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Luiz Carlos Osorio adolescente hoje 2 Edição N14 PORTO ALEGRE / J da Editora Artes M Sul Ltda.. 1959 Capa: M Rohnclt SupLr chtori Pau o ( o Lc du r Digi:itaç;i . a rtc c A( E — Assessoria O r ica e Editorial 1 ida Impressão e acabamento Editora Gráfica Metrópole S.A. Reservados todos os direitos de puhltcaç a EDITORA ARTES MEDICAS SUL LTDA. Av. Jerônimo dc Ornelas. h70 Fones (0512(30-3444 e 30-2375 Loja centro: Rua General Vitorino. 277 — Fone (0512)25-5143 9(1(140 Porto Alegre. RS — Brasil IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL Sumário - Introdução: As razões deste livro . - O que é a adolescência, afinal’ - A crise adolescente e a questão da identidade - O adolescente, a família e a sociedade - Os grandes dilemas do adolescente contemporâneo O dilema existencial O dilema vocacional O dilema sexual Drogadicção: O dilema tóxico - Conflito de gerações e os ritos de iniciação - O adolescente “problema” Adolescência normal e patológica Conduta e psicopatologia do adolescente O adolescente “problema”: como abordá-lo 8 - Em busca da adolescência perdida: o mito fáustico 9 - O adolescente do ano 2.000: uma visão prospectiva Apêndice: Conversando com adolescentes, pais e professores (perguntas e respostas) Epílogo Bibliografia 2 3 4 5 6 7 7 10 14 27 34 34 38 41 43 46 53 53 55 57 61 64 69 97 102 Introdução: as razões deste livro 1 É verdadeiramente um grande prazer interrogar as próprias coisas em lugar de ler a bibliografia já existente “(da carta de FREUDa PFISTER, em 12/julho/1909) Quais as motivações para se escrever uni livro? Bem diferentes hão de ser certamente as de um autor de livros técnicos e as de um escritor de obras ficcionais, ainda que em sua essência todas se srcinem de uma mesma fonte, qual seja, o narcisismo humano, e todas desagüem num mesmo estuário: deixar algo que nos sobreviva ou, ao menos, fazer algo que nos torne “notáveis” (no sentido de “tornar-se notados”) a nossos contemporâneos. Da pretensão de alcançar o primeiro destes objetivos os autores de livros técnicos teriam que dissuadir-se, já que a atual progressão geométrica dos avanços tecnológicos torna rapidamente obsolescentes nossos conhecimentos; e da notabilidade precisaria abrir mão quem se propõe a escrever um livro que, como constatarão, renega até mesmo seu remoto paren tesco com uma obra técnica. Portanto, para que possam entendê-lo, necessito aludir a outras motivações, bem como a algumasvicissitudes de sua elaboração. Há sete anos atrás, ao concluir um pequeno compêndio sobre as aborda gens psicoterápicas do adolescente, dispus-me a dar-lhe seqüência num opús culo destinado ao “público leigo” e onde pudesse expor algumas idéias emer gentes durante a elaboração do então recém- publicado livrinho. Destinar-se-ia basicamente a pais e a seus filhos adolescentes, com a intenção de ajudá-los na compreensão mútua. Cheguei mesmo a iniciá-lo, sob o título que ora encima um dos capítulos deste livro: “Em busca da adolescência perdida”. Interrompi-o prematuramente, à raiz de dois sentimentos predominantes: a impressão de que resultaria num injustificável vade-mecum e a certeza de Adolescente Hofe / 7 que pouco ou nada acrescentaria ao já conhecido sobre a matéria. Embora estes dois sentimentos ainda persistam mesmo agora que estou a concluí-lo, este livro passou a ser uma espécie de fantasma que precisava exorcizar antes de poder levar a cabo novos projetos. Sempre que me dispunha a iniciar um artigo de mais fôlego sobre outra matéria ou um livro sobre diferente área de interesse de meu cotidiano profissional, a temática da adolescência se interpunha entre a vontade e a tarefa, como a exigir o cumprimento de uma antiga dívida não resgatada. Aqui estou, pois, para me livrar do compromisso auto-imposto, sentin do-me tal qual Jacó após os sete anos adicionais de pastoreio pela mão de Raquel, livre, enfim, para realizar as bodas sonhadas. “Não há tolice que se diga agora Que não tenha sido dita por Um sábio grego de outrora”. Esta máxima em versos do nosso anjo Malaquias tem me servido, ao longo dos anos, de oportuno lenitivo contra a dorida falta de srcinalidade constatada a cada novo ímpeto de pretensa criatividade. O que os leitores encontrarão nas páginas que seguem só vem confirmar esta assertiva. Os conceitos nelas emitidos, em sua imensa maioria, provêm de autores com quem ou com cuja obra convivi nestas duas décadas em que tenho procurado “ouvir e entender adolescentes”. Tais conceitos, convalidados na prática de todos nós que trabalhamos com adolescentes, foram de tal forma se incorpo rando à minha identidade profissional que já não consigo, muitas vezes, deter minar sua srcem ou autoria. Não obstante, como é mister “dar o seu a cujo é” — como diria um dos eméritos tribunos de nossa república — ao final do livro fiz uma listagem de leituras de sustentação para fazer justiça à procedência das idéias aqui expostas, de tal sorte que não me seja equivoca- mente imputado o crime de apropriação indébita do pensamento alheio. Há um motivo adicional para tal procedimento: não sendo esta, como já se afir mou, uma obra técnica, resultaria tediosa sua leitura com a intercalação de citações bibliográficas. Assim, me limitarei a mencionar no texto a autoria de conceitos de obrigatória referência por sua srcinalidade ou relevância. Mas afinal — estarão a me indagar, a esta altura, os leitores — qual o propósito desta obra se tudo indica não ser ela senão um confessado plágio de idéias alheias? Pois eu lhes diria,então, que o autor não está acome tido da tanta humildade ou falsa modéstia que não possa reconhecer a si mesmo (já que outros talvez não o venham a fazer!) o mérito de haver enrique cido tais idéias com o aporte das suas e, sobretudo, do que apreendeu, mais do que nos livros ou convivência com colegas, nas suas vivências com adoles centes destas e de outras plagas, seus respectivos ambientes sócio-familiares e o contexto cultural deste átimo da história universal em que nos tocou a todos viver. 8 / Linz Carks Osorio E sem mais explicações ou justificativas, que, quando demasiadas, se tornam enfadonhas, deixo-os entregues agora à avaliação pessoal dos objetivos deste livro. Dá-los-ei por alcançados se puderem concluir, com algum proveito e prazer, sua leitura. Adolescente Hoje / 9 O que é a adolescência, afinal? 2 A adolescência é uma etapa evolutiva peculiar ao ser humano. Nela culmina todo o processo maturativo biopsicossocial do indivíduo. Por isto, não podemos compreender a adolescência estudando separadamente os aspec tos biológicos, psicológicos, sociais ouculturais. Eles são indissociáveis e é justamente o conjunto de suas características que confere unidade ao fenômeno da adolescência. Até há algum tempo atrás, a adolescência era considerada meramente uma etapa de transição entre a infância e a idade adulta. Sua caracterização era feita a partir dos comemorativos biológicos que marcavam esse momento evolutivo do ser humano. O adolescente, se do sexo masculino, era descrito como um indivíduo desengonçado, que estava mudando de voz e deixando entrever o buço em meio a uma constelação de espinhas; se do sexo feminino, uma criatura igualmente desproporcionada, o torso arqueado para esconder o desabrochar dos seios e as faces ruborizadas ao menor galanteio, como ordenava o pudor e a boa moral caseira. A puberdade ou adolescência era, pois, assinalada por modificações físi cas, especialmente os denominados caracteres sexuais secundários (surgimento dos pêlos. mudança de voz,crescimento das glândulas mamárias, etc...) e, quando muito, pela menção a certas incômodas “mudanças de temperamento”. Nas últimas décadas, contudo, a adolescência vem sendo considerada o momento crucial do desenvolvimento do indivíduo, aquele que marca não só a aquisição da imagem corporal definitiva como também a estruturação final da personalidade.E uma idade não só com características biológicas próprias, mas com uma psicologia e até mesmo uma sociologia peculiar. Não é sem razão que se afirma que todas as grandes mudanças culturais da história da humanidade ocorrem no limiar entre a adolescência e a idade adulta! O adolescente não pode ser estudado apenas sob a ótica de suas modifi cações corporais, pois se é verdade que nelas se radicam as angústias básicas da puberdade, não é menos certo, contudo, que sem o adequado entendimento da “crise de valores” por que passa o jovem jamais lograremos compreender o real significado da transformação da “criança” em “adulto”. PUBERDADE E ADOLESCÊNCIA Embora alguns considerem a PUBERDADE (do lat. pubertate — sinal depêlos, barba, penugem) como uma primeira fase ou momento da ADOLES CENCIA (do lat. adolescere- crescer), a tendência universal é reservar o termo PUBERDADE para as modificações biológicas dessa faixa etária e ADOLESCENCIA para as transformações psicossociais que as acompanham. Como dissemos anteriormente, o fenômeno da PUBERDADE-ADOLES CENCIA não pode ser estudado dissociadamente e apenas fazemos menção aqui à distinção dos termos com fins de maior clareza expositiva. A PUBERDADE, como a própria etimologia do termo sugere, inicia-se com o crescimentodos pêlos, particularmente em certas regiões do corpo, tais como as axilas e região pubiana, tanto nos meninos como nas meninas, como resultado da ação hormonal que desencadeia o processo puberal; estas e outras modificações corporais que então ocorrem dão-se principalmente a partir do desenvolvimento das gônadas, ou seja, dos testículos nos meninos e dos ovários nas meninas. E esse amadurecimento das células germinativas masculinas e femininas que possibilita o surgimento de dois eventos que corro boram ao advento da PUBERDADE: a menarca ou primeira menstruação, na menina, e a primeira ejaculação ou emissão de esperma no menimo, indícios exteriores da capacitação biológica para as funções de procriação. Isto dar-se-ia por volta dos 12 aos 15 anos, em termos médios. Nem sempre o início da ADOLESCENCIA coincide com o da PUBER DADE; tanto pode precedê-la como sucedê-la. E se o advento da PUBER DADE tem a assinalá-lo evidências físicas bem definidas, o mesmo não ocorre com a ADOLESCENCIA. O fenômeno da PUBERDADE é universal e seu início cronológico, em condições de normalidade física, coincide em todos os povos e latitudes (com raríssimas exceções, como o caso dos pigmeus. púberes já por volta dos oito anos de idade, mas cuja expectativa de vida também é menor do que no restante da espécie humana). A ADOLESCENCIA. por seu turno. embora um fenômeno igualmente universal, tem características bastante pecu liares conforme o ambiente sócio-cultural do indivíduo. Portanto, determinar seu início é tarefa singularmente complexa e que não pode apoiar-se apenas em certa constância doselementos psicológicos, todos eles, contudo. apon 10 / Luiz carlos Osono Adolescente Hoje / 11 tando na direção de um objetivo axial, que é o estabelecimento da identidade pessoal, tema do qual nos ocuparemos mais adiante. Já não se aceita atualmente o vezo simplista de tomar o despertar da sexualidade como identificatório do desabrochar da ADOLESCENCIA, uma vez que FREUD demonstrou que a sexualidade não surge ex-abrupto nesse momento da vida; nem, tampouco, se poderia adotar a indevida generalização que atribui ao surgimento do interesse pelo sexo oposto o elemento nuclear do processo adolescente. Como já foi acentuado, a ADOLESCENCIA é um complexo psicossocial, assentado em uma base biológica, cuja caracterização pode ser sumariada nos seguintes itens, que serão objeto de estudo mais detalhado posteriormente: 1) redefinição da imagem corporal, consubstanciada na perda do corpo infantil e da conseqüente aquisição do corpo adulto (em particular, dos carac teres sexuais secundários); 2) culminação do processo de separação/individuação e substituição do vínculo de dependência simbiótica com os pais da infância por relações objetais de autonomia plena; 3) elaboração de lutos referentes à perda da condição infantil; 4) estabelecimento de uma escala de valores ou código de ética próprio; 5) busca de pautas de identificação no grupo de iguais; 6) estabelecimento de um padrão de luta/fuga no relacionamento com a geração precedente; 7) aceitação tácita dos ritos de iniciação como condição de ingresso ao status adulto; 8) assunção de funções ou papéis sexuais auto-outorgados, ou seja, con soante inclinações pessoais independentemente das expectativas familiares e eventualmente (homossexuais) até mesmo das imposições biológicas do gênero a que pertence. Quanto ao término da PUBERDADE e da ADOLESCENCIA, podería mos dizer o seguinte:A PUBERDADE estaria concluída, e com ela o crescimento físico e o amadurecimento gonodal (que permite a plena execução das funções repro dutivas), em torno dos 18 anos, coincidindo com a soldadura das cartilagens de conjugação das epífises dos ossos longos, o que determina o fim do cresci mento esquelético. O término da ADOLESCENCIA, a exemplo de seu início, é bem mais difícil de determinar e novamente obedece a uma série de fatores de natureza sócio-cultural. Tentando discriminar quais os elementos mais universais na atualidade que nos possibilitariam assinalar o término da ADOLESCENCIA, relacionamos o preenchimento das seguintes condições: 1) Estabelecimento de uma identidade sexual e possibilidade de estabe lecer relações afetivas estáveis. 2) Capacidade de assumir compromissos profissionais e manter-se (“inde pendência econômica”). 3) Aquisição de um sistema de valores pessoais (“moral própria”). 4) Relação de reciprocidade com a geração precedente (sobretudo com os pais). Em termos etários, isto ocorreria por volta dos 25 anos na classe média brasileira, com variações para mais ou para menos consoante as condições sócio-econômicas da família de srcem do adolescente. ADOLESCÊNCIA HOJE Por que a adolescência passou a ocupar, em nossos dias, o centro do interesse especulativo e das preocupações dos profissionais da área das ciências humanas? O interesse universal pelo estudo da adolescência atualmente advém de duas circunstâncias principais: 1 - A explosão demográfica de pós-guerra, que trouxe como imediata conseqüência o significativo crescimento percentual da população jovem mun dial. Basta que se lembre que nos últimos 25 anos a população do Brasil duplicou para que se perceba quão significativo é o contingente de jovens em nosso país. Estima-se que hoje cerca de 1/4 da população brasileira é constituída de adolescentes. 2 - A ampliação da faixa etária com as características da adolescência. Assim, se antes a adolescência era tida meramente como aquela etapa de transição entre a infância e a idade adulta que coincidia com os limites bioló gicos da puberdade, atualmente a adolescência é definida por elementos que, embora balisados pelas características psicológicas do momento evolutivo em questão, são marcadamente influenciados pelas contingências sócio-culturais circunstantes. Assim, o estudo da adolescência hoje extrapola o interesse cognitivo sobre uma etapa evolutiva do ser humano para, através dele, procurar entender todo um processo de aquisições e motivações da sociedade em que vivemos. 12 / Luiz Carlos Osor:o Adolescente Hoje / 13 A crise adolescente e a questão da identidade No capítulo anterior procuramos conceituar operativamente a ADOLES CENCIA e justificar o interesse contemporâneo por seu estudo. Vamos agora seguir um pouco adiante na elucidação de alguns mecanismos psicossociais que identificam o perfil básico de umadolescente. Antes, contudo, assim como fizemos com a expressão ADOLESCENCIA, é preciso delinearmos melhor o significado dos termos a que nos referiremos a seguir, CRISE E IDENTIDADE, ambos contendo certo caráter ambíguo, contraditório ou polêmico, gerando por vezes sentidosequívocos. A expressão CRISE (do gr. krisis - ato ou faculdade de distinguir, escolher, decidir e/ou resolver), como lembra ERIKSON, já não padece em nossos dias do significado de catástrofe iminente que em certo momento pareceu constituir um obstáculo à compreensão do termo. Atualmente aceita-se que a CRISE designa um ponto conjuntural necessário ao desenvolvimento, tanto dos indivíduos como de suas instituições. As crises ensejam o acúmulo de experiência e uma melhor definição de objetivos. A adolescência é uma crise vital como o são tantas outras ao longo da evolução do indivíduo (o desmame, o início da socialização ao término da primeira infância, oclimatério, etc..). Para melhor definir o sentido não patológico do termo, ERIKSON chamou a adolescência de crise normativa, isto é, momento evolutivo assinalado por um processo normativo, de organi zação ou estruturação do indivíduo. E por IDENTIDADE, o que entendemos? IDENTIDADE é, resumidamente, a consciência que o indivíduo tem de si mesmo como um “ser no mundo”. Esclarecendo melhor, a identidade é o conhecimento por parte de cada indivíduo da condição de ser uma unidade pessoal ou entidade separada e distinta dos outros, permitindo-lhe reconhecer-se o mesmo a cada instante de sua evolução ontológica e correspondendo, no plano social, à resultante de todas as identificações prévias feitas até o momento considerado. O conceito operativo de identidade está formulado a partir das noções dos vínculos de integração espacial, temporal e social do sentimento de identidade, introdu zidos na literatura por GRINBERG. O vínculo de integração espacial está relacionado com a imagem corporal, ou seja, a representação que o indivíduo tem de seu próprio corpo com características que o tornam único. O vínculo de integração temporal corresponderia à capacidade do indiví duo de recordar-se no passado e imaginar-se no futuro, ou seja, é a base do “sentimento da mesmidade”, que é a capacidade de seguir sentindo-se o mesmo ao longo da vida, apesar do influxo das mudanças que ocorram interna ou externamente. O vínculo da integração social diz respeito às inter-relações pessoais inicial- mente com as figuras parentais e posteriormente com todas as figuras de relevância afetiva para o indivíduo no decurso de sua existência.Poderíamos ainda acrescentar que o sentimento de identidade é função de um equilíbrio dinâmico entre os três vértices do triângulo abaixo: O que eu penso que sou O que eu penso que os outros pensam que sou Do ponto de vista psicológico considera-se que a tarefa básica da adoles cência é a aquisição desse sentimento de identidade pessoal. Por isso, diz-se que a crise evolutiva do processo adolescente é sobretudo uma crise de iden tidade. O ADOLESCENTE E SEU CORPO: A IDENTIDADE SEXUAL Pari passu com as modificações biológicas que caracterizam o processo puberal, o adolescente experimenta toda uma série de eventos psicológicos que culminam naquilo que denominamos a aquisição de sua identidade sexual, ou seja, das características mentais do sexo que lhe corresponde e que nem sempre é aquele ao qual pertence (homossexuais). 3 O que os outros pensam que sou 14 / Luiz C rios Osorio Adolescente [ / 15 A sexualidade é, sobretudo, um elemento estruturador da identidade do adolescente. E essa função estruturante é, em grande parte, realizada através da representação mental que o adolescente tem de seu corpo, ou sej a, através de sua imagem corporal. A imagem corporal é uma representação condensada das experiências passadas e presentes, reais ou fantasiadas, do corpo do indivíduo. Ela involucra aspectos conscientes e inconscientes. A estrutura da imagem corporal é determinada por: a) percepção subjetiva da aparência e habilidade à função; b) fatores psicológicos internalizados; c) fatores sociológicos (a imagem corporal é também função dos papéis que ao corpo são atribuídos pela cultura prevalente num momento dado). A medida que o corpo vai se transformando e adquirindo os contornos definitivos do adulto, o adolescente vai gradualmente plasmando a imagem corporal definitiva de seu sexo. Como na sua mente há uma espécie de “protó tipo idealizado” dessa imagem corporal (formado a partir dos valores estéticos com respeito a forma humana que lhe são transmitidos), via de regra ocorre um conflito entre a imagem “fantasiada” desse modelo idealizado e a imagem “real” do seu corpo em transformação. Essa é a raiz das ansiedades do adoles cente com respeito a seus atributos físicos e a desejada capacidade de atrair o sexo oposto, isto é, a vertente somática de seus conflitos na esfera sexual. E reconhecida a insatisfação dos adolescentes com sua aparência física. A percepção das constantes mudanças ocorridas no corpo é a responsável pela freqüência com que ocorrem os sentimentos de estranheza do próprio “self”na adolescência. As ansiedades peculiares à adolescência têm seu fulcro na preocupação do púbere com seudesenvolvimento físico, especialmente no que diz respeito aos caracteres sexuais secundários. E comum encontrarmos distorções da ima gem corporal expressas em idéias sobre o tamanho do pênis ou das mamas. As vestes, concebidas como extensões ou prolongamentos do próprio corpo, adquirem então uma importância toda peculiar. “Já que não posso alterar meu corpo, com o qual estou descontente, modifico minhas roupa”, diz um adolescente.Para melhor entender-se as vicissitudes da aquisição do sentimento de identidade durante a adolescência vamos nos valer aqui de um marco referen cial teórico, que se apóia na idéia da universalidade da srcem simbiótica da condição humana e na concepção de um processo de separação/indivi dualização que começa logo após o nascimento e se estende por todo o desen volvimento ulterior do indivíduo. O processo puberal, deflagrado pelas transformações biológicas que mar cam a passagem da infância para a idade adulta, caracterizar-se-ia, no plano psicológico, por uma reedição da diferenciação “eu - não eu” que identifica os primórdios da individuação ao longo da primeira infância. MAI-ILER postula a existência de um estado indeferenciado inicial a partir do qual o indivíduo terá que, gradativa e inexoravelmente, ir se diferen ciando para adquirir sua identidade pessoal. A separação consistiria na saída da criança da fusão simbiótica com amãe e a individuação, desenvolvimento que a complementa, nas aquisições das características pessoais que configuram a identidade do indivíduo. Assim como o processo de discriminação “eu - não eu” não se faz ex-a brupto e segue o princípio epigenético das aquisições graduais e sucessivas sem que a rapidez do desenvolvimento possa alterar essa sucessão, tal diferen ciação nunca se completa inteiramente e certo grau de simbiotização se mantém indefinidamente. Durante o processo puberal, no entanto, acionado pela dife renciação somática que então ocorre, há uma retomada do processo discrimi natório eu - não eu. Em razão das ansiedades mobilizadas pela ameaça da perda do vínculo simbiótico residual da infância, o adolescente tenta restaurar a situação srcinal com a adesão a substitutos aleatórios dos primitivos objetos parentais. Isto explicaria, por exemplo, as identificações maciças dos jovens com seus ídolos, o caráter possessivo de suas relações de amizade ou ainda a supervalorização doobjeto amado quando se apaixonam. Nos estados de enamoramento, peculiares à adolescência, com exagerada idealização do objeto amado, haveria não somente um investimento libidinal maciço no objeto tomado como ideal amoroso mas, sobretudo, um desejo de recuperar um estado de “fusão com o outro” frente à ameaça de separação e perda “definitiva” do vínculo simbiótico inicial, ameaça essa acarretada pela intensificação dos mecanismos de diferenciação que então ocorrem. Em contraposição a essa tendência simbiotizante ou de manutenção do estada srcinal de fusão ou indiferenciação com a matriz familiar, háum impulso à diferenciação e individuação gradativas, visando à aquisição e ao estabelecimento da identidade pessoal. Como expressão desse impulso à dife renciação, temos todo espectro comportamental adolescente inserido no con texto do que se convencionou denominar “conflito de gerações”. Como pelas identificações prévias é justamente com os pais que a mente juvenil está mais “fundida”, torna-se imperioso acentuar o confronto de idéias a nível familiar para que se facilite o processo discriminatório sem o qual a identidade permanece num estado caótico ou indiferenciado. Ao se contrapor freqüentemente aos desejos e expectativas de seus pais, o adolescente nem sempre estará, como se poderia supor a uma observação mais superficial, expressando uma diferença de opiniões calcada no repúdio ao sistema de valores parentais e muito menosassinalando uma quebra no processo identificatório com seus genitores; está, muitas vezes, procurando através do mecanismo de oposição definir-se e a seus objetivos. Por um raciocínio análogo, entender-se-iam os episódios de agressividade impulsiva dos adolescentes. Assim como o amor idealizado dos jovens identi fica o desejo de fundir-se novamente com o objetivo srcinal materno e está a serviço do vínculo simbiótico, os acessos de fúria ou a propensão a divergir podem facilitar o processo de dessimbiotização. Se o amor une e funde, a contenda separa e discrimina. E como o indivíduo define-se primordialmente pelo que não é, ao buscar no controvérsia o que no outro se lhe opõe o adolescente vai desta forma rastreando o reconhecimento de seu próprio eu. As vivências de despersonalização, outro fenômeno comum na adoles cência, seriam uma das manifestações clínicas mais vívidas dessa luta entre os impulsos antagônicos de separação e fusão, onde, por momentos fugazes (adolescentes normais) ou duradouros (adolescentes com distúrbios mentais), a busca do sentimento de identidade pessoal vê-se ameaçada pela persistência ou retorno à condição simbiótica srcinal. A adição a drogas, freqüentemente encontrável entre adolescentes, seria a expressão oral dessa mesma tentativa de manter ou recuperar o vínculo simbiótico perdido. O próprio hábito de mentir, tão comum entre adolescentes, seria, uma decorrência dessa necessidade de diferenciar-se que tem o adoles cente. Mentindo, e acreditando em suas mentiras, o adolescente cria a “sua” verdade — faz da substância da ilusão o alicerce de “sua” realidade para contrapô-la à dos adultos. No processo puberal, que assinala um segundo momento evolutivo de separação/individuação, predominam as angústias do tipo confusional geradas pelo conflito entre a busca de identidade e a persistência dos vínculos simbió ticos remanescentes. Por outro lado, os sentimentos de confusão quanto à identidade sexual e as correspondentes fantasias ou temores homossexuais tão comuns entre os adolescentes, especialmente do sexo masculino, evidenciariam a luta travada durante o processo puberal entre o impulso à diferenciação sexual e a tendência oposta de conservar a indiferenciação anterior com vistas a assegurar a manu tenção do par simbiótico srcinal, onde quem se ama é a projeção de si próprio, conforme o modelo narcísico descrito por FREUD. A gíria como expressão da crise de identidade adolescente Quando um adolescente diz “não adianta conversar com os velhos porque eles não me entendem” está expressando algo mais do que uma diferença de opinião entre eles e os pais. Há implícito aí todo um processo de defasagem lingüística e semântica entre as gerações eque acompanha a quebra do processo comunicante entre elas. A adolescência se caracteriza basicamente por uma série complementar de perdas e aquisições: perda da hissexualidade infantil e a correspondente aquisição da sexualidade adulta, perda do pressuposto de dependência infantil e aquisição da autonomia adulta e também perda da comunicação ou linguagem infantil para adquirir uma comunicação ou linguagem adulta. KNOBEL diz, muito acertadamente, que “não se pode dizer simples mente que o adolescente busca ter uma identidade. Ele já tem uma, a identi dade adolescente, que é justamente a que lhe permite seguir o curso de seu desenvolvimento”. Na mesma linha de raciocínio poderíamos dizer que o adolescente não está só abandonando o modo de comunicação infantil por uma forma adulta de expressão, mas tem uma identidade lingüística e semântica peculiar à sua condição de adolescente. E a gíria é a representação verbal da identidade adolescente, com todo o polimorfismo e transitoriedade tão característicos do próprio processo puberal. A gíria é uma “perversão” da linguagem. Usamos o termo “perversão” deliberadamente para aludir analogicamente ao que se passa no desenvol vimento sexual infantil. A disposição perversa polimorfa define a sexualidade infantil assim como a gíria o faz com alinguagem adolescente. No adulto normal o emprego de expressões de gíria é circunstancial e quando sistemático corresponde a um desvio do comportamento lingüístico do indivíduo. Abs traindo a influência dos fatores sócio-culturais, poderíamos dizer que o uso de termos de gíria pelo adulto corresponde a substitutos parciais e aleatórios de uma comunicação verbal plena e satisfatória. No adolescente, contudo, é uma forma de expressão peculiar à sua identidade lingüística. Assim como o adolescente, na ansiosa busca de sua identidade emergente, estabelece, por vezes, pseudo-identificações, as quais incorpora parcialmente ou abandona posteriormente, da mesma forma ele adquire modismos lingüís ticos que lhe servem transitória e precariamente para veicular idéias e senti mentos que de outra forma não encontrariam expressão verbalizada. A gíria é também um subproduto da cultura adolescente. Ainda quando a consideramosuma forma de expressão verbal peculiar ao marginal ou delin qüente adulto, seu significado psicodinâmico é o mesmo, ou seja, traduz a luta pela preservação de uma identidade grupal na qual se funde e busca sustentação a frágil identidade individual de seus membros. A gíria constitui a expressão verbal do processo de diferenciação do adolescente, de seu afã de reconhecer-se e a seu grupo de iguais como porta dores de uma identidade própria e distinta da identidade dos pais e do mundo adulto em geral. Nessa procura de uma identidade lingüística o adolescente faz um verda deiro processo de “adicção” às novas palavras ou expressões que surgem. Experimenta novos vocábulos como experimenta novas drogas. Por outro lado, o sentido ambíguo com que nascem muitas dessas expressões identificam o próprio caráter ambivalente das relações objetais do adolescente. Um termo hoje empregado com um significado encomioso, amanhã o é pejorativamente e vice-versa. A gíria adolescente adquire em caráter hermético e imcompreensível para os adultos na medida em que está a serviço das defesas contra as tentativas desses de violentar a “torre de marfim” habitada pelos pensamentos e ernoçoes dos adolescentes. E como se quisessem criar um microcosmos linguístico to 1 1 Luiz C Osoria Ádole5cente Ho;e / 19 O Caráter Universal da Crise de Identidade Adolescente mando como modelo os símbolos verbais propostos pela linguagem dos adultos, manipulando-os, no entanto, dentro de um novo esquema semântico. As progressões e regressões do processo puberal estão representados no léxico adolescente. Assim, ao lado do forte contingente de vocábulos que denunciam os remanescentes orais, anais ou fálicos do linguajar infantil, encontramos nas possibilidades expressivas de certos neologismos e figuras de linguagem empregados pelos adolescentes todo o potencial criativo identifi cável com a sexualidade adulta. A observação clínica do fenômeno da gíria e sua significação psicopa tológica entre os adolescentes nos permite constatar que o índice de saturação de termos de gíria na linguagem dos adolescentes conserva certa relação com o grau de predisposiçãoa “atuar” os conflitos em lugar de expressá-los verbal mente. A gíria seria, por assim dizer, amodalidade verbal da tendência dos adolescentes a evidenciar seus conflitos através de perturbações na conduta. Como contrapartida, encontramos uma diminuição do emprego de termos de gíria em adolescentes na medida em que conseguem verbalizar seus conflitos e conscientizar o conteúdo de suas fantasias. Para finalizar diríamos, como os teóricos da comunicação, que as gírias também “metacomunicam”: a mensagem que transcende seu sentido pura mente lingüístico reside juntamente no seu significado como expressão verbal da crise de identidade adolescente. O “Grupo de Iguais” como Continente da Crise de Identidade Adolescente “L’Adolescent se rend différent de ladulte mais ii n’est point ‘srcinal parmi ses pareils qui lui ressemhlent comme des frères”(BELA GRUNBERGER) O “grupo de iguais” é a caixa de ressonância ou continente para as ansiedades existenciais do adolescente. Na medida em que, pela necessidade de cristalizar suas identidades adultas e afirmar-se como indivíduos autônomos, deixam de utilizar os pais ou sub-rogados desses (tais como os professores e adultos em geral)) como modelos de identificação, têm os adolescentes necessidade de buscar novas pautas identificatórias no seu grupo de iguais, cujos líderes tomam provisoriamente o lugar das imagos parentais idealizadas. Isto explicaria a natural e espontânea tendência à formação de grupos entre adolescentes, pois nos grupos surge um clima propício ao intercâmbio e con fronto de experiências que permite a seus componentes uma melhor identifi cação dos limites entre o eu e o outro, através da compreensão das motivações conscientes e inconscientes dos diferentes modos de sentir, pensar e agir, favorecendo a resolução da crise de identidade, fulcro da problemática adoles cente. A adolescência — entendendo-se aqui o termo, conforme sugerimos, como o conjunto de transformações psicológicas que acompanham o fenômeno biológico da puberdade — é a resultante de um paralelogramo de forças, onde os fatores intrapsíquicos e sócio-culturais constituem os vetores que o compõem. Todas as considerações feitas até agora seriam parciais e aleatórias se não tomássemos emconsideração as distintas realidades existenciais dos jovens de diferentes latitudes e culturas. Quando estamos falando de adolescentes, na verdade apenas estamos considerando os jovens cuja preocupação com a sobrevivência imediata é secundária. Quem sabe incorrendo em certo exagero poder-se-ia dizer que a adolescência é um privilégio das classes mais abastadas. Esse período de moratória ou preparação para a idade adulta é um “luxo” não permitido àqueles que estão empenhados na encarniçada luta por sua subsistência. Estes apenas experimentam a puberdade, enquanto inevitável processo de transfor mações corporais, mas não se lhes concede a oportunidade de vivenciar o processo de elaboração das perdas infantis e assimilação das aquisições adultas que caracterizam a adolescência do ponto de vista psicológico. Para tanto, é preciso dispor de um espaço-tempo a que não têm acesso os que estão confinados pela geografia da fome e da miséria. Portanto, quando nos referimos à crise de identidade do adolescente contemporâneo estamos na verdade considerando os processos de transfor mação psicológica que experimentam aqueles jovens que pertencem aos extra tos sócio-econômicos mais diferenciados, que têm o que comer, o que vestir e podem, então, usufruir as demais prerrogativas da condição humana quando satisfeitas suas necessidades mais elementares. Discute-se se o processo adolescente é universal, isto é, se ocorre em suas linhas gerais em todo e qualquer adolescente, independente da matriz sócio-cultural à que pertence. Eu diria que sim, que é universal, desde que se considere a ressalva apresentada no parágrafo anterior. Mesmo em condi ções de vida extremamente adversas, desde que assegurada a satisfação das necessidades básicas de alimentação e agasalho, podemos encontrar a seqüên cia dos eventos psicodinãmicos que configuram o processo adolescente e a crise de identidade que o caracteriza. Uma confirmação desta assertiva pode mos ter analisando, por exemplo, o diário de ANNE FRANK, um dos mais ilustrativos registros de que se temnotícia de um processo adolescente, viven ciado em toda a sua plenitude. mesmo sob a vigéncia de condições de vida tão anômalas quanto o foram o confinamento num refúgio para escapar à sanha anti-sionista dos nazistas na ocupada Holanda dos anos 41-44. Num diário escrito dos 13 aos 15 anos e que viria a se constituir numa pequena obra-prima, ANNE FRANK, uma adolescente judia cuja fortaleza moral sob uma manto de aparente fragilidade é a própria imagem de sua 2(1 / Luiz ( ()50r10 AdoIesct.’nti Ho; / 21 gente, nos descreve o desenvolvimento de seu processo puberal. No seu relato espontâneo sob a forma de confidências a Kitty, amiga imaginária que perso nifica seu alter ego no sempiterno colóquio do mundo interno adolescente, revela-se todo o espectro vivencial deuma adolescente de sua como de todas as épocas e circunstâncias; a análise de seu diário íntimo comprova-nos que, mesmo sob condições de vida tão adversas como as vigentes no “anexo secreto” onde ela, sua família e alguns amigos refugiaram-se dos nazistas durante aqueles dois anos, a ocorrência e seqüência evolutiva dos eventos psicodinâ micos que configuram o processo puberal não se alteram. Ali, na evocação continuada de suas fantasias e nos meandros de seu cotidiano existencial, encontramos toda a gama de situações que caracterizam a vigência da crise adolescente: do recrudescimento do conflito edipiano à cristalização da identi dade puberal através da redefinição da imagem corporal, da elaboração dos lutos pela perda da condição infantil à dissolução do vínculo simbiótico com a família, do estabelecimento de um padrão de luta/fuga com a geração anterior ao surgimento de uma escala de valores próprios, enfim, todos os elementos que identificam a “mutação” adolescente. Um estudo pormenorizado do pro cesso puberal, conforme ANNE FRANK o vivenciou e descreveu com rara autenticidade em seu diário, é desde logo tarefa que vai além dos objetivos e limites deste livro. Não obstante, cremos que a transcrição de alguns trechos do referido diário darão melhor testemunho de muitas das afirmações feitas ao longo deste estudo do que qualquer digressão teórica que pudéssemos agora fazer à guisa de concluí-lo. O desabrochar da puberdade, a descoberta dos mistérios biológicos que a natureza ocultou no escrínio de seu corpo, o modo como vivencia e aceita a emergência de sua ainda difusa e perturbadora sexualidade feminina, assim são descritos por ANNE: “Penso que é tão maravilhoso o que me acontece — não só o que aparece em meu corpo, mas o que se realiza por dentro... Cada vez que tenho menstruação — e isto só aconteceu três vezes! — sinto que apesar de toda a dor, desconforto e sujeira, possuo um segredo delicado e é por isso que, embora de certo modo não passe de uma maçada, eu anseio pelo tempo em que sentirei dentro de mim aquele segredo... Depois que vim para cá, logo ao fazer 14 anos comecei a pensar em mim, mais cedo que a maioria das meninas, e a perceber que era uma “pessoa”. As vezes deitada na cama de noite, tenho um desejo terrível de apalpar meus seios e escutar as batidas calmas e rítmicas de ri Vi no espelho o meu rosto; está bem diferente. Meus olhos es e profundos, minhas faces estão rosadas e — coisa que há sema não acontece — minha boca está mais macia... Sinto dentro de mim a prima vera,sinto a primavera que desperta em todo o meu corpo e na minha alma... Estou tão confusa, não sei o que fazer, só sei que sinto em mim um querer! As oscilações do sentimento de identidade que caracterizam o processo puberal e que se polarizam na dicotomia criança-adulto, trazendo muitas vezes ao adolescente a sensaçãode ser duas (Ou mais) pessoas distintas, reve lam-se nos seguintes fragmentos de seu diário: “Um dia Anne é tão ajuizada que consentem que tudo saiba; e no dia seguinte ouço que Anne é uma cabrita estouvada que não sabe nada e imagina que apreendeu maravilhas nos livros... As vezes tenho um jeito esquisito: consigo ver a mim mesma como se fosse pelos olhos de outra pessoa. Então, observo os negócios de uma certa “Anne” e percorro as páginas de sua vida como se fosse uma estranha... de súbito foi-se embora a Anne de costume e uma segunda Anne tomou seu lugar, uma segunda Anne que nada tem de estouvada e brincalhona e só deseja ser muito meiga e amar... Já lhe disse antes que possuo, por assim dizer, personalidade dupla. Em metade encarna-se minha alegria exuberante que faz graça de tudo, meu entusiasmo e sobretudo o modo por que levo tudo com pouco caso. Aqui inclui-se o caso de não me ofender um “flirt”, um beijo, um abraço, uma pilhéria suja. Este lado, quase sempre, está à espreita e empurra o outro que é muito melhor, mais profundo e mais puro. Você precisa compreender que ninguém conhece o melhor lado de Anne e por isso a maior parte das pessoas me acha insuportável”. A ciclotimia e a labilidade emocional que caracterizam os estados afetivos típicos da adolescência aparecem assim retratados:As vezes os nervos me dominam; aos domingos, especialmente, sinto-me deprimida... vagueio de um quarto para outro, escada acima, escada abaixo, sentindo-me como pássaro cantor a quem arrancaram as asas e que se atira, em escuridão completa, contra as grades da gaiola. ‘Vai lá para fora, dá risada, respira ar fresco’, grita dentro de mim uma voz; eu, porém, não sinto a vibração responsiva e vou dormir, deitada no divã, para que o tempo, a quietude e o medo terrível passem mais depres sa, uma vez que não há maneira de os matar... Brilha o sol, o céu está profundamente azul, a brisa é deliciosa e eu tenho vontade, tanta, tanta vontade — de tudo. De falar, de liberdade, de amizade, de estar só. E tanto queria.., chorar! Parece que rebento e sinto que isto havia de melhorar com o choro; mas não posso, estou inquieta, vou de um quarto para outro, respiro pela fresta de uma janela fechada, sinto bater meu coração como se dissesse: ‘não poderá você satisfazer meus anseios algum dia’.” Nos trechos seguintes encontraremos delineado o recrudescimento do conflito edipiano na adolescente Anne: “... eu adoro Papai. É meu ideal. Não amo ninguém no mundo, só a ele... Quero de papai algo que ele não pode me dar. Não tenho nem 22 / Luiz Carlos Osorio Adolescente Hoje / 23 nunca tive ciúmes de Margot Não invejo a boniteza, a beleza dela. E que eu só preciso muito do verdadeiro amor de Papai: não só como filha dele, mas como eu mesma — eu, Anne,” “... Mummy é que às vezes me trata como se eu fôsse nenê — coisa que eu não suporto... somos polos opostos em tudo, portanto é natural que entremos em choque... existe dentroda minha cabeça uma imagem — a imagem do que deveria ser a perfeita mãe e esposa; ora, na que preciso chamar de mãe não vejo sombra daquela imagem.” “... as tentativas da sra. Van Daan para flertar com Papai são fonte de contínua irritação para mim. Alisa o rosto e o cabelo dele, puxa a saia para cima, diz umas frases com intenção de fazer espírito para atrair a atenção de Pim Pim, graças a Deus, não vê nela graça nem atrativo algum, por isso não corresponde”. Através da evolução de seu relacionamento com Peter e das modificações na imagem que dele faz, podemos acompanhar o gradativo interesse heteros sexual de Anne e como encaminha a resolução de sua fixação edipiana no pai pela troca de objeto amoroso, que prenuncia o advento da sexualidade adulta. Vejamos como Anne nos descreve inicialmente Peter: “Peter não tem ainda dezesseis anos; é um rapaz molenga, acanhado e sem jeito. Não se pode esperar grande coisa como companhia”. Dias após: “Não consigo mesmo gostar de Peter; é um rapaz muito aborrecido. Atira-se na cama, cheio de preguiça, trabalha um momento na carpintaria e logo volta a cochilar mais um pouco. E um tolo! “Ano e meio depois: “Meu desejo de falar com alguém tão intenso se tornou que, não sei como, deu-me na cabeça de escolher o Peter”. Semanas se passam e: “Vinha-me uma impressão esquisita cada vez que contemplava seus profundos olhos azuis... Eu lia seus pensamentos inter nos... Via em seu rosto um traço de virilidade; reparando em seus modos retraídos, senti-me muito meiga... Oh! pudesse eu aninhar a cabeça no ombro dele — não me sentir mais tão desesperadamente só e abandonada!... Creio estar bem perto de me apaixonar por ele”. Mais algumas semanas e chega ao clímax de seu enamoramento por Peter: “Estou a transbordar de Peter e não faço senão olhar para ele... Ele veio para junto de mim, atirei-lhe os braços à volta do pescoço, beijei-lhe a face direita e ia beijar-lhe a outra face quando meus lábios encontraram os dele e nós os apertamos. Num rede moinho, estávamos presos nos braços um do outro, outra vez e outra ainda. não podíamos largar” 1 irmã de Anne, 2 forma com que habitualmente chama a mãe. 3 a sra. Van Daan. seu marido e filho constituem a outra família com quem os Frankdividem o esconderijo secreto. 4 maneira carinhosa com que se refere ao pai. 5 o filho dos \‘an Daan No entanto, com rara lucidez dá-se conta logo que não ama Peter, que foram as circunstâncias especiais de sua convivência, o desabrochar de sua sexualidade e a imperiosa necessidade de buscar companhia entre os de sua idade que a levaram àquele envolvimento: “Precisava de um ser vivo a quem abrir o coração... ao conseguir que ele se tornasse amigo, automaticamente desenvolveu-se uma intimidade que, pensando bem, não creio que devesse ter permitido... Nossos encon tros o satisfazem ao passo que em mim apenas produzem o efeito de me despertar vontade de tentar mais uma vez... Penso às vezes queexagerei o desejo desesperado que por ele sentia... Peter é bom, é um encanto, mas não posso negar que muita coisa nele me decepciona”. Paralelamente vai se distanciando do pai e o desidealizando: “por que será que Pim me aborrece?... tanto eu quero ser deixada em paz e prefiria mesmo que ele me esquecesse um pouco, até que me sentisse mais segura de minha atitude para com ele. Enquanto isto deprime-se ao constatar quão infundado era seu relaciona mento hostil com a mãe e procura reconciliar-se com a “mãe interna”, sem deixar, contudo, que sentimentos de culpa doentios comprometam seu pro cesso de separação da mãe e a paralela individuação: “Revendo meu diário dei com páginas que trataram do assunto ‘Mummy’ de maneira tão exaltada que me escandalizei, perguntando a mim mesma: Oh, Anne, foi realmente você mesma quem mencionou tanto ódio? Como é que você pode?... E verdade que ela não me entende, mas também eu não a entendo... Já passou o período em que fazia Mummy verter lágrimas; tornei-me mais ajuizada e os nervos de Mummy também não andam à flor da pele... mas não posso sentir por Mummy aquele amor dependente, de criança — é sentimento que não está em mim”. A disposição com que se lança à luta pela individualidade, mas sempre respeitando a dos outros e zelando para que nessa refrega não se danifiquem os laços que a prendem a seu universo familiar, talvez seja o traço mais marcante da invulgar figura humana de AnneFrank. Vejamos, para finalizar, alguns momentos dessa sua busca de afirmação pessoal: tenho que servir da mãe para mim mesma... eu mesma tomarei o leme de minha vida e mais tarde procurarei onde aportar... Apesar de ter só 14 anos sei bem o que quero tenho idéias minhas, princípios meus, opiniões minhas e, mesmo que vindo de uma adolescente, isso pareça loucura, sinto-me mais como pessoa do que como criança e bastante independente de quem quer que seja... Cheguei ao ponto em que posso viver por mim mesma, sem o apoio de Mummy e. para falar a verdade. sem o apoio de quem quer queseja. Mas isso não sucedeu da noite para o dia; foi amarga, foi dura a minha luta e muita lágrima chorei até que me tornasse independente como agora sou... Sei que sou indivi 24 / Luiz Carlos Osorio Adolescente Hoje / 25 dualidade a parte e não me sinto responsabilidade alguma de nenhum de vocês.., sou independente de espírito e corpo. Não preciso mais da mãe, pois todo esse conflito me tornou forte”. E como corolário de um processo puberal que levou a bom termo o objetivo da aquisição do sentimento de identidade, uma última “pérola” do pensamento de Anne Frank, onde se revela sua notável fortaleza egóica a serviço do “instinto de vida”, mesmo quando o mundo a sua volta convulsio nava-se em estertores de ódio e morte: “Tenho em meu caráter um traço predominante que deve saltar aos olhos de quem me haja conhecido durante algum tempo, que é o conheci mento que tenho de mim mesma. Posso estar face a face com a Anne de todos os dias, sem preconceito algum e sem fazer concessões, obser vando o que nela há de bom e mau. Essa consciência de mim mesma acompanha-me sempre... Os pais só podem dar conselhos e indicar os caminhos certos, mas a formação final do caráter de uma pessoa está em suas próprias mãos. Possuo coragem grande, sinto-me sempre forte, como se suportasse muita coisa; sinto-me tão livre e jovem!... E continuo a tentar encontrar a maneira de ser como desejo ser...” 26 / Luiz Car!o O5ono O adolescente, a família e a sociedade 4 Através dos tempos, a família, pela função socializadora que lhe é ineren te, pressupôs um papel de intermediação entre os jovens e a sociedade. No entanto, entre as grandes mutações do processo civilizatório em nossa época está a alteração desse papel mediador, segundo se verá mais adiante e conforme tenta ilustrar o esquema gráfico abaixo: AdoIe Ho / 27 Antes de referenciarmos os elementos acima com os elementos que lhe dão sustentação, vamos considerar algumas questões concernentes à noção de família e seu perfil na contemporaneidade. Preliminarmente, a que família estamos aqui nos referindo? Família não é um conceito unívoco. Como afirmava ESCARDO, “a palavra família não designa uma instituição padrão, fixa e invariável. Através dos tempos a família adotou formas e mecanismos sumamente diversos e na atualidade coexistem no gênero humano tipos de família constituídos sobre princípios morais e psicológicos diferentes e ainda contraditórios e inconciliáveis”. Partindo de vertentes antropológicas contemporâneas, podemos definir família como sendo uma unidade grupal onde se desenvolvem três tipos de relações pessoais: aliança (casal), filiação (pais/filhos) e consangüinidade (ir mãos), e que, a partir dos objetivos genéricos de preservar a espécie, nutrir e proteger a descendência e fornecer-lhe condições para a aquisição de suas identidades pessoais, desenvolveu ao longo do périplo evolutivo do ser humano funções diversificadas de transmissão de valores éticos, estéticos, religiosos e culturais. No entanto, o proteimorfismo da família, conforme a consideramos em suas distintas vertentes histórico-culturais, nos obriga a limitar a universalidade do conceito para tornar viável a abordagem que aqui nos propomos. Portanto, vamos circunscrever as relações do adolescente com seu meio sócio-familiar no contexto da denominada família nuclear burguesa, herdeira da revolução industrial que sinalizou a modernidade. Esta é a família como a conhemos nos agrupamentos urbanos do mundo ocidental de nossos dias, onde mesmo os estratos proletários a tem como modelo de referência no rastro de suas aspirações de ascensão sócio-econômica. Esta é, sem dúvida, a família na configuração que melhor nos é conhecida, pois a maioria de nós, estudiosos da adolescência, dela provém. Esta é, enfim, a família da qual se diz que está hoje “em crise”, face à emergência da nova onda civilizatória deflagrada pelos avanços tecnológicos contemporâneos. Quando me refiro à crise da família no mundo atual o faço obviamente levando em conta as observações feitas anteriormente sobre o significado hodierno da expressão crise, ou seja, considerando-a um ponto crucial mas indispensável para o desenvolvimento das instituições humanas. Logo, quando estamos nos referindo à crise da família não estamos certamente aludindo a uma eventual ameaça de desintegração ou extinção dessa mônada de nossa estrutura social, que é e continuará sendo a unidade básica da interação humana e que persistirá através dos tempos como o fez até hoje, apesar das cassandras que recentementetêm anunciado sua morte. A permanência da instituição familiar ao longo de toda a história do Homem e o pluralismo de sua configuração estrutural e funcional a legitimam como a unidade primor dial da organização social. Ela não desaparecerá enquanto a espécie humana não se extinguir, mas estará, como esteve até então, em lenta, por vezes imperceptível, mas constante renovação. Parodiando LAVOISIER diria que “na família nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”. E que transformações seriam essas a balizar a configuração da família contemporânea em sua espiral evolutiva? Se a família é o ponto de tangência ou intersecção entre a natureza e a cultura, como o querem os antropólogos, não podemos deixar de conside rá-la, para entendê-la, à luz dos modelos culturais vigentes. A utilização de um esquema referencial inspirado em idéias de MARGA RET MEAD, conhecida antropóloga e estudiosa da adolescência em culturas primitivas, nos introduzirá à abordagem desta questão. M. MEAD considera três tipos ou modelos culturais segundo os quais o homem relaciona- se com seus antepassados ou descendentes. O primeiro deles corresponde às denominadas culturas pós-figurativas, que extraem sua autoridade do passado, baseando-a num consenso acrítico e na lealdade inequívoca de cada geração à que a precedeu. Nessas culturas as crianças e os jovens aprendem primordialmente dos adultos e o futuro é visualizado como um prolongamento do passado, ou seja, o passado dos adultos é o futuro de cada geração. Há nessas culturas uma falta de “consciência de mudança” e o mito prevalente é o do ancião como fonte do saber e dos valores a serem preservados e transmitidos às gerações futuras. Este é o modelo cultural vigente até o advento da era contemporânea e ainda hoje encontrável em agrupamentos humanos primitivos ou isolados e, portan to, à margem da onda civilizatória desencadeada pela revolução industrial. O segundo desses modelos é chamado pela autora citada de culturas co-figurativas, onde há uma reciprocidade de influências entre jovens e adultos. Pelo surgimento de novas formas de tecnologia para as quais os mais idosos carecem de informação, as camadas mais jovens da população passam a deter uma significativa parcela do poder de influência proporcionado pelo conheci mento. Nessas culturas o presente é o que conta e o mito nelas prevalente é o do adulto produtivo. Esse é o modelo predominante no mundo atual, e que partindo do ocidente tende a globalizar-se na medida em que as civiliza ções orientais são por ele co-optadas. Finalmente temos o modelo das culturas pré-figurativas, onde o futuro não é mais um simples prolongamento do passado, mas tem sua própria (e desconhecida) identidade, prevalecendo as expectativas futuras sobre as realizações passadas. Nessas culturas há uma exacerbação dos conteúdos revo lucionários e das tendências iconoclastas e podemos encontrá-las não apenas em nações que estão sofrendo mudanças radicais em sua estrutura sócio-po lítica, mas também sob forma de “bolsões” culturais em países quer do Oci dente como do Oriente. Nessas culturas o mito dominante é o do poder jovem. E no contexto das culturas pré-figurativas que apontam para a civilização do terceiro milênio que a família do futuro se insere e adquire seus contornos: uma família onde os adolescentes chamam a si o papel de mediadores entre 28 1 CarlosOsorio Adolescente Ho / 29 seus membros mais idosos e a sociedade em processo de transmutação tecnoló gica, conforme tentamos reproduzir no esquema gráfico da página inicial. O eixo em torno ao qual gravitam as transformações por que passa a família contemporânea em consonância com o processo evolutivo da sociedade humana tem como fonte motriz as relações de poder entre seus componentes. A conquista e manutenção de “estados de poder” é inerente à condição humana e matiza todas as suas manifestações. A família monogâmica preva lente no mundo ocidental deve suas srcens à afirmação do poder masculino para assegurar filhos de paternidade inconteste, garantindo, assim, a continui dade hereditária da propriedade privada e dos bens materiais em geral. Mas a alienação feminina sob o jugo patriarca! também se alinha nesse tabuleiro onde se desenrolam os jogos do poder: a esposa abdica do prazer pela posse do campanheiro, enquanto a concubina exerce seus direitos sobre a província hedonista da qual se tornou arrendatária. E fala-se agora numa filiocracia, ou tirania dos filhos, como reação à patercracia de direito e à matercracia de fato da família convencional. Como, pois, discutir a instituição familiar sem considerá-la uma instância promotora dos desígnios do Poder? Parece-me indiscutível que o sentimento de posse envenena as relações humanas. E o sentimento de posse radica-se nos núcleos narcísicos, arcaicos, da condição humana. Em cada nova relação afetiva somos levados a reeditar o vínculo possessivo srcinal com a matriz que nos gerou. Não obstante, tenho uma visão otimista dos destinos da família na socie dade contemporânea. E justamente a tenho por vê-la espelhada na realidade fática da evolução ontogenética, onde a maturidade emocional é alcançada pelo gradativo abandono das fantasias onipotentes. Se pudéssemos traduzir em equações simbólicas a evolução da criança desde o estado de indiferenciação e fusão com a mãe até a aquisição de sua identidade adulta, assim poderíamos esquematizá-la: O Universo sou Eu - criança no útero da mãe O Universo existe em função de mim - criança nos primórdios da vida extra-uterina O Universo é meu - criança ao completar o 1 ano de vida O Universo existe independente de mim e eu sou parte dele — criança durante o processo de aprendizagem escolar. O Universo é algo que compartilho com outros seres vivos — indivíduo no limiar da condição adulta (adolescente) Como podemos constatar, a trajetória em direção à identidade adulta pressupõe a paulatinaaceitação das limitações humanas e a renúncia às fanta sias regressivas de posse ou fusão com o que está além dos limites do Eu. Penso que a maturidade da família alicerça-se em iguais postulados, ou seja, a instituição familiar tende a evoluir para níveis mais satisfatórios de interação entre seus membros e uma maior aproximação a sua distinção histó rica na medida em que gradativamente possamos abrir mão do primado da posse e domínio de uns sobre os outros no contexto familiar, ou seja, na medida em que aceitarmos que o universofamiliar é uma realidade vivencial compartilhada por todos em relações de reciprocidade e mutualidade. Para usufruí-lo em toda a sua plenitude é preciso renunciar à fantasia de que ele, o universo familiar, nos pertence ou só existe para atender nossas necessi dades e desejos. Por outro lado, assim como o bem-estar psicossocial do indivíduo está intrinsecamente vinculado à aceitação de sua finitude, o bem-estar familiar é indissociável da aceitação de que a família é um grupo fadado a dissolver-se tão logo cumpra suas funções de ensejar a constituição de novas famílias, estabelecendo um continuum de unidades sociais que permitam a perpetuação da sociedade através de suas células-mater. A família que aceita sua finitude permite, ipso facto, o crescimento individual, a autonomia e a diferenciação de seus membros e torna-se mais apta a desenvolver-se satisfatoriamente dentro dos limites previsíveis de sua ação e existência, ao passo que a família que nega sua transitoriedade e mantém seus membros aglutinados numa perene disposição à possessividade uns dos outros deixa de funcionar como um conti nente adequado para a definição e manutenção das diferenças humanas e com isso estiola seu papel cultural e adoece como organismo social. A aceitação por parte dos pais de que não são donos do destino dos filhos e que é inevitável sua perda pelo crescimento e disposição a formar novos e distintos núcleos familiares e a correspondente aceitação por parte dos filhos de que não podem deter o envelhecimento dos pais nem assegurar sua onipresença protetora são condições básicas para balizar a maturidade de um grupo familiar. Na obtenção dessas condições reside não só o maior desafio à família contemporânea como também a promessa de sua maior conquista em seu périplo evolutivo através dos tempos. A família, como a percebo no limiar desse novo giro em sua espiral evolutiva, será, quiçá, num tempo não muito remoto, o locus apropriado às mais legítimas manifestações doinstinto gregário do homem; onde a afinida de, e não apenas laços de afiliação ou consagüinidade, presidirá a relação entre seus membros; onde o sentimento de posse cederá gradativamente seu lugar ao anseio de doação; onde o contrato cível ou religioso entre os casais não prevalecerá sobre o livre e espontâneo vínculo amoroso; onde o direito sobre os filhos não terá primazia em relação ao direito dos filhos; onde, enfim, todas essas transformações assinalarão o advento da maioridade social da Família, de sorte que o sombrio retrato dela traçado por Capistrano de Abreu — família como um grupo formado por pais soturnos, mães submetidas e filhos aterrorizados — permaneça apenas como a fugidia lembrança de um arquétipo definitivamente ultrapassado. A mutação cultural que caracteriza a contemporaneidade transcende, como vimos, a questão da identidade do adolescente de nossos dias, para 30 / Luiz CanoN Osonio Adolescente Hoje / 31 se inserir no contexto da redefinição dos valores das relações humanas hodier nas no seio da famflia e da sociedade. Há na raiz de todo esse processo de mutação sócio-cultural um elemento que consideramos chave para seu entendimento. Trata-se da concepção do “tempo histórico” como fator determinante dos modos de organizar-se da sociedade humana ao longo de sua evolução. FLUSSER, filósofo e teórico da comunicação, numa arguta postulação sobre o modo de encarar o fluxo do tempo, nos abre novos vértices para a compreensão desta questão. Vamos, numa livre tradução de suas idéias, relacioná-las com os modelos culturais de M. MEAD que serviram de paradig mas para a elaboração deste capítulo. A sociedade, inicialmente organizada sob um modelo “mftico-ma’gico”, onde o tempo é presente e o mundo é vivenciado como uma cena dentro da qual o tempo circula, há ceca de 3.000 anos atrás evoluiu para um modelo organizado a partir da consciência histórica, onde há um tempo linear que corre do passado para o futuro, passando por um ponto imaginário chamado presente. A consciência histórica nos remete ao passado em busca das srcens de nosso comportamento presente e nele alicerça os fundamentos da existência social. Seria o equivalente ao que M. MEAD chamava de “sociedades pós-figu rativas”, onde o modelo vivencial é fornecido pela geração precedente. Há cerca de 150 anos atrás, segundoFLUSSER, começou a emergir um novo modelo que se fundamentaria no que, à falta de outra denominação mais adequada, ele batizou de consciência cibernética. O fluxo do tempo passa a ser exatamente oposto ao tempo histórico, pois segundo essa nova concepção o tempo não pode fluir do passado rumo ao futuro, já que é o amanhã que vem e não o ontem. O passado passa, então, a ser uma dimensão incorpo rada ao presente, uma espécie de memória que sustenta o presente, mas não mais nele residem as pautas relacionais condutoras da evolução social. Issocorresponde, na expressão de M. MEAD, às “sociedades pré-figurativas”, onde o modelo vivencial é fornecido pela geração futura; daí sua afirmação de que os adultos de hoje são como imigrantes no tempo, assim como seus antepassados o foram no espaço, ou seja, nós estamos num processo de mu dança para um “novo mundo” que não se localiza noutra latitude e sim noutra concepção temporal (as utopias doravante seriam, portanto, ucro nias...). Tanto FLUSSER como M. MEAD admitem, no entanto, que todas essas formas ou estágios de organização sócio-cultural coexistem na atualidade: assim como certos agrupamentos primitivos (os pigmeus, por exemplo) vivem ainda um modelo mítico-mágico e a maior parte dos seres humanos estão imersos no resgate de sua consciência histórica, há um contingente cada vez maior de indivíduos que “empurrados” pelos avanços tecnológicos mergulham nessa civilização prospectiva. A consciência cibernética, que vem substituir a histórica, é assinalada, segundo FLUSSER, na ciência pelo abandono do pensamento causal, na arte pela renúncia ao conceito de obra e na política 32 / Luiz Carlos Osorio pela separação das categorias ideológicas e a substituição do pensamento histórico pelo pensamento programático. Ora, o que tudo isto tem a ver com nosso adolescente contemporâneo em crise deidentidade? Esta reviravolta na concepção do tempo, não mais vivenciado como um fluxo unívoco do passado rumo ao futuro, mas como uma seqüência de elemen tos de “vir-a-ser” capturados pelo fugidio registro do agora, sem dúvida causa um abalo sísmico no vínculo de integração temporal do sentimento de identi dade, cujas conseqüências são imprevisíveis mas plenamente detectáveis na confusão vigente entre os adolescentes de hoje quanto à sua identidade sexual e profissional. Como esperar que um adolescente faça sua opção profissional a partir das que lhe são oferecidas pelo sistema e valores da geração precedente quando esta nem sequer cogitava da multiplicidade de ocupações nascentes com a revolução tecnológica moderna? Como exigir que um adolescente cinja seu comportamento sexual/afetivo aos padrões da tradicional famflia burguesa quando hoje experimenta modalidades relacionais nunca entrevistas por seus antepassados e o futuro da ciência lhe acena com a possibilidade de desvincular sua função reprodutiva do intercurso sexual com um(a) compa nheiro(a)? Como vemos, os parâmetros que balizaram as gerações passadas na busca de suas identidades pessoais e grupais estão sob o influxo de um processo mutativo, que enseja o surgimento de novos valores humanos, cimentados não mais nas experiências passadas mas nas expectativas futuras. Finalizando, ao propor e aceitar como inevitáveis as contradições do momento sócio- cultural que vivemos e que amplificam as contradições do momento psicossocial que atravessam os adolescentes em sua trajetória exis tencial, nos colocamos em condições de assimilar nossas próprias dúvidas e perplexidades ao nos defrontarmos com a tarefa de tentar explicar o signifi cado transcendente da crise de identidade do adolescente contemporâneo. Adolescente Hoje / 33 Os grandes dilemas do adolescente 5 1 - O DILEMA EXISTENCIAL Ao querermos situar o adolescente em sua contemporaneidade, vem-nos à mente com insistência uma imagem analógica: o mundo de nossos dias, em muitos sentidos, dá-nos a impressão de estar atravessando uma crise de identidade em tudo e por tudo similar à da adolescência. A concepção universalista contida na idéia de que hoje somos os habi tantes de uma “aldeias global” põe em xeque as identidades nacionais, sócio- políticas, religiosas e culturais vigentes até agora. A necessidade de integrar-se a humanidade num único e gigantesco corpo-mente planetário, onde co-parti cipem e convivam todas as contradições de seus elementos constituintes, asse melha-se à situação do adolescente premido pela exigência de cristalizar numa identidade adulta todas as identificações e vivências prévias prenhes de signifi cados contraditórios e conflitantes. A angústia confusional que a humanidade experimenta, pelo questionamento de seus valores tradicionais, e a imperiosa necessidade de reformulá-los face às exigências do atual momento do processo civilizatório, tem características similares à que apresenta o adolescente quando vê confrontadas as expectativas conservadoras de seu meio familiar com as demandas da sociedade competitiva e em mutação cultural onde irá viver sua condição de adulto. Se focalizarmos a evolução política através dos tempos sob a ótica das transformações do Poder, poderemos genericamente concluir que a época em que vivemos assinala a sofrida transição de formas autocráticas de governo oriundas do passado para modalidades de autogestão democrática que vislum bramos no futuro, com todos os movimentos de avanços e recuos que caracte rizam igualmente o processo de substituição da dependência infantil pela autonomia adulta durante a crise adolescente. Não seria difícil comprovar que o mundo de hoje está atravessando uma crise de identidade em tudo e por tudo similar à que caracteriza a adolescência. Para objetivar esta afirmação, tracemos um paralelo entre os eventos da crise adolescente e a crise sócio-política do mundo atual: contemporâneo CRISE ADOLESCENTE 1. Redefinição da imagem corporal consubstanciada na perda do corpo infantil e aquisiçãodo corpo adul to. 2. Culminação do processo de sepa ração/individuação e substituição do vínculo de dependência simbió tica com os pais da infância por relações objetais de autonomia plena. 3. Elaboração do luto referente à per da da condição infantil. 4. Estabelecimento de uma escala de valores ou código de ética próprio. 5. Busca de pautas de identificação no grupo de iguais. CRISE DO MUNDO CONTEMPORÂNEO Redefinição das configurações urba nas, em função do declínio das pólis primitivas (arquetípolis-cidades que se formaram a partir de um fator geo gráfico, tais como proximidade de um curso d’água, cume de uma elevacão, etc..) e do advento das conurbações urbanas (megalópolis-cidades que coalescem em função de fatores sócio- econômicos). Culminação do processo de descolo nização e substituição dos vínculos de dependência simbiótica com a metró pole por relações estatais de autono mia plena (política e econômica). Elaboração do luto referente à perda da condição colonial. Estabelecimento dos objetivos ideo lógicos nacionais com o conseqüente código político que o viabiliza. Busca de pautas de comportamento na comunidade internacional a partir das identidades regionais (Cf., p. ex., a aliança dos países devedores da América Latina). 34 / Luiz ( O AdoIe Hoje / 35 6. Estabelecimento de um padrão de luta/fuga com a geração preceden te. E é nesse contexto que se insere a adolescência contemporânea, com todas as suas dúvidas e perpiexidades existenciais, suas angústias frente à necessidade de propor-se um projeto de vida em meio à escalada suicida dos arsenais nucleares, sua desesperança frente à impossibilidade de reassegu ramento através do mito do futuro predizível, fantasia prospectiva que susten tava e norteava as gerações de adolescentes de épocas pregressas. Esta é, portanto, uma época em que, como em nenhuma outra até então, a sociedade funciona como uma caixa de ressonância para a crise de identidade adolescente, amplificando seus elementos conflitivos e bloqueando os meca nismos elaborativos que permitem sua resolução. No vórtice dessa crise de identidade individual e coletiva geraram-se os movimentos transgressores da juventude contemporânea, batizada nos anos 50 de “juventude transviada”, com seus desdobramentos subjacentes: movi mento beatnik (corruptela do inglês beaten — batido, derrotado, e de um vocábulo eslavo que significa companheiro- viajante, como na composição da palavra “sputnik”), expressando o caráter pessimista, depressivo, de uma parcela jovem descrente dopassado e do futuro; movimento hippie, caracte rizado por um pacifismo radicado na negação maníaca da agressão e na aliena ção da realidade circunjacente; movimento punk, gerado no seio das camadas proletárias marginalizadas, de características destrutivas, politicamente aliena do, aglutinado sob o dístico “no future for me... no future for you”. Todos esses movimentos nascidos no seio das sociedades capitalistas do mundo oci dental e rapidamente “internacionalizados”; todos denunciando a desespe rança subjacente na sobrevivência e estabilidade dos valores transmitidos pelas 36 Ltiiz ( O gerações predecessoras; todos embebidos da dramática angústia confusional que comparece quando o sentimento de identidade fica à deriva; e todos eles, afinal, fazendo do consumo de drogas o signo ritualístico de suas cerimô nias de autodestruição. “Viva e usufrua o dia de hoje porque amanhã você poderá ser a derradeira vítima da violência urbana ou de uma hecatombe nuclear” — esta é uma mensagem subliminar que diuturnamente bombardeia a mente dos jovens de todo o mundo, perturbando-lhes a cristalização de seu sentimento de identi dade e gerando-lhes uma insegurança prospectiva sem precedentes. E a queda do mito do futuro previsível (que possibilitava às gerações passadas vislumbrar seu futuro espelhado no presente de seus genitores), trazendo em seu bojo o combustível para todas as explosões e movimentos transgressores da juven tude contemporânea das nações industrializadas.Como propor-se um projeto de vida em meio à escalada suicida dos arsenais nucleares ou da ameaça ecocida pela ação predatória do homem “civilizado”? O espectro do “dia seguinte” paira sobre toda uma geração de jovens, em qualquer parte do planeta. E o que dizer desse imenso contingente de jovens do Terceiro Mundo, para os quais o dia seguinte foi antecipado para hoje e onde o fantasma das conseqüências de uma hecatombe nuclear vem sendo materializado na realidade brutal da fome que lhes corrói as entranhas, da prostração física que lhes abate o ânimo e da desesperança de que a mera sobrevivência lhes seja assegurada? Temos, hoje, no Brasil aproximadamente 30 milhões de adolescentes, dos quais 2/3, ou seja, 20 milhões, vivem em condições subumanas, nas zonas rurais ou na periferia das grandes cidades, resumindo-se seu dilema existencial em sobreviver. Sobreviver não ao dia seguinte a uma hipotética hecatombe nuclear, mas ao dia de hoje onde a miséria não é umasuposição mas uma certeza e onde a violência e o crime aparecem como únicas alternativas para nivelar privilégios. Esta visão apocalíptica infelizmente não é simples figura de retórica, mas está impregnada de realidades tangíveis. Num país como o Brasil onde encontramos simultaneamente elementos civilizatórios das três “Ondas” descritas por A. TOFFLER, não podemos analisar a juventude atual sob uma ótica reducionista e simplificadora. Temos um imenso Brasil agrícola que apenas agora toma contato com o processo industrial que caracteriza a segunda Onda; a seu lado, um significativo contin gente urbano, controlado por uma elite empresarial com sólido respaldo políti co-militar, envolvido na manutenção dos mandamentos do processo industrial (estandardização, especialização, sincronização, concentração, maximização. centralização) e já contamos com um emergente núcleo da intelectualidade lançando sua cabeça-de-ponte no futuro, preconizando uma mentalidade eco lógica e criando tecnologia na área de comunicações. Este é o Brasil — talvez a nação do globo que mais contrastes apresente — e cuja adolescência por 7. Aceitação tácita dos ritos de inicia ção como condição de ingresso ao status adulto. 8. Assunção de funções ou papéis se xuais auto-outorgados, ou seja, consoante inclinações pessoais, in dependentemente das expectativas familiares e, eventualmente (ho mossexuais) até mesmo das impo sições biológicas do gênero a que pertence. Estabelecimento de um padrão de confronto/distanciamento dos países “subdesenvolvidos”com as nações “ricas” (vide pragmatismo econômi co). Aceitação tácita dos ritos de iniciação democrática como condição de ingres so ao status de nação adulta. Assunção de ideologias sócio-políti cas auto-outorgadas, ou seja, con soante inclinações nacionais indepen dentemente das expectativas dos po vos de srcem e, eventualmente, até mesmo das imposições do bloco geo político a que pertencem (vide situa ção de Cuba e Nicarágua na América Latina) Adolescente Hoje / 37 isso mesmo constitui-se num amálgama de todas as tendências encontradas nos jovens das mais diversas latitudes e culturas. Em síntese, o dilema existencial dos adolescentes contemporâneos, inde pendentemente da latitude em que se encontrem ou do sistema sócio-político em que vivam, é este: como fazer um projeto de vida num mundo parado xalmente comprometido com um projeto de morte, isto é, como desenvolver-se e arquitetar seu futuro numa sociedade autofágica, que se imola diuturnamente no altar dos deuses econômicos, configurando o absurdo holocausto da espécie que se aniquila a pretexto de assegurar sua própria sobrevivência. 2—O DILEMA VOCACIONAL “Não tem sentido haver vagas para todos nas faculdades; não há campo para tantos doutores” — Maria Elizabeth L. Marsiglia, 17 anos, estudante Rev. Veja, 20/02/1 980 Ao considerarmos o dilema vocacional dos adolescentes no Brasil, iremos, ab initio, nos defrontar com a defasagem entre as aspirações profissionais desses jovens e a realidade domercado de trabalho que lhes é oferecido. Suas expectativas inspiram-se em modelos alienígenas que estão longe de corresponder às possibilidades sócio-econômicas de nosso país, onde há uma enorme pressão social para que os jovens atinjam o estágio universitário, transformando o ingresso nos cursos de nível superior num gigantesco funil gerador de frustrações. Por outro lado, o acelerado processo de obsolescência técnica e decomposição econômica da universidade brasileira gera profissionais cada vez mais incompetentes e despreparados para ocupar espaços no já escasso mercado de trabalho existente para eles. E, “Iast but not Ieast”, o processo recessivo da economia do país faz com que muitos desses profis sionais de nível superior engrossem as fileiras dos desempregados (ou subem pregados) nos anos subseqüentes a seu egresso das universidades. E kafkiano falar-se de opções vocacionais num país como o Brasil onde as taxas de desemprego são assustadoras; isso sem se mencionar a elevada proporção de subempregos,entendendo-se por tal as atividades laborativas cuja remuneração não permitem condições mínimas de subsistência. Como dissemos anteriormente, a imensa maioria dos jovens brasileiros não têm direito a sua adolescência, considerando-se como tal o processo de gradativo amadurecimento psicológico e assunção de crescentes responsa bilidades sociais, pois antes mesmo da puberdade já estão engajados na luta pela sobrevivência, ajudando seus pais e irmãos maiores na árdua e nem sempre exeqüível tarefa de prover os meios para a subsistência do grupo familiar. Mesmo entre os adolescentes da elite sócio-econômica, que é capaz de alcançar e cursar uma universidade, a realidade não é mais alentadora: apenas cerca de 10% dos jovens egressos de nossos cursos universitários conse guem colocação no mercado de trabalho; os restantes 90%, quando não susten tados pela família, são obrigados a desistir de suas aspirações vocacionais e disputar com os não- graduados pelas universidades a escassa oferta de empre gos existente. E até entre os que, por seu talento e competência, optam pela atividade liberal sem vínculo empregatício, há um elevado índice de desistência após alguns anos de frustradas tentativas de afirmação profissional. Não é hoje incomum em nosso país encontrarmos jovens advogados como donos de bares e lancherias, médicos abandonando o estetoscópio e o bisturi para se dedicarem à produção ou comercialização
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