
Habermas Pinzani, Alessandro (2009, Artmed)
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à luz de valores culturais compartilhados é, portanto, decisiva, já que somente desta maneira as necessidades podem tornar-se motivos legítimos de ação e contribuir à definição de expectativas de comportamento. Esse modelo desempenha um papel decisivo no desenvolvimento das ciências sociais, sobretudo graças a Durkheim e Parsons. O terceiro modelo concerne ao agir dramatúrgico, que se baseia na re- presentação ou encenação de si que os atores oferecem. Não se refere \u201cnem a um ator solitário nem ao membro de um grupo social, mas a participantes de uma interação que constituem uns para os outros o público diante do qual põem em cena a si mesmos\u201d (TKH I 128). O conceito central é, aqui, o de autoencenação \u2013 não no sentido de um comportamento expressivo espontâneo, mas como estilização (dirigida a um público) da expressão das próprias experiências vivenciadas. Nesse caso são avançadas pretensões de veracidade que podem ser justificadas objetivamente: \u201cperante uma autoencenação surge a questão se o ator expressa também no momento adequado as vivências que ele tem, se pensa o que está dizendo, ou se está simplesmente simulando as vivências que está expressando\u201d (TKH I 139). Esse modelo foi introduzido nas ciências sociais por Goffman com seu estudo sobre a autoencenação na vida cotidiana (TKH I 135).3 101 Habermas Como o próprio Habermas reconhece, esses três modelos correspon- dem também às três atividades da razão analisadas por Kant nas três crí- ticas: a razão teorética, a prático-moral e a estética. Com Kant, Habermas compartilha a preocupação com a unidade desses três aspetos. O conceito de uma razão comunicativa, que faça justiça às diferentes pretensões de validade de enunciados ligados aos três mundos, remete à ideia de uma \u201cnão diferenciação entre questões de verdade, de justiça e de gosto\u201d (NU 175). A unidade kantiana da razão é, então, interpretada e realizada de forma comunicativa. Portanto, aos três modelos mencionados Habermas acrescenta (dis- tanciando-se da teoria dos três mundos de Popper e Jarvie) um quarto: o modelo do agir comunicativo, que se refere \u201cà interação de pelo menos dois sujeitos capazes de falar e de agir\u201d, os quais procuram \u201cum entendimento sobre a situação de ação\u201d, a fim de \u201ccoordenar de comum acordo seus planos de ação e, com isso, suas ações\u201d (TKH I 128). Habermas remete a Mead e Garfinkel, que analisaram amplamente esse modelo de ação. Com a introdução do conceito de agir comunicativo a dimensão lin- guística ganha um peso decisivo. É verdade que ela está presente também nos outros modelos de ação, mas neles \u201ca linguagem é concebida unila- teralmente\u201d (TKH I 142). Nos modelos de ação teleológico e estratégico, a linguagem é concebida como um meio entre outros \u201catravés do qual os falantes que se orientam pelo próprio sucesso se influenciam reciprocamen- te\u201d. O modelo de ação normativo \u201cpressupõe a linguagem como um meio que transmite valores culturais\u201d e possibilita o consenso sobre normas. O modelo de ação dramatúrgico \u201cpressupõe a linguagem como meio da auto- encenação\u201d (ibid.). Estes três conceitos de linguagem representam, segundo Habermas, meros \u201ccasos limites de agir comunicativo\u201d: \u201cem primeiro lugar, como o entendimento indireto dos que têm presente somente a realização das suas próprias finalidades\u201d, em segundo lugar, como o agir consensual de indivíduos que se limitam a confirmar novamente um consenso norma- tivo já existente e, em terceiro lugar, \u201ccomo autoencenação dirigida a um público\u201d (TKH I 143). Em cada um dos três casos é considerada \u201csomente uma função da linguagem\u201d: ela pode motivar o ouvinte a agir (nos termos da teoria dos atos de fala de Austin, retomada por Habermas: suscitar efeitos performativos); ela pode estabelecer relações inter-humanas; ela pode expressar vivências. Somente o modelo de agir comunicativo leva em conta \u201ctodas as funções da linguagem da mesma maneira\u201d (ibid.). O agir orientado pelo entendimento não representa de modo nenhum o \u201ccaso normal de práxis comunicativa cotidiana\u201d (TKH I 198) e isto torna difícil defender a generalidade do conceito de racionalidade comunicativa. Habermas menciona três estratégias que deveriam permitir isso. A primeira estratégia consiste na reconstrução das regras e dos pressupostos gerais das ações linguísticas \u201crecorrendo à semântica formal, à teoria dos atos de 102 Alessandro Pinzani fala e a outras perspectivas da pragmática linguística\u201d. Em segundo lugar, as noções pragmático-formais obtidas desta maneira podem ser avaliadas com base na sua utilizabilidade empírica. Nesse contexto, abrem-se três âm- bitos de pesquisa em particular: a explicação dos padrões de comunicação patológicos (mecanismos de comunicação sistematicamente distorcida), a evolução das bases das formas de vida socioculturais e a ontogênese das capacidades de ação (assim como descritas pela psicologia evolutiva de Piaget). A terceira estratégia é menos pretensiosa e consiste na \u201creelabo- ração dos enfoques sociológicos para uma teoria da racionalização social\u201d de Weber a Parsons. Porém, Habermas não escolhe esse caminho com a intenção \u201cde realizar estudos históricos\u201d, mas com a intenção teórica de \u201cdesenvolver os problemas que podem ser resolvidos com a ajuda de uma teoria da racionalização moldada nos conceitos fundamentais do agir co- municativo\u201d (TKH I 199 s.). Os CAPÍtUlOs DE RECONstRUçãO HistóRiCA: DE WEBER A PARsONs O segundo capítulo do livro é dedicado à teoria da racionalização de Max Weber. Para mostrar de que maneira Weber concebe os aspectos mais importantes da modernização, Habermas recorre à distinção feita por Parsons entre sociedade, cultura e personalidade. Segundo Habermas, no nível da sociedade Weber concebe a modernização (de maneira análoga a Marx) como a diferenciação da economia capitalista e do moderno Estado burocrático, que se servem de um direito positivo formal como meio de organização (TKH I 226 ss.). No nível cultural, a racionalização acontece em três âmbitos diversos: 1. ciência e técnica; 2. arte e literatura; 3. direito e moral (na sua diferenciação como esferas autônomas de valores culturais pode ser visto um paralelo com a distinção habermasiana dos vários tipos de ação: \u2013 teleológica, \u2013 dramatúrgica e \u2013 regulada por normas). Os três âmbitos se caracterizam por renunciar a cosmovisões metafí- sicas (TKH I 228 ss.). No nível da conduta de vida pessoal, Weber constata o triunfo \u201cde uma ética da intenção, universalista, regida por princípios e de base religiosa, que se empossou das camadas sociais portadoras do ca- pitalismo\u201d (cf., p. ex., o mais conhecido livro de Weber: A ética protestante 103 Habermas e o espírito do capitalismo) (TKH I 234 ss.). Para descrever esse fenômeno, Weber serve-se inicialmente de um conceito amplo de racionalidade te- leológica: \u201cage teleologicamente quem orienta seu agir por fins, meios e consequências colaterais\u201d e sopesando racionalmente estes três motivos da ação uns contra os outros, isto é, quem não age passionalmente, nem seguindo a tradição\u201d (Weber apud TKH I 239 s.). Weber distingue, em se- guida, \u201co conceito de racionalidade prática com base nos três aspectos da utilização dos meios, da escolha dos fins e da orientação por valores\u201d (TKH I 244) e tenta explicar a racionalização usando esse conceito complexo de racionalidade. Contudo, ele não atribui a tal conceito valor universal, mas pensa estar descrevendo um fenômeno tipicamente ocidental. Habermas, pelo contrário, defende a tese de que a partir dessas perspectivas conceituais resulta, sem dúvida, uma posição universal (cf. TKH I 253). Em tudo isso, ele parece orientar-se pela ideia de uma teoria evolutiva das sociedades (\u201ctoda cultura, se alcançar um determinado grau de \u2018conscientização\u2019 ou de \u2018sublimação\u2019, deveria compartilhar certas propriedades formais