cristão católico. O Renascimento foi importante por seu caráter inovador e libertador quanto a autoridade do governo e igreja, e por ter preparado o ambiente para o desenvolvimento da Ciência empírica. Alguns representantes do Renascimento foram Copérnico, Leonardo da Vinci, Petrarca, Boccacio, Michelangelo, Maquiavel, Galileu e Giordano Bruno na Itália e Erasmo de Roterdan, Thomas More na Inglaterra. Então, apesar de não ter sido extremamente brilhante no tocante a Filosofia, foi muito importante para o florescimento das artes e da literatura, pelo espírito expansionista e por promover 1 História da Filosofia Ocidental - Companhia Editora Nacional.1977 Rio de Janeiro. 2Idem, volumes 1 e 2. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICOLOGIA HUMANISTA EXISTENCIAL INSTITUTO DE ENSINO E FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICA E ANÁLISE DO EXISTIR 18 18 nas pessoas, a percepção de que não precisavam mais aceitar as coisas de maneira fatalista e submissa e que era possível modificar o sistema de normas e pensamento e constituir novas maneiras de conceber e agir no mundo. Quanto a Psicologia, a "evolução" se deu no sentido de que a Filosofia, ao retomar os pensadores antigos, retomou temas que lhe foram fundamentais e a que diziam respeito à Psicologia. Um florescimento mais intenso da Filosofia que teve importância para diferentes áreas do saber humano e mais especificamente para a Psicologia, ocorreu a partir do século XVII, depois da Reforma e Contra-Reforma. Os movimentos da Reforma e Contra-Reforma também contribuíram para a tolerância quanto a diversidade de pensamento. Católicos e protestantes tiveram um que tolerar a existência do outro e de seus diferentes dogmas. Esta tolerância forçada, também foi uma fonte de liberalismo: já que, a partir de dado momento, ficou claro que um não derrubaria o outro, a diversidade teve de ser aceita. O fato do pensamento intelectual se desvincular do poder da Igreja e do Estado, impôs a co-existência de diversidade. O caráter de inovação trazidos pelo Renascimento e pelos movimentos de Reforma e Contra- Reforma foram determinantes para o surgimento de pensamentos filosóficos e científicos bem diferentes do que existiram até então. O desenvolvimento das Ciências e da Filosofia gerado por esse conjunto de fatos foi fundamental para a formação dos alicerces da Psicologia como a ciência. Um dos pensadores mais importantes da Filosofia Moderna foi o filósofo francês René Descartes.1 Ele foi um `divisor de águas`. As origens mais distantes da Psicologia Científica estão em sua filosofia. Descartes foi amplamente influenciado pela Física e Astronomia de Kepler e Galileu. Estudou Matemática no Colégio dos Jesuítas e, além de filósofo foi um homem de ciência. Empenhou-se na construção de um edifício filosófico completamente novo que consistiram nas raízes do Racionalismo. O Racionalismo representa a tendência filosófica de confiar nos procedimentos da razão para a determinação dos conhecimentos e para o estabelecimento da verdade. Só pode tornar-se verdadeiro o conhecimento obtido pela racionalidade, pelo exercício rigoroso e sistemático da razão. O Racionalismo considerou que o dado definidor d o homem é o cogito. Um dos objetivos da filosofia cartesiana consistiu em encontrar uma base firme e segura para o conhecimento. Para realizar esse objetivo, o filósofo francês lançou mão do método da dúvida. Por intermédio da dúvida buscava alcançar o indubitável, ele pôs em questão todos os tipos de conhecimentos existentes. 1 René Descartes foi matemático e filósofo. Nasceu em Haia em 1596. Morreu na Suécia em 1650. Escreveu: Discurso do Método, Dióptrica, Meteoros, Geometria, Meditações Metafísicas, Tratado das Paixões da Alma. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICOLOGIA HUMANISTA EXISTENCIAL INSTITUTO DE ENSINO E FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICA E ANÁLISE DO EXISTIR 19 19 Os primeiros conhecimentos submetidos ao método da dúvida são aqueles provenientes dos órgãos dos sentidos, eles são mais fáceis de serem colocados em dúvida. Descartes mostrou a facilidade com que os sentidos nos enganam e nos levam a erros e ilusões. Mostrou também, que quando sonhamos ou, como os loucos, alucinamos, experimentamos a certeza de que nossos sonhos e alucinações são verdades absolutas embora não correspondam de fato a realidade. Os conhecimentos sensíveis são, portanto, facilmente dubitáveis e questionáveis. Mas, como seu objetivo era duvidar até alcançar uma certeza, Descartes levantou um novo argumento: existem conhecimentos que são menos suscetíveis de dúvidas como os conhecimentos da Matemática, por exemplo. Estejamos acordados ou dormindo, sonhando ou não, não podemos descartar a evidência de que 2 mais 3 são 5. Neste processo de submeter tudo a dúvida para chegar a algo suficientemente firme e seguro que dê garantia de verdade ao conhecimento, Descartes põe em questão até mesmo o próprio conhecimento matemático. Para essa tarefa, lança mão de um "truque". Supõe existir um Deus que o leva a errar a cada vez que pensa: 2+ 3 são 5. Mas, imediatamente, contrapõe a este raciocínio a idéia de que Deus é bom e não se proporia a enganá-lo a cada vez que pensa que 2 + 3 são 5. O argumento é de que haveria um gênio maligno que se prestaria a fazer com que ele erre. De qualquer modo, um fato fica definido: o próprio ato de realizar todo esse procedimento e argumentação. Este ponto a que chegou, remeteu Descartes ao estabelecimento do cogito. O raciocínio de Descartes é o seguinte: se ele está em situação de se enganar, se pensando nisso tudo, realiza o duvidar é porque ele existe: nada e ninguém poderia enganá-lo se não pensasse, argumentasse e duvidasse, ou seja, se não existisse. Para seguir seu projeto de encontrar o princípio do conhecimento verdadeiro, Descartes radicalizou sua dúvida por intermédio da suposição de que não possuía um corpo. Então, mesmo que não tivesse corpo e as sensações, não poderia negar a presença da atividade pensante. O fato inegável e indubitável é que o pensamento existe. Assim operando, Descartes garantiu a existência como substância pensante, cogito. Vem daí, a conhecida frase de Descartes: "penso, logo existo". Para ele, esta é a verdade sólida o suficiente para nenhuma dúvida derrubar. Esta conclusão é um "pensamento claro e distinto" que funda a possibilidade da Ciência. Com este procedimento, Descartes encontrou uma idéia que é a garantia, a base para a obtenção do conhecimento verdadeiro. Conduzindo as coisas desta maneira, ele acabou por mostrar que o eu existe enquanto pensa. Não há segurança da existência do homem se ele deixar de pensar. Em outros termos, Descartes define o homem como um ser que pensa - substância cuja essência consiste em pensar. Uma decorrência disso é o fato do homem não precisar de nada material para existir: o que o faz um ser existente é o ato de pensar. A alma - substância pensante - é inteiramente diferente e SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICOLOGIA HUMANISTA EXISTENCIAL INSTITUTO DE ENSINO E FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICA E ANÁLISE DO EXISTIR 20 20 separada do corpo; ela seria o que é mesmo se o corpo não existisse. A conseqüência disso é a determinação de que corpo e alma são duas substâncias distintas. O homem, para Descartes, é constituído de duas substâncias: res cogitans - coisa que pensa e res extensa - coisa que possui extensão, matéria - substância que pensa, substância material -. A substância onde reside o pensamento, é o espírito. A substância onde reside a extensão, o movimento, os acidentes é o corpo. Descartes compreendeu o homem como um ser cuja essência consiste no pensar e concebeu que o eu (a alma) que o faz ser o que é, é distinta do corpo. Apesar disso, paradoxalmente, ele considerou que a alma que é separada do corpo, é misturada com ele. Com esta afirmação, ele empreendeu uma tentativa de entender a relação entre substância pensante e substância material (corpo e alma). Ao tentar explicar o que seria a substância material (corpo) e a convivência alma-corpo, Descartes tornou possível o estabelecimento de duas ciências diferentes: uma Fisiologia para estudar o corpo, e uma Psicologia para estudar a alma. Pensador astuto que era, admitiu que, se o homem fosse apenas uma coisa que pensa, apenas uma faculdade passiva de receber e conhecer as coisas sensíveis, não seria capaz de produzir idéias. Elaborou, então, a idéia da existência de uma faculdade ativa que seria diferente do pensamento: Deus, ou uma criatura mais nobre que o corpo. Nesse processo de investigação, Descartes admitiu a existência de coisas corpóreas. Assim, para ele, a essência da alma é o pensamento e a essência da matéria é a extensão. A matéria é submetida a caracteres como número, quantidade, espaço, figura, forma, etc. A alma tem outros atributos. Admitindo a existência de duas substâncias, por conseqüência, ocupou-se com a questão: como os processos da alma convivem com os do corpo, ou seja, com a relação corpo-alma. E, o que resultou dessa reflexão propiciou o desenvolvimento de uma Fisiologia que, apesar de mais tarde ser descartada por sua improcedência, foi importante como uma primeira investida no sentido de constituir uma ciência do funcionamento do corpo. Resumindo o que Descartes afirmou sobre a relação pensamento-corpo temos o seguinte: o coração produz o movimento e o calor. Os movimentos de dilatação e contração do coração movimentam o sangue. Este é o alimento do corpo. O sangue sai do coração e ruma para o cérebro. Mas, no cérebro só entram certas partículas que compõem o sangue: as partes mais agitadas e sutis. Estas, são o que ele chama de espíritos animais, espíritos muito pequenos cujo movimento é muito rápido. Nesse movimento alguns espíritos animais entram pela cavidade do cérebro, outros saem pelos poros e são conduzidos aos nervos e dos nervos aos responsáveis pelo movimento corporal, os músculos. O processo é o seguinte: os órgãos dos sentidos recebem as impressões dos estímulos externos e os comunicam a glândula pineal (localizada no cérebro) por intermédio dos espíritos SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICOLOGIA HUMANISTA EXISTENCIAL INSTITUTO DE ENSINO E FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICA E ANÁLISE DO EXISTIR 21 21 animais alojados nos músculos e nervos. A alma tem, portanto, um lugar no corpo (glândula pineal) e é responsável pelo movimento. O movimento do ente animado homem tem, em Descartes, um princípio de explicação bastante diferente do princípio presente nas filosofias anteriores. A explicação do movimento não está fundada na Metafísica e existe já uma preocupação de estabelecer um saber sobre o corpo com feição de ciência e não com características de metafísica. Quanto a relação corpo-alma, Descartes afirmou que a alma embora esteja presente no corpo to-do, exerce suas funções a partir de uma parte - o cérebro - onde se localiza e do órgão responsável pelo movimento do sangue, o coração. O cérebro, contendo a glândula pineal e recebendo os espíritos animais, se relaciona aos órgãos dos sentidos e aos músculos. O coração permite que o homem sinta as paixões. A glândula pineal estabelece, portanto, a comunicação entre substância material e substância espiritual, é a ação da alma sobre o corpo. O corpo, por sua vez, também agirá sobre a alma pela mesma glândula. Quando o corpo percebe alguma coisa via órgãos dos sentidos, ocorre um movimento (por intermédio dos espíritos animais) da glândula pineal e a alma terá o conhecimento em questão. Quer dizer, pela percepção que é uma ação do corpo, o curso dos espíritos é alterado e, conseqüentemente, ocorre alteração do movimento da glândula pineal. Esta alteração no movimento da glândula produz uma ação sobre a alma. Do mesmo modo, pode ocorrer o inverso: por ação da alma, pode haver um movimento no corpo. O esquema é o seguinte: a alma tem sede na glândula pineal localizada no centro do cérebro e dela, por intermédio dos espíritos animais, presentes nos nervos e músculos faz contato com o corpo todo. A glândula pineal está suspensa entre as cavidades onde ficam alojados esses espíritos. Por isso, pode ser movida por eles das mais diversas maneiras. Isso explica o fato da alma poder receber tantas impressões diferentes. Os movimentos da alma acontecem conforme os movimentos vindos da glândula pineal. Conforme ela se movimenta e movimenta os espíritos animais, haverá movimento no corpo. Além disso, os diferentes movimentos das glândulas dependem das diversidades sensíveis dos objetos. Este modo de estabelecer as coisas implica no fato de que o movimento do corpo está relacionado ao da alma. Mas Descartes já estabelecera as duas substâncias como distintas. Existe aí uma ambigüidade produto do fato de Descartes tentar realizar uma ligação entre a Fisiologia e a Metafísica para explicar a relação alma-corpo. Sua explicaçãosobre esta relação resulta insuficiente e não convincente. Apesar disso, tem o mérito de abrir campo para, além da Psicologia, elaborar a Fisiologia. Além disso, o filósofo francês deu um grande passo a frente na história do pensamento em geral (e da Psicologia) pelo sentido completamente diferente dado a alma. Em sua filosofia, a palavra alma é entendida como pensamento. Melhor: como consciência - penso, sou ciente de e sou ciente do que penso e de que penso. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICOLOGIA HUMANISTA EXISTENCIAL INSTITUTO DE ENSINO E FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICA E ANÁLISE DO EXISTIR 22 22 Nessas alturas, a Psicologia, embora seja o estudo da alma efetivado pelo método da racionalidade dedutiva, tem características completamente diferentes das estruturadas pelas filosofias antiga e medieval. A alma é o pensar que, em última análise, é o eu. O pensar é consciência e estrutura constitutiva do ser humano. A partir do pensamento cartesiano o objeto de estudo da Psicologia Filosófica deixa de ser a alma tal como era entendida até então, e passa a ser a alma substância pensante, consciência. A consciência cartesiana torna-se o objeto de estudo da Psicologia. (Só a partir da 2ª década do século XX com o advento da Psicologia Científica a consciência deixa de ser objeto de estudo da Psicologia pelo menos pelos behavioristas. Isto porque, ao seguir o modelo das Ciências Naturais, a Psicologia necessita de um objeto de estudo observável diretamente. Como o que pode ser observado diretamente é o comportamento, a Psicologia torna-se Behaviorismo). A conceituação da alma e de que o homem é formado por duas substâncias estabeleceram uma dimensão especificamente psíquica do homem e outra especificamente física, e a necessidade de duas áreas científicas: uma dirigida ao estudo do psíquico, a Psicologia e outra dirigida ao estudo do funcionamento do corpo, a Fisiologia. O cartesianismo teve, também, um valor heurístico na medida em que serviu como ponto de partida para vários estudos e descobertas. O cartesianismo foi uma das bases do empirismo. Os empiristas se opuseram a Descartes em pontos importante, mas foram devedores dele ma medida em que suas obras consistiram em crítica a seu sistema. Como o Racionalismo de Descartes, o empirismo foi fundamental para a possibilidade de constituição da Ciência como um todo e, em particular, da Psicologia Científica. Filósofos são porta-vozes do que é presente no mundo em que vivem. Descartes acentuou a visão já existente: o homem é formado de duas partes separadas corpo e mente (conceito ferrenhamente criticado pelos pensadores existenciais e existencialistas que defenderam a idéia da unidade indissolúvel do homem). Se por um lado a filosofia cartesiana teve esse valor, por outro, na medida em que acirrou a noção de homem (embutida na cultura ocidental) como constituído por duas substâncias separadas (res cogitans e res extensa) contribuiu para o abandono da noção grega pré-socrática de unidade e indissolubilidade do homem. A Idade Moderna de modo geral se caracterizou pelo forte impulso de desenvolvimento em diversas áreas de produção intelectual: Filosofia, Ciência, Técnica. Acontecimentos políticos, econômicos e sociais como as grandes navegações e as descobertas marítimas, as descobertas relativas à navegação, e, mais tarde, a Revolução Industrial, o advento da burguesia e a Revolução Francesa dão rumos específicos a história da vida do homem no mundo. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICOLOGIA HUMANISTA EXISTENCIAL INSTITUTO DE ENSINO E FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICA E ANÁLISE DO EXISTIR 23 23 No que diz respeito ao conhecimento, a partir do século XVII, surgiram os maiores nomes do pensamento moderno. René Descartes foi um deles. Citaremos alguns filósofos que sucederam Descartes e contribuíram para o desenvolvimento da Psicologia na medida em que suas reflexões e discussões versaram sobre temáticas não muito discutidas, mas fundamentais para ela. Embora também não pretendessem construir uma Psicologia Científica, pensadores como Spinoza, Bacon, Pascal, etc. tinham uma mentalidade cientificista ligada a observação dos fatos, a condutas de rigor e fidelidade a eles, as idéias de demonstração e comprovação de afirmações e hipóteses. Além desse tipo de mentalidade e postura, cada pensador discutiu questões que abriram temas cujo conjunto consistiu em forte impulso para a formação da Psicologia como ciência independente da Filosofia. Spinoza, por exemplo, desenvolveu uma psicologia das paixões, da vontade e da liberdade, além de Ética. Aliás, Spinoza teve o tema da Ética como foco de sua atenção em uma época em que a predominância de interesse era com a capacidade do homem de estabelecer raciocínio lógico. Além de entender o homem como um ser capaz de estabelecer e produzir conhecimento, Spinoza entendia-o, fundamentalmente, como ser que age. Sendo assim, foi imperioso para ele refletir sobre as normas que regem sua práxis, sobre Ética. Por seu lado, Bacon dedicou-se ao exame da situação das ciências de sua época. Classificou- as e discutiu as relações entre a ciência experimental e outras formas de conhecimento que operavam pela via do entendimento. Com isto, Bacon contribuiu com o estabelecimento de maneiras especiais para tratar os diferentes fatos o que representou uma evolução quanto a métodos de investigação. A contribuição de Pascal também foi importante no sentido de evolução metodológica. Para ele, a cada problema investigado era necessário pensar um método que lhe fosse próprio. Como homem de ciência e sábio tratou de questões relativas a ciência do homem;. Como matemático estudou geometria e criou o cálculo das probabilidades. Na Física fez pesquisas sobre barométrica e hidrostática. Pascal não admitia (como Descartes) a existência de um princípio que seria a base de sustentação de todo o conhecimento que se quisesse estabelecer. Não acreditava em princípios universais que serviriam para explicar tudo e a partir dos quais qualquer tipo de conhecimento pudesse ser construído. Ao contrário, defendia que cada conhecimento requer princípios específicos. (Esta idéia de princípios específicos tem interesse especial para a clínica da existência. Uma vez que o cotidiano do homem envolve modos singulares de envolvimento com o mundo, encontrar formas específicas para estudá-los e lidar com eles, é fundamental). Mesmo em ciências como a Matemática e a Física, a conduta de Pascal era de experimentar mais que de raciocinar especulativamente. Ele tinha um espírito de justeza, utilizava o método SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICOLOGIA HUMANISTA EXISTENCIAL INSTITUTO DE ENSINO E FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICA E ANÁLISE DO EXISTIR 24 24 experimental, tinha um espírito de geômetra, mas era perfeitamente capaz de distinguir esse espírito científico do sentir e experimentar próprios do homem "da rua". O homem "da rua" apreende as coisas de imediato e não por intermédio de uma seqüência de elaborações e raciocínios. Além de homem de ciência, Pascal foi um pensador religioso. Mas, como homem de ciência, Pascal só se dedicou a Ciência Humana e só na medida em que se ocupou em fazer uma apologia da Religião Católica. Para ele, só o cristianismo pode permitir uma compreensão verdadeira do homem. É dentro da apologia da religião que Pascal refletiu sobre a natureza humana e desenvolveu uma concepção do homem de teor diferente do teor presente nas concepções da época. Propôs uma auto- psicologia pela religião: o homem deve realizar o conhecimento de si mesmo por intermédio da religião católica, pois somente o catolicismo pode torna-lo compreensível a si mesmo. Este tipo de formulação indica a forma de Pascal conceber a natureza da estrutura humana e a suaconcepção de que o conhecimento sobre o homem deve acontecer segundo meios diferentes daqueles usados para conhecer os outros entes do mundo. Mas, talvez devido a forte influência do catolicismo Pascal não desenvolveu uma área do conhecimento sobre o ser humano. Em paralelo a estas filosofias, o Empirismo se desenvolveu. O Empirismo se constituiu como uma corrente filosófica cuja diretriz é ter a experiência como critério para o estabelecimento da verdade do conhecimento. Segundo os empiristas não existem idéias inatas. Todas as idéias e todos os conceitos provêm da experiência. Tudo que existe em nosso intelecto é-nos dado pela sensação. Os conhecimentos são adquiridos, ou seja, são produtos de uma série de acontecimentos mentais cujo início é a sensação e percepção do mundo exterior. Com este tipo de postulado, os empiristas negaram a idéia de que é possível alcançar verdades absolutas e propõem que "todo conhecimento seja formulado a partir da observação, seja colocado a prova a partir do confronto com a experiência e modificado, corrigido ou mesmo abandonado em função do que for obtido a partir desse confronto". O Empirismo constituiu uma oposição radical ao Racionalismo de Descartes. Os empiristas não desconsideravam a importância da atividade racional como meio de obtenção do conhecimento verdadeiro, mas postularam que a função da atividade pensante consiste apenas em introduzir estrutura e ordem naquilo que é obtido na e pela experiência. Desta forma, o Empirismo firmou-se como proposta para que toda verdade só seja aceita como tal, depois de testada e controlada de forma adequada: procedimento de confronto entre conceito e experiência. O Empirismo defendeu a idéia de que a elaboração de qualquer conhecimento só é possível porque um determinado fato, em algum momento, é presente aos órgãos dos sentidos. Mas, como a verdade está inserida na realidade, as hipóteses devem ser dela extraídas e as conclusões devem ser por ela ratificadas. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICOLOGIA HUMANISTA EXISTENCIAL INSTITUTO DE ENSINO E FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICA E ANÁLISE DO EXISTIR 25 25 Estas afirmações indicam o quanto o empirismo contribuiu para o desenvolvimento da ciência e da Psicologia Científica. Mas, com a atitude de enfatizar o fato observável como elemento fundamental da possibilidade de constituição do conhecimento verdadeiro, o Empirismo deixou fora do campo de pesquisa os temas não passíveis de observação direta. Assim, só se pode realizar investigações confiáveis sobre aquilo que pode ser observado diretamente e testado por meio de instrumentos. Isto exclui a possibilidade de investigação científica sobre questões como: o modo das pessoas serem vivenciarem o que as afetam. Na época em que os empiristas realizavam seu trabalho, já estava presente a idéia de se delimitar um campo de estudo específico para a Psicologia e a idéia de se utilizar, na abordagem desse campo, o mesmo método usado nas outras ciências. Os empiristas se referiam a necessidade da criação de uma Psicologia Empírica que operasse por intermédio da observação e comprovação experimental e não da racionalidade e da reflexão lógico-dedutiva. Se o que seria o objeto de investigação da Psicologia deveria ser suscetível de observação direta, obviamente, não se poderia ter a alma como objeto de estudo dessa ciência. A proposta, então, foi de que os estudos sobre a alma ficassem para a Metafísica e a Psicologia estudasse as manifestações da alma. A Psicologia seria, então, a ciência que empreenderia o conhecimento dos fenômenos da vida psíquica enquanto se manifestam. Pode-se notar aí, uma mudança significativa quanto a definição da ciência Psicologia: não mais seria a ciência da alma, mas, sim, como ciência das manifestações dos fenômenos psíquicos. Com o Empirismo surge a noção de mente. Segundo Locke, a mente é como um papel branco em que se inscrevem as impressões sobre o mundo, é o conjunto das operações realizadas para aquisição do conhecimento que é extraído da experiência a partir das sensações. A mente é “onde” todo o material da razão é impresso. Locke trouxe a noção de que existem, por um lado, os objetos externos e, por outro, operações internas da mente. Esse conceito declara a concepção da existência de duas instâncias separadas: objetos externos que tocam a senso-percepção e uma série variada de processos internos que formam os conceitos. Locke salientou o importante papel da sensação para a formulação do conhecimento. As sensações compõem os processos psíquicos e são as primeiras experiências da realidade externa que o homem pode ter. A Psicologia seria a ciência que se ocuparia com o estudo desses fenômenos internos da mente, o estudo dos fenômenos conscientes. O método para efetivação desse estudo seria, a princípio, a observação e, depois, a reflexão sobre essas operações internas - introspecção. A proposta deste texto é formar um esboço dos rumos que a mentalidade ocidental aos poucos tomou. Para tal, é necessário fazer referência a duas outras tendências além do Racionalismo SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICOLOGIA HUMANISTA EXISTENCIAL INSTITUTO DE ENSINO E FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICA E ANÁLISE DO EXISTIR 26 26 de Descartes e do Empirismo de Locke, Hume e Berkeley. Uma referencia diz respeito ao criticismo de Kant1 e outra ao Idealismo de Hegel2. Descartes, com sua doutrina filosófica, havia criticado a metafísica tradicional. Com o estabelecimento do cogito, estabeleceu duas realidades distintas: realidade espiritual e realidade material. A metafísica se ocupa com a realidade de objetos não corpóreos e não materiais. O Empirismo, ao efetuar a crítica do conhecimento, colocou em crise a metafísica racionalista de Descartes. Racionalismo e Empirismo consistiram em duas tendências que se opuseram diz respeito a princípios fundamentais. A filosofia kantiana instalou-se, exatamente, entre essas duas tendências do contexto cultural da modernidade. Kant é considerado o maior pensador da Idade Moderna. Foi estudioso da Física e Matemática de sua época. Conheceu o pensamento dos empiristas ingleses e o racionalismo cartesiano e constituiu, a partir daí, o criticismo que representou uma síntese dos elementos opostos das duas escolas citadas. Kant se propôs a mostrar que o saber científico tem validade objetiva e que o conhecimento só é válido no âmbito da experiência. Propôs-se também a discutir a questão: a metafísica pode conter um conhecimento verdadeiro confiando apenas nos procedimentos da razão? O que Kant estabelece, é a necessidade de se realizar uma crítica, de a razão fazer uma crítica de si mesma e não, simplesmente, operar dogmaticamente. Pela crítica de si mesma a razão pode julgar se o conhecimento que obtém dos "objetos" supra-sensíveis é legítimo ou não. A razão põe-se, por esse meio, como razão pura - independente da experiência. Kant, trata também da questão das condições de validade objetiva do conhecimento em geral. Para o Racionalismo cartesiano, os elementos do conhecer são princípios racionais (independentes da experiência) que, por existirem em todas as pessoas, são universais. Dessas idéias inatas se deduzem, de maneira lógica e matemática, todas as outras e é possível construir o edifício do conhecimento. As "idéias claras e distintas" (Descartes) garantem a validade objetiva da ciência. O Empirismo nega a existência das idéias inatas e afirma que todo conhecimento é advindo da experiência sensível e não da análise dedutiva. Como a experiência é contingente, não existe nada 1 Kant nasceu na Alemanha em 1724 e morreu em 1804. Fez Filosofia, Matemática e Física. Estudou Newton e Leibniz. Foi o primeiro
Compartilhar