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Resumo de Fenomenologia

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Na daseinsanalyse de Medard Boss não se pode falar claramente de uma Psicopatologia, pois não há transtornos ‘mentais’, já que todos os modos de adoecer são existenciais.
Temos que nos contentar em remover do caminho, aqui e ali, uma pedrinha, um obstáculo, para que aquilo que já está aqui, e que sempre formou a essência do paciente, possa sair, por si, ao aberto, de sua reserva até agora mantida. Com isso, a meta mais alta da psicoterapia é sempre a abertura dos nossos pacientes para a capacidade de amar e confiar, a qual permite superar toda a opressão da angústia e da culpa (Boss, 1977a, p. 43)
Aquilo que é interpretado como sintoma pela psiquiatria seria assumido como modo de ser. Os ditos sintomas não são interpretados como meras consequências desprovidas de significados, mas como gestos significativos. Existir é realizar a todo o momento modos de ser no mundo com outros. Os fenômenos chamados de psicopatológicos também são modos de ser no mundo. Por isso, o psicoterapeuta precisa cuidar para não assumir como tarefa a eliminação dos sintomas, por mais que eles sejam o motivo da procura por psicoterapia. Não é esse o seu objetivo. O sentido da psicoterapia é relacionar-se à existência do outro.
Por exemplo, acompanhei como supervisor clínico a chegada de uma paciente com queixa de Transtorno de Ansiedade para psicoterapia com uma psicóloga-estagiária. Assim que a paciente contou à psicóloga sua psicopatologia, esta começou a investigar em que momentos acontece, procurou com ela situações e episódios desencadeantes, perguntou sobre sua história de vida, a fim de localizar o início das crises de ansiedade e incidentes biográficos causais. Após três sessões, não tinha mais perguntas a fazer, estava com o Transtorno de Ansiedade da paciente todo explicado e já tinha proposto jeitos de ela se tranquilizar em situações ansiogênicas. Mas, e aí? A paciente continuava restrita em seu cotidiano e, então, a psicoterapeuta sentia que não tinha mais o que fazer, pois a restrição da paciente era mais forte que suas intervenções. Nesta situação, a psicóloga estagiária passou ao largo do que é ser psicoterapeuta. Sua investigação foi diagnóstica e prescritiva, objetivando eliminar a ansiedade da paciente. Isso não é psicoterapia daseinsanalítica.
Numa leitura mais contemporânea, Figueiredo (1993) chama o psicólogo de “profissional do encontro”. O psicoterapeuta certamente o é, pois sua prática clínica é zelar pela possibilidade de encontro psicoterapeuta-paciente a fim de que uma relação humana na qual o paciente sinta confiança aconteça. O sentido da terapia é contribuir para a aproximação do paciente de seu existir por meio dessa relação confiável.
A regra de ouro da psicanálise – a livre associação – é o método psicoterapêutico. No contexto fenomenológico-existencial ‘livre associação’ significa que o psicoterapeuta não determina previamente quais são os assuntos a serem tratados na sessão e pede o que o paciente faça o mesmo.
Se o psicoterapeuta escolhe o que deve e o que não deve ser tratado em sessão está recorrendo a alguma norma prévia, o que equivale a dizer que está trazendo para a terapia os seus valores.
Em uma psicologia com base na filosofia do existir humano, o esforço do psicólogo implica uma tentativa de resgatar o sentido do existir, que se perdeu nos critérios da modernidade: superação, perfeição, exatidão, consumo, apropriação, valorização 00 ter: acumulação.
O ser no mundo pode ser desmembrado em três partes: o “ser”, o “mundo” e o
“em”. O mundo em que o ser é, o quem é no mundo, e o modo de ser-em-si-mesmo. A mundaneidade (materialidade) só se deixa caracterizar mediante a compreensão do ser para quem existe um mundo, o ser que é-no-mundo, por sua vez, só se revela a partir de sua “morada” (o mundo), e a relação de ser-em pressupõe a compreensão dos termos que se relacionam no modo do “em”. O homem não “é” primeiramente para depois criar relações com um mundo, ele é homem na exata medida de seu ser-em, isto é, na exata medida em que possui um mundo ou abre o sentido de um mundo.
Não há sentimento, comportamento ou qualquer outro modo de ser de uma pessoa que exista isoladamente como um fenômeno “em si”. Se olharmos de perto, veremos que a angustia de uma pessoa, que nos parece “vir de dentro”, está também “fora”, que em última instância não existe nem “dentro” e nem “fora” e que em seu ser, alguém só se angústia porque o mundo o arrasta em sua angústia, isso reflete uma inseparabilidade.
A perspectiva ontológica compreende um sintoma ou síndrome não como uma
coisa individual, mas como um estilo de ser no mundo, uma postura total, e que como tal pode ser encontrado em vários domínios da atividade humana.
O sintoma enquanto estilo de ser é um modo do ser-aí impregnado de uma determinada experiência. A abordagem existencial, portanto opera a partir da compreensão do mundo como o indivíduo se instalou na estrutura do ser no mundo. Um sintoma pode ser compreendido como um estilo de ser no mundo, no modo que ele se dá existencialmente. De acordo com Merleau-Ponty (1908-1961) o campo fenomenal da experiência vivida, da inserção no mundo, é aquele que dá sentido a existência de certos fatos objetivos isolados.
Somos irrepetíveis no decorrer de toda a história humana, mas nossa capacidade de auto avaliação é em grande parte resultado da relação familiar, se o amor dos pais era condicional, que só se manifestava quando atendíamos suas exigências e desaparecia quando não atendíamos o que queriam, seu amor estava condicionado a nosso desempenho, nosso valor então de alguma forma estaria fora de nós, em nosso interior não poderia surgir nenhum amor-próprio, auto-estima, auto-respeito. Desistimos muito cedo de ser nós mesmos para tentarmos ser outra pessoa.
Não há dúvida sobre a atitude que cada um de nós tem em relação a si mesmo, a mais importante de todas, ela estará sempre afetando nossas outras atitudes, influenciando nossa forma de ver e contatar a realidade, ex: se me vejo um fracassado, ajo como tal. Diante de qualquer relação nova é com mentalidade de fracassado que reajo. Nossas expectativas de fracasso dão luz a nossos fracassos.
Segundo Carl Rogers (1902-1987), na verdade todos podem ter os mesmos problemas, mas apresentam sintomas diferentes, o verdadeiro problema é não aceitar-se e respeitar-se. Se pudermos desenvolver uma aceitação plena do outro, cresceremos individualmente em auto-aceitação e autocompreensão. Quando nos conhecemos verdadeiramente aprimoramos nossa qualidade de vida. Os traços de maturidade podem ser reconhecidos pela capacidade de ir em direção aos outros, ter auto-suficiência razoável, exercer sua vontade, ter flexibilidade, estabilidade emocional e capacidade adaptativa.
De acordo com Perls temos cinco camadas até o crescimento psicológico.
As pessoas vivem papéis e tratam de ser aquilo que não são criando vícios e neste processo renunciam grande parte de si mesmo.
Cinco camadas até o crescimento psicológico.
1ª camada - Clichês - O jogo opressor / oprimido surge da tentativa de doutrinar o outro criando ameaças para que se comportem “bem”, os clichês incluem sinais de contato tais como: “bom dia”, “oi”, “o tempo está bom não é”?
2º camada - Fóbica – São papéis ou jogos do “como se” em que as pessoas fingem que são aquelas que gostariam de ser, o homem de negócios competente, a pessoa importante, etc. Na medida em que tomamos consciência das condutas e manipulações que nos foram impostas, surgem alguns temores com a finalidade de mantê-las, aparece o desejo de evitar condutas novas ou fantasias de eventuais consequências que poderão acarretar impedimento para que apareça o comportamento genuíno.
3º camada – Impasse - Camada da anti-existência ou do evitar fóbico. Aqui experimenta-se o vazio, o nada, é o ponto em que para evitarmos o nada interrompemos nossa camada de consciência e retrocedemos à camada dos papéis. Se conseguirmos manter a autoconsciência neste vazio, alcançaremos à quarta camada. O impasse nos perturba e ficamos sem sabero que fazer ou para onde devemos nos mover. Sentimos a perda do apoio ambiental, pois ainda não aprendemos a valorizar o que se ganha na confiança de nossos próprios recursos.
4º camada – O Implosivo - Morte ou camada implosiva – aparece como medo da
morte, pois consiste na paralisia de forças opostas, experimenta-se esta camada
contraindo-se ou implodindo-se, se pudermos ficar em contato com esta morte
alcançaremos a última camada, a explosiva. Ela ocorre através da aflição, do desespero ou da clareza do que fizemos conosco nos limitando, começamos a experimentar em meio do temor e das vacilações, condutas novas. As energias, antes inativas se liberam e criam um impacto onde surge o 5º comportamento.
5º camada – O Explosivo – A culpa ou o ressentimento que sente em relação aos seus progenitores por não terem sido o que imaginava que necessitava, culpando-os por seus problemas, ao invés de desenvolver seus próprios recursos de maneira autônoma. A tomada de consciência deste nível constitui a pessoa autêntica, o verdadeiro self, o self possível capaz de experenciar e expressar suas emoções. A estrutura de nossos papeis é coesiva e destina-se a absorver e controlar a energia destas explosões que podem ser como Perls denominava joia de viver (alegria de viver). Depois desta camada interpretamos a experiência do vazio como sendo um vazio fértil e não um vazio estéril.
Quatro são os mecanismos que impedem o crescimento:
Introjeção. Introjeção ou “engolir tudo” é o mecanismo pelo quais os indivíduos
incorporam padrões, atitudes e modos de agir e pensar que não são deles próprios e que não assimilam ou digerem o suficiente para torná-los seus. Um dos efeitos prejudiciais da introjeção é que os indivíduos introjetivos acham muito difícil distinguir entre o que realmente sentem e o que os outros querem que eles sintam – ou simplesmente o que os outros sentem. A introjeção também pode constituir uma força desintegradora da personalidade, uma vez que quando os conceitos e as atitudes engolidas são incompatíveis uns com os outros, os indivíduos introjetivos se tornam divididos.
Projeção. Outro mecanismo neurótico é a projeção; num certo sentido, é o oposto da introjeção. A projeção é a tendência de responsabilizar o outro pelo que se origina no self. Envolve um repudio de seus próprios impulsos, desejos e comportamentos,colocando fora o que pertence ao self.
Confluência. O terceiro mecanismo neurótico é a confluência (patológica) 4. Na
confluência, os indivíduos não experienciam nenhum limite entre eles mesmos e o meio ambiente. A confluência torna impossível um ritmo saudável de contato e de fuga, visto que tanto o primeiro quanto o segundo pressupõe um outro. Este mecanismo também impossibilita a tolerância das diferenças entre as pessoas, uma vez que os indivíduos que experienciam a confluência não podem aceitar um senso de limites e, portanto, a diferenciação entre si mesmo e as outras pessoas.
Retroflexão. O quarto mecanismo neurótico é a retroflexão. Retroflexão significa
literalmente “voltar-se de forma ríspida contra”, indivíduos retroflexores voltam-se contra si mesmos e, ao invés de dirigir suas energias para mudança e manipulação de seu meio ambiente, dirigem essas energias para si próprios. Dividem-se e tornam-se sujeito e objeto de todas suas ações; é o alvo de seu comportamento. Perls aponta que estes mecanismos raramente operam isolados uns dos outros, embora as pessoas equilibrem suas tendências neuróticas entre esses quatro mecanismos em variadas proporções. A função crucial que todos esses mecanismos preenchem gera Perls nota que a experiência da confluência não é sempre patológica; no entanto fala aqui da confluência neurótica. Confusão na discriminação de limites. Dada esta confusão de limites, o bem-estar, de um indivíduo – definido como a capacidade de ser auto-apoiado e auto-regulado – é seriamente limitado. Os dois são desequilíbrios do encontro consigo mesmo. Se observarmos as polaridades, impotência X onipotência, o equilíbrio está no meio que é a potência.
Não adianta ficar procurando a origem do sofrimento psíquico apenas no inconsciente como fazem as correntes que buscam sua origem no orgânico. Há outros fatores no mundo real, como viver numa cidade violenta ou o medo de perder o emprego, que podem, por exemplo, levar alguém à depressão.
Além das relações familiares, outras fontes são geradoras de sofrimento como a pressão no trabalho ou mesmo a exigência de se enquadrar num padrão de beleza. No lugar de classificar o paciente dentro de um quadro de doenças psíquicas, é preciso analisar as forças que estão atuando para produzir esse sofrimento.
Os sintomas podem ser considerados a forma física ou psíquica de expressão dos conflitos e tem a capacidade de mostrar as pessoas em que consistem seus problemas.
Tudo o que acontece no corpo de um ser vivo é a expressão do padrão correspondente de informação, ou seja, é a condensação da imagem correspondente. O sintoma exige nossa atenção, quer queiramos ou não. A interrupção das funções é sentida como se viesse de fora, como se fosse uma perturbação, na maioria das vezes, a intenção do sintoma é fazer desaparecer o elemento irritante, a perturbação. A medicina acadêmica equipara o sintoma à doença e está encantada com os sintomas, mas não parece querer compreender o ser humano por inteiro. A doença é um estado do ser humano, indicativo de que, a sua consciência não está mais em ordem, ou seja, sua consciência registrou que não há harmonia, essa perda de equilíbrio interior se manifesta no corpo ou na mente com um sintoma, sendo assim o sintoma é um sinal e um transmissor de informações, pois com seu aparecimento, ele interrompe o fluxo da nossa vida e nos obriga a prestar-lhe atenção. O sintoma nos informa que está faltando alguma coisa.
Assim, quando entendemos esta diferença, o sintoma passa a ser visto como um
companheiro capaz de descobrir o que lhe falta. Sintomas querem dizer coisas muito mais importantes que nossos semelhantes, pois são parceiros muito mais íntimos. Ouvir ou entender os sintomas não fará com que eles desapareçam. Na medida em que nos conscientizarmos o que de fato nos falta, do que ainda temos de integrar em nós mesmos, eles nos darão a oportunidade de transformar os sintomas em algo de que não necessitamos mais. Esta é a diferença entre lutar contra a doença e transmutá-la.
A cura pressupõe a compreensão de que o ser humano se tornou mais sadio, ou
seja, mais inteiro. A cura acontece através da incorporação daquilo que está faltando e, portanto ela não é possível sem uma expansão da consciencia. Entender o ser humano pressupõe estar aberto a fatos novos, mesmo que não se encaixem com os já catalogados, isto nos torna capazes de criar.
DEPRESSÃO
A depressão acontece quando as pessoas perdendo a confiança em si mesmo e na resolução de seus problemas menosprezam e ignoram suas vontades e necessidades. Os condicionamentos recebidos agem como se a criança interior não existisse e isso a leva a sentir depressão. Quando permanece numa relação que não quer, quando fica no casamento por causa dos filhos ou por dependência financeira, quando sente-se prisioneiro. Quando a pessoa não se escuta, pode até ter sucesso profissional, mas ao não acreditar em si e se abandonar, dispara-se uma reação química no seu corpo que pode levá-lo a uma grave crise de depressão. Quando se escuta interiormente assume responsabilidade de suas dificuldades, escuta os sinais interiores e a depressão
desaparece. Esta mudança, no entanto só acontece se você comprometer-se a praticar todos os dias. Você se apresentaria para um recital de piano sem ter praticado diariamente durante meses e atingido um ponto em que acreditasse estar apto a tocar? Mesmo na situação de depressão; é preciso obter alguma certeza de ser capaz de dar conta de uma situação crítica. Escutar-se verdadeiramente requer muita prática. O medo da rejeição de perder o controle, de ser dominado, de fracassar, de sentir dor, raiva, humilhação ou solidão, fazcom que se busque aprovação junto à fontes externas. Desconectado de si mesmo, ingressa-se uma dinâmica de negação e recusa-se a percepção interior consciente.
Vocabulário fenomenológico
Ontológico designa o pensar curioso, espantado, assustado sobre o fato de que eu existo e de que qualquer coisa exista (Safranski, Rüdger). Heidegger, um mestre da Alemanha entre o bem e o mal. São Paulo: Geração Editorial, 2000. p.190
 Entes - Palavra grega ou latina que hoje traduzimos por entes, não há tradução em português. As coisas que são agora. Os gregos usavam a palavra ou, assim como nós falamos objetos. Ente em grego foi o conceito geral para objeto. Precisamos de uma palavra para falar de todas as coisas. Ser é sempre o ser de um ente. Heidegger (1997)
 Ôntico - A expressão ôntico designa tudo que existe.
Pontos importantes do texto Fenomenologia 
Os dois nascimentos do homem
Se pensarmos pelo viés da etimologia, ou o estudo da origem das palavras, o termo “liberdade”, do grego, eleutheria, significava o poder, bem como a liberdade de movimento. Da mesma maneira, no latim, o termo libertas, simbolizava a independência. Por sua vez, no alemão, a palavra ‘liberdade’ (Freiheit), significa literalmente “pescoço livre” ao referir-se aos grilhões da escravidão.
Falamos muito de liberdade em nosso dia a dia, mas o que seria a verdadeira liberdade, generalizações estão em todos os cantos, mas definir o que a liberdade se torna uma verdadeira dificuldade para descreve –lá.
A liberdade de certa forma está intrinsecamente lançada a intencionalidade a um objeto, uma força inconsciente que move o homem em direção a algo, sua liberdade é mascarada...
Toda tomada de decisão está apoiada de alguma forma na razão do indivíduo, algo como uma condição determinada pela razão, visto como uma balança que sempre ira pesar para um lado, sempre ancorado nas experiências vividas pelo indivíduo ao longo de sua existência.
Trata-se de uma pergunta que, ao invés de levar a uma resposta específica, visa deslocar a perspectiva de compreensão do interrogado. O mestre bate palmas e pergunta ao discípulo: “Qual é o som que surge de apenas uma das mãos?” (Samten, 2001, p.41). Quando se bate a mão contra algo como uma mesa, um livro ou um copo de vidro, identificam-se diferentes sons que são atribuídos aos próprios objetos. Dizemos: este é o som da madeira, este do vidro, etc. Quando batemos uma mão espalmada contra outra, de qual das mãos seria o som, sendo ambas iguais? Percebe-se então que o som não é atributo de um objeto, surge da relação. Ampliando essa reflexão, pode-se ver que todas as atribuições de qualidades que fazemos às coisas, como se fossem características inerentes a uma substância, são frutos de uma simplificação ingênua. Antes de qualquer substância extensa ou psíquica, inferida como suporte de qualidades, há uma dinâmica de “originação interdependente” entre sujeito e objeto.
moral origina-se no latim morale-, relativo aos costumes (mores).
Ética vem do grego “ethos” que significa modo de ser; “conjunto de valores que orientam o comportamento do homem em relação aos outros homens na sociedade em que vive, garantindo, outrossim, o bem-estar social”, ou seja, Ética é a forma que o homem deve se comportar no seu meio social.
No primeiro nascimento, o homem habita a morada dos pais. No segundo, ele habita o ethos dos homens. E apenas curvar-se diante das leis que os homens inventam...??
Ethos é o conjunto de traços e modos de comportamento que conformam o caráter ou a identidade de uma coletividade. Em Sociologia, é uma espécie de síntese dos costumes de um povo.
 
 
. Na contra capa do livro há um trecho retirado do capítulo Ética e Moral onde se constrói uma explicação importante acerca do próprio título do livro. Os autores explicitam a compreensão de que se nasce homem, mas faz-se humano, portanto o cotidiano fazer-se humano é considerado um segundo nascimento do homem e é a ontologia que orienta as reflexões desse texto. O livro é dividido em nove capítulos assinados pelos dois autores e uma apresentação assinada pelo filósofo Marco Antonio Casanova. Na apresentação do livro, o filósofo começa por indicar um procedimento tradicional dentro do meio acadêmico em olhar tecnicamente os textos e seus autores. Justifica com Nietzche a importância de romper com tais limites para devolver ao pensamento sua vitalidade originária. Casanova, ainda, aponta que tal empreitada é fundamentada no rigor do pensamento de Martin Heidegger e que como Medard Boss, tenta transpor o pensamento filosófico para o âmbito do discurso sobre a onticidade. No caso de Pompéia e Sapienza (2011), essa transposição é voltada para as questões próprias da educação, liberdade, limite, ética e terapia. * Pompéia, J. A. e Sapienza, B. T. (2011). Os dois nascimentos do homem: escritos sobre terapia e educação na era da técnica. Rio de Janeiro: Editora Via Verita. Pompéia, J. A. e Sapienza, B. T. (2004). Na presença do Sentido: Uma aproximação fenomenológica a questões existenciais básicas. São Paulo: EDUC/Paulus. ** Professor do Departamento de Métodos e Técnicas da Psicologia, Curso de Psicologia da Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde, PUC-SP. E-mail: jperosa@pucsp.br. Psic. Rev. São Paulo, volume 22, n.1, 143-149, 2013 144 Resenha No primeiro capítulo, propriamente dito – Liberdade – vê-se uma retomada acerca do seu sentido mais próprio, seu significado atual, origens e etmologia. Neste trecho ainda retoma-se a compreensão que começa a se desenhar no século XIX com Hannah Arendt. Discute-se o que é liberdade, busca-se na onticidade histórica um primeiro contato seu significado. Os autores discriminam a liberdade em liberdade humana, dos eventos e dos deuses. Remontam o desenvolvimento da ciência determinista para questionar o caráter de realidade da liberdade. Ainda, nesse processo remissivo, trabalham o caráter opositivo da liberdade, ou seja, a liberdade de não realizar uma determinação. Há uma apresentação de diversos personagens que buscam essa liberdade como Adão e Eva, Edipo Rei e Prometeu Acorrentado, como forma de desenvolver o tema. A partir da compreensão de Hannah Arendt em Entre o Passado e o Futuro, discute-se a relação entre determinação causal e liberdade, suas relações como as fundadoras da ética e das ciências políticas. Os autores buscam se utilizar da escola de pensamento fenomenológica-existencial para discutir a liberdade em sua essência. Há outra dimensão dessa reflexão acerca da liberdade apresentada nesse texto. A liberdade como um fator ontológico, que a compreende como propriedade do ser-ai, isto é, constitutiva por ser temporal, por ser linguagem, por poder-ser, por ser referente ao propósito e portanto à possibilidade. Os autores passam a tratar a relação entre liberdade e escolha, a existência da liberdade na escolha é apresentada como diretamente ligada à liberdade pela renúncia. Por fim, o texto compreende a liberdade como ontológicamente compartilhada e tendo seu único limite no ser mortal. Liberdade é compreendida como condição de ser livre com os outros no tempo em direção à morte, sendo clareira para manifestação dos entes. O segundo capítulo do livro busca pelo originário da Ética e Moral. Estabelece uma compreensão correlata entre ética e habitat, e lhe confere o significado de intimidade. Nessa perspectiva retoma a origem significativa do termo, e sua etmologia em ethos. “O cidadão livre é o cidadão, cujo ethos é a pólis (...)” (POMPEIA e SAPIENZA, 2011 p.37). É assim que compreende a ética no título do livro, isto é, é na ética que se encontra o segundo nascimento do homem, quando ele se liberta de ser completamente determinado pela natureza. Assim, entende-se que as leis dos homens são restrições incutidas nas já existentes leis da natureza, mas que quase paradoxalmente explicitam sua liberdade. Nesse ponto há uma complementariedade ao primeiro capítulo, liberdade passa a poder ser compreendida junto à ética e a moral. Ética surge com o nascimento do homem livre. Os autoresenveredam demonstração que a moral só é possível ao ético, ou seja ao homem livre. Demonstram que a ética está necessariamente vinculada à questão do tornar-se humano, portanto é relativa ao cuidado originário e a temporalidade. Psic. Rev. São Paulo, volume 22, n.1, 143-149, 2013 Resenha 145 O terceiro texto que compõe esse livro realiza uma compreensão acerca da profissão do professor, para tanto busca o contexto desse fenômeno relacionando-o à atualidade e às novas realidade familiares. É interessante notar como a construção da linguagem do texto visa um leitor envolvido com a experiência na profissão, volta-se à esse profissional sem deixar de ser interessante à pais alunos estudiosos da área. Nesse sentido realiza uma reflexão acerca da história da profissão, indicando o quanto ela justificava uma certa autoridade, hoje perdida. Conclui que, atualmente, o professor passou a ser um servo que inicialmente precisa seduzir para poder ensinar. No título desse livro há a indicação de que os pensamentos contidos neles estão em referencia à Era da Técnica, e é nesse sentido que os autores discutem a escola enquanto empresa reverbera questões da sociedade para as quais o professor deve estar atento. Refletem acerca do modo como nossa sociedade está vivendo a era da eficiência, como maior produtividade no menor espaço de tempo, como o professor precisa entender essa relação de busca da educação pela ausência de sofrimento no processo, e as tentativas dos pais de se esquivarem da angústia pelos outorga da responsabilidade pela sua educação. Por fim, o texto busca compreender o contexto do ser professor em sua essência. Desenvolve seu pensamento a partir do mundo do professor embasado no texto Entre o Passado e o Futuro (Arendt, 1979). É um capítulo bastante interessante por permitir um aprofundamento a partir de uma amplidão significativa de noções que fornecem uma visão ampla o suficiente para compreensão da vivência relativa ao fenômeno e precisa o suficiente para se manter rigorosa nessa empreitada. O texto fornece uma aparente mudança de foco ao entrar no capítulo acerca da Corporeidade. Inicia esse capítulo tratando da tradição metafísica cartesiana que cria uma dicotomia no homem em res cogito e res extensa. Remonta a construção metafísica acerca do corpo e mente para apresentar a mudança paradigmática proposta por Heidegger em sua primeira obra Ser e Tempo de 1927, o filósofo propõe uma compreensão a partir do ser-no-mundo ou ser-aí, tendo como marca existencial primordial desse ser a abertura para o mundo, ek-sistencia, ser para fora e portanto impossível de ser divido em interno/externo, sujeito/objeto, psico/físico, mente/ corpo. Apresenta essa compreensão como forma de compreender a temporalidade e a espacialidade como fundamentos da existência mais originários, e o corpo como qualidade da existência, não uma posse, não um invólucro da alma ou psiquê. Os autores tratam a corporeidade como qualidade e não como substancialidade, qualidade da existência que permite a especificidade originária da urgência e da necessidade. Relaciona, desse modo, a indigência da corporeidade à temporalidade do Dasein. Nessa perspectiva, buscam compreender os exemplos da anorexia e da tortura. Assim corporeidade é compreendida como indigência tendo um caminho Psic. Rev. São Paulo, volume 22, n.1, 143-149, 2013 146 Resenha inexorável à irreversível morte, porém, também permite entender a corporeidade como potência. É como poder-ser que a corporeidade se apresenta como potência. Nesse sentido, prazer, afeto entre outras possibilidades de ser-no-mundo-corporalmente-com-os-outros que os autores trabalham toda a precariedade e potência do Dasein, e é nesse sentido que permitem a compreensão do que a tradição metafísica chamou de corpo físico como tendo uma condição existencial mais originaria. No capítulo Perda e Existência os autores refletem acerca da condição da perda como inerente à existência. Focam, principalmente, nas perdas relativas à perda de alguma função, habilidade, ou seja as perdas temporárias ou definitivas que trazem consigo um maior ou menor grau de sofrimento. Entendem que as perdas são em última instancia perda de um futuro idealizado e às pensam de três distintas maneiras. Há a possibilidade de “re-sentir”, e ficar preso à perda pelo rancor. Outra possibilidade descrita é a desistência do desejo e ficar preso à perda ao não se permitir sonhar mais, com medo de uma nova perda. Ainda converge sobre um terceiro tipo de perda, uma perda que trata de aceitação da sua existência na condição humana, isto é, uma aceitação que permite sonhar novamente, que compreende a perda como necessária para o surgimento do novo. O texto acaba por tratar de uma original perspectiva à essa condição de perda, ele volta-se para o auxílio à quem trata terapeuticamente de pessoas que passaram por essas situações de perda. Busca auxiliar os profissionais da reabilitação à compreender o sofrimento de quem perdeu alguém, um membro do corpo, ou uma habilidade cognitiva, mesmo que temporariamente. O capítulo O sacrifício do sonho remete à questão do sonho na sua característica de linguagem. Trabalha a linguagem como capaz de desvelar possibilidades exclusivas ao Dasein. Busca compreender o sonho também na sua dimensão temporal. Trata do sonho como algo que apesar de se dar no presente, ainda não existe, a não ser como uma possibilidade do futuro. Assim, demonstra como o que “não-existe” ilumina, significa, re-significa e fundamenta o real no presente. Compreende o homem como um ser que pode a partir do “não-existe” possuir uma vivência real e concreta. Nessa reflexão o autor desenvolve a compreensão do homem como ser aberto para o desejado e para o inesperado. Demonstra como a própria realização de um sonho envolve a morte do mesmo. Os autores desenvolvem essa questão a partir do exemplo do nascimento do filho e da morte do filho, trabalham significados possíveis à tais experiências e discutem a possibilidade de acolhimento dessas vivências. A partir daí buscam realizar uma compreensão acerca do homem como aquele capaz de sonhar e portanto necessariamente disposto ao sacrifício do sonho. Psic. Rev. São Paulo, volume 22, n.1, 143-149, 2013 Resenha 147 Todos os capítulos desse livro até esse capítulo possuem relacões diretas ou indiretas com as questões da sociedade, segurança e educação. Porém a partir do capítulo A terapia e a era da técnica os autores passam a tratar quase que exclusivamente da questão da clínica e da psicoterapia. Nesse capítulo é colocado a problemática do que é a terapia no referencial Daseinsanalítico e como ela pode responder às questões acerca da eficiência, resultado e controle próprios do que Heidegger cunhou como a era da técnica. Inicialmente os autores buscam o significado de técnica na atualidade, sua qualidade de produção e progresso, seu limite no cálculo e a consequente localização que dá ao homem moderno, na impessoalidade do “todo mundo”. Demonstram como na Grécia antiga, técnica (techne) era o meio, o procedimento para a poiesis (produção) e esmiuça a compreensão de que para os gregos, algumas coisas não podiam ser produzidas. Coloca isso para contrapor a visão atual de que tudo é visto como produzido ou produto, até o humano. Nesse sentido discute a impessoalidade da técnica, como algo “universal”, objetivo e mensurável. A era da técnica é a era em que a técnica virou sinônimo de controle e se auto produz, a técnica gera mais técnica, num caminho autônomo e sem volta. A partir dessa localização da técnica e do mundo que ela produziu que os autores passam a refletir acerca das demandas para a terapia nessa perspectiva. O que leva alguém à terapia e o que se espera dela? É em resposta à esse contexto contemporâneo que os autores especificam o que é próprio da terapia na Daseinsanályse. Como ela não desconsidera esse mundo de modo nenhum, mas compreende o limite desse olhar técnico para o humano. Após essa reflexão começam a indicar a disposição da Daseinsanalyse no que diz respeito a compreensãodo problema, trata sobre a escuta do paciente e a localização da queixa na vida do indivíduo. Ao discutir que na Daseinsanalyse a técnica segue à compreensão e não o contrário, demonstram o como a Deseinsanlyse permite, na era da técnica, uma compreensão da existência que se destaca da soberania da técnica. Finalizam o artigo com um embasamento fenomenológico existencial que permite pensar a existência como tal, a escuta como tal e a compreensão como hermenêutica do sentido. À esse capítulo segue-se um capítulo de desenvolvimento, onde a Daseinsanalyse é pensada na clínica de modo mais específico. Há um aprofundamento na reflexão heideggeriana sobre a produção do conhecimento, sua dimensão no logos e sua implicação na vida de quem conhece. Parte-se de uma reflexão acerca do conhecimento explicativo, do universal, das ciências, da busca pelo comum e das consequências disso no pensar o homem. Refaz-se o caminho predominante da antiguidade à idade média, portanto aristotélico, e posteriormente incluí as reflexões cartesianas acerca do conhecimento, do logos Psic. Rev. São Paulo, volume 22, n.1, 143-149, 2013 148 Resenha e da psiquê. Esse percurso tem a intenção de desvelar a origem, os significados e o sentido da psicologia, para poder posteriormente desvelar o sentido da psicoterapia. Ao entrar nesse assunto, são apresentadas as tradicionais perspectivas comportamentais, psicanalíticas e neurocientíficas que vão incidir sobre o conhecimento e orientar a psicoterapia, demonstrando de maneira simples uma compreensão acerca do fundamento dessas abordagens. A clínica, enquanto psicoterapia será observada a partir da perspectiva de“atacar o mal”, eliminar o sintoma, o sofrimento. Seja por via do determinantencomportamental, farmacológico ou inconsciente. Principalmente sobre a terapêutica farmacológica, os autores referem-se ao quanto essa perspectiva tem conseguido reduzir sintomas, e gerado consequências interessantes como a manutenção do tédio apesar da ausência de sintomas ou a compreensão de que a mediação medicamentosa da percepção cria uma insegurança quanto à realidade dos sentimentos vividos. Contrariamente à essas perspectivas há a sinalização que para Daseinsanalyse a psicologia é uma palavra vazia de sentido, pois para a fenomenologia-existencial o logos não é o modelo único e privilegiado de saber e nem a psiquê um estrutura interna. Heidegger é retomado em sua ontologia fundamental que permite a compreensão da especificidade da experiência humana para aproximar o leitor das especificidades do fazer clínico na Daseinsanalyse. Deriva dessa compreensão de Dasein uma perspectiva própria acerca do problema e da cura e vislumbra o trabalho do analista na modernidade. Um capítulo importante para demonstrar a especificdade do trabalho terapêutico nessa abordagem, que acaba por se distinguir ao não estabelecer teorias e diagnósticos a priori acerca das vivências. O capítulo final desse livro é também de aprofundamento acerca das Tonalidades Afetivas na Terapia. Busca compreender verdade na clínica, os sentimentos e emoções que fazem parte dela e o faz a partir de uma compreensão do contexto de seus participantes. Tonalidades afetivas é a tradução comum para um o termo Grundstimmung, utilizado por Heidegger para indicar uma dimensão do fenômeno que determina o modo como ele se dá a partir do como ele é vivido. O texto se apoia na compreensão heideggeriana da possibilidade de a vivência ser pensada sempre como algo próprio do ser-no-mundo e que isso se dá sempre de um jeito, um sabor, uma cor, um afeto, uma tonalidade afetiva. Nessa perspectiva a verdade é pensada como aletheia, como não esquecido, como desocultação. Os autores trabalham as perspectivas de paciente e terapeuta no inicio de uma terapia para exemplificar possibilidades de afinação do fenômeno a partir de seu contexto. Afirmam que o paciente parte do desabrigo por diversas razões, enquanto terapeuta parte do estar-lançado em função da posição que ocupa nesse processo Psic. Rev. São Paulo, volume 22, n.1, 143-149, 2013 Resenha 149 inicial. Compreende que ambos se deslocam para a confiança, como possibilidade do encontro da terapia. Se aprofundam na perspectiva de entrega e acolhimento como possibilidade de superação da situação. Conclui-se que esse texto consegue, através de uma linguagem simples e direta, retomar a história do conhecimento, as suas teorias para tratar do mundo contemporâneo e suas facetas na educação e na terapia. Os escritos, como está no título, parecem textos separados, porém encontram numa mesma perspectiva ― a Daseinsanalyse ― uma unidade e complementariedade. Os autores conseguem aproximar, tanto o leitor leigo como o estudante das temáticas abordadas, de questões profundas e complexas de uma maneira clara, rigorosa e compreensível.

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