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WILLIAM JAMES E A NOÇÃO DE PRESENTE ESPECIOSO

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1 
 
 
TEMPORALIDADE NA FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA 
WILLIAM JAMES E A NOÇÃO DE “PRESENTE ESPECIOSO” 
FERNANDO MONEGALHA 
 
Que a análise da temporalidade tenha desempenhado um papel fundamental para a 
Filosofia desde o final do século XIX até nossos dias é um ponto pacífico para a 
historiografia. Basicamente, é impossível compreender os aspectos nucleares das doutrinas 
filosóficas de autores tão variados como Bergson, William James, Husserl, Heidegger, Sartre, 
Merleau-Ponty, Deleuze, Paul Ricoeur, etc., se não nos detivermos nas discussões que todos 
estes autores efetuaram sobre a consciência de tempo. Por mais diversas que sejam as 
tradições a que se filiem estes autores, podemos dizer que a temporalidade foi um tema 
comum de estudo que permitiu (e permite) que a filosofia tenha tido – talvez pela primeira 
vez em muito tempo – um objeto concreto de estudo, objeto este ao qual se agregou um 
conjunto de discussões e problemas da mais alta relevância ao longo da história da Filosofia, 
tais como a questão do sentido do ser, da liberdade, da relação mente-corpo, da individuação, 
da ipseidade, etc. Sem exagero, podemos dizer que em todas estas problemáticas, importantes 
avanços foram realizados na medida em que se efetuou um aprofundamento paulatino da 
análise da temporalidade. 
Decorre dessa difusão generalizada da temática que, antes de investigarmos a questão 
do presente vivo em Bergson e Deleuze, talvez ganhemos bastante se antes investigarmos os 
esforços de outros pensadores que se debruçaram sobre o tema, tais como Husserl e James (os 
quais são, junto com Bergson, alguns dos pioneiros da discussão deste tema
1
). Assim, ao 
 
1
 A bem da verdade, outros autores como Hodgson, Robert Kelly, James Ward, etc., desempenharam um papel 
importante na consolidação da temática da temporalidade antes de Bergson, James ou Husserl. Um artigo 
2 
 
menos saberemos o que une e, principalmente, o que distancia a visão destes em relação 
àqueles. Como veremos, há uma certa uniformidade nas temáticas desenvolvidas por todos 
estes autores, mas também certas divergências fundamentais de princípio. Evidentemente, 
fazer um estudo aprofundado e minucioso da concepção jamesiana e husserliana do presente 
vivo não é possível em uma ou duas aulas, o que faremos será somente analisar os aspectos 
centrais das concepções de Husserl e James acerca da temporalidade 
William James desenvolve sua análise do presente vivo (que ele chama de specious 
present) no XV capítulo de sua monumental obra Princípios de psicologia, um dos pilares da 
psicologia empírica então nascente (a obra é de 1890). Este capítulo, intitulado “The 
perception of time”, está em íntima relação com o capítulo IX, “The stream of thought”. Para 
uma melhor compreensão do primeiro, recapitulemos brevemente algumas das teses deste 
último. 
No capítulo IX dos Princípios, William James afirma quais são as teses que devem 
nortear o trabalho de uma psicologia descritiva de índole naturalista. A primeira tese da qual 
deve partir esta psicologia é de uma generalidade espantosa: ela consiste em afirmar que 
“ocorre pensamento de algum tipo” (“thinking of some sort goes on”) (PP, p. 146). Esta seria 
uma sentença não carregada metafisicamente, na medida em que ela não especifica de que 
tipo devem ser os pensamentos em questão, impedindo uma redução do pensamento a seus 
dados ditos mais primitivos (as “sensações” do empirismo/associacionismo), ou postulando a 
existência de alguma entidade exterior ao próprio pensamento (como um “eu puro” de matiz 
kantiano). Para James, o ideal seria que se pudesse formular esta primeira sentença sem que se 
atribuísse o pensamento em questão a nenhum sujeito preexistente, que pudéssemos dizer “it 
thinks” (“há pensamento”), tal como se diz “it rains” (“chove”) ou “it blows” (“venta”) (PP, p. 
146). Somente assim conseguiríamos exprimir o fato psicológico primitivo. 
A partir deste “it thinks”, James afirma cinco teses gerais, das quais as três primeiras 
são particularmente importantes para nós, a saber, (1) que “todo pensamento tende a ser parte 
de uma consciência pessoal”, (2) “em cada consciência pessoal, o pensamento está sempre 
mudando” e que (3) “em cada consciência pessoal, o pensamento é sensivelmente contínuo” 
(PP, p. 146). Com a primeira tese, James não está afirmando que haja alguma espécie de eu 
puro a acompanhar nosso pensamento, mas somente que nossos pensamentos tendem a 
 
interessante a esse respeito é o de ANDERSEN, H. e GRUSH, R. A brief history of Time-consciousness: 
Historical precursors to James and Husserl, disponível em < http://mind.ucsd.edu/papers/bhtc/Andersen% 
26Grush.pdf>, acessado em 18/11/2012. 
3 
 
adquirir uma forma individualizada: “parece ser um fato psíquico elementar que não exista 
pensamento, ou este pensamento, ou aquele pensamento, mas meu pensamento, todo 
pensamento sendo próprio (owned).” (PP, p. 147). Com a segunda tese, ele pretende afirmar 
algo de peso, a saber, que nunca temos dois estados mentais idênticos um ao outro (“nenhum 
estado pode ocorrer de novo e ser idêntico com aquilo que ele foi antes”, PP, p. 149). Isso 
implica em dizer que, a despeito de nossa linguagem utilizar o mesmo nome para, 
suponhamos, uma emoção, os estados agrupados sob tal nome (como, por exemplo, “medo”) 
têm uma diversidade essencial entre si. Como pontuava Hodgson, “a cadeia da consciência é 
uma sequência de diferentes” (PP, p. 149). O máximo que podemos dizer a esse respeito é que 
o objeto ao qual se referem intencionalmente estes estados é o mesmo ao longo do tempo (PP, 
p. 150), mas nunca que os estados que compõem o pensamento se repitam. O que é 
importante relevar aqui é que essa heterogeneidade essencial não entra em conflito com a 
terceira tese, que afirma a continuidade fundamental do pensamento
2
: mesmo quando 
verificamos alguma interrupção momentânea de nossos pensamentos (por exemplo, quando 
entramos num estado de sono profundo), não ocorre uma quebra ou divisão de nossa 
consciência pessoal: o estado anterior a essa interrupção é unido ao estado subsequente numa 
continuidade natural, compondo uma totalidade de nossos pensamentos, totalidade essa para a 
qual “o nome natural é eu mesmo, eu ou mim” (PP, p. 155). Contra o empirismo e o 
associacionismo, James advogará que o pensamento nunca pode ser reduzido a uma sequência 
de impressões simples e instantâneas, na medida em que ele envolve sempre esse três 
caracteres – ele é sempre pessoal, heterogêneo e contínuo. Se quisermos exprimir a conjunção 
destes três caracteres por meio de uma metáfora, teremos de dizer então que, mais do que uma 
cadeia ou uma série de estados descontínuos, o nosso pensamento é uma espécie de rio ou 
fluxo de pensamentos diferentes unidos entre si, um “fluxo de pensamento, de consciência, ou 
de vida subjetiva” (PP, p. 155). 
Na medida em que o fluxo de pensamento é um contínuo sem brechas ou quebras, a 
relação dele com o tempo se revela fundamental. Como pontua James no capítulo XV dos 
Princípios, “O conhecimento de alguma outra parte do fluxo, passada ou futura, próxima ou 
remota, está sempre misturado aos nossos conhecimentos da coisa presente” (PP, pp. 396-7). 
Decompor a consciência numa série de impressões ou sensações simples e reduzidas ao 
presente foi o equívoco fatal da filosofia empirista e da psicologia associacionista, na medida 
 
2
 Como ocorria para Bergson, que no mesmo período (o Ensaio é de 1889), afirmava tantoa heterogeneidade 
quanto a continuidade como atributos fundamentais da duração. 
4 
 
em que aí se trocou a complexidade fluente e contínua da consciência concreta por uma pálida 
imagem dela, uma mera abstração: 
Uma simples sensação, como nós vimos anteriormente, é somente uma abstração, e 
nossos estados mentais concretos são representações de objetos com algum grau de 
complexidade. Parte da complexidade é o eco de objetos que acabam de passar e, 
num grau menor, talvez, a antecipação daqueles que estão para chegar. Objetos 
desaparecem (fade-out) da consciência lentamente. Se o pensamento presente é o de 
A B C D E F G, o próximo será o de B C D E F G H, e o subsequente aquele de C 
D E F G H I – os prolongamentos do passado indo sucessivamente embora, e os 
influxos do futuro suprimindo a perda. Estes prolongamentos de antigos objetos, 
estes influxo de novos, são os germes da memória e da expectativa, o sentido 
retrospectivo e prospectivo do tempo. Eles dão aquela continuidade à consciência 
sem a qual ela não poderia ser chamada um fluxo. (JAMES, W. 1978, p. 397) 
 
Mas se todo estado consciente envolve necessariamente uma remissão ao passado e ao 
futuro, por mais próximos que sejam, o que queremos dizer quando afirmamos que um 
determinado estado mental se processa no momento “presente” de nossa consciência? O que 
temos em mente quando dizemos, por exemplo, que ouvimos um determinado som agora, 
neste exato momento? Como pontua William James, ao falar de um processo mental no 
presente, não podemos estar nos referindo a um intervalo de tempo completamente 
instantâneo – como poderíamos apreender esse presente pontual, se ele parece estar sempre 
escapando de nossas mãos?
3
 Na verdade, o único presente concretamente apreendido por nós 
é aquilo que um autor pouquíssimo estudado da época, chamado Robert Kelly
4
, chamava de 
presente especioso
5
 (“specious present”) – um presente alargado, provido de certa extensão 
temporal, composto seja pelos dados imediatamente apreendidos por nós, seja por partes de 
nosso passado recente. Como pontua Robert Kelly: “O presente ao qual o dado se refere é 
realmente uma parte do passado – um passado recente – ilusoriamente apreendido como 
sendo um tempo que intervêm entre o passado e o futuro.” (apud PP, p. 398). Ou seja, não 
existe algo como um presente desprovido de qualquer remissão ao nosso passado imediato, na 
medida em que aquilo que acaba de passar parece estar de algum modo sempre incorporado 
 
3
 “Deixe qualquer um tentar, eu não vou dizer parar, mas notar ou atentar para o presente momento de tempo. 
Uma das mais desconcertantes experiências ocorre. Onde ele está, este presente? Ele se dissolveu quando nós o 
agarramos, fugiu quando nós podíamos tocá-lo, ido no instante em que veio. Como um poeta, citado pelo Sr. 
Hodgson diz, Le moment où je parle est déjà loin de moi [o momento em que falo já está longe de mim], e é 
apenas entrando na viva e movente organização de uma extensão de tempo muito maior que o estrito presente é 
absolutamente apreendido.” (PP, p. 398). 
4
 Embora James cite E. R. Clay como autor do livro A alternativa, onde o termo “presente especioso” foi 
cunhado, sabe-se que este era um pseudônimo, e que o nome real do autor era Robert Kelly. 
5
 O termo “especioso” em princípio significa “algo que parece ser verdadeiro, mas não é”, “enganoso” 
(Dicionário Priberam da língua portuguesa.), o que pode nos induzir a erro, já que o que o autor visa indicar aqui 
é o presente fenomênico, imediatamente apreendido por nossa consciência, não o presente “objetivo” das 
ciências. 
5 
 
ao que está passando, mesmo quando se tratam de processos mentais completamente 
efêmeros. E do mesmo modo como o nosso passado imediato está sempre incorporado ao 
presente, verificamos também sempre o ingresso de novas experiências se realizando em 
nossa consciência: 
 
A unidade de composição de nossa percepção de tempo é uma duração, com uma 
proa e uma popa, por assim dizer, um fim para trás e para o futuro. É apenas como 
partes deste bloco de duração que a relação de sucessão de um fim ao outro é 
percebido. Nós não percebemos primeiramente um fim e depois o outro após ele, e 
da percepção da sucessão inferimos um intervalo entre ambos, mas nós sentimos o 
intervalo de tempo como um todo, com seus dois fins incorporados a ele. A 
experiência é desde o começo a de um dado sintético, não a de um dado simples, e 
para a percepção sensível os seus elementos são inseparáveis, embora a atenção, 
olhando retroativamente, possa facilmente decompor a experiência, e distinguir o 
início do seu fim. (JAMES, W. 1978, p. 399) 
 
Se nossa consciência não se reduz a um colar de impressões descontínuas entre si, isto 
se dá porque o fluxo de pensamento não é composto por sensações ou imagens instantâneas, 
mas por blocos de duração contínuos, os quais envolvem uma síntese entre nosso passado 
imediato, nossos estados atuais e aqueles estados que ingressam a cada momento em nossa 
consciência, unidade essa que não é senão aquilo que chamamos de “presente especioso”. 
Mas trata-se de uma síntese curiosa, já que, nela, o todo é dado antes das partes: não temos 
primeiramente um agregado de partes sucessivas (as sensações, as imagens, etc.), que seriam 
reunidas por um ato do espírito, tal como ocorre, por exemplo, na formação do juízo. Pelo 
contrário, o que é dado primeiramente no caso do presente especioso é uma totalidade 
abrangendo nossos estados atuais e aqueles imediatamente passados; é somente depois de 
dado este todo que podemos nele identificar suas partes. Ao contrário do que poderíamos 
imaginar, quando ouvimos uma sucessão de notas musicais, o que nos é dado primeiramente é 
uma totalidade melódica, composta pelas notas atualmente ouvidas por nós e pelas notas 
imediatamente passadas – é somente depois da apreensão desse todo melódico que passamos 
à discriminação das notas sucessivamente ouvidas por nós. Isso somente é possível porque no 
presente especioso representamos como simultâneos diversos elementos que, no mundo 
físico, são sucessivos: do ponto de vista físico, é sem dúvida correto dizer que as notas de uma 
melodia compõem uma cadeia sucessiva, na medida em que são executadas uma após a outra; 
ocorre que, do ponto de vista de nossa consciência, é como se todas as notas que compõem 
uma melodia fossem simultâneas umas em relação às outras, coexistentes umas com as outras: 
é impossível distinguir completamente numa melodia aquilo que é imediatamente passado 
6 
 
daquilo que é efetivamente presente. Como pontuava James Ward: “Na realidade, passado, 
presente e futuro são diferentes no tempo, mas na representação tudo que corresponde a essas 
diferenças está simultaneamente na consciência.” (apud PP, p. 412). O que é primeiro, 
portanto (ao menos do ponto de vista de nossa apreensão subjetiva), não são os diversos 
elementos integrados no presente especioso, mas uma representação simultânea dos 
elementos dados durante a extensão temporal desse presente. É somente a partir da apreensão 
dessa simultaneidade que podemos, por um ato discriminativo e retrospectivo de nossa 
atenção, identificar suas partes, colocando-as umas em relação às outras numa ordem 
sucessiva. Assim, antes de ser algo decorrente da sucessão de nossos estados mentais, o 
presente especioso é aquilo que funda a própria possibilidade de uma sucessão temporal 
qualquer. 
 A extensão temporal do presente especioso, contudo, tem um caráter patentemente 
limitado. É somente por uma extensão de tempo bem curta que nosso passado recente 
permanece incorporado ao presente, como podemos verificar na audiçãode uma melodia: na 
medida em que novas notas musicais ingressam em nossa consciência, nosso passado 
imediato parece ir se evaporando, obscurecendo apouco a pouco até sua completa abolição. 
Para buscar determinar qual seria a extensão temporal do presente especioso, Wiliam James 
se detém em alguns fatos coletados pela psicologia empírica nascente, a maioria relativas à 
cronometria de processos auditivos, já que “quase todo trabalho experimental acerca do 
sentido do tempo (time-sense) tem sido feito por meio de batidas sonoras” (PP, p. 400). 
Baseando-se em estudos de Wundt e Dietze, James declara que, embora haja uma certa 
variabilidade do presente especioso, em geral ele não se estende por uma duração muito maior 
do que doze segundos: “o presente especioso tem (...) uma franja frontal e posterior 
vagamente evanescente; mas seu núcleo é provavelmente a dúzia de segundos ou menos 
transcorridos” (PP, p. 401). Isso não implica, evidentemente, que nossa consciência seja 
simplesmente abolida ao término de tal intervalo de tempo, mas sim que os estados recém-
intuídos por nós somente podem permanecer em nosso horizonte temporal imediato por um 
período de tempo restrito, sendo logo depois substituídos por outros estados mentais. A 
despeito disso, podemos dizer que o próprio presente especioso permanece como uma 
estrutura relativamente invariável, a despeito dos eventos que “passam” por ele: 
O conteúdo [do presente especioso] está num fluxo constante, eventos despontando 
em seu fronte tão rápido quanto desaparecem de sua retaguarda, cada um deles 
mudando seu coeficiente de tempo de “ainda não” ou “quase ainda não”, para 
“acabou de se ir” ou “ido”, na medida em que passam. Entretanto, o presente 
especioso, a duração intuída, mantém-se permanente, como o arco-íris na cachoeira, 
7 
 
com sua própria qualidade não modificada pelos eventos que fluem através dele. 
(JAMES, W. 1978, p. 413) 
 
Para James, o presente especioso configura uma estrutura com uma certa permanência: 
as coisas e eventos “passam” pelo presente especioso, mas o próprio presente especioso não 
“passa”. É esta permanência do presente especioso que permite a James afirmar a 
continuidade desse fluxo de pensamento que é nossa consciência, a despeito de sua 
variabilidade e diferenciação constantes. Mesmo sendo uma estrutura permanente, o presente 
especioso é patentemente limitado: os eventos recém-passados somente perduram aí por 
alguns poucos segundos. Ainda assim, é ao longo destes poucos segundos que temos uma 
intuição direta de nosso passado imediato, na medida em que ele insiste ao lado de nossas 
impressões ou ideias presentes: “o que é passado, para ser conhecido como passado, deve ser 
conhecido junto do que é presente, e durante o ‘presente’ ponto de tempo.” (PP, p. 396). 
Como afirma repetidamente James, é somente durante a breve extensão do presente especioso 
que temos uma intuição direta do tempo, já que todo passado por nós projetado para além da 
extensão do presente especioso é algo imaginado ou concebido ou por nós
6
, mas não 
diretamente intuído: podemos lembrar ou imaginar o que fizemos ontem, anteontem, dez anos 
atrás, podemos conceber o que ocorreu há cem milhões de anos atrás em nosso planeta, mas 
não podemos ter uma apreensão direta do passado, tal como temos, por exemplo, quando 
apreendemos uma melodia durante o curto intervalo de tempo do presente especioso. 
Podemos dizer que, no que tange ao passado, é por meio da memória e da história que 
ultrapassamos a limitação patente de nossa apreensão originária do tempo, na medida em que 
ambas, memória e história, nos permitem avançar muito além de nosso horizonte temporal 
imediato. Mas esse trabalho da memória e da história somente é possível, por sua vez, porque 
verificamos uma abertura para o passado neste nível mais básico de nossa consciência, que é 
o presente especioso. Neste sentido, é o presente especioso que permite, em última instância, 
que “a memória e a história construam seus sistemas” (PP, p. 396). 
Resumindo: o presente apreendido por nós não é nunca um presente instantâneo, mas 
um presente com alguma extensão temporal, a qual abarca tanto aquilo que se passa agora 
 
6
 Para James, esta é uma situação análoga ao que ocorre em nossa apreensão do espaço: a extensão espacial 
diretamente apreendida por nós restringe-se àquilo que nos é dado em nosso horizonte de visão, todo o restante 
do espaço sendo somente algo concebido por nós. Por sua vez, se nos ativermos somente ao tempo e ao espaço 
intuídos por nós, teremos de dizer que o sentido de tempo é um sentido “míope” em comparação com o de 
espaço (PP, p. 400), já que a extensão espacial diretamente intuída por nós é muito maior do que a extensão 
temporal. 
 
8 
 
quanto aquilo que acaba de passar, quanto aquilo que está na iminência de vir. Este presente 
alargado foi denominado por William James – seguindo Robert Kelly – de presente 
especioso. Para James, o presente especioso deve ser pensado como um bloco de duração o 
qual envolve uma síntese entre nosso presente e nosso passado imediatos. Por meio dessa 
síntese, aquilo que foi imediatamente passado para nós não é simplesmente perdido para 
nossa consciência, mas permanece incorporado a ela, ao menos por alguns segundos. Esta 
síntese permite assim que diversos estados mentais sejam apreendidos por nós como uma 
totalidade simultânea; é somente após esses diversos elementos terem sido dados a nós nessa 
totalidade que eles poderão ser concebidos por nós como compondo uma sucessão temporal; 
nesse sentido, é o presente especioso que funda a possibilidade de sucessão. Na medida em o 
presente especioso envolve uma apreensão direta do passado, a qual antecede toda construção 
conceitual e simbólica do tempo, é ele que possibilita tanto a constituição da memória quanto 
da história. É ele, em última instância, que permite que a consciência constitua-se como um 
fluxo contínuo, possibilitando que nossos estados mentais possam adquirir uma forma pessoal 
ao longo do tempo
7
. 
 
 
 
7
 O que vimos acima foi basicamente a descrição que William James fez do presente especioso nos Princípios de 
Psicologia. Ocorre que James, como bom psicólogo naturalista, não se contentou apenas em descrever o presente 
especioso, mas buscou também explicá-lo por meio de uma teoria neurológica bastante geral: para ele, um estado 
consciente é correlato não somente de um determinado estado cerebral, mas também de vários outros estados 
cerebrais anteriores que ainda têm alguma eficácia, na medida em que se sobrepõem ao estado cerebral atual. É 
esta sobreposição de estados cerebrais, por sua vez, que é representada por meio do presente especioso: aquilo 
que nele corresponde ao evento atual é na verdade uma representação de um estado cerebral que alcança uma 
intensidade maior atualmente, enquanto a “franja” de eventos “passados” que nele verificamos corresponde a 
determinados processos cerebrais que definham, que tendem por fim a desaparecer por completo. Aquilo que 
chamamos de “passado” no presente especioso não é senão o correlato mental desses estados cerebrais 
moribundos, e a extensão do presente especioso, por sua vez, não representa senão a duração da sobreposição 
de diversos estados cerebrais, estados esses rigorosamente presentes.

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