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EPIDEMIOLOGIA Especialização em EPIDEMIOLOGIA ERIKA APARECIDA SILVEIRA ELIAS RASSI NETO (Organizadores) Participantes Bernardo Lessa Horta Erika Aparecida Silveira Ivan José Maciel João Bosco Siqueira Júnior Marta Rovery de Souza Renato Maurício de Oliveira GOIÂNIA Universidade Federal de Goiás - UFG Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública - IPTSP 2009 Especialização em DaDos InternacIonaIs De catalogação na PublIcação (cIP) (gPt/bc/uFg) Reitoria Edward Madureira Brasil Pró-Reitoria de Pos-Graduação e Pesquisa Divina das Dores de Paula Cardoso Diretoria do Iptsp Regina Maria Bringel Martins Organizadores do Livro Erika Aparecida da Silveira Elias Rassi Neto Coordenação Geral do Curso Erika Aparecida da Silveira Elias Rassi Neto Coordenação Pedagógica Alessandra Corrêa Tomé Teixeira de Oliveira Revisão Pedagógica do Volume I Rose Mary Almas de Carvalho Revisão de Conteúdo do Volume I Erika Aparecida da Silveira Diretoria do Centro Integrado de Aprendizagem em Rede (Ciar) Míriam Fábia Alves Revisão Linguística Débora Maria Orsida Projeto Gráfico Cleomar de Sousa Rocha Yannick Aimé Ferreira Taillebois Ilustração Nivia Barboza Ferreira Diagramação Fernanda Machado Souza Ana Bandeira Impressão e CTP Poligráfica Universidade Federal de Goiás. Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública. U588e Especialização em Epidemiologia / Universidade Federal de Goiás, Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública. – Goiânia : FUNAPE/CIAR, 2009. 296p. : il. Bibliografia. ISBN: 978-85-87191-28-1 1. Epidemiologia – Ensino a distância 2. Epidemiologia – Epidemiologia – Análise de dados 3. Epidemiologia – indicadores de saúde I. Titulo CDU: 37.018.43:616-036.22 Obra publicada pelo Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública da Universidade Federal de Goiás e financiada com recursos do: UFG / IPTSP Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública <www.iptsp.ufg.br> Rua 235 - s/n - Setor Universitário Goiânia - Goiás 74.605-050 (62) 3209.6115 COLABORA DORES Bernardo Lessa Horta Graduado em Medicina pela Universidade Federal de Pelotas, Mestre em Epidemiologia pela Universidade Federal de Pelotas, Doutor em Epidemiologia - McGill University, Professor adjunto da Universidade Federal de Pelotas , Bolsista de produtividade em pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científi co e Tecnológico (nível 1C), Consultor da Organização Mundial da Saúde. Elias Rassi Neto Graduado em Medicina pela Universidade Federal de Goiás, Especialista em Medicina Preventiva e Social pela Universidade Estadual de Campinas, Especialista em Epidemiologia pela Universidade Federal de Goiás, Mestre em Saúde Coletiva pela Universidade Federal da Bahia, Doutorando em Bioética pela Universidade de Brasília, Professor Assistente da Universidade Federal de Goiás. Erika Aparecida Silveira Graduada em Nutrição pela UFG, Mestre em Epidemiologia pela Universidade Federal de Pelotas, Doutora em Saúde Coletiva/Epidemiologia pela Universidade Federal de Minas Gerias, Professora adjunta da UFG na Pós-graduação em Ciências da Saúde/ Faculdade de Medicina e Pós Graduação Nutrição e Saúde/ Faculdade de Nutrição. Ivan José Maciel Graduado em Medicina pela Universidade de Brasília, Especialista em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo, Especialista em Fitoterapia Ayurvédica pela Secretaria Estadual de Saúde do Estado de Goiás, Mestre em Programa de Pós-Graduação em Medicina Tropical pela Universidade Federal de Goiás, Doutor em Programa de Pós-Graduação em Medicina Tropical pela Universidade Federal de Goiás e Aperfeiçoamento em Métodos Epidemiológicos - CAME pela Fundação Oswaldo Cruz, Professor adjunto da Universidade Federal de Goiás. João Bosco Siqueira Júnior Graduado em Medicina pela Universidade Federal de Goiás, Mestre em Medicina Tropical pela Universidade Federal de Goiás, Doutor em Medicina Tropical pela Universidade Federal de Goiás, Professor adjunto da Universidade Federal de Goiás e assessor do Ministério da Saúde. Marta Rovery de Souza Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP, Especialização em Métodos i Tècniques per a l`Estudi de la Població pelo Centre d Estudis Demogràfi cs, Doutora em Ciências Sociais, com área de concentração em População pela Universidade de Campinas , Professor adjunto 4 da Universidade Federal de Goiás no Departamento de Ciências Sociais, Coordenadora do Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva (NESC- UFG). Renato Maurício de Oliveira Graduado em Medicina pela Universidade Federal de Goiás, Especialista em Saúde Pública pela Universidade Federal de Goiás, especialista em Epidemiologia pela Universidade Federal de Goiás, Mestre em Medicina Tropical pela Universidade Federal de Goiás e residencia-medica pela Universidade Federal de Goiás, Professor assistente da Universidade Federal de Goiás. APRESENTAÇÃO O processo de implantação e desenvolvimento do Sistema Único de Saúde tem induzido a uma necessária reorganização em todos os seus níveis: federal, estaduais e municipais. Aliados ao processo de descentralização ocorreram intensas amplia- ções dos serviços de saúde e ainda redefi nições formais dos papéis voltados à prevenção, controle de doenças e promoção da saúde, parte do processo de fortalecimento e atualização do Sistema Nacional de Vigilância em Saúde (SNVS). Com os novos e mais abrangentes conceitos de vigilância em saúde, com as alterações nos riscos ambientais (biológicos e não biológicos) e com as profundas mudanças nos perfi s demográfi cos e epidemiológicos nas diferentes regiões brasileiras, o uso da epidemiologia tem adquirido destaque nos serviços de saúde e também exigido e provocado alterações signifi cativas em sua prática. Essa realidade aqui muito sumariamente descrita tem exigido, cada vez mais, uma melhor formação das equipes de coordenação das secretarias de saúde, particularmente em epidemiologia, como elemento fundamental na defi nição e acompanhamento da situação de saúde e das políticas públi- cas da área. Ao mesmo tempo, a intensifi cação das informações e de suas re- spectivas bases de dados, algumas de dimensão nacional e outras com espe- cifi cidades locais, pressupõem o uso de competências específi cas para a sua produção e análise crítica, incorporando vigorosamente a epidemiologia no processo de gestão em saúde. Esse material aqui apresentado faz parte desse contexto. Produzido na perspectiva de subsidiar um curso de especialização voltado a profi ssion- ais com distintas formações e atuantes nas secretarias de saúde, também vem de encontro ao compromisso e a responsabilidade das universidades públicas junto aos serviços e as equipes de governo para a reconfi guração de práticas e processos gerenciais, subsidiando assim os seus processos de- cisórios Esse primeiro volume oferece as bases fundamentais e introdutórias ao estudo de epidemiologia, discorrendo sobre a sua história e relações com o desenvolvimento dos conhecimentos, buscando facilitar a compreensão do processo saúde-doença a partir das realidades concretas. É também esse o pro- cesso escolhido para o estudo das intrínsecas relações observadas entre a história, a economia, a política, as populações e a saúde. Como importante e fundamental suporte à epidemiologia, o pensamento estatístico é tratado levando o participante a perceber a importância e a natureza da variabilidade envolvida nos dados de interesse em epidemiologia e disponibili- zando as alternativas incorporadas nas ferramentas computacionais. Por último,esse volume incorpora um capítulo transversal e integrador, denominado Fundamentos e Condução da Pesquisa Científi ca, direcionado ao desenvolvimento do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Este módulo busca integrar os conhecimentos de todas as demais disciplinas e as realidades vivencia- das nos locais de trabalho. Elias Rassi Neto Erika Aparecida Silveira Sumário Geral Capítulo 1 Introdução ao Estudo da Epidemiologia 11 Capítulo 2 Indicadores de Saúde 61 Capítulo 3 População e Saúde 97 Capítulo 4 Estatística 147 Capítulo 5 Informática - Curso Básico de Epi Info 3 187 Capítulo 6 Fundamentos e Condução do Trabalho Científi co em Epidemiologia 241 Introdução ao Estudo da Epidemiologia 11 1 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA EPIDEMIOLOGIA Apresentação ........................................................... 13 1.1 Conceitos de Epidemiologia ........................... 14 1.2 Usos e Aplicações da Epidemiologia .............. 16 1.3 Causalidade e Concepções de Saúde e Doença ....................................................... 17 1.3.1 Sociedades Tribais e Antigas Teoria Mágica Religiosa ................................................. 18 1.3.2 Teoria do Humor – Sociedades Orientais Concepções Empíricas ................................................... 19 1.3.3 Desvinculação da Concepção Mágica Espiritual ........................................................................ 20 1.3.4 Idade Média - Teoria Miasmática ......................... 22 1.3.5 Concepção Científi ca ........................................... 25 1.3.6 Início da Medicina Social ..................................... 27 1.3.7 Teoria Bacteriana – Teoria Unicausal .................. 33 1.3.8 Doenças Transmissíveis e o Modelo Teórico da Epidemiologia ........................................................... 36 1.4 Contribuições de Outras Áreas no Desenvolvimento da Epidemiologia ...................... 39 1.4.1 Imunologia .......................................................... 39 1.4.2 Estatística ............................................................ 40 1.4.3 Entomologia ........................................................ 42 1.5 A Luta Conta as Doenças Transmissíveis no Brasil .................................................................... 46 1.6 A Epidemiologia no Século XX ....................... 48 12 Especialização em Epidemiologia 1.7 Mudanças do Perfi l Epidemiológico nos Países Desenvolvidos ................................................ 50 1.8 Teoria da Multicausalidade .............................. 53 1.8.1 Modelo da Balança ............................................. 53 1.8.2 Modelo da Rede de Causalidade ........................ 54 1.8.3 Modelo Ecológico .............................................. 55 1.8.4 Modelo Determinação Social da Doença ........... 55 1.8.5 Modelo da Caixa Preta ....................................... 56 1.8.6 Modelo das Caixas Chinesas .............................. 56 1.8.7 Modelo da Eco-Epidemiologia........................... 57 Comentários Finais ................................................ 58 Referências Bibliográfi cas........ .............................. 59 Introdução ao Estudo da Epidemiologia 13 CAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA EPIDEMIOLOGIA Prof. Dr Ivan Maciel Colaboração Prof ª Drª Érika Aparecida Silveira APRESENTAÇÃO A Epidemiologia é uma ciência em permanente transformação e a sua história nestes últimos 120 anos resultou em vários paradigmas. Estudá- la, é entender a sua evolução e suas inter-relações com o desenvolvimento da sociedade, do conhecimento científi co e de todos os setores da saúde. Um olhar histórico ao passado facilita o entendimento do presente e permite refl etir o futuro. A Introdução à Epidemiologia busca facilitar a compreensão do di- nâmico processo saúde e doença e ao mesmo tempo realizar um exercício de refl exão para os tempos atuais, onde a transformação da Epidemiolo- gia, seus métodos e suas práticas ocorrerão a partir de uma análise crítica do que fazemos e do momento em que vivemos. Como afi rma Foucault, cada época produz sua forma de saber e de fazer, sua “crença” em uma dada cientifi cidade1. Neste texto os relatos destes conhecimentos são apresentados al- gumas vezes como “descobertas” ou como “fi gura ilustre” com o objetivo de identifi car um trabalho árduo e afi nco de muitos pesquisadores que em certo momento exerceram um papel diferenciado para o crescimento da ciência, apresentando a importância do seu trabalho perseverante para o desenvolvimento da saúde. Sabe-se que grande parte da teoria científi ca e da tecnologia atual foi fruto do trabalho contínuo de muitos profi ssionais e não da “inspiração súbita de um único homem”. Desta maneira, a soma de trabalhos individuais e coletivos permitiu a construção e o acúmulo do conhecimento epidemiológico. Parti-se de simples “hipóteses” que avançam para teorias complexas, práticas e equipamentos sofi sticados. A evolução dos conceitos, métodos e práticas epidemiológicas permitiram uma melhoria qualitativa e quantitativa nos níveis de saúde de toda a po- pulação mundial. Sabemos que ainda temos muito a percorrer principal- mente na universalidade e equidade destas descobertas. Hoje os desafi os 14 Especialização em Epidemiologia da Epidemiologia não são menores do que foram no passado quando as epidemias dizimavam populações, até por que várias doenças com este potencial permanecem recorrentes sobre populações e biomas. Os novos desafi os expostos sobre as diversas realidades sociais exigem uma Epide- miologia mais prática e aplicável em várias áreas da saúde como planeja- mento, administração, grupos sociais excluídos, estudos de equidade nos serviços de saúde, de forma que os profi ssionais necessitam de uma per- manente refl exão da sua prática. O processo de mudança ocorrido no Sis- tema de Saúde do Brasil a partir da VIII Conferência Nacional de Saúde redireciona o uso da Epidemiologia, ferramenta básica, para a transforma- ção da realidade epidemiológica nacional. A nossa missão é construir de maneira inter e intradisciplinar uma base de conhecimento que sirva para a elaboração de um “corpo coerente de conhecimento” e de identifi cação de novos caminhos e instrumentos de trabalho a partir da experiência in- dividual e coletiva. 1.1 CONCEITOS DE EPIDEMIOLOGIA Ao longo dos séculos muitas defi nições e conceitos surgiram para a epidemiologia, tentando adequar às novas aplicações e usos nas diversas áreas da saúde. A origem da palavra é desconhecida, etimologicamente de- riva dos termos gregos “epi”= sobre ou acima; “demos”= população; “lo- gos” = estudo, signifi cando o estudo das populações. A primeira referência técnica do termo foi utilizada por Hipócrates (Grécia, 460-385 a.C) que empregava epidemia com um signifi cado diferente do utilizado pela epi- demiologia científi ca. Nos seus livros o médico grego não fez referência a nenhum tipo de epidemia2, 3. O conceito mais difundido é apresentado por John M. Last através do “Dictionary of Epidemiology”, que designa a Epidemiologia como “o estudo da frequência, da distribuição e dos determinantes dos estados ou eventos relacionados à Saúde em populações específi cas e aplicação desses estudos no controle dos problemas de saúde”4, 5. Nesse contexto, os termos grifados possuem os seguintes signifi cados: Estudo - método científi co e os modelos utilizados; Frequência – o número de casos de cada variável e suas taxas; Introdução ao Estudo da Epidemiologia 15 Distribuição – distintas maneiras ou padrões que os determinantes se encontram na população e sua comparação com outras populações; Determinantes – representam as variáveis que estão relacionadas po- sitivamente ou negativamentecom o agravo; Estados ou eventos – qualquer agravo, doença, situação, eventos e outros fatores condicionantes na saúde; Populações específi cas – grupos de pessoas e até populações nume- rosas, enquanto a clínica estuda a doença na pessoa; Aplicações – e a utilização como instrumento, ferramenta ou técnica. A sistematização das ferramentas de análise, a ampliação do campo de prática, a integração de métodos de outras áreas da ciência e o status de disciplina com estruturação de um método científi co a partir do século XX criam várias defi nições para expressar a nova epidemiologia. Morris em seu livro “Uso da Epidemiologia” de 1975 defi ne: “A epi- demiologia é uma maneira de aprender a fazer perguntas e a colher respos- tas que levam a novas perguntas... empregada no estudo da saúde e doença das populações. É a ciência básica da medicina preventiva e comunitária, sendo aplicada a uma variedade de problemas, tanto de serviços de saúde como de saúde6.” Lilienfel no artigo “Defi nições de Epidemiologia”, publicado em 1978, expressa que “a epidemiologia é uma disciplina científi ca”7. Segundo a Associação Internacional de Epidemiologia (IEA) são três os objetivos principais da epidemiologia: i. Descrever a distribuição e a magnitude dos problemas de saúde nas populações humanas. ii. Proporcionar dados essenciais para o planejamento, execução e avaliação das ações de prevenção, controle e tratamento das doenças, bem como para estabelecer prioridades. iii. Identifi car fatores etiológicos na gênese das enfermidades8. 16 Especialização em Epidemiologia 1.2 USOS E APLICAÇÕES DA EPIDEMIOLOGIA A Epidemiologia durante muitos anos, teve como eixo principal o estudo e atenção voltadas para as enfermidades infecciosas. O sucesso na extinção e no controle de muitas enfermidades transmissíveis ocorridas se deve a utilização de princípios e das experiências acumuladas nesta área9. A práxis epidemiológica baseada no árduo sofrimento das populações decor- rente das doenças transmissíveis, principalmente das epidemias, estabele- ce políticas de proteção ao cidadão através da criação de sistemas de saúde e centros de pesquisa e ensino no plano nacional. Em nível internacional contribuem com a criação de fóruns e organismos de cooperação regional e mundial a exemplo das Conferências Sanitárias Internacionais (1851) e da Organização Pan-Americana da Saúde – OPAS (1902)10. Em 1993, a OPAS realizou um seminário para analisar o Uso e a Pers- pectiva da Epidemiologia na América Latina. A situação predominante na maioria dos países era de uma prática restrita a Vigilância Epidemiológica de algumas doenças transmissíveis. Esta situação era mais grave pela utilização de um sistema passivo de coleta de dados sem nenhuma análise no nível local e sem originar intervenção de controle devido à falta de capacidade técnica e apoio administrativo. A recomendação era realizar a transformação profunda de todos os níveis de intervenção e desenvolver um projeto de capacitação em Epidemiologia. Esta realidade não acompanhava as transformações ocor- ridas no último século com grandes mudanças no perfi l de mortalidade, na incidência das doenças e agravos, no desenvolvimento de tecnologias e nas práticas de atenção à saúde, organização de serviços, entre outras transforma- ções que exigiam uma nova postura e nova prática da Epidemiologia. Historicamente a Epidemiologia representou a base metodológica da saúde pública e as suas práticas são complementares. Os novos métodos de estu- do e as novas ferramentas de análise informatizada ampliaram a capacidade para o desenvolvimento de estudos de maior complexidade. Neste processo de trans- formação não se alterou a forma do conhecimento epidemiológico, mas o seu conteúdo, adicionando outros conhecimentos e novas necessidades. A partir do processo de construção do SUS, a estrutura organizacio- nal e as práticas sanitárias envolvendo a Epidemiologia vêm sofrendo cons- tantes mudanças que contribuíram para o melhor entendimento do proces- so saúde/doença e na produção de novos conhecimentos para a formulação Introdução ao Estudo da Epidemiologia 17 de políticas, organização do sistema e de intervenções nos vários setores da saúde. Aos atuais epidemiologistas fi ca a tarefa de continuar este processo de transformação e de incorporação da Epidemiologia nas diversas áreas da saúde coletiva. Listamos abaixo alguns usos da epidemiologia: • Descrever e compreender a situação de saúde de grupos populacionais, relacionando com os determinantes sociais do processo saúde doença. • Identifi car os fatores causais relacionados aos agravos à saúde e grupos de maior risco, auxiliando a defi nição de políticas públicas e estratégias de ação. • Identifi car e explicar os padrões de distribuição geográfi ca das doenças. • Contribuir no estabelecimento de medidas preventivas, metas e es- tratégias de controle das doenças. • Auxiliar nas práticas de gestão a partir do planejamento e avaliação dos serviços de saúde, bem como das estratégias de intervenção. • Descrever e analisar a evolução das doenças e dos indicadores de saúde ao longo do tempo e prever tendências. • Descrever o aspecto clínico das doenças e sua história natural. • Testar a efi cácia, efi ciência, efetividade e o impacto de estratégias de intervenção e novas tecnologias. • Auxiliar na defi nição de métodos diagnósticos e pontos de corte de maior sensibilidade e especifi cidade, como por exemplo, valores de hipertensão arterial. 1.3 CAUSALIDADE E CONCEPÇÕES DE SAÚDE E DOENÇA As diferentes concepções de saúde e doença, a partir de uma perspec- tiva histórica, permitem avaliar o processo dialético da formação do conhe- 18 Especialização em Epidemiologia cimento científi co da Epidemiologia e suas evoluções, consistências e fragi- lidades. Neste sentido, o estudo da causalidade foi nas diferentes sociedades e continua sendo para vários epidemiologistas um dos principais objetivos desta ciência. Minayo cita que através da causação podemos entender muitas atitudes e práticas dos grupos relativos ao fenômeno saúde-doença11. O conhecimento humano teve como fator estimulador do seu de- senvolvimento as necessidades objetivas de sobrevivência, a curiosidade, a observação atenta aos fatos e suas práticas empíricas. A busca da causalidade das doenças sempre esteve presente em todas as civilizações. O método de associação de fatos ou de acontecimentos foi um dos princípios básicos para a elaboração de hipóteses e conclusões utilizadas pelas civilizações na busca das causas das doenças. A presença da doença é tão antiga quanto à existência do ho- mem. São poucos os registros que documentam esta relação na fase pré- histórica. Registros arqueológicos confirmam a existência de doenças infecciosas em múmias de 3.000 anos aC. O papiro de Ebers (data de 1.550 anos aC.) é o documento mais antigo que faz referência a doença coletiva, ocorrida às margens do rio Nilo, como uma febre pestilenta (provavelmente malária)12. 1.3.1 SOCIEDADES TRIBAIS E ANTIGAS – TEORIA MÁGICA RELIGIOSA Nas sociedades primitivas e tribais a construção do saber foi elabo- rada a partir de fatos corriqueiros do modo de viver. Os deuses estavam relacionados com os elementos naturais como o sol, a lua, os trovões, as plantas e os animais. Um simples fenômeno como um raio incidindo em uma árvore ou em uma palhoça, ocasionando destruição ou morte, indu- ziria a temor, receio e provavelmente a criação de explicações ou de hipó- teses para este evento. Ausência de uma base científi ca para dar explica- ção a um fenômeno permitia uma série de suposições de causalidade que podiam ser baseadas em razões espirituais, mágicas ou outras deduções imagináveis. As deduções místicas e religiosas explicavam os fatos sem a necessidadede comprovação. O ato de insatisfação de um deus superior não era contestado, não necessita ser visto e nem controlado. Associar saú- de/doença às forças espirituais e mágicas representa uma etapa do desen- volvimento histórico das sociedades. Introdução ao Estudo da Epidemiologia 19 A relação entre doença e religião está presente nas maiores doutrinas e nos seus livros sagrados como a Bíblia, o Alcorão e o Talmud, fazendo ci- tação de doenças transmissíveis e alguns registros de medidas de prevenção para doenças contagiosas. Muitos escritores latinos e gregos descreveram sobre doenças pestilentas2. Nas sociedades de classe, a relação entre o casti- go e recompensa como uma determinação dos deuses ou dos espíritos para saúde ou doença, era e continua a ser utilizada pelas religiões como um ins- trumento de domínio e submissão das pessoas aos princípios doutrinários ou entre grupos e classes sociais. As concepções que têm como causa da doença os princípios religiosos ou por entidades sobrenaturais constituem a Teoria Mágica Religiosa no mo- delo de causalidade epidemiológica. O corpo, sede da doença é um elemento passivo. A doença entra no organismo por motivo natural ou sobrenatural en- viada por deuses ou feiticeiros. As causas são de caráter espiritual ou religioso e estão relacionadas a algum tipo de vingança ou atitude de desagrado com os princípios tribais, religiosos ou sociais realizado por algum componente da tribo ou por seus familiares. Os sacerdotes, curandeiros, pajés, feiticeiros, xa- mãs constituem uma categoria de pessoas que têm o domínio e a experiência do uso das técnicas naturais, forças espirituais e mágicas para o tratamento das doenças. Eles utilizam rituais, sacrifícios, magias e poderes sobrenaturais, associado ou não a ervas, para tirar a doença do corpo13. A Teoria Religiosa não representa uma visão “primitiva”, “supersti- ciosa” ou mesma “atrasada” até porque ela continua presente entre vários grupos religiosos e culturais dos vários níveis sociais. A concepção de causalidade da doença predominante nas sociedades antigas era mágica religiosa como nas populações mesopotâmicas, egípcia e grega, que eram constituídas por diferentes classes sociais. Semelhante a concepção da sociedade tribal, a doença era um agente externo ao corpo, provocada por razões espirituais e sobrenaturais. 1.3.2 TEORIA DO HUMOR – SOCIEDADES ORIENTAIS - CONCEPÇÕES EMPÍRICAS Na Teoria do Humor a causa da doença é uma ruptura do equilíbrio ocasionada por fatores internos do indivíduo ou externos proveniente da na- tureza. A intervenção só pode ser feita em nível individual com o objetivo de 20 Especialização em Epidemiologia recuperar o equilíbrio. A concepção dos humores da um caráter contemplativo e de imobilidade as doenças de abordagem coletiva. A Teoria dos Humores é a base da causalidade das doenças nas sociedades orientais, Hindu e a Chinesa. Na Medicina Ayurveda e Chinesa o homem tem um papel ativo na restauração do seu equilíbrio. A Medicina Ayurverda é a mais antiga e po- pular entre as várias práticas de cuidados à saúde na Índia, datando sete mil anos antes de Cristo. Na concepção Ayurverda, tudo que existe no universo provém de cinco elementos, inclusive o corpo (éter, ar, fogo, água e terra). O desequilíbrio de qualquer um dos cinco elementos se manifesta interna- mente pelos dochas (Vata regido por ar e éter, Pita regido por fogo e água e Kafa regido por terra e água). O motivo do desequilíbrio era por alimentação indevida, costume incorreto, causa de alterações do ambiente como conjuga- ção de astros, ventos, umidade etc. O tratamento é para restaurar o equilíbrio através de alimentos, ervas, meditação e massagens adequadas aos dochas. Em outra corrente da medicina hindu, o corpo é o receptáculo da doença que é ocasionada por motivos morais ou religiosos. Este ato deixa o corpo impuro. Para se livrar da “impureza” é preciso realizar banhos vá- rias vezes ao dia e rituais de purifi cação com ervas. Na sociedade Chinesa, a medicina tem como base os princípios do Yin e Yang. O Yin é aquele que mostra as qualidades da escuridão, descanso, úmido, frio e estrutura. O Yang possui as qualidades da energia como luz, atividade, seca, calor e função. Apesar do Yin e Yang serem opostos, um não tem signifi cado sem o outro. A doença é causada por mudanças internas ou externas que alteram o equilíbrio do Yin ou do Yang. No pensamento taoísta chinês, a dualidade entre o Yin e Yang representam a unidade e nenhum é mais importante do que o outro. 1.3.3 DESVINCULAÇÃO DA CONCEPÇÃO MÁGICA ESPIRITUAL Os gregos são os primeiros povos ocidentais a desenvolverem uma teoria de causalidade da doença desagregada da concepção religiosa, pro- vavelmente vinda dos países orientais. Antes de Hipócrates, a concepção de doença dos gregos estava relacionada à ideia religiosa e sobrenatural re- presentada por deuses e deusas. Asclépio era o deus da medicina e pai de Hygícia deusa da saúde15. O corpo representava uma harmonia entre os hu- mores e a doença estava em alguma parte dentro do corpo e ocorria por uma Introdução ao Estudo da Epidemiologia 21 perturbação do equilíbrio ou desarmonia da physis. Estava relacionada ao homem e ao seu comportamento. A causa era uma desarmonia interna do organismo por motivos alimentares ou comportamentais como atividade sexual. Diferente das demais concepções religiosas dominante nas civiliza- ções tribais e antigas, a doença era uma entidade interna16. Hipócrates estabeleceu uma relação entre os elementos, humores e órgãos-sede (Sangue, fl egma (catarro), bílis negra e bílis amarela). Separa a doen- ça das causas sobrenaturais, da religião e da magia. Introduz a causa natural e modifi ca a prática médi- ca através da observação clínica. Em seus livros des- creve clinicamente várias doenças. O tratamento era realizado com dietas, banhos, atividades físicas, locais apropriados, sangrias, diuréticos, laxativos e eméticos. O termo epidemia utilizado por Hipó- crates não tinha nenhuma relação com concepção atual, referia-se a doenças que não eram incidentes no local. Hipócrates não fez referência ao contágio das doenças entre pessoas. A concepção de contá- gio expressa por várias religiões era aceita por gran- de parcela da população. Galeno, século II da era cristã, utiliza a concepção humoral dos gregos, a obra de Hipócrates e os princípios de Aristóteles que centraliza no coração o lugar responsável pela vontade, sabe- doria, e paixão do homem. Sua obra se perpetua por mais de mil anos14. Seus escritos foram absorvidos pelos médicos árabes que os protegeram da Santa In- quisição do catolicismo romano15. As concepções hidus, chinesas e gregas (após Hipócrates) que relacionam à saúde com o equilíbrio interno (humores) e externo (ar, água e lugar) representam os primeiros princípios de interação do in- divíduo com meio ambiente. Susser em “Causal thinking in the health sciences” cita os textos de Hipócrates como as primeiras formulações do conhecimento epidemiológico16. Figura 1 - Hipócrates. Cópia romana de busto fi ccional de mármore de Hipócrates de Cós, datado do século III a.C. Roma, Museo della Via Ortiense. Figura 2 - Galeno;. Litografi a por Pierre Ro- che Vigneron. (Paris: Lith de Gregoire et De- neux, ca. 1865.) 22 Especialização em Epidemiologia 1.3.4 IDADE MÉDIA - TEORIA MIASMÁTICA Na área da ciência a Igreja Católica controlava todas as iniciativas mais progressistas criando um período de obscurantismo intelectual. Entre o século III e XV quase não existiu nenhum avanço no conhecimento na área da saúde2. Assim só a partir do século XII as obras de Hipócrates e Ga- leno são reintroduzidas no Ocidente A Teoria Miasmática se inicia no Século XVIII, a partir da idade média, e tem origem nos estudosde Giovanni M. Lancisi (1654-1720) torna-se hegemônica até a segunda metade do séc. XIX. A Teoria Mias- mática semelhante a Teoria Mágica Religiosa, a causa da doença era de natureza externa, não fazia parte do homem, vinha dos locais pútridos, pântanos, ar, ventos, alterações astrológicas de outros indivíduos com humores pestilentos e até de objetos contaminados. Lancisi publicou um livro sobre “Os efl úvios nocivos dos pântanos e seus remédios” onde des- creve os “miasmas” e as infl uências nocivas emanadas destas regiões e faz referência a malária. O termo “miasma” é grego e signifi cava mancha ou nodoa provocada pelo sangue em um assassinato. Era uma mancha ou um sinal maldito proveniente de morte. No fi nal do séc XVIII a ideia de que o ar continha substâncias malé- fi cas a vida passou a ser apresentada a sociedade científi ca a partir dos es- tudos do jovem Joseph Priestley (1774 e 1777). Os cientistas sabiam que, quando se põe uma vela acesa em um recipiente fechado, na presença de um pequeno animal vivo, a vela logo se apagava e o animal morria. Pries- tley observou que o animal morria com convulsões, acontecendo o mesmo quando era colocado outros gases: “ar fi xo” (gás carbônico), “ar infl amável” (hidrogênio), e também ar infectado com matéria podre14. As experiências que demonstravam que o ar podia ter efeitos maléfi cos consolidaram a Te- oria Miasmática. A Teoria Miasmática impulsionou reformas sanitárias que melhora- ram a saúde pública desta época14. As propostas, métodos e práticas de lim- peza e de controle destes ambientes eram organizados em um movimento higienista. O higienismo atuava tanto no meio físico como social. Os partidários da Teoria Miasmática tinham divergência em relação à concepção de transmissibilidade, gerando duas correntes de pensamento opos- tas entre os seus defensores10. Abaixo apresentaremos as duas posições: Introdução ao Estudo da Epidemiologia 23 Contagionista. Adquiria a doença pelos miasmas, mas podia ser transmitida de pessoa a pessoa pelo contato físico direto e indireto por ob- jetos contaminados pelo doente ou pelo ar. Estes princípios sustentavam as práticas de isolamento (hansenianos, peste) e quarentena10. O isolamento tinha a função de proteger o corpo das pessoas sadias dos miasmas de ori- gens maléfi cas dos doentes com humores pútridos e corruptos17. Anticontagionista. A doença era adquirida no local de emanação dos miasmas e não podia ser transmitida por contato direto ou indireto. Estes princípios sustentavam intervenções sobre ambientes insalubres, águas estagnadas, lixos, esgotos e habitações inapropriadas10. As práticas propostas para o controle das doenças eram fumigação e desinfecção com ervas e líquidos cítricos. Recomendava-se o uso da máscara como protetores nasais em forma de máscara ou cabeça de pássaro com ervas odorífi cas, usavam perfumes ou enxofre nas residências, fogueiras com o objetivo de impedir a penetração dos miasmas17. Figura 3- Estudos do jovem Joseph Priestley. Roy G. Neville Histórico Chemical Biblioteca, CHF. Fotografi a de Gregory Tobias. 24 Especialização em Epidemiologia A “Revolução Industrial”, que inicia no século XVIII marca a mu- dança na forma dos meios de produção da sociedade que passa da fabrica- ção individual e artesanal dos bens para a fabricação coletiva. Ocorrem as grandes viagens entre continentes facilitando a transmissão das doenças. Grande parcela da população do campo se desloca para as cidades atrás de trabalho. O novo sistema industrial modifi ca as relações sociais. No início da industrialização, para garantir o lucro, os empresários ofereciam precárias condições de trabalho, sem segurança, jornadas de trabalho de 15 horas, sem descanso, sem férias e utilizavam do trabalho das mulhe- res e crianças. Estas disparidades de interesses propiciam o surgimento de confl itos, revoltas e a criação das primeiras organizações operárias. Estes fatores contribuem para o surgimento de cidades superpovoadas com pés- Figura 4 - “Doctor Beak of Rome”. Gravura de Paul Fürst. Introdução ao Estudo da Epidemiologia 25 simas habitações, precárias condi- ções alimentares, falta de água e esgoto. As doenças transmissíveis encontram neste novo quadro so- cial e econômico as condições fa- voráveis para a sua propagação. 1.3.5 CONCEPÇÃO CIENTÍFICA As transformações decorrentes das revoluções científi ca e industrial possibilitaram avanços na produção do conhecimento e na criação de obje- tos técnicos. Nesse contexto, o desenvolvimento do microscópio represen- tou um marco fundamental para a teoria celular e microbiana que se con- frontará com a Teoria Miasmática. A construção do primeiro microscópio composto é atribuída aos artesões holandeses, irmãos Janssen em torno de 1600. Roberto Hooke contribui para o aperfeiçoamento do microscópio sendo o primeiro cientista a utili- zar o termo e desenhar uma célula (pequena cela) (Figura), obser- vando um tecido de cortiça. O desenvolvimento do microscópio com os estudos da estruturas celu- lares e descobrimento das bactérias permite a criação de novas áreas do conhecimento como a citologia, bacteriologia, microbiologia e pa- tologia celular na qual a Epidemio- logia estabelece ligação. Após quase 200 anos, o microscópio ganhou precisão e operacionali- dade, estas mudanças reduziram o tempo e as difi culdades que existiam para o ajuste de imagem. As novas técnicas laboratoriais associadas ao microscó- pio com maior nitidez permitiram o desenvolvimento da teoria celular e da identifi cação das bactérias15. Figura 5 - Microscópio Figura 6 - Pequena cela 26 Especialização em Epidemiologia Em 1855, Rudolf Virchow, complementava a teoria celular de- monstrando que toda célula provém de outra célula. Publicou em 1858 o livro “Die Cellular-Pathologiee” que foi uma das publicações mais influentes da Medicina. Teve grande participação na criação da Epide- miologia Social. A física e a química exploravam o átomo e as suas transformações oriundas das reações químicas. A citologia correspondia a um aprofunda- mento do conhecimento do corpo além da anatomia, fi siologia e patologia. Associada a Teoria Miasmática estava a teoria da geração espon- tânea. “É a convicção de que a vida pode surgir espontaneamente, a partir da matéria inerte, não viva, sem progenitores naturais a partir de matéria orgânica”. O combate defi nitivo da geração espontânea ocorre após as experi- ências realizadas por Pasteur em 1884, levando a mudança de defi nição da infecção de uma ação exercida por miasmas mórbidos para ação exercida por agentes animados15. Charles Robert Darwin, (1809 — 1882) publica em 1859 Teoria da Evolução com o lança- mento do livro Origem das Espé- cies. Darwin revoluciona a crença dominante sustentada pela Igreja Católica de que o homem era cria- do por Deus. Basicamente defen- de duas teorias principais: evo- lução biológica e evolução das espécies ocorrem por “seleção natural”. Suas teorias contrapõem os princípios da geração espontânea e de- sencadeia uma grande polêmica no mundo acadêmico e religioso. Atual- mente são aceitas pela maioria dos cientistas apesar de existir controvér- sias em torno delas. Figura 7 - Retrato de Darwin. Uma das últi- mas fotografi as de Charles Darwin, 1878. © do Arquivo Richard Milner. Introdução ao Estudo da Epidemiologia 27 1.3.6 INÍCIO DA MEDICINA SOCIAL Os estudos de observação clínica e de campo possuem importância histórica, graças ao pioneirismo de cientistas que contribuíram para a cons- trução da base metodológica da Epidemiologia. Desenvolveram metodolo- gia sistemática de observar e registrar os fatos documentando os aconteci- mentos de maneira fi el a realidade. A contribuição no campo da observação clínica foi realizada por diferentes cientistas,abaixo estão relacionados os registros mais signifi cativos. Girolando Fracastoro – Itália (1484-1553). Publica em 1530 três livros que faz citação do nome de sífilis como denominação da doença que assolava a Europa. Utiliza a palavra “contágio” sem esclarecer con- ceitualmente. Faz referência a conceitos miasmáticos e celestiais para a origem das doenças e citações de princípio de transmissão da sífilis por outras vias sem ser por ato sexual, não faz referência à informação clínica. Em 1546 publica um estudo sobre “doenças contagiosas” onde faz referência a transmissão de doenças (varíola, lepra, tifo, pneumonia e outras) entre pessoas e cita que eram causadas por pequenos vermes ou sementes que possuem o poder de se multiplicar. Cita os modos de contágio: direto de pessoa a pessoa; agentes intermediários que aderem o germe da enfermidade – fomites e pelo ar. É considerado por alguns autores como o “Pai” da Epidemiologia. Pierre Charles Alexandre Louis médico - França (1787-1872) foi precursor da Epidemiologia clíni- ca. Teve como alunos futuros cien- tistas americanos e ingleses que se tornaram importantes pesquisado- res em saúde pública, epidemiolo- gia, medicina e bioestatística duran- te o século 19º e 20º. Pierre Louis duvidou da teoria de Broussais que indicava a sangria para os mais di- versos problemas em saúde e publi- cou “A investigação sobre os efeitos do derramamento de sangue em algumas doenças infl amatórias,” em 1828. Os estudos desenvolvidos por Figura 8 - Pierre Charles Alexandre Louis . E Ackerknecht, Medicine at the Paris Hospital, 1794-1848 (Baltimore: Johns Hopkins Press, 1967) 28 Especialização em Epidemiologia Louis dão inicio ao uso da análise numérica na pesquisa médica. Sua pesqui- sa confi rma a inutilidade das sanguessugas em qualquer etapa do tratamento pelo aumento da mortalidade ou aumento da duração da doença. Quando as sanguessugas eram colocadas mais cedo (no 1o até o 4o dia) parecia redu- zir o tempo de duração da pneumonia em pacientes que sobreviviam, em média de 17,8 dias, mas aumentava a mortalidade, 44% faleciam. Quando colocadas mais tardiamente (5o ao 9o dia), reduzia a mortalidade em 35% e aumentava o tempo médio da doença para 20,8 dias. A conclusão de Lou- is foi: “Resultado assustador, aparentemente absurdo”. Esta demonstração aparentemente trivial ao rigor da demonstração científi ca contribui para o desenvolvimento de uma metodologia para as observações clínicas. Louis pertence fi rmemente à história da Epidemiologia e da medicina18. Luois Villermé, médico – cirurgião do exército de Napoleão (1782 – 1863). Analisa a mortalidade nos diferentes bairros de Paris. Realça a rela- ção da mortalidade com as condições socioeconômica, sobretudo o nível de renda. Relacionou a mortalidade dos trabalhadores de fábricas de algodão, fi andeiras de lã e seda e as condições sociais em comparação com os familia- res dos gerentes das fabricas. Villermé inicia uma análise de causalidade através da determina- ção social da doença e trabalho. Estabelecem algumas análises e princí- pios que não podem ser considerados teorias sobre o adoecimento dos trabalhadores, apesar de trazerem importantes contribuições para Epide- miologia. Alertou para um fato dos trabalhadores terem morte prematura. Afi rmou “se muitas vezes o adoecer não era perceptível, a morte era algo indiscutível”. A morte precoce, ou seja, o ‘morrer antes da hora’ começa, a ser estudado cientifi camente. John Snow, médico - Inglaterra (1813- 1858). Considerado o “Pai” da Epidemiologia. Apresentou seus estudos sobre a cólera em 1855 no ensaio intitulado “Sobre a Maneira de Trans- missão da Cólera”, onde relata as epidemias desta doença ocorrida em 1849 e 1854, em Londres. A importância de Show para a Epidemiologia vai além das conclusões e medidas tomadas sobre a cólera, mas a sistematização de um método de investigação epidemiológica de campo. Os seus ensaios foram utilizados como texto básico Figura 9 - John Snow (1813- 1858), British physician. Introdução ao Estudo da Epidemiologia 29 para o ensino da Epidemiologia pela maioria das Universidades até o sé- culo XX. Importância da utilização dos textos de Snow “Sua descrição do desenvolvimento da epidemia e das características de sua propagação é tão rica em detalhes e seu raciocínio, tão genial, que consegue demonstrar o caráter transmissível da cólera (teoria do contágio), décadas antes do início das descobertas no campo da microbiologia e, portanto, do isolamento e identifi cação do Vibrio cholerae como agente etiológico da cólera, contra- riando, portanto, a teoria dos miasmas, então vigente”5. Realiza uma investigação tendo como base à análise dos dados das notifi - cações das mortes por cólera, estabelecendo a frequência, distribuição em relação a sexo, idade, tempo, locais de ocorrência e informações da doença etc. Elabora hipótese de associação causal e propõem um modelo de transmissibilidade. Em 1826 iniciou uma nova epidemia que espalhou pela Ásia, China, Japão, Síria, Turquia, Rússia, Polônia, Alemanha e pelo resto da Europa atin- gindo as Américas caracterizando como uma pandemia. A expansão da cólera seguia as rotas comerciais iniciando pelos por- tos espalhando pelos rios e estradas 14. Outras pandemias surgiram como a de 1848 a 1863 e de 1854 a 1875. Na Rússia entre 1847 a 1848 adoeceram 1.700.000 pessoas com 40% de letalidade. Os estudos da cólera realizados por Show contribuíram para o esclarecimento sobre a teoria bacteriana, transmis- sibilidade pela água e o ciclo epidemiológico envolvendo o tubo digestivo. Figura 10 - Epidemia de cólera em New York. Região Five Points em 1827. Foto: The New York Times. 30 Especialização em Epidemiologia Apresentaremos alguns trechos importantes dos estudos de Snow sobre a epidemiologia da cólera5. • A cólera em Golden Square “O surto mais terrível de cólera que jamais ocorreu neste Reino teve lugar em Broad Street, Golden Square e nas ruas vizinhas. Em uma área de 200 metros, ocorreram mais de 500 casos fatais de cólera em 10 dias. A mortalidade nesta área provavelmente iguala as mais altas que ocorreram neste País. A mortalidade teria sido maior se não houvesse ocorrido uma fuga das pessoas para outros locais. Pesquisas posteriores demonstraram que não existia nessa localidade nenhuma outra circuns- tância comum que não fosse à água da bomba mencionada. Após a reti- rada da manivela da d’água não houve mais morte por cólera. Próximo a esse local, havia um asilo com 535 pessoas, somente 5 morreram de cólera, no mesmo período, pois utilizavam outra fonte de água. • Concluiu que a transmissão da cólera ocorria de pessoa a pessoa. “Existem inumeráveis exemplos que provam, de uma maneira con- vincente, a transmissão a partir de casos individuais”. “A doença viaja, pelas grandes vias do contato humano, nunca mais rápida que o movimento das pessoas e, em geral, muito mais len- tamente”. “Sua expansão de população a população pode ser sempre investigada; porém nunca aparece a não ser que exista uma ampla opor- tunidade de contato humano”. • Transmissão hídrica da cólera. Snow analisa a mortalidade entre os distritos abastecidos de água por duas companhias que retiravam água em locais diferentes do Rio Tâmisa. Os dados apresentados na tabela 1 sugerem que o risco de morrer por cólera era cinco vezes maior nos distritos servidos somen- te pela Southwark & Vauxhall Company do que as servidas, exclusiva- mente, pela Lambeth Company. Chama a atenção o fato de os distritos servidos por ambas as companhias apresentarem taxas de mortalidade intermediárias. Esses resultados são consistentes com a hipótese de que a água de abastecimento captada abaixo da cidade de Londres era a ori- gem da cólera5. Introdução ao Estudo da Epidemiologia31 Para testar a hipótese de que a água de abastecimento estava asso- ciada à ocorrência da doença, Snow concentrou seus estudos nos distritos abastecidos por ambas as companhias, uma vez que as características dos domicílios desses distritos eram geralmente comparáveis, exceto pela ori- gem da água de abastecimento. Nesses distritos, Snow identifi cou a compa- nhia de abastecimento de cada residência onde ocorrera um ou mais óbitos por cólera durante a segunda epidemia estudada. Os resultados desse levan- tamento são apresentados na tabela 2. Esses resultados tornaram consistente a hipótese formulada por Snow e permitiram que os esforços desenvolvidos para o controle da epidemia fossem direcionados para a mudança do local de captação da água para o abastecimento. Mesmo sem dispor de conhecimentos relativos à existência de microrganismos, Snow demonstrou por meio do raciocínio epidemioló- gico que a água pode servir de veículo de transmissão da cólera. Mostrou a Mortalidade por cólera em distritos de Londres, segundo a companhia responsável pelo suprimento de água, 1854 Distritos (segundo a companhia de abastecimento de água) População (Censo de 1851) Mortes por cólera Taxa de óbitos por cóle- ra por 1.000 habitantes Somente Southwark & Vauxhall 167.654 844 5,0 Somente Lambeth 19.133 18 0,9 Ambas as companhias 300.149 652 2,2 Fonte: Waldman, EA. Vigilância em Saúde Pública - Uma breve introdução à Epidemiologia Mortalidade por cólera em distritos de Londres, relacionada com a origem da água de abaste- cimento das residências servidas pelas companhias Southwark & Vauxhall e Lambeth, 1854 Companhia responsável pelo abastecimento de água População (Censo de 1851) Óbitos por Cólera Taxa de óbitos por cóle- ra por 1.000 habitantes Southwark & Vauxhall 98.862 419 4,2 Lambeth 154.615 80 0,5 Fonte: Waldman, EA. Vigilância em Saúde Pública - Uma breve introdução à Epidemiologia 32 Especialização em Epidemiologia relevância da análise epidemiológica do comportamento das doenças para o estabelecimento das ações de saúde pública5. Ignaz Semmelweis, médico - Hungria (1818-1865). A febre puer- peral apesar de ser conhecida desde a antiguidade passou a ter importância a partir do século XVII no período que os partos começaram a serem fei- tos em maternidade. Em 1843 Oliver Wendell Holmes tinha sugerido que a doença era transmitida pelas mãos dos médicos, no entanto suas ideias não tiveram crédito pela ausência de comprovação científi ca. Em algumas situações chegava a morrer todas as mulheres que esta- vam no hospital. Havia várias teorias sobre a causa da doença, relacionadas às questões fi siológicas do parto, sentimentos, fatores atmosféricos, humo- res e etc. Em 1846, Semmelweis foi contratado para trabalhar na 1ª Clínica Obstétrica do Hospital Geral de Viena que era destinada ao aprendizado de estudantes, enquanto a 2ª Clínica Obstétrica trabalhavam apenas as partei- ras. A 1ª. enfermaria tinha a fama de ter uma mortalidade superior em três a dez vezes a segunda. Para Semmelweis este fato não poderia ser explicado pelos miasmas já que as clínicas eram contíguas. Semmelweis passou a reali- zar sistematicamente estudos comparativos entre as duas enfermarias. Ten- do como base os resultados da necropsia estudou todos os casos de morte materna e recém nascidos. As várias teorias de causalidade foram testadas, mas nenhuma quando aplicada apresentava redução signifi cante na morta- lidade. A morte de um colega que foi ferido com bisturi por um estudante na realização de uma autópsia e que apresentou as mesmas lesões da partu- riente fez deduzir que a causa foi por transmissão de partículas de matéria cadavérica. A contaminação dos estudantes para as parturientes explicava a di- ferença entre a 1ª. e a 2ª. enfermaria onde as parteiras trabalhavam e não realizavam necropsia. A partir do dia 15 de maio de 1847, todos os estu- dantes e médicos foram obrigados a lavar as mãos com solução de ácido Figura 11 - Ignaz Semmelweis 1860 (Copper plate engraving by Jenő Doby) Introdução ao Estudo da Epidemiologia 33 clórico antes de entrar na clínica obstétrica. Os resultados são apresentados no quadro abaixo. Várias outras hipóteses foram testadas completando um arcabouço de conhecimento sobre a febre puerperal. O trabalho de Semmelweis seguiu as eta- pas do modelo de investigação científi ca, com defi nição de caso, coleta de dados, formulação de hipótese, experimentações partir dos fatores causais e análise dos resultados. Suas conclusões permitiram adotar medidas práticas na conduta obs- tétrica que alteraram signifi cativamente a mortalidade na maternidade. Peter Ludwig Panun - Dinamarca (1826-1885). Em 1846 observou o surto de sarampo nas ilhas Feroe onde não ocorria caso da doença desde 1781. Dos 7.782 habitantes, 6.000 sofreram sarampo nos primeiros 6 meses, desses 102 morreram em decorrência do sarampo. Comparou as taxas de mortalidade da Dinamarca com as ilhas Feroe. Valendo-se da observação descreveu o ciclo epidemiológico da doença defi nindo período de incuba- ção (8 dias, 10 a 14 dias), o modo de transmissão (pessoa a pessoa) e que era mais intensa no período de aparecimento das lesões e cessava na fase de descamação. Verifi cou que uma vez adoecendo do sarampo adquiria imuni- dade permanente. Esta constatação foi em função da observação que 98 ido- sos não fi caram doentes por terem sido acometidos da doença há 65 anos antes19. Os estudos de Panun instituem a cadeia Epidemiologia do sarampo e enriquece o método de análise das doenças. 1.3.7 TEORIA BACTERIANA – TEORIA UNICAUSAL Os cientistas abaixo relacionados contribuíram para a elaboração da teoria bacteriana e, consequentemente, para a queda da teoria da geração espontânea. Ano Primeira Enfermaria Médicos e estudantes Segunda Enfermaria Parteiras Paciente Morte Paciente Morte 1846 4010 459(11,4%) 3754 105(2,7%) 1847 3490 176(5,0%) 3306 32(0,9%) 1848 3556 45(1,3%) 3219 43(1,3%) Quadro 1- Fonte: Contágio - Martin, R.A. et al 34 Especialização em Epidemiologia Louis Pasteur, biólogo e químico, nasceu em Paris no ano de 1822. Considerado o “Pai” da bac- teriologia, a partir dos seus experi- mentos sobre fermentação, realiza uma revolução na ciência, encerran- do o ciclo de debate sobre a teoria da geração espontânea e iniciando a Teoria Bacteriana. Demonstrou que o ar é uma fonte de microorganismos e que a matéria pode ser contaminada por bactérias por estarem sempre presen- tes no ar, no solo nas mãos e no vidro. Em março de 1878, Pasteur comunica a Academia de Medicina de Paris à conclusão de que a Febre Puerperal é causada por microorganismo. Outra dedução foi que as transmissões eram feitas pelos médicos com as mãos su- jas destes microorganismos. Em 1885 Pasteur desenvolve a vacina contra Raiva. Apesar de muita tentativa não foi capaz de identifi car ou ver um microorganismo em animal raivoso. Em 1889 cria o Instituto Pasteur que serve de referência para pes- quisas e treinamentos das doenças transmissíveis. Heinrich Hermann Robert Koch, nasceu na Alemanha em 1843. Em 1876, ape- sar da vacina já havia sido desenvolvida por Pasteur, Koch realizou a primeira demonstra- ção sobre o ciclo de vida do bacilo do antraz, cujos esporos localizavam na terra onde os animais eram sepultados. Em 1882 anuncia o agente causador da tuberculose, denominado de bacilo de Koch. A descoberta de uma bactéria, visível ao mi- croscópio, extraída da secreção do doente, en- fraquece a Teoria Miasmática e a Teoria Bac- teriana da Unicausalidade passa a imperar sobre a ciência da saúde. Este fato desencadeia uma corrida em busca de novos agentes relacionando com Figura 12 - Louis Pauster. Archives Photogra- phiques, Paris. Figura 13 - Heinrich HermannKoch. Prêmio Nobel de Medicina, 1905. Introdução ao Estudo da Epidemiologia 35 as doenças prevalentes. Vários agentes foram anunciados para uma mesma doença assim como para patologias que não estavam relacionadas à infecção ou bactéria. O exemplo mais clássico foi a pelagra que chegou a ser divulga- da como doença infecciosa por muitos cientistas. Para provar sua etiologia nutricional e não contagiosa, Joseph Goldberger em 1916, se inocula com material orgânico de pacientes15, nasce a Epidemiologia Nutricional. Com objetivo de estabelecer critérios para o reconhecimento das descobertas de novos agentes causadores de doenças R. Kock em conjunto com Jacob Henle publicam os seguintes postulados: Estes postulados tinham como objetivo sistematizar os critérios das descobertas, principalmente na área da bacteriologia e eliminar o anúncio de uma simples coincidência como descoberta científi ca. Em função destes postulados poucos agentes etiológicos anunciados por pesquisadores resis- tiram a esses princípios13. Joseph Lister nasceu na Inglaterra, 1827. Lister, em 1867, vin- te anos após as descobertas de Semmelweiss, utilizando a teoria dos germes de Pasteur, demonstrou que o Ácido Carbólico (Fenol) era um eficiente agente antisséptico e quando utilizado para assepsia reduzi- ria as mortes cirúrgicas. As cirurgias eram realizadas em salas que não apresentavam o menor asseio e os cirurgiões utilizavam as mesmas rou- pas de trabalho. O material era reutilizado entre as várias cirurgias com apenas uma rápida ou nenhuma limpeza. O resultado foi a redução da mortalidade de 45% para 15% entre 1865 e 1869. As hipóteses e as prá- ticas de Lister estavam fundamentadas na teoria de Pasteur sobre a pre- sença dos germes no ar e nos diversos locais. A postura de Lister não foi de um epidemiologista, mas de um cirurgião que adota várias condutas 1. O germe causador da doença deve estar presente em todos os casos da mesma, e deve ser encontrado no corpo, sempre que a do- ença aparecer. 2. Extraído do corpo, o germe deve crescer em uma cultura pura de laboratório, por várias gerações microbianas. 3. Esta cultura deve transmitir a doença a um animal susceptível, ser re- colhida dele em outra cultura e transmitir a doença a outro animal. 36 Especialização em Epidemiologia baseadas nas novas concepções da bacteriologia para a redução das in- fecções cirúrgicas que era um grave problema da prática médica. A Teoria Bacteriológica massifi ca a Teoria Miasmática e abandona as questões sociais como fator de causalidade da doença20, 21. No momen- to histórico quando as epidemias matavam grande parcela das populações a descoberta do agente causal representou o principal objetivo da Epide- miologia. Na teoria da Unicausalidade a presença de um agente etiológico era uma condição sine qua non nas doenças infecciosas, estabelecida pelos postulados de Henle-Kock. A verifi cação de hipótese de causalidade tinha como princípio a comprovação pelos critérios das técnicas bacteriológi- cas enfraquecendo as investigações em população20. Como expressa Nísia Lima, “Tudo se resumiria à caça aos micróbios”, deslocando-se a observação do meio físico e social para a experimentação confi nada em laboratório10. Henlen, Pasteur e Kock são considerados os fundadores teóricos desta fase que domina a ciência médica do fi nal do século XIX até a metade do sécu- lo XX. Tem como base o diagnóstico através do laboratório, o isolamento para casos específi cos, prevenção através da vacina e o tratamento com qui- mioterápicos e/ou antibióticos. O desenvolvimento da clínica, patologia, imunologia amplia a cisão entre doença e causa social. A doença passa a ter sintomas e sinais, apresenta alterações fi siológicas é identifi cada por lesão de um órgão. A Teoria Bacteriana afunila a causalidade para a bactéria. O modelo de causalidade da saúde segue o modelo linear da física que a partir da ação há uma reação (para cada doença há uma bactéria). 1.3.8 DOENÇAS NÃO-TRANSMISSÍVEIS E O MODELO TEÓRICO DA EPIDEMIOLOGIA Ao estudar as doenças: Escorbuto, Beribéri e Pelagra os cientistas James Lind, Kanehiro Takakneste e Joseph Goldberger contribuíram signi- fi cativamente para a construção do modelo teórico da Epidemiologia, por demonstrar o caráter não contagioso de muitas doenças. O modelo de cau- salidade e de estudo é ampliado por ratifi car a necessidade do estudo clínico e observacional incluindo na cadeia epidemiológica um fator alimentar/nu- tricional como agente causador da doença. Escorbuto: James Lind, Escócia (1716-1794). Em 1753 publicou “Treatise on the Scurvy” onde apresentava os estudos feitos com 20 pa- cientes durante uma travessia em 1747. Seleciona seis (6) grupos com dois Introdução ao Estudo da Epidemiologia 37 marinheiros (total=12) que sofriam da doença. Em um grupo, administrou laranjas e limões, para os demais, instituiu outros tipos de tratamento ha- bituais como vinagre, sulfatos, água do mar etc. A melhoria do primeiro grupo foi muito superior, demonstrando que a doença estava relacionada com a alimentação. Apesar do sucesso da pesquisa demorou vários anos para ser utilizado o suco de limão como preventivo do escorbuto na Arma- da Inglesa. Estudos posteriores demonstraram que doença é causada por falta de vitamina C. Beribéri: Kanehiro Takaki, Japão (1849-1915). É uma doença ocasionada por falta de tiamina (vi- tamina B1), causando manifestações neurológicas principalmente periféri- cas, cardiovasculares, digestivas e ce- rebrais. Realizou estudos epidemio- lógicos utilizando dois navios que partiram do Japão para viagens simi- lares utilizando dietas diferentes. No primeiro navio a dieta era de arroz, legumes e peixe, no segundo servia trigo, carne e leite. O primeiro navio teve vinte e cinco mortes por beribéri Figura 14 - Escorbuto. A History of Medicine in Pictures. Publicada por Parke, Davis & Co. In: 1960; pintura de Robert A. Thom. Figura 15 - kanehiro Takaki 38 Especialização em Epidemiologia e o segundo não houve morte. Desta maneira a marinha japonesa passou a utilizar a nova dieta. Takaki acreditava que a causa era por falta de proteína. Christiaan Eijkman, em 1858 realizou estudos dietas com galinhas que apre- sentavam o mesmo problema. Um grupo foi alimentado com arroz branco refi nado e outro com arroz nativo integral. O segundo grupo alimentado com arroz integral ao invés de morrer se recuperou. Sua descoberta relacio- nando o beribéri a má alimentação resultou em pesquisas que descobriram as vitaminas. Eijkman recebeu o prêmio Nobel em 1929. A substância con- tida na casca do arroz foi isolada pelo químico Casimir Funk e denominada de Tiamina. Pelagra: Joseph Goldberger (1874-1929). A doença é causada pela defi ciência da niacina (Vitamina B3), apresenta manifestações der- matológicas, gastrointestinais, neu- rológicas e mentais podendo levar a morte. O nome pelagra foi dado em decorrência do aspecto da pele, signifi cado da palavra “pellagra” em italiano é pele grossa. Em entre 1900 e 1940 pelo menos 100.000 pessoas morreram, de pelagra no sul dos Es- tados Unidos, metade destas vítimas eram afro-americanas e mais de dois terços eram as mulheres. Estas popu- lações tinham como base alimentar o milho, gerando uma crença popu- lar da causa ser “veneno do milho”. Outra hipótese publicada por um grupo de estudiosos era de origem infecciosa. Em 1914 Joseph Goldberger iniciou estudo sobre a doença, afastado defi nitivamente a origem infecciosa e con- fi rmando a causa de defi ciência alimentar. Goldberger desenvolveu a hipó- tese de defi ciência alimentar a partir da observação da incidência em asilos estaduais, onde os pacientes contraíam pelagra, mas a equipe hospitalar não. Mesmo tendo frequente contato entre os dois grupos. Ao analisar a dieta dosfuncionários verifi cou que eles ingeriam leite, carne e ovos, ao passo que os pacientes comiam principalmente cereais. Através de investigações controla- das mostrou que a doença podia ser evitada com uma dieta balanceada em comparação ao outro grupo que permanecia a dieta rotineira. Os que tinham a dieta modifi cada curavam-se da pelagra, mas voltava à doença quando re- Figura 16 - Pelagra - Uma menina no Asilo de Londres com pelagra crônica. Aquarela de A.J.E. Terzi, ca 1925. Fonte: Wellcome Images. Introdução ao Estudo da Epidemiologia 39 tornavam a dieta rotineira. Em 1937 Conrad Elvehjem e colaboradores da Universidade de Wisconsin, isolaram o ácido nicotínico, conhecido como niacina e curaram cachorros com sintomas semelhantes ao da pelagra. 1.4 CONTRIBUIÇÕES DE OUTRAS ÁREAS NO DESENVOLVIMENTO DA EPIDEMIOLOGIA A Epidemiologia como as demais ciências colhem o resultado do de- senvolvimento e surgimento de novas áreas do conhecimento da saúde. O aprofundamento dos estudos sobre o corpo humano permite o surgimento de novas especialidades que passam a compor a base teórica da Epidemiolo- gia. Abaixo apresentaremos as áreas que tiveram uma importância historica na participação dos pilares da Epidemiologia. 1.4.1 IMUNOLOGIA Edward Jenner, (1749-1823) descobriu que as pessoas que ordenhavam vacas doentes pela varíola bovina, quando transmitida acidentalmente ao homem conferia proteção contra a varíola humana. As civilizações orientais chineses, in- dianos, turcos e egípcios, que conviviam com a varíola há muitos séculos conhe- ciam diferentes métodos preventivos utilizando o material retirado das pústulas de pessoas doentes e inseminando em pessoas sadias (variolização). Sabiam que este procedimento não era seguro e que as pessoas poderiam adoecer e morrer, contudo sabiam também que a doença não atacava duas vezes a mesma pessoa. De maneira geral o método consistia em passar material das pústulas em fase de cicatrização de um doente para uma pessoa sadia através de arranhaduras na pele. As pessoas que eram submetidas a “variolização” apresentavam uma doença mais branda do que por transmissão natural. Emanuel Timoni que estava na Turquia em 1713 observou uma grande diferença na mortalidade por varíola entre a população cristã turca e os maometanos que não aceitava a inoculação. O seu trabalho foi publica- do pela Royal Society de Londres, mas não despertou interesse da comu- nidade médica. O processo estendeu-se para outros países como a França, Alemanha e Itália. Inicialmente houve uma forte reação em relação ao pro- cedimento. Nesta época a “variolização” era contraria a todos os princípios teóricos da medicina. 40 Especialização em Epidemiologia No fi nal do século XVIII, Jenner desenvolveu um novo método de prevenção da varíola e o publica em 1802 contando a sua descoberta com citação de vários casos de vacinação. A primeira etapa era a comprovação da imunidade pela varíola bovina sem o desenvolvimento de quadros gra- ves nos humanos. A segunda etapa era testar se doença adquirida podia ser transferida para outra pessoa. Ele inoculou material da varíola e a pessoa não contraiu a doença. Jenner realizou sucessivas transferências do material da doença de pessoa a pessoa. A varíola foi a primeira doença a ser extinta pela existência de uma va- cina efi caz e pela organização de um sistema de vigilância epidemiológica efi - ciente. Esta vitória do conhecimento científi co e da organização dos serviços de saúde abriu a esperança de extinção de outras doenças transmissíveis. 1.4.2 ESTATÍSTICA Os estudos de observação numérica e posteriormente estatística proporcionaram uma nova e poderosa ferramenta em conjunto com as observações clínicas e estudos laboratoriais para o desenvolvimento da Epidemiologia. A quantifi cação dos dados biológicos e sociais amplia a campo de análise dos fatores determinantes das doenças e da saúde. As es- tatísticas que incluem dados de nascimento, mortalidade, notifi cações de doenças, internações hospitalares, estrutura assistencial e outros bancos de dados socioeconômicos tornam-se fontes de estudo e análise de servi- ços e profi ssionais aprimorando o perfi l epidemiológico e as condições de saúde da população. Jonh Graunt – Inglaterra (1620-1674). Estava interessado nos re- gistros que continham dados sobre as mortes. Concebeu fazer um estudo sobre as causas que levavam à morte, em que idade, em qual estação do ano etc. Usando métodos simples, de sentido comum, para analisar os dados, Graunt formulou certas leis que são corretas ainda hoje22. Em 1662 estabe- leceu um caminho a ser percorrido pela Epidemiologia e visualizou uma atividade que se tornaria base de estudo para diversas especialidades como Estatística Vital e Demografi a. Graunt apresentou a primeira proposta de classifi cação da mortalidade através de uma lista de 83 causas de morte. Desde então a sistematização da estatística de mortalidade através do ates- tado de óbito passa ser realizada por vários outros países22. Graunt além de analisar e sistematizar o registro de mortalidade foi o primeiro a quantifi car Introdução ao Estudo da Epidemiologia 41 e analisar a natalidade. Realizou as primeiras estimativas de populações e elaborou uma tábua de mortalidade. Fez várias evidências epidemiológi- cas como o nascimento de menino é maior do que de menina, que a pes- te não coincidia com o início de um novo rei, o surgimento de novas do- enças, doenças que estavam aumen- tando ao longo do tempo. É consi- derado por alguns como o “Pai” da Epidemiologia, “Pai” da Estatística Vital e Demografi a. Este tipo de aná- lise epidemiológica através de dados de mortalidade volta a ser utilizado no fi m da segunda guerra mundial pelos Estados Unidos para realizar estudos de melhoria de saúde para a sua população. William Farr, Inglaterra (1807-1883). Estudou na França por dois anos sendo infl uenciado por Pierre Louis. Em Londres, Farr foi designado, em 1838 para Escritório do Registro Geral da Inglaterra sendo o primeiro a seguir as iniciativas de Graunt abrindo junto com outros cientistas o ca- minho para a fundação da Epidemiologia do século XX. Farr desenvolveu medidas de análise da mortalidade por causas implantadas por Graunt, dando uma maior confi ança e reali- zando comparações entre regiões e entre outros países. Em 1843 faz uma apresenta- ção no Annual Report of the Regis- trar General sugerindo que as do- enças são mais fáceis de prevenir do que curar e para realizar esta tarefa o primeiro passo seria conhecer as causas. O estudo da mortalidade é a primeira etapa para o conhecimento das causas de morte22. O Primeiro Congresso Internacional de Estatísti- ca em Bruxelas, no ano de 1853, Farr Figura 17 - John Graunt Figura 18 - William Farr 42 Especialização em Epidemiologia e Mare d´Espine são indicados para elaborarem uma nomenclatura padrão das causas de morte a ser usada em todos os países. Contribuiu muito para a análise das estatísticas de mortalidade de seu país, utilizando também va- riáveis sociais e abordando a infl uência destas nas causas morte”22. Farr foi o primeiro pesquisador a examinar séries temporais de morbimortalidade para longos períodos. Para muitos pesquisadores é considerado o “Pai” da estatística vital e da vigilância. Lambert Quetelet (1796-1874), matemático, astrônomo, estatístico e sociólogo – nasceu na Bélgica (1796-1874). Trabalhou para o governo co- letando e analisando estatísticas de crimes e mortalidade e apresentou me- lhorias nas formas de realização do censo. Usou os estudos de Poisson e La- place para identifi car a normalidade biológica e social. Seu trabalho produziu grandes controvérsias entre os cientistas sociais do século XIX. Quetelet foi o organizador da primeira conferência internacionalsobre estatística realizada em 1853. A medida de obesidade usada internacionalmente é o índice de Quetelet ou também denominado Índice de Massa Corporal (IMC). 1.4.3 ENTOMOLOGIA Os estudos dos insetos como vetores das doenças semelhantes aos estudos bacteriológicos apresentam histórias brilhantes e de grande perspi- cácia do conhecimento humano. Até a década de 1980, vários agentes cau- sais tinham sido descobertos, os postulados de Koch normatizam as pesqui- sas laboratoriais e consolidam a Teoria Bacteriana. No fi nal desta década e na década de 1890 ocorre uma busca de novos agentes que se encontravam em água, esgoto, alimentos, moscas, cães, gatos, pássaros, etc. Consequen- temente ocorreram importantes descobertas de transmissores das doenças (vetores). Tendo como expressão os trabalhos dos seguintes cientistas: Patrick Manson, Escócia (1844-1922). Trabalhou em Amoy (Chi- na) onde a elefantíase era endêmica. Examinou vários pacientes enfermos e não conseguiu detectar os parasitas no sangue dos doentes. Descobriu que a cultura do parasita aumentava até a meia noite e começava a diminuir até de- saparecer após as 10 horas da manhã. Deduziu que o mosquito era o inseto que tinha hábitos alimentares ao crepúsculo e durante a noite, período em que os parasitas apareciam na corrente sanguínea. Com ajuda de seu jardi- neiro que permitiu ser infectado por mosquitos durante vários dias coletou os insetos e constatou a presença das microfi lárias em 190024. Introdução ao Estudo da Epidemiologia 43 Juan Carlos Finlay, Cuba (1833-1915). A partir da hipótese ge- rada por Finlay foi possível demons- trar a transmissão da febre amarela através de artrópodes como vetor da enfermidade e gerando medidas que fi zeram possível o controle desta epi- demia urbana. Essas hipóteses, des- critas a seguir, foram apresentadas em fevereiro de 1881 na Conferên- cia Sanitária Internacional, realizada em Washington. As condições para a transmissão seriam: • Existência prévia de um caso de febre amarela, em um período de- terminado da enfermidade; • A presença de um indivíduo apto para contrair; • A presença de um agente independente da enfermidade e do doente para transmitir a enfermidade do indivíduo doente ao homem sadio. Conclui que as medidas de controle da febre amarela seriam ine- ficazes sem atacar o agente de transmissão. Todavia suas ideias não fo- ram acatadas pelos congressistas. A única evidência científica sobre o papel do vetor tinha sido apresentada por Manson sobre a filariose três anos antes25. Após retornar a Cuba, para comprovar a sua teoria conseguiu con- vencer cinco pessoas para serem picadas por mosquitos que foram anterior- mente alimentados por enfermos. Essas pessoas tiveram diferentes formas de manifestação da doença. As conclusões de Finlay foram apresentadas em 1881 na Academia de Ciências Médicas, Físicas e Naturais de Havana e no- vamente, suas ideias não despertaram interesses dos cientistas. Apesar dos estudos de Pasteur e Koch sob a existência da bactéria, na época a concep- ção predominante era a miasmática. Finlay continuou a sua pesquisa defi nindo o período de incubação, formas da doença e outras características. Em 1894 no Congresso de Higie- ne e Demografi a realizado em Budapeste apresentou as propostas de com- Figura 19 - Juan Carlos Finlay 44 Especialização em Epidemiologia bater a febre amarela. Em 1897 propôs um plano detalhado para o Governo dos Estados Unidos, mas novamente não teve resposta. Em 1900 partiu para Cuba uma Comissão de Saúde do Exercito dos Estados Unidos, chefi ada pelo Dr. Walter Reed, com o objetivo de pesquisar sobre a febre amarela. Diante do insucesso das primeiras pesquisas procu- raram Finlay que expôs sua teoria25. No Congresso Pan-americano em feve- reiro de 1901, em Havana apresenta as suas experiências e recebe apoio para iniciar uma campanha de combate ao mosquito. Em outubro de 1901 não foi registrado caso de febre amarela que há 200 anos vitimava a população de Cuba25. A luta de Juan Carlos Finlay na defesa das suas teses refl ete as difi culdades dos pesquisadores que não estão em polos de desenvolvimento científi co e o critério segregador da elite técnica em relação aos países e regi- ões com menor desenvolvimento. Ronald Ross, Índia (1857-1932). A elucidação da etiologia palúdica e do ciclo de vida do protozoário remontam a uma complexidade de even- tos, circunstâncias e atores. O médico francês Charles Alphonse Laveran foi quem isolou o hematozoário da malária em 1880, ao qual denominou Os- cillaria malariae (atualmente Plasmodium sp.). Patrick Manson convidado a participar do estudo sugeriu que a moléstia era causada por um nematódeo e transmitida pelo mosquito Culex. O médico inglês Ronald Ross descreveu o ciclo do paludismo aviário, no qual demonstrava o papel dos insetos na transmissão da doença (1897). Em 1898/9 Baptista Grassi, Amico Bigna- mi e Giuseppe Bastinelli aprofundaram os estudos de Ross e demonstram a transmissão da malária humana por mosquitos do gênero Anopheles, fi cando Figura 20 - Diferentes formas de manifestação da doença Introdução ao Estudo da Epidemiologia 45 demonstrado que a principal estratégia de combate às moléstias tropicais deveria ser o controle dos vetores26, 27. Carlos Chagas nasceu em Minas Gerais, Brasil (1879-1934). Em 1907, como pesquisador de Manguinhos, foi designado para combater a malária entre os trabalha- dores da Estrada de Ferro Central do Brasil em Lassance, norte de Minas Gerais. Começou a observar um in- seto que era chamado de “barbeiro” pela população local, se proliferava nas frestas das casas de pau-a-pique, e alimentava-se de sangue dos mora- dores à noite. Ao examinar o parasito encontrou um novo agente que cha- mou de Trypanosoma cruzi em ho- menagem a Osvaldo Cruz. Em 1909 descobriu o protozoário no sangue de uma menina, em plena fase aguda. Em 1909, Oswaldo Cruz anun- ciou formalmente à Academia Nacional de Medicina a descoberta, por Carlos Chagas, de uma nova doença: a tripa- nossomíase americana ou moléstia de Chagas. Logo a seguir, identifi cou o ciclo evolutivo do parasita no homem e no ve- tor e os reservatórios em animais domés- ticos e silvestres. Descreveu as diversas modalidades da doença de Chagas na fase aguda e crônica. Relatou os hábitos e as várias espécies de barbeiros e a rele- vância da doença. O estudo de Carlos Chagas em relação à doença é tido como completo em relação ao ciclo epidemiológico. Descobre uma nova doença, agente, vetores, reservatórios, ciclos no animal e homem, sintomas, sinais etc. Carlos Chagas além de pesquisador exemplar se caracterizou com excelente gestor público. Em 1919 é designado para dirigir a reforma dos serviços de saúde pública no país e chefe do Departamento Nacional de Figura 21 - Carlos Chagas, em seu laborató- rio no Instituto Oswaldo Cruz. Figura 22 - Barbeiro 46 Especialização em Epidemiologia Saúde Pública (DNSP). Cria a Escola de Enfermagem Anna Nery, Curso Especial de Higiene e Saúde Pública e o Hospital São Francisco de Assis24. O desenvolvimento da entomologia estabelece um novo elemento na cadeia epidemiológica, o vetor. A causa da doença não depende apenas da presença da bactéria, o agente, mas também do vetor e do meio ambiente. A teoria da multicausalidade para as doenças tropicais transmitidas por vetores passa a ser composta por Hospedeiro – Agente – Meio Ambiente e o Vetor. 1.5 A LUTA CONTA AS DOENÇAS TRANSMISSÍVEIS NO BRASIL Os primeiros escritos sobre as terras descobertas por Pedro Álva- res Cabral repassavam a ideia de paraíso pela grandiosidade, a beleza dos habitantes e ausência de doenças. O “paraíso” anunciado foi substituído, a partir do século XVII, por um “inferno” onde se tinha poucas chances de sobreviver28.
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