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Existencialismo: Contextualização histórica Fundamentos da Psicologia Existencial-Humanista Prof.: Bruno Carrasco Contextualização histórica Três eventos marcam fortemente mudanças na sociedade ocidental no final do século XVIII: a Revolução Industrial, a Revolução Francesa e a Independência das Américas. Esses eventos transformam os modos de vida, a filosofia e a ciência. Durante o século XIX, a filosofia européia atravessou a crise da razão e da subjetividade, a concepção de sujeito, e uma retomada da importância da afetividade, fortemente influenciado pelo Romantismo nas artes e literatura. O início do século XX foi marcado por guerras, revoluções, genocídios, epidemias, crises econômicas, desemprego, destruição e sofrimento humano em larga escala: a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a Revolução Russa (1917), a Crise de 1929, e a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). “A experiência traumática da guerra gerou desânimo e desespero, sentimentos que atingiram principalmente os jovens, descrentes dos valores burgueses tradicionais e da capacidade do homem de solucionar racionalmente as contradições da sociedade.” (PENHA, João da. O que é Existencialismo. São Paulo: Brasiliense, 2014) Mudanças e incertezas O século XVIII, também chamado de século das luzes na filosofia, foi vivido com grande otimismo com relação à razão. Os desenvolvimentos tecnológicos advindos com a Revolução Industrial foram inicialmente entendidos com entusiasmo e grandes expectativas. Acreditava-se que a sociedade estaria progredindo e poderia alcançar melhor qualidade de vida. Porém, com o passar do tempo, o otimismo e o entusiasmo com o progresso foram substituídos pela perplexidade e por incertezas. As contradições vivenciadas pela humanidade, durante o final do século XIX e início do século XX promoveram uma série de questionamentos por parte dos filósofos, chegando a pensamentos divergentes e, muitas vezes, contraditórios. Crise da razão e século XX Entre o final do século XIX e início do século XX, o povo europeu vivenciou muitas mudanças, experimentou sentimentos de inquietação e caos, primeiramente diante da crise da subjetividade, que foi expressa por meio do Romantismo nas artes, e posteriormente com os conflitos e as guerras mundiais. Essas experiências geraram um sentimento de questionamento sobre o ser humano, fazendo este refletir sobre sua própria existência, sobre temas como o sentido da vida, o sofrimento emocional, as dores de existir e as angústias existenciais. E além disso, a buscarem novas respostas, pois os valores antigos já não eram mais suficientes e não mais imperavam, era preciso novas referências para novos tempos. Questionamento sobre o Cientificismo Entre o final do século XIX e início do século XX também ocorrem diversos questionamentos e um sentimento de desconfiança para com o cientificismo. Cientificismo é uma crença de que a ciência e a razão humana poderiam resolver todos os problemas da humanidade, e tornar a vida e a convivência entre as pessoas melhor e mais saudável. Porém, com as duas grandes guerras no início do século XX, mortes de militares e civis, por armas e bombas com alto grau de destruição, construídas por meio de pesquisas científicas, muitos filósofos e inclusive cientistas passam a desacreditar na ciência, e perceber que ela pode ser utilizada para destruir a própria humanidade. Esses questionamentos influenciam um novo olhar sobre o ser humano. Críticas ao Racionalismo Grande parte dos existencialistas também criticam a filosofia Racionalista, que corresponde a uma vertente de filosofia que se desenvolveu durante os séculos XVII e XVIII, que toma a razão como principal meio do ser humano conhecer as coisas e o mundo, deixando de lado o corpo, os sentidos e as emoções. O racionalismo tem como influência a filosofia de Platão (século V a.C.), que dividiu o entendimento do mundo em duas esferas: o mundo das ideias e o mundo dos sentidos. Platão entende que o mundo que vivemos e percebemos (dos sentidos) é mutável, onde tudo se transforma, por isso não há como garantir conhecimentos seguros, entendendo esse mundo como “enganoso”, e a verdade está no mundo das ideias, que seria perfeito, alcançado apenas por meio da razão. Críticas à Metafísica A metafísica corresponde à toda ideia, saber ou crença que esteja além da física, ou seja, além do mundo material e concreto, que podemos ver, sentir, tocar. A filosofia idealista é muitas vezes tida como metafísica, por se tratar especialmente de ideias ao invés de coisas concretas, contrário à filosofia materialista. Grande parte dos autores existencialistas criticam e contrariam as concepções metafísicas, voltando suas reflexões para as coisas concretas do mundo, que podemos ver, perceber e sentir. Para a filosofia existencialista, o significado da existência humana não está em abstrações ou racionalizações metafísicas, mas na própria existência concreta. Novo modo de entender o ser humano O ser humano, antes visto como “senhor de si”, um ser que pode se controlar por meio da razão, e que se solidariza com as outras pessoas, passa a ser visto como um ser que nem sempre consegue se controlar, que está vinculado à forças externas que por vezes o controlam mais do que a si mesmo, que é muito mais afetivo do que racional. Tudo isso se trata de uma nova condição para o ser humano, um novo entendimento sobre sua individualidade e sobre sua vida privada, algo inédito na história, que surge justamente com o desenvolvimento industrial, promovendo novas formas de vida. A alienação, a angústia, as incertezas e inseguranças são novos temas de novos tempos para a humanidade. “A primeira coisa que a filosofia existencial faz é recusar-se a reduzir o ser humano e sua personalidade a uma entidade qualquer. Não se pode reduzir o homem a ser um animal racional, mas tampouco a ser um animal social, ou a um ente psíquico, ou biológico. O homem não é, pois, nenhuma substância, suscetível de ser determinada objetivamente, seu ser é um constituir-se a si próprio.” (MORA, José. Dicionário de Filosofia, tomo II, São Paulo: Loyola, 2005) Mona Lisa, Leonardo da Vinci, 1506 Auto-Retrato, Francis Bacon, 1969 Expressão literária e filosófica Todas essas condições históricas, concretas e subjetivas fizeram germinar uma nova vertente de expressão literária e filosófica, o existencialismo. Podemos perceber a angústia existencial expressa em quadros expressionistas, como “O Grito”, do artista norueguês Edvard Munch (1863-1944), que mostra uma pessoa diante de um momento de angústia e desespero existencial, destacando a intensidade dos sentimentos. Expressionismo foi um movimento artístico iniciado no final do século XIX, que não buscava representar nas obras uma cópia objetiva da natureza, mas destacar o humano e as emoções humanas tal como são sentidas. Existencialismo na literatura O existencialismo tem início na literatura europeia e russa do final do século XIX, se estendendo para o século XX. Tem como característica a exploração da existência subjetiva, das emoções e das singularidades, tratando de temas como a liberdade, as escolhas, as dores e as angústias de existir. Alguns autores: ● Fiódor Dostoiévski (1821-1881), Liev Tolstoi (1828-1910) ● Oscar Wilde (1854-1900), Hermann Hesse (1877-1962) ● Franz Kafka (1883-1924), Fernando Pessoa (1888-1935) ● Albert Camus (1913-1960), Clarice Lispector (1920-1977) ● Charles Bukowski (1920-1994), Jack Kerouac (1922-1969) Existencialismo na Filosofia É uma vertente de filosofia contemporânea, que reconhece e valoriza as diferenças individuais e a liberdade de ser, propondo um modo peculiar de compreender a existência. Trata-se de uma filosofia ética que questiona e reflete sobre o modo como cada indivíduoleva sua vida e lida com suas necessidades, em suas condições históricas, materiais e subjetivas; Questiona e contraria alguns conceitos tradicionais na filosofia, como: o racionalismo, a metafísica, o essencialismo, o determinismo, o idealismo, o positivismo, entre outros. Definição de Existencialismo O existencialismo é, portanto, uma vertente filosófica ética contemporânea que contraria a concepção essencialista e metafísica sobre o ser humano, que reflete a existência humana em seus aspectos: concreto, singular, afetivo, temporal, livre, finito e histórico. Enquanto vertente filosófica, o existencialismo busca compreender a existência humana, com questões do tipo: ● O que é existir enquanto ser humano? ● Quais as características do existir humano? ● Qual o sentido da existência humana? “O existencialismo é a doutrina filosófica que centra sua reflexão sobre a existência humana considerada em seu aspecto particular, individual e concreto.” (PENHA, João da. O que é Existencialismo. São Paulo: Brasiliense, 2014) Valores do Existencialismo Cada filósofo existencialista segue suas questões por um caminho específico, não há uma “unidade” na filosofia existencial, porém há alguns princípios comuns em praticamente todos os ditos “existencialistas”: ● Nossa existência é constituída em relação com o espaço e o tempo; ● Coexistem diversos modos de ser, somos livres para fazer escolhas; ● Somos responsáveis pelas escolhas que fazemos e por nossa existência; ● O mundo nos transforma e nós também o transformamos; ● Estamos em constante transformação interna, num constante vir-a-ser; ● Experimentamos a vida a partir dos afetos, de maneira pré-reflexiva; ● Não há um sentido dado para a vida, ele é continuamente criado. Não há uma essência que defina nossa existência Não existe uma definição para existência humana, não há algo que nos define antes de nossa própria existência. Não há nada que defina os modos de ser de cada pessoa antes de sua própria existência. Ou seja, somos construídos por nossa existência concreta no mundo. Cada pessoa chega no mundo num local e num certo período, é esse contexto que vai fazer parte da construção de nosso modo de ser. Depois dele serão nossas escolhas as definidoras de nossos modos de existir, pois podemos mudar os rumos de nossa vida, costumes e o que valorizamos. Não existem valores absolutos Outra característica do existencialismo é que não parte de uma presunção de que haja valores absolutos, do tipo “isso é bom para todas as pessoas” ou “aquilo que é bom, sempre será bom”. Pelo contrário, entende que o que é bom pode deixar de ser bom, ou o que é bom para uma pessoa pode não ser para outra. Parte-se da compreensão de que há uma relatividade dos valores, entendendo que uma coisa que foi tida como “boa”, por um período de tempo, não significa que será sempre “boa”, mas que, a qualquer momento, pode deixar de ser “boa” e ser tida como “ruim”, “péssima”, ou, até mesmo, ser descartada de nosso sistema de valores, tornando-se completamente ignorada. Somos livres para fazer escolhas O existencialismo entende que somos livres para fazer escolhas e responsáveis pelas escolhas que fizermos. A todo momento de estamos fazendo escolhas, agora mesmo você está escolhendo ler esse texto ou fazer um curso sobre existencialismo, e a todo momento você pode deixar de fazer isso e se dedicar a outra atividade. Como somos livres para escolher, somos eticamente responsáveis pelas consequências de nossas escolhas. Ou seja, se eu escolho a todo momento, eu sou responsável pelo que escolhi, e posso sempre fazer novas escolhas. Se o que escolhi não está bom, ou não me faz mais bem, posso escolher outra coisa. Se não estou satisfeito com a vida que estou levando eu posso projetar um novo caminho e lançar a minha existência. Não há um modelo de como devemos ser Outra compreensão é que não existe um modelo único de como “devemos ser”, mas que cada pessoa é uma. Cada pessoa se constrói em sua relação com o mundo, com as coisas do mundo, com outras pessoas e consigo mesma, e estabelece o que é bom ou ruim para si mesma, e para sua relação com os outros. Não há um modelo “correto” e “pronto” sobre como “devemos” viver a vida, pelo contrário, a vida se constrói na prática concreta, na relação cotidiana. Por isso o existencialismo não entende o ser humano como um ser abstrato, mas como um ser concreto, que vive no mundo e faz escolhas para si mesmo a todo momento. Não há o intuito de alcançar verdades O existencialismo não tem como intuito alcançar “verdades” sobre o ser humano, ou sobre os modos de ser humano, mas busca compreender o ser humano em seus distintos modos de ser no mundo, do modo como cada pessoa se apresenta. Não tem como foco buscar “verdades absolutas” ou “verdades universais”, mas entender cada ser humano em suas singularidades, em seus modos específicos de ser e de se pronunciar no mundo. Não há como intuito formatar um sistema de entendimento, mas reconhecer as particularidades de cada pessoa, buscando entender como cada um lida com sua própria existência, como cada um decide fazer certas escolhas e deixar de lado outras, e, principalmente, como cada pessoa é afetado pelas escolhas que faz. Experimentamos os fatos de diferentes maneiras Como somos seres singulares, cada pessoa experimenta um fato de uma maneira, uma mesma situação pode ser percebida de diversas maneiras dependendo de quem observa. “Não há fatos, apenas interpretações.” (Friedrich Nietzsche) Cada fato que nos acontece não é entendido de maneira “pura” como algo “em si mesmo”, mas cada pessoa interpreta uma situação de acordo com sua história de vida, com seus valores, com suas experiências. O existencialismo não pretende generalizar as interpretações, mas valorizar as singularidades de cada um. "O termo existencialismo designa o conjunto de tendências filosóficas que, embora divergentes entre si, têm em comum a análise da existência humana. É difícil, contudo, estabelecer o exato sentido que os diversos filósofos existencialistas atribuem a essa palavra. Entretanto, podemos dizer que o conceito de existência é tomado como algo que se refere à condição específica do homem como ser no mundo. Existir, então, implica estar em relação com outros seres humanos, com as coisas e com a Natureza. Relações múltiplas, concretas, dinâmicas; relações possíveis de acontecer ou não." (COTRIM, Gilberto; FERNANDES, Mirna. Fundamentos da Filosofia. São Paulo: Saraiva, 2013) Alguns dos Filósofos Pré-existencialistas: ● Arthur Schopenhauer (Polônia-Alemanha, 1788-1860) ● Soren Kierkegaard (Dinamarca, 1813-1855) ● Friedrich Nietzsche (Império Prussiano, Alemanha, 1844-1900) Existencialistas ou Filósofos da Existência: ● Martin Heidegger (Alemanha, 1889-1976) ● Gabriel Marcel (França, 1889-1973) ● Jean-Paul Sartre (França, 1905-1980) ● Simone de Beauvoir (França, 1908-1986) ● Emil Cioran (Romênia/França, 1911-1995) O que não é Existencialismo O que caracteriza Existencialismo Racionalismo Emoções e Afetos Essencialista, Idealista, Metafísico Materialista, Singular e Concreto Pragmático, Positivista Complexo, Fenomenológico Filosofia Moderna Filosofia Contemporânea Científico e Objetivo Filosófico e Subjetivo Ciência Exata Ciência Humana Perfeição Imperfeição Ser estático, Imutável Ser em transformação, vir-a-ser Determinista, Fatalista Contingente, Engajamento Dualismo: mente-corpo Monismo Ser fechado em si Ser aberto para experiências Alguns psicoterapeutas existenciais Ludwig Binswanger (Suíça, 1881-1966), Karl Jaspers (Alemanha/Suíça, 1883-1969), Medard Boss (Suíça, 1903-1990), Viktor Frankl (Áustria, 1905-1997), Rollo May (EUA, 1909-1994), Jan Hendrik Van Den Berg (Países Baixos, 1914-2012), James Bugental(EUA, 1915-2008), Hans W. Cohn (Alemanha, 1916-2004), Ronald Laing (Reino Unido/França, 1927-1989), Irvin D. Yalom (EUA, 1931-), Manuel Villegas (Espanha, 1941-), Alfried Längle (Áustria, 1951-), Emmy van Deurzen (Países Baixos/Inglaterra, 1951-), Kirk Schneider (EUA, 1956-), Ana Maria Feijoo (Brasil, -), Emilio Romero (Brasil, -), Susana Signorelli (Argentina, -), Tereza Erthal (Brasil, -), Ernesto Spinelli (Inglaterra, -), Yaqui Martínez (México, 1973-). Referências Bibliográficas COTRIM, Gilberto; FERNANDES, Mirna. Fundamentos da Filosofia. São Paulo: Saraiva, 2013. FONSECA, Afonso. História das Psicologias e Psicoterapias Fenomenológico Existenciais. Pedang: Maceió, 2006. FOULQUIÉ, Paul. O Existencialismo. São Paulo: Difel, 1975. MORA, José. Dicionário de Filosofia, tomo II, São Paulo: Loyola, 2005. PENHA, João da. O que é Existencialismo. São Paulo: Brasiliense, 2014. REYNOLDS, Jack. Existencialismo. 1 ed. Vozes: Rio de Janeiro, 2013.
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