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Argumentação Jurídica - Víctor Gabriel Rodrígues

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Prévia do material em texto

VÍCTOR GABRIEL RODRÍGUEZ
Argumentação 
Jurídica
ARGUMENTAÇÃO 
JURÍDICA
Técnicas de persuasão 
e lógica informal
Víctor Gabriel Rodríguez
Martins Fontes
São Paulo 2005
C opyright © 2005, Livraria M artins Fontes Editora Ltda.. 
São P au lo, para a presente edição.
1- edição
2002 (Editora LZN)
3â edição 
2004 (Editora Vox)
4- edição revista e ampliada
2005
Acompanhamento editorial
H elena Guimarães B ittencourt 
Preparação do original 
Ana M aria de O. M. Barbosa 
Revisões gráficas 
M aria Luiza Favret 
lvan i A parecida M artins Cazarim 
D inarte Z orzanelli da Silva 
Produção gráfica 
Geraldo Alves 
Paginaçâo/Fotolitos 
Studio 3 D esenvolvim ento Editorial
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Rodríguez, Víctor Gabriel 
A rgum entação ju rídica : técnicas de persuasão e lógica in­
form al / Víctor G abriel Rodríguez. - 4* ed. - São Paulo : 
M artins Fontes, 2005. - (Justiça e direito)
ISBN 85-336-2194-9
1. A rgum entação forense 2. Lógica 3. Persuasão (Retórica)
I. Título.
05-6235 C D U -34:16
índices para catálogo sistemático:
1. A rgum entação jurídica 34:16
Todos os direitos desta edição reservados à 
Livraria Martins Fontes Editora Ltda.
Rua Conselheiro Ram alho, 330 01325-000 São Paulo SP Brasil 
Tel. (11) 3241.3677 Fax (11) 3101.1042 
e-mail: m fo@m artinsfontes.com .br http:llwwio.martinsfontes.com .br
índice
Introdução (aos professores).................................................. XIII
Prefácio................................................................................... XVII
I. A argumentação existente................................ 1
Um mínimo escorço histórico............................. 8
II. O argumento.......................................................... 13
Os três tipos de discurso....................................... 13
A disputa entre dois certos.................................. 16
Argumento e verdade........................................... 20
Os objetivos e os meios da argumentação........ 23
Características da argumentação........................ 27
III. Argumentação e fundamentação. Pensan­
do no ouvinte......................................................... 31
O discurso científico.............................................. 31
Um corte de casimira............................................ 33
Argumentação x fundamentação: a distinção
relativa....................................................................... 40
Uma eterna desvantagem: o ponto de vista 
comprometido......................................................... 44
IV. Ouvinte específico e discurso genérico. In-
tertextualidade...................................................... 49
O auditório universal............................................ 50
A intertextualidade................................................. 53
V. Progressão discursiva e coerência.................. 57
A coerência.............................................................. 57
Coerência e percurso............................................. 60
Estabelecendo a coerência.................................... 63
Coerência e sentido: a dependência do mundo
exterior....................................................................... 65
Coerência e extensão da argumentação........... 72
Texto e ritm o............................................................ 75
Coerência, intertextualidade e intenção: que­
brando regras........................................................... 80
Falar algo, dizer outra coisa................................. 82
Quatro dicas a respeito da coerência................. 85
VI. Narrando os fatos................................................. 89
Características da narrativa: figuratividade...... 90
Características da narrativa: transcurso do tempo. 91
Função argumentativa da narrativa dos fatos.
A questão do ponto de vista do narrador.......... 94
Coerência narrativa................................................ 100
Conclusão................................................................ 106
VII. Argumento de autoridade: apelando para
a opinião do experto........................................... 107
Apresentação: os tipos de argumento............... 107
A autoridade............................................................ 108
Argumentum ad verecundiam ................................ 110
Ciência e verdade................................................... 114
A confiabilidade da opinião da autoridade:
quia nominor leo....................................................... 117
Estabelecendo a validade do argumento.......... 119
A questão do experto............................................ 121
Questão da área...................................................... 124
Questão da validade da opinião.......................... 126
Questão da confiabilidade.................................... 128
Questão da consistência....................................... 130
Questão das provas................................................ 131
As perícias em geral............................................... 133
Os pareceres............................................................ 134
Combatendo o argumento ad verecundiam....... 137
Nada contra os clássicos. Mas.............................. 140
VIII. Argumento por analogia: o uso da jurispru­
dência ....................................................................... 143
A analogia e a ilustração....................................... 143
Jurisprudência: analogia e autoridade................ 145
Uso da jurisprudência: quantidade e qualidade 148
Segue: valor e uso da jurisprudência.................. 150
Combatendo o argumento de analogia............ 151
IX. Exemplo, figuratividade e ilustração do dis­
curso.......................................................................... 153
O exemplo............................................................... 153
Requisitos do exemplo.......................................... 155
Representatividade do exemplo......................... 159
Falando em ilustração........................................... 160
Ilustração e argumento......................................... 162
Mau uso da ilustração........................................... 166
Tendência atual da figuratividade...................... 167
A imagem e sua importância: a questão da
presença.................................................................... 169
Conclusão................................................................ 171
X. Estrutura lógica e argumento: a fortiori, ad 
absurdum e ridículo............................................... 173
O argumento jurídico............................................ 173
O argumento contrario sensu................................ 173
O argumento ad absurdum ................................... 176
O uso da ridicularização....................................... 182
O argumento a coherentia...................................... 184
Lei ou brechas da lei? ............................................ 187
Argumento a fortiori............................................... 190
O córax...................................................................... 194
Argumento ad hominem ........................................ 195
Conclusão................................................................ 201
XI. Argumentação fraca: fuga e senso comum .. 203
A argumentação corriqueira................................ 203
O argumento de senso comum........................... 204
Argumento de fuga................................................ 210
Conclusão................................................................ 213
XII. Quando a linguagem é argumento.................. 215
Predisposição à argumentação............................215
Palavra....................................................................... 217
Conteúdo e form a.................................................. 219
A linguagem adequada......................................... 221
O discurso jurídico................................................. 224
Linguagem técnica x jargão................................. 226
Competência lingüística e linguagem corrente 229
Carga semântica..................................................... 232
Expressões latinas e brocardos jurídicos........... 233
Conclusão................................................................ 235
XIII. Honestidade da argumentação e ordem dos
argum entos............................................................ 237
Honestidade e falácia............................................ 237
Ordem dos argumentos........................................ 243
Momentos principais da argumentação........... 245
Criando argumentos............................................. 250
Argumentar ou mostrar erudição?..................... 253
Conclusão................................................................ 254
XIV. Espaço da argumentação jurídica: sentença
e teses subsidiárias............................................. 255
Sentença como espaço argumentativo............. 255
Teses subsidiárias e efeito argumentativo......... 258
Argumentar é colocar em dúvida....................... 259
Tese subsidiária e aceitabilidade em juízo......... 262
A fundamentação do juiz: demonstrativa ou
argumentativa?....................................................... 264
Conclusão................................................................ 266
XV. Peculiaridades do discurso oral................... 269
Discurso oral e discurso escrito.......................... 269
Discurso oral, papel e evidência......................... 270
Predisposição à argumentação no discurso oral 274
Carisma e empatia: uma difícil definição.......... 278
Discurso parlamentar............................................ 282
Discurso no tribunal do júri................................. 284
Conclusão................................................................ 286
XVI. Peculiaridades do texto escrito ....................... 287
Uma premissa: quem lê o que escrevemos?.... 288
Escrita e coesão textual......................................... 290
Gramaticalidade e pontuação.............................. 295
Algumas dicas de construção.............................. 298
Escrita como fator argumentativo...................... 302
XVII. Argumentação, estilo e subjetividade.......... 303
Construir um estilo, edificar uma imagem....... 306
O segredo final: a humildade.............................. 308
Conclusão................................................................ 310
XVIII. Argumentação e criatividade........................... 311
Medo de mudanças ou medo de que as coisas
não m udem ?........................................................... 312
Criatividade e informação.................................... 317
Novidade e persuasão........................................... 322
Renovando o discurso........................................... 325
Conclusão................................................................ 327
Bibliografia.............................................................................. 329
El and ar a caballo a unos h ace caballeros, y a otros caballerizos.
Cervantes, "De los consejos 
segundos que dis Don Quijote 
a Sancho Panza", p. 734.
Introdução
(aos professores)
Este livro foi idealizado em sala de aula. Quando veio 
em primeira edição, trazia a experiência de nosso trabalho 
na Escola Superior de Advocacia da OAB/SP. Ao notar que 
os alunos, todos advogados, interessavam-se muito pelo te­
ma da argumentação, acreditei que as principais lições pu­
dessem ser perfiladas em um manual.
Hoje aqui já se encontra em quarta edição, bastante re­
formulada. Tive novos aprendizados, não só pelo aprimora­
mento científico e por repensar em todas as sugestões que 
me foram feitas, mas principalmente por coordenar um cur­
so específico de argumentação, na graduação em Direito.
Sei que este livro tem sido adotado em muitas faculda­
des, como norte de matérias zetéticas ou como referência 
de construção de discurso em vários cursos ligados à área 
jurídica, no pós-graduação. Tenho visto de perto alguns de­
les e louvo a iniciativa de muitos professores de ministrar 
essa disciplina, principalmente (vá lá a modéstia) caso utili­
zem esta obra. Porém indico a todos que queiram conhecer, 
em especial a coordenadores de departamento, como nós, 
a experiência que se tem feito ao instaurar uma disciplina 
específica deste tema na graduação em Direito. Em outros 
países, como se sabe, a prática é comum.
A este autor vem a alegria de ver, recentemente, reco­
nhecida a argumentação - assim, autônoma - como fator 
relevante de estudo para os cursos de Direito, pelo próprio
XIV ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
Conselho Nacional de Educação (Resolução CES/CNE n?
09, de 27/9/04, art. 4?, inc. VI). Entendemo-nos pioneiros 
na instauração de um curso dessa natureza, bem como em 
perfilar um manual do assunto que desse a ele tratamento 
moderno e prático no país.
Neste livro, espera-se que tanto o professor quanto o 
aluno e o operador do Direito tenham uma leitura agradá­
vel, mas principalmente - como aqui nos dirigimos aos pro­
fessores - que se possa apresentar um programa, em lições 
diversas, que venha efetivamente a desenvolver o potencial 
argumentativo de cada aluno, principalmente ao que inte­
ressa em curso de graduação em Direito.
Como livro de leitura didática ou paradidática, as nor­
mas de metodologia científica certamente não se encon­
tram rígidas. As anotações de rodapé são incluídas apenas 
nos momentos mais decisivos, em que foi necessário um 
argumento de autoridade, ou para fazer complementações 
e remissões que, por coerência, não couberam no corpo 
do texto.
Aos professores que utilizam a obra, em primeiro lugar 
os agradecimentos pelas considerações que são feitas a res­
peito dela. Depois, o conselho - talvez evidente - de que o 
curso de argumentação siga metodologia de ensino aberta 
e interdisciplinar. Nossos exemplos, aqui, muitas vezes abor­
dam as artes, a literatura e o cinema para servir de apoio à 
intelecção e estímulo ao diálogo com os demais tipos de lin­
guagem, em que está alicerçada a tese fundamental do livro 
e do curso: a de que o operador do Direito é também um 
profissional da comunicação. As aulas, portanto, não devem 
ser diferentes: devem estimular o diálogo e a leitura cons­
tantes, para muito além deste manual.
Aliás, as idéias e conceitos aqui não se cristalizam e es­
tão, claro, apresentados à crítica e ao debate.
De qualquer modo, seguro é que vale implantar a dis­
ciplina de Argumentação Jurídica, como autônoma, nos cur­
sos de Direito, não apenas pelas diretrizes curriculares ora 
vigentes, mas por fazer parte da formação do aluno, já que,
INTRODUÇÃO (AOS PROFESSORES) XV
neste mundo pós-moderno, por questões que aqui não vale 
aprofundar, é imprescindível fomentar o trabalho do racio­
cínio, para que não prevaleça a ilusória impressão de que o 
excesso de informação importa diretamente em capacidade 
para a construção do raciocínio.
É só.
Prefácio
Conheci o advogado Víctor Gabriel quando ele ainda 
era estudante, no Largo São Francisco. Lá, eu ministrava 
aulas na matéria de Técnicas de Negociação e Arbitragem e 
já notava seu interesse pelas técnicas de argumentação, as 
quais faziam parte de nosso programa curricular.
Sempre entendi serem as disciplinas de argumentação 
imprescindíveis ao operador do Direito, em especial ao ad­
vogado, por isso me satisfazia adentrar nesse tema, lecio­
nando na Faculdade de Direito. Vejo, agora,que aquelas au­
las renderam frutos: Víctor, hoje professor na Escola Supe­
rior de Advocacia, escritor de ficção e mestre e doutorando 
na mesma Faculdade de Direito, com intensa atividade leti­
va, apresenta-me para prefaciar uma interessante obra so­
bre técnicas de persuasão.
O livro não abandona a retidão científica, mas, antes 
de apresentar-se como uma obra caudalosa, destinada à re­
flexão acadêmica sobre a lógica informal e a lógica jurídica, 
é uma obra didática, que certamente contribuirá para o lei­
tor em sua atividade profissional, no desenvolvimento de 
suas teses, em seus discursos forenses ou em suas mono­
grafias jurídicas.
Com exemplos claros, retirados de casos famosos, da 
literatura ou da doutrina, o autor apresenta uma gama de 
lições sobre os vários tipos de argumentos, seu uso, sua pro­
priedade e, também, seus defeitos; mostra-nos que pensar
XVIII ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
sobre a argumentação é tarefa imprescindível ao bom opera­
dor do Direito, para que seu estudo jurídico possa se tornar 
dinâmico, vindo a operar-se com maior eficiência.
Sem dúvida, o leitor da obra perceberá que, ao terminar 
sua leitura, terá adquirido relevante conhecimento, que lhe 
permitirá lidar com a necessidade de persuadir com maior 
desenvoltura, ampliando vastamente a gama de recursos 
suasórios a sua disposição.
Trata-se de leitura extremamente recomendável aos 
que querem operar o Direito com competência e refletir 
sobre a lógica argumentativa, além de bom livro-texto para 
a disciplina. Mais uma mostra da capacidade e do preparo 
do autor.
Celso Cláudio de Hildebrand e Grisi 
Professor Titular da Faculdade de Economia 
e Administração da Universidade de São Paulo 
Bacharel em Direito pela USP
Capítulo I
A argumentação existente
Estudar argumentação não significa, hoje, rever discur­
sos empolados. Mas não resta dúvida de que, em sistema ju­
rídico aberto, essa disciplina alcança campo de estudo muito 
maior que o para ela reservado alguns anos atrás. Por quê?
"Terias preferido limpar os estábulos de Áugias"1, afir­
mou o imperador Cláudio a Hércules, querendo provar que 
o herói teria preferido fazer a limpeza daqueles estábulos, o 
que representara um de seus doze trabalhos, a administrar 
a justiça e ouvir a argumentação dos advogados. Realmen­
te, fica a impressão de que a argumentação, para quem a faz 
ou a escuta, seja algo enfadonho, ligado aos discursos lon­
gos, empolados e capciosos de advogados e políticos, que 
muito falam e pouco dizem. E, a julgar pela antiguidade da 
citação, essa impressão não é nova.
Mas será que toda argumentação é enfadonha?
Quando se pretende tornar um tema qualquer aplicável 
a determinada realidade, não se pode afastar dela. Assim, 
se aqui se tem o anseio de, como já apresentado na Introdu­
ção, rever algumas técnicas argumentativas para colaborar 
com o operador do Direito na construção de seu discurso 
persuasivo, ou seja, na forma de tomar mais convincentes 
suas teses, precisamos, a princípio, saber se existe realmen­
te compatibilidade entre a teoria e a prática, se o mundo real 
demanda ou ao menos aceita as técnicas argumentativas a 
serem desenvolvidas.
1. "Maluisses cloacas Augeae purgare". In: TOSI, Renzo. Dicionário de sen­
tenças latinas e gregas, p. 747.
2 ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
Em outras palavras, para dar continuidade à questão 
anterior, procuremos apresentar a resposta a esta pergun­
ta: para o operador do Direito atual é importante bem ar­
gumentar?
A resposta não é imediata. A experiência na atividade 
forense não raro tem mostrado a toda classe de operadores 
do Direito algo como a massificação da atividade: os advo­
gados, com demandas em excesso, algumas delas financei­
ramente pouco promissoras, utilizam-se dos recursos tec­
nológicos para reproduzir argumentações copiadas de tex­
tos já existentes, nem sempre com propriedade. Juizes, dian­
te da obrigatoriedade de dar célere desfecho às lides sob 
sua presidência, proferem julgados cujo relatório mal per­
mite ao leitor depreender que seu autor tenha sequer to­
mado conhecimento da extensão e dos limites do processo. 
Na fundamentação das decisões judiciais a praxe não al­
cança caminho diverso: a pressa em proferir a decisão e a 
repetição das teses levadas a juízo justificam, ao menos na 
aparência, discursos progressivamente sucintos ou padro­
nizados, com remissões a outros julgados como prova de 
legitimidade do posicionamento adotado, quando não se 
furtando a responder a argumentos pertinentes de ambas 
as partes demandantes, que merecem, na exposição do ra­
ciocínio do julgador, a demonstração do devido provimen­
to jurisdicional.
Mas esse problema não é exclusivo do discurso jurídi­
co e pode ser encontrado em todo o contexto social, que 
ousamos rapidamente invadir.
A linguagem se dinamiza, e, à medida que a velocidade 
de transporte de informações aumenta, diminui - ao menos 
é o que parece - o espaço para a construção do raciocínio 
argumentativo. Isto é observável em nosso cotidiano: su­
portes eletrônicos armazenam quantidade inimaginável de 
texto, um disco de leitura de computador consegue guardar 
mais jurisprudência que, quiçá, uma biblioteca inteira; mais 
que isso, todo esse teor de informações pode ser transporta­
do virtualmente pela internet, em questão de fração de se­
gundos, para o ponto mais distante do globo.
A ARGUMENTAÇÃO EXISTENTE 3
Ter à disposição um número excessivo de informações, 
a exemplo do mundo virtual levado a efeito pela internet, 
não significa, porém, maior possibilidade de construção de 
raciocínio. De forma paradoxal, parece que o efeito é total­
mente inverso: uma geração criada com as inúmeras infor­
mações da televisão e da internet parece - ao menos parece
- cada vez menos capaz de uma construção argumentati- 
va competente, de elaboração de teses e raciocínios con­
vincentes.
Isto porque, nesse excesso de informações, dispensa­
mos cada vez menos atenção aos raciocínios mais comple­
xos. O fluxo informativo é tão caudaloso que qualquer com­
binação entre enunciados mais intrincados, ao menos nas 
matérias humanas, parece ser de menor importância, dis­
pensável. Não há tempo de compreendê-lo, quanto mais 
de elaborá-lo. A velocidade de produção e absorção de in­
formações não permite reflexão aprofundada.
Tomemos por exemplo um jornal impresso qualquer, 
desses de grande circulação nacional. Um periódico mo­
derno tem várias seções: empregos, internacional, cultura, 
informática, imóveis, tecnologia, caderno rural, cada qual 
com sua miríade de informações, produzidas por agências 
de notícias espalhadas pelo mundo. São tantas as informa­
ções disponíveis ao alcance da redação do jornal que fica 
difícil selecionar o que irá ser publicado. Nesse contexto, as 
notícias, porque várias, assumem tamanhos menores, sen­
do raras as reflexões, as opiniões aprofundadas a respeito 
de cada uma delas, salvo em uma ou outra página de edito­
rial ou em um destaque especial. O periódico que trouxer 
notícias muito longas, procurando conduzir seus leitores a 
uma reflexão mais aprofundada, pode ver surgir contra si um 
efeito deletério: dispondo de pouco tempo para absorver in­
formações, os leitores elegem o jornal concorrente, que lhes 
fornece conteúdo parecido, exigindo menor leitura.
Pior ainda ocorre com um jornal televisivo, que conta 
com minutos e segundos cronometrados para apresentar um 
denso, ou melhor, um extenso conteúdo informativo: suas
4 ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
notícias serão compactadas ao extremo, e procurar-se-á asi­
lo nas imagens para complementar a linguagem telegráfica 
que o compõe.
Tudo isso não é novidade, apenas ilustração: queremos 
velocidade na comunicação porque temos pouco tempo dis­
ponível para qualquer atividade, principalmente as secun­
dárias. Maximizar produção, otimizar o tempo,aplicar a 
reengenharia das atividades são máximas do discurso da 
Administração de Empresas, que convergem para um úni­
co ponto: a necessidade de cortar excessos, de concentrar 
informações, de não se estender em raciocínios que não se­
jam, antes de tudo, produtivos. Daí, no contexto empresarial, 
a comunicação sempre direta, as mensagens curtas, as reu­
niões céleres, a tecnologia fazendo por si só tudo quanto 
lhe for possível.
Quando voltamos à área jurídica - percebe-se - a reali­
dade não é em nada diversa, seguindo essa mesma tendên­
cia: as petições são feitas com forçosa rapidez, muitas vezes 
recheadas de julgados de pertinência discutível, mas a que 
se tem fácil acesso. O trabalho argumentativo afigura-se 
menos compensador porque surte resultados progressiva­
mente menores: na medida em que os juizes não se persua­
dem com a leitura, o tempo de redação de um texto suasório 
ou o tempo de preparação de um discurso para convenci­
mento, na reengenharia moderna, pode ser mais bem utili­
zado na realização de uma audiência, na apreciação de ou­
tro processo, em outra reunião em que se cuide de maior 
valor econômico etc.
É aí que a argumentação parece perder espaço na ativi­
dade do advogado e, conseqüentemente, dos demais ope­
radores do Direito. A produção exige fins e não meios, e a re­
tórica do advogado aparece como exemplo mais corriqueiro 
de um meio pouco adequado ao fim perseguido, o resultado 
interessante ao cliente.
Será possível, realmente, encarar hoje a argumentação 
dessa maneira? Para se falar bem claro, é possível crer que, 
para o advogado de hoje, é necessário mais o conhecimen­
A ARGUMENTAÇÃO EXISTENTE 5
to jurídico propriamente dito e menos a retórica, a argu­
mentação? E a teoria da argumentação seria algo do passa­
do, daqueles advogados antigos que gostavam de discursos 
longos e monótonos, que seriam totalmente inadequados 
ao ritmo da advocacia moderna? A argumentação é coisa do 
passado?
Manuel Atienza, na introdução de seu trabalho As ra­
zões do direito2, traz como premissa a seguinte afirmação:
Ninguém duvida que prática do Direito consista, fun­
damentalmente, em argumentar, e todos costumamos con­
vir em que a qualidade que melhor define o que se entende 
por um "bom jurista" talvez seja a sua capacidade de cons­
truir argumentos e m anejá-los com facilidade.
A premissa é agradável e precisa a todos os estudiosos, 
mas nossa humilde experiência em sala de aula tem de­
monstrado que a idéia de capacidade argumentativa como 
qualidade principal do jurista não tem sido aceita de forma 
tão unânime como observa o autor. Visões imediatistas ou 
reducionistas do Direito, observadas do prisma mercadoló­
gico, por vezes trazem a ilusão de que a argumentação seja 
atividade de menor importância para o advogado, como es­
tudo, por assim dizer, antiprodutivo. Daí a necessidade des­
tas informações iniciais, dando conta de que a argumenta­
ção é trabalho importante de todo operador do Direito, por 
mais grave que seja sua demanda por produção.
Vamos responder negativamente. A argumentação é 
tão imprescindível ao operador do Direito quanto o conhe­
cimento jurídico. Como atividade provinda do raciocínio 
humano, o Direito não se articula por si só, daí porque so­
mente pode ser aplicado através de argumentos. São os ar­
gumentos os caminhos, os trilhos da articulação e da apli­
cação do Direito.
No Direito, nada se faz sem explicação. Não se formu­
la um pedido a um juiz sem que se explique o porquê dele,
2. As razões do direito, p. 19.
6 ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
caso contrário diz-se que o pedido é desarrazoado. Da mes­
ma forma, nenhum juiz pode proferir uma decisão sem ex­
plicar os motivos dela, e para isso constrói raciocínio argu- 
mentativo.
Sem argumentação, o Direito é inerte e inoperante, 
pois fica paralisado nas letras da lei, no papel. A partir do 
momento em que se exercita o Direito - e é essa a função 
de todo profissional que nessa área atua - , a argumentação 
passa a ser imprescindível. Ela surge de várias fontes: da 
doutrina dos professores que interpretam e analisam o or­
denamento jurídico, das peças dos advogados que articu­
lam teses para adequar seu caso concreto a um ou a outro 
cânone da lei, da decisão dos juizes que justificam a adoção 
de determinado resultado para um caso concreto.
Argumentação é instrumento de trabalho do próprio 
Direito, e então é objeto de previsão legal. Quando a Cons­
tituição fala em fundamentos da decisão legal, evidentemen­
te está se referindo aos argumentos formulados pelo Poder 
Judiciário (embora ainda façamos alguma distinção entre 
fundamentação e argumentação propriamente dita, mas 
com princípios muito próximos). Quando determinado re­
curso cuida a respeito das razões, pede os argumentos que o 
sustentam, caso contrário será inoperante.
Os argumentos são também a própria essência do ra­
ciocínio jurídico. A teoria do Direito somente é aceita na me­
dida em que bons argumentos a sustentem, e também só 
pode ser aplicada a um caso concreto se outros argumentos 
demonstrarem a coerência entre estes e a teoria.
Nesse contexto, quem mais argumenta, melhor opera 
o Direito, melhor o aplica.
O conhecimento jurídico propriamente dito represen­
ta, então, uma série de informações que se encontram à dis­
posição do argumentante, mas elas por si mesmas não ga­
rantem a capacidade de persuasão. Informações puras não 
se combinam, não fazem ninguém chegar a conclusão al­
guma, a não ser que sejam intencionalmente dirigidas, arti­
culadas para convencer alguém a respeito de algo.
A ARGUMENTAÇÃO EXISTENTE 7
Por exemplo: uma folha de antecedentes criminais do 
réu juntada aos autos de um processo constitui uma infor­
mação, assim como um livro de doutrina jurídica representa 
também um conteúdo informativo denso em relação a um 
caso concreto que se pretenda defender. Eles não têm fun­
ção autônoma para alterar o resultado de um processo judi­
cial qualquer, a não ser que sejam invocados como razão, 
intencionalmente, por um trabalho de raciocínio: a folha de 
antecedentes, revelando primariedade do acusado, pode 
convencer um juiz a aplicar-lhe uma pena no mínimo legal, 
assim como a citação de um trecho do livro de doutrina ju­
rídica pode convencer a respeito de determinada tese, expli­
cada e defendida por uma reconhecida autoridade no cam­
po do Direito. Em ambos os casos, à informação foi aplica­
do um raciocínio argumentativo, e somente a partir disso ela 
passou a surtir um efeito prático.
Assim, a argumentação é a própria prática do Direito, é 
como ele se opera, principalmente nas lides forenses. En­
gana-se quem pensa que apenas o conhecimento jurídico 
interessa ao operador do Direito, pois este representa con­
teúdo essencialmente informativo.
Por isso, voltando à nossa primeira questão formulada, 
pode-se dizer que nem toda argumentação é enfadonha, 
pois assim o próprio Direito o seria. A argumentação é a 
prática e a dinâmica da operação do Direito, o que nele há 
de mais ágil e concreto. E vale estudá-la como meio de 
aprimoramento da atividade jurídica como um todo. Toda­
via, quem pensa em construção argumentativa como aque­
le discurso retórico complexo, gongórico, e no estudo da 
argumentação com reiterada referência a escolas clássicas, 
pode-se supreender com o estilo deste livro. O que faremos 
será constituir um estudo com método que efetivamente 
contribua para a atividade do operador do Direito, de for­
ma que enriqueça sua enunciação argumentativa e tenha 
parâmetros e exemplos suficientes para conhecer a boa ar­
gumentação e assim poder aplicá-la ao conjugar-se com seu 
conhecimento jurídico em busca de um resultado pretendi­
do. Basta conhecer os métodos.
8 ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
Um mínimo escorço histórico
O estudo da argumentação data de antes de Cristo, e 
sua evoluçãona Antiguidade pode merecer análise apro­
fundada para aquele que aprecie a matéria. Porém aqui pre­
ferimos não nos prolongar nesse percurso histórico, apenas 
naquilo que se faz essencial para realçar a importância do 
estudo desta nossa matéria no Direito atual.
É porque recentemente passaram a existir trabalhos 
pioneiros de inserção da disciplina de argumentação nas 
faculdades de Direito brasileiras e, sem falsa modéstia, te­
mos atualmente a honra de participar e dirigir tal matéria em 
instituições que se preocupam muito com a formação aca­
dêmica integral de seus alunos, que ora nos ocupamos em 
demonstrar como o estudo dessa disciplina bem se aplica 
ao Direito. Mas foi no início de 1970 que um filósofo do Di­
reito, e também lingüista, Chaím Perelman (autor, dentre 
outras obras, do Tratado da argumentação: a nova retórica, já 
com edição brasileira pela Martins Fontes, 1996) inseriu o 
curso de argumentação na Universidade de Bruxelas. Por 
isso, recorremos a ele para discorrer uns poucos parágrafos 
a respeito da pertinência deste estudo, e desta disciplina, 
na visão atual que se tem do Direito, ainda que incorramos 
em certo reducionismo, ou seja, na falta de consideração de 
alguns fatores muito importantes no assunto.
O autor nota que, durante séculos, o papel da argu­
mentação no Direito era secundário porque as decisões ju ­
diciais não necessitavam ser fundamentadas. O juiz, que 
deveria buscar antes de tudo o "justo", tinha fontes do Di­
reito não muito claras e não raro confundia - porque assim 
o era - os preceitos jurídicos com critérios morais e religio­
sos. O Direito restringia-se quase à atribuição de certos ór­
gãos para legislar e outros para aplicar a lei. Sem a necessi­
dade de fundamentação específica dos julgados, de persua­
são racional, era natural que o papel da argumentação e de 
seu estudo fosse alijado a segundo plano, ainda que valores 
e maior subjetividade fossem elastério para a aplicação de
A ARGUMENTAÇÃO EXISTENTE 9
elementos de persuasão. Pense-se, por exemplo, no abso- 
lutismo monárquico, em que o rei intervinha nas decisões 
judiciais e raramente se encontravam sentenças com gran­
des fundamentos, somente uma sucinta exposição de con­
texto probatório.
Por isso Perelman elege a Revolução Francesa como 
marco importante para a diferenciação de todo esse con­
texto. De fato, o advento da separação de poderes, as leis es­
critas e a obrigatoriedade de fundamentação das decisões 
judiciais trouxeram à tona a necessidade da construção do 
discurso, dos processos escritos, da racionalização do pro­
cesso de construção do Direito. Depois de muito tempo de 
arbitrariedade, a Revolução Francesa marca como maior va­
lor jurídico a segurança e a igualdade, ali entendidos como 
conformidade da decisão com a lei prévia. O juiz submete- 
se à letra da lei, e é isso o que mais há de relevante em sua 
atividade: a racionalização como fuga ao subjetivismo e aos 
privilégios.
E em todo esse contexto misturam-se as idéias de Dar- 
win, determinando uma origem genética para a raça huma­
na em evolução de espécies, Freud dizendo que pode inter­
pretar sonhos e descobrir a origem para as personalidades, 
seguidores de enciclopedistas opondo-se à fé e recontando 
a história, e assim a cultura como um todo aproxima-se do 
auge do empirismo, da impressão de que, grosso modo, to­
dos os fenômenos podem ser explicados no laboratório. E 
enquanto o mundo vive o fascínio, como ilustra o persona­
gem Brás Cubas, da "pura fé dos olhos pretos e das consti­
tuições escritas", quando passa "fazendo romantismo prá­
tico e liberalismo teórico", no campo das ciências humanas 
floresce o positivismo de Comte, refratado no Direito por 
pensadores como Duguit e Hans Kelsen. O Direito afasta- 
se definitivamente do jusnaturalismo, da crença de que exis­
tam valores superiores às leis postas e, assim, procura siste­
matizar sua atividade com o raciocínio e o cálculo quase 
cartesiano em sua aplicação. Evolução louvável, mas que 
parece trazer à argumentação, à linguagem natural e às téc­
10 ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
nicas de persuasão menor valor, porque afastados da exati­
dão que demandava o raciocínio jurídico àquele tempo, im­
pregnado de concepções naturalistas.
Porém a crença nos valores exatos e deterministas che­
ga a tal ponto que um tirano calcula que consegue desen­
volver empiricamente uma raça naturalmente superior no 
mundo, a ariana. Tal superioridade física justificaria, de for­
ma empírica, a dominação e o possível extermínio das raças 
inferiores. Assim, a Segunda Grande Guerra chegou a ex­
tremos de quase conduzir a humanidade à extinção. Ao 
mesmo tempo, o ser humano observa a matemática e a en­
genharia, que construiu máquinas absolutamente moder­
nas, que tanto eram admiradas, incrementar o instrumental 
bélico e transformar-se em potencial de morte e extermí­
nio. Mais ou menos por esse percurso é que Perelman ele­
ge o processo de Nuremberg como marco de uma nova vi­
são na filosofia do Direito, quando demonstrou que um Es­
tado poderia ser criminoso. Em outras palavras, ainda que 
juridicamente posto, o Estado poderia ser tremendamente 
injusto. E cruel.
Entre a Revolução Francesa e o processo de Nuremberg 
o que se viu foi a valorização do aspecto absolutamente for­
mal e sistemático do raciocínio judiciário, embora atualmente 
este entendimento seja tido como parcialmente superado. É 
que se percebe que trabalhar com valores sociais, com ex­
pectativas e com conceitos mais amplos, ou confusos, como 
justiça e igualdade, também é tarefa do Direito como maté­
ria humana. Nas palavras de Perelman, "faz algumas déca­
das que assistimos a uma reação que, sem chegar a ser um 
retorno ao Direito natural, ao modo próprio dos séculos XVII 
e XVIII, ainda assim confia ao juiz a missão de buscar, para 
cada litígio particular, uma solução eqüitativa e razoável, pe- 
dindo-lhe ao mesmo tempo que permaneça, para consegui- 
lo, dentro dos limites autorizados por seu sistema de Direito".
O Direito como processo absolutamente empírico e na­
turalista está superado. As mais diversas áreas de seu estu­
do estão progredindo cada vez mais para acrescentar valo­
A ARGUMENTAÇÃO EXISTENTE 11
res e possibilidade de argumentação em cada processo e até 
mesmo conceito da ciência jurídica. Os conceitos têm-se 
flexibilizado para poder trabalhar paradigmas humanos e 
acrescentar carga valorativa a seu processo de aplicação.
Nesse sentido, o ordenamento jurídico não mais signi­
fica verdade absoluta de um sistema fechado, até porque, 
como veremos, algumas características suas, indeclináveis, 
impedem-no de contar com essa exatidão. Encarar o Direi­
to como sistema aberto, que permite a analogia, a compa­
ração, a absorção de características próprias da sociedade 
cultural implica dar maior relevo à atividade argumentati­
va, que demonstra, entre as várias soluções possíveis para 
uma lide, uma mais razoável. Assim, o ordenamento jurídi­
co não é posto de lado, mas encarado como fator orienta­
dor e limitador de uma atividade argumentativa que se ini­
cia com aquele que pleiteia a aplicação da norma e termi­
na com aquele que a decide, todos em um grande processo 
comunicativo.
E a tendência à abertura da hermenêutica do sistema 
jurídico tem feito desta matéria, a argumentação, algo acei­
to e cada vez mais aprofundado nas faculdades de Direito, 
o que é bastante proveitoso.
Capítulo II
O argumento
Para compreender a argumentação deve-se abandonar 
o conceito binário de certo/errado. No Direito concorrem te­
ses diferentes, e não necessariamente existe uma verdadeira 
e outra falsa. O que existe é, no momento da decisão, uma 
tese mais convincente que as demais.
Vimos que a argumentação é necessária àquele que tra­
balha com o Direito, pois o conhecimento jurídico desen­
volve-se por meio de argumentos.Mas o que são os argumentos? Sem nenhuma dúvida, 
definir o argumento de um modo bastante simples terá para 
nós efeito prático.
Acompanhemos, então, essa definição.
Os três tipos de discurso
Argumentar é a arte de procurar, em situação comuni­
cativa, os meios de persuasão disponíveis.
A argumentação processa-se por meio do discurso, ou 
seja, por palavras que se encadeiam, formando um todo 
coeso e cheio de sentido, que produz um efeito racional no 
ouvinte. Quanto mais coeso e coerente for o discurso, maior 
será sua capacidade de adesão à mente do ouvinte, por­
quanto este o absorverá com facilidade, deixando transpa­
recer menores lacunas.
Desde Aristóteles, adota-se uma divisão tripartite en­
tre os tipos de discurso. O critério de diferenciação entre eles 
é o auditório a que se dirige, ou seja, quem são os destinatá­
rios finais das mensagens transmitidas pelo discurso. Para 
cada tipo de auditório, uma maneira distinta de compor o 
texto que lhe será levado a conhecimento.
ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
Pode-se citar Aristóteles:
São três os gêneros da retórica, do mesmo modo que 
três são as categorias de ouvintes dos discursos. Com efeito, 
um discurso comporta três elementos: a pessoa que fala, o 
assunto de que se fala e a pessoa a quem se fala. O fim do 
discurso refere-se a esta última, que eu chamo o ouvinte. O 
ouvinte é, necessariamente, um espectador ou um juiz. Se 
exerce a função de juiz, terá de se pronunciar ou sobre o pas­
sado ou sobre o futuro. Aquele que tem de decidir sobre o 
futuro é, por exemplo, o membro da assembléia. O que tem 
de se pronunciar sobre o passado é, por exemplo, o juiz pro­
priamente dito. Aquele que só tem que se pronunciar sobre 
a faculdade oratória é o espectador.1
São os tipos de discurso em Aristóteles:
a) O discurso deliberativo é aquele cujo auditório é uma 
assembléia tal qual um senado - atual ou da Grécia 
antiga. A assembléia é chamada a decidir questões 
futuras: um projeto, uma lei que deverá ser aplicada, 
o direcionamento de um ou outro plano para se atin­
gir uma meta. Enfim, questões políticas, em que se 
discute o que é útil, conveniente ou adequado.
b) O discurso judiciário é aquele que se dirige a um juiz 
ou a um tribunal. Nele decidem-se questões que di­
zem respeito ao tempo pretérito. Tudo o que está do­
cumentado em um processo qualquer são, evidente­
mente, questões do passado, ainda que possam tra­
zer como resultado eventos futuros. Tais fatos pas­
sam por um esclarecimento, para que se comprove 
sua ocorrência de determinada forma, e depois vão 
a julgamento, quando são atingidos por um juízo de 
valor, para que se lhes aplique determinada con­
seqüência.
Para Aristóteles, o discurso judiciário pode ser a 
acusação ou a defesa. E esse o tipo de discurso que
1. Arte rctórica. Capítulo III.
O ARGUMENTO 15
aqui mais nos interessa, na medida em que nos pro­
pomos a tratar da argumentação jurídica, 
c) O discurso epidíctico ou demonstrativo é aquele co­
locado a uma platéia para louvar ou censurar deter­
minada pessoa ou fato, não se interagindo com o ou­
vinte a ponto de este necessitar tomar posição sobre 
o que lhe é relatado. Esse é o tipo de discurso, por 
exemplo, dos comícios políticos atuais, a que com­
parecem apenas os eleitores daquele a quem cabe a 
fala principal, diante de uma enorme platéia, enalte­
cendo seus próprios predicados.
Mesmo no discurso demonstrativo, em que não existe 
contraditório, está presente a arte retórica, de valorizar os 
pontos favoráveis àquele que fala. Por exemplo, é porque 
em um comício político um candidato não encontra, em 
número relevante, opositores a quem discursar que sua fala 
pode deixar de trilhar um caminho argumentativo que leve 
à adesão de seus ouvintes às idéias que são momentanea­
mente proferidas.
Veja-se que curioso o trecho de Arte retórica, de Aristó­
teles, intitulado "Habilidade em louvar o que não merece 
louvor":
Convém igualmente utilizar os traços vizinhos daque­
les que realmente existem num indivíduo, a fim de os con­
fundir de algum modo, tendo em mira o elogio ou a censura; 
por exemplo, do homem cauteloso, dir-se-á que é reservado 
e calculista; do insensato, que é honrado; daquele que não 
reage a coisa alguma, que é de caráter fácil [...]. Importa 
igualmente ter em conta as pessoas diante das quais se faz o 
elogio, pois, como diz Sócrates, não custa louvar os atenien­
ses na presença de atenienses.2
O que têm em comum os três tipos de discurso vistos? 
A resposta é simples: todos procuram convencer. Ainda no
2. Idem, p. 63.
16 ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
discurso demonstrativo, cuja única finalidade é enaltecer ou 
criticar determinada pessoa ou atitude, procura-se conven­
cer os ouvintes a respeito daquilo que se fala: que determi­
nada pessoa é importante, que só tem qualidades etc.
Mas a platéia que temos, quando nos voltamos à ativi­
dade principal do operador do Direito, é o juiz ou tribunal, 
e, se o Poder Judiciário existe para pacificar contendas, tem- 
se duas partes debatendo. Quando se argumenta nas ativida­
des forenses, na acusação ou na defesa, não se tem como 
fim principal a deliberação ou o elogio, mas sim a vitória em 
uma controvérsia.
E a idéia de controvérsia nos conduz a alguns outros 
comentários um tanto pertinentes. Como a disputa é con­
dição do discurso judiciário, este reveste-se de qualidades 
que lhe são peculiares, que vale compreender.
A disputa entre dois certos
Participar do discurso judiciário é envolver-se em uma 
demanda, em uma disputa entre partes. Cada uma das par­
tes, como bem se sabe, procura obter para si o melhor re­
sultado: a sentença e o acórdão favorável. Para isso, têm de 
fazer vingar uma tese, que envolve questões relativas à pro­
va dos fatos alegados e à incidência de determinado insti­
tuto ou conseqüência previstos por lei, para que se aplique 
o Direito ao efetivo caso concreto. Por isso as partes se di- 
gladiam, afinal, seria desnecessário um juiz se não houves­
se controvérsia: poderia ser fechado um acordo de vontades, 
tal qual ocorre na assinatura de um contrato. Mas não é as­
sim, naturalmente: cada uma das partes, quando se socorre 
do Poder Judiciário, entende estar com a razão, às vezes 
lançando sobre a realidade um olhar por demais compro­
metido com seus próprios interesses. Na justiça criminal 
assim também ocorre, pois, ainda que um réu venha a re­
conhecer seu erro pelo cometimento de um delito, sempre 
entenderá merecer reprimenda mais leve que a que seu per- 
secutor lhe deseja.
O ARGUMENTO 17
No Direito, quando se fala em disputa havida por meio 
da argumentação, surge, primariamente, sempre a idéia do 
justo. Se duas partes debatem, é natural que se entenda que 
ao menos uma delas não deva estar com a razão, não seja 
acobertada pelo Direito, pois não é possível que duas idéias 
contrárias estejam certas.
Sob tal ótica, a argumentação ou a retórica seriam um 
instrumento de fazer com que aquele que não tem razão se 
valha de artifícios formais para enganar o julgador3. Quem 
nunca viu um advogado ser chamado de velhaco porque 
disfarça a verdade através de truques, de falácias em seu 
discurso?
Essa idéia não é rara, mas bastante tragicômica. Em um 
evidente prejulgamento, entende-se a argumentação como 
um debate entre um certo e um errado. Ora, se duas teses são 
conflitantes, uma é correta, outra não, e a disputa da argu­
mentação somente viria a revelar quem é essa parte que 
procura fazer uma comprovação impossível. Assim, o de­
bate argumentativo poderia ser comparado àquelas ima­
gens dos desenhos animados: a personalidade do protago­
nista divide-se em dois pólos diferentes: à esquerda, sua 
imagem travestida de demônio o tenta a uma atitude eviden­
temente má, enquanto a mesma figura, travestida de anjo, 
tenta dissuadi-lo, mostrando-lhe o caminho dobem. Fácil sa­
ber quem tem a razão, qual o melhor caminho, apenas de­
cidindo-se procurar a forma angelical.
Alguns tentam ver as lides processuais com a mesma 
obviedade que o jocoso discurso entre o anjo e o demônio, 
afirmando fazer uso do conceito de justiça. A disputa argu- 
mentativa seria uma lide em que se daria a oportunidade 
de retirar o véu que encobre a divisão entre o justo e o in­
justo: aquele que tem o direito e a justiça a seu lado reforça 
sua razão, mostrando, por meio de argumentos, que seu ra­
ciocínio é o único correto porque decorre de premissas vá­
3. "Fada, non verba" - Fatos, não palavras! Frase latina que indica que a 
argumentação é dispensável porque visa turbar a realidade.
18 ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
lidas. Qualquer comportamento está em acordo ou em de­
sacordo com o Direito e, portanto, se existe alguma diver­
gência entre duas partes, somente uma delas pode estar 
agasalhada pelo direito e/ou pela justiça.
Veja-se como Kelsen, cuja lição sempre constitui uma 
aula de raciocínio, defende, ao analisar a justiça no concei­
to de Aristóteles, a idéia de que dos fatos somente se pode 
fazer dois juízos: adequados ou inadequados ao ordena­
mento jurídico:
A afirmação de que uma virtude é o meio entre um ví­
cio de deficiência e um vício de excesso, com o entre algo 
que é pouco e algo que é muito, implica a idéia de que a re ­
lação entre virtude e vício é uma relação de graus. Mas, 
com o a virtude consiste na conformidade, e o vício na não- 
conformidade de uma conduta a uma norma moral, a rela­
ção entre a virtude e o vício não pode ser uma relação de 
graus diferentes. Pois, no que diz respeito à conformidade 
ou à não-conform idade, não há graus possíveis. Uma con­
duta não pode ser muito ou pouco, só pode ser conform e ou 
não conform e uma norma (moral ou jurídica); só pode con­
tradizer ou não contradizer uma norma. Se pressupomos a 
norma: os hom ens não devem mentir, ou - expresso positi­
vamente - os hom ens devem dizer a verdade, uma afirm a­
ção definida feita por um hom em é verdade ou não é verda­
de, é mentira ou não é mentira. Se for verdade, a conduta 
do hom em estará em conformidade com a norma; se for 
uma mentira, a conduta do hom em estará em contradição 
com a norm a.1
O ordenamento jurídico prescreve modelos de condu­
tas e sanções àquelas que aparecem em desacordo com a 
norma. Dele surgem problemas intrínsecos, como a hierar­
quia entre as normas, as antinomias e as lacunas. Daí a ne­
cessidade do discurso judiciário, que pode ser caracterizado 
como aquele que procura comprovar a conformidade ou o
4. O que é justiça?, p. 118.
O ARGUMENTO 19
afastamento das condutas humanas às prescrições jurídi­
cas. Mas isso não importa em dizer que, sempre que duas 
partes se encontram em litígio, uma necessariamente de­
fende uma conduta justa ou legal e a outra está afastada da 
norma jurídica, ou longe da justiça.
Vale a pena ler o texto abaixo, adaptado do filme Um 
violinista no telhado5, em que o protagonista, Tevie, escuta a 
discussão entre Perchik e outro aldeão, ambos contrapon­
do-se em suas opiniões:
Perchik - A vida é mais do que conversa. Deviam saber o 
que acontece com o mundo lá fora.
Aldeão - Por que esquentar a cabeça com o mundo? Que o 
mundo esquente a própria cabeça!
Tevie (apontando para o aldeão) - Ele tem razão. O Livro 
Sagrado diz: "Cuspindo para o alto, cairá em você."
Perchik - Não pode fechar os olhos para o que passa no 
mundo.
Tevie (apontando para Perchik) - Ele tem razão.
Avram - Um e outro têm razão? Ambos ao mesmo tempo 
não podem estar certos.
Tevie - Você também tem razão.
(Risos.)
Em obra de qualidade, como o citado filme, é evidente 
o teor ilustrativo de cada diálogo. O personagem Avram 
faz, no trecho recortado, observação final que pode ser tra­
duzida como: se dois personagens discutem e argumentam 
em teses antagônicas, ambos não podem estar certos! O 
pensamento do personagem rechaça a idéia de dois discor­
dantes ao mesmo tempo terem razão, porque aceitá-la se­
ria assentir com a impossível idéia de que duas verdades 
opostas coexistam.
Quantas dificuldades isso pode trazer! Imaginemos um 
juiz que prolate uma sentença dizendo que as teses de am­
bas as partes estão corretas; forçosamente nenhum litígio
5. A fidleron the roof. Warner Brother South Inc., 1971.
20 ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
seria resolvido, porque é impossível uma conclusão como 
essa. Uma das teses deve estar errada.
De fato, duas verdades opostas não coexistem. Ou uma 
conduta é contrária à lei ou não é, pois não se pode ser 
meio contrário à lei, como já visto. Quer dizer, é até possível 
que uma conduta seja permitida por uma norma jurídica e 
proibida por outra, mas aí entraríamos em conflito de nor­
mas, que não é nosso assunto aqui. O que de fato se tem é 
que um juiz não pode aceitar duas teses opostas como ver­
dadeiras, porque nesse caso seu julgamento seria inócuo, 
motivo pelo qual aponta como verdadeira apenas uma das 
teses, aquela vencedora em seu julgamento, em sua decisão.
Mas se duas verdades opostas não podem coexistir, 
duas argumentações opostas não significam necessariamen­
te que alguma delas seja incorreta.
Como isso pode acontecer?
Argumento e verdade
A argumentação não se confunde com a lógica formal, 
não sendo então equivalente à demonstração analítica, ab­
soluta, como acontece, por exemplo, em uma equação ma­
temática.
Em uma equação matemática verdadeira, somente se 
admite um resultado, fixando-se as variáveis. Sua resolução, 
passada em uma demonstração analítica, quaisquer que se­
jam os métodos válidos pelos quais ocorra, sempre chegará 
a um mesmo resultado.
Imaginemos dois matemáticos discutindo o resultado 
de uma equação bastante complexa. Cada um deles utiliza 
um método de resolução, mas chegam a resultados dife­
rentes: o matemático A demonstra que a proposição resul­
ta em 350, enquanto o B demonstra que ela, em vez disso, 
traz forçosamente o resultado de 700. O que se deduz des­
se contexto? Evidentemente, um dos matemáticos, A ou B, 
está erradol
O ARGUMENTO 21
O matemático lida com números, e estes representam, 
antes de tudo, exatidão. Na matemática ou em outras ciên­
cias exatas não existem opiniões ou posicionamentos, porque 
os números não o permitem. São linguagem artificial. Mas 
é um erro tentar aplicar ao Direito essa mesma premissa.
Quem argumenta não trabalha com a exatidão numéri­
ca, por isso se afasta do conceito binário de verdadeiro/falso, 
sim/não. Quem argumenta trabalha com o aparentemente ver­
dadeiro, com o talvez seja assim, com aquilo que é provável. E 
diante dessa carga de probabilidade com a qual se opera que 
surge a possibilidade de argumentos combinados comporem 
teses totalmente diversas, sem que se possa dizer que uma de­
las esteja certa ou errada, mas apenas podendo-se afirmar que 
uma delas seja mais ou menos convincente.
Vejamos um exemplo:
Conta-se que, em um plenário do júri, um promotor 
exibia aos jurados as provas processuais. Procurava, por­
tanto, na prática de um discurso judiciário, convencer os ju ­
rados a respeito de sua tese. Mostrava a eles, com muita pro­
priedade - argumentando que o laudo elaborado pela po­
lícia técnica concluía que havia 99% de chance de que o 
projétil encontrado no corpo da vítima fatal houvesse sido 
disparado pelo revólver de propriedade do réu. Queria di­
zer o acusador que o réu não poderia, diante daquela prova 
concreta, negar a autoria do crime.
Diante de tal fortíssimo argumento, a probabilidade 
matemática, o defensor, em tréplica, formulou aos jurados 
a seguinte pergunta retórica: "Suponhamos que eu tivesse 
um pequeno pote com cem balinhas de hortelã. E que eu, 
então, pegasse uma delas, tirasse do papel celofane que a 
envolve e, dentro dela, injetasse uma dose letal de um ve­
neno qualquer.Em seguida, que eu embrulhasse novamen­
te o caramelo letal, colocasse dentro do pote com outras 99 
balinhas idênticas e misturasse todas. Teria algum dos jura­
dos coragem de tirar do pote um caramelo qualquer, desem­
brulhá-lo e saboreá-lo? Certamente que não. Pois, se nin­
guém se arrisca à morte ainda que haja 99% de chance de
22 ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
apenas se saborear um caramelo de hortelã, ninguém pode 
condenar o acusado, ainda que haja 99% de chance de ha­
ver disparado sua arma contra a vítima!"
Conta-se que, lançando mão desse argumento, o de­
fensor conseguiu a absolvição de seu cliente.
Analisemos o exemplo. Trata-se de um discurso em que 
duas partes defendiam posicionamentos contrários, cada 
qual com seu argumento. A acusação procurava comprovar 
ser o réu o autor de um crime, enquanto a defesa negava tal 
autoria. Daí que, quando a acusação trouxe um argumento 
forte, a defesa procurou enfraquecê-lo perante os jurados.
Assim se esquematiza a argumentação:
Acusação: argumento forte, com uma prova concreta - 
99 chances em 100 de que a arma que efetuara os disparos 
fosse a do acusado, o que o colocaria indiscutivelmente 
como autor do crime.
Defesa: argumento mais fraco matematicamente: uma 
chance em 100 de que a arma não fosse a que efetuara os 
disparos. Todavia, esse 1% não autoriza a certeza, como de­
monstrou seu exemplo dos caramelos de hortelã.
Note-se que, nessa argumentação, cada qual tinha sua 
parcela de razão, embora ambos procurassem comprovar 
teses totalmente opostas.
Porém, ao mesmo tempo que valorizavam sua razão, 
ambos os argumentantes tinham sua parcela de falta de ra­
zão: ao argumento acusatório faltava revelar que realmente 
existia uma probabilidade de a arma letal não ser a do acu­
sado, enquanto ao argumento de defesa faltou dizer que, 
apesar da falta de certeza, as probabilidades apontavam far­
tamente para a razão da acusação.
A boa argumentação consistiu, no caso concreto, em 
valorizar para o ouvinte, no caso os jurados, aquilo que é 
meramente provável como se verdadeiro fosse. Tanto não é ver­
dade que daquela porcentagem pertinente à criminalística 
se possa inferir ser um acusado real autor de um crime 
(porque 99% não são 100%), quanto não é de todo verdade 
a conclusão que a defesa pretende inferir: a de que o teste
O ARGUMENTO 23
de balística não pode ser levado em consideração para a 
constituição da culpa do acusado.
Porque o processo não é matemático, mas matéria hu­
mana, não existe uma conclusão única: acusação e defesa 
estão, ao mesmo tempo, certas e erradas! O argumento, en­
tão, antes de ser um modo de comprovação da verdadeb, é ape­
nas um elemento lingüístico destinado à persuasão.
Argumento é elemento lingüístico porque se exterioriza 
por meio da linguagem. E, por isso, elemento que aparece 
inserto em um processo comunicativo, que deve ser o mais 
eficiente possível.
Argumento é destinado à persuasão porque procura fa­
zer com que o leitor creia nas premissas e na conclusão do 
retor, ou seja, daquele que argumenta.
Os objetivos e os meios da argumentação
Qual é o objetivo da argumentação? Quem argumenta 
tem, como objetivo final, fazer com que o destinatário da 
argumentação creia em alguma coisa, como já dissemos.
Tal idéia, no entanto, não é unânime, pois há quem 
afirme que o objetivo principal da argumentação vai além 
de levar o leitor a crer em algo, uma vez que o escopo últi­
mo do retor seria o de fazer com que o destinatário viesse a 
agir da maneira como se prescreve. E a diferença é relevante.
Quem defende que argumentar é primordialmente le­
var o ouvinte a agir de maneira determinada, no discurso 
judiciário, tem uma visão, curiosamente, ao mesmo tempo 
pragmática e utópica. Pragmática - explicamos já - porque 
é destinada ao resultado de modo bastante imediato. Defen­
6. João Mendes Neto (Rui Barbosa e a lógica jurídica, p. 27) comenta que 
a verdade é a conformidade do intelecto e da coisa (conformitas intelectas et 
rei). Entendemos que, para a argumentação, a definição é bastante válida, na 
medida em que o intelecto somente assume a coisa como um significante, 
uma representação.
24 ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
de, com sua parcela de razão, que o objetivo de quem argu­
menta é uma ação específica do ouvinte: o advogado que 
arrazoa um recurso, sustentando certa tese, intenciona que o 
magistrado - seu destinatário - pratique uma ação determi­
nada por ele: julgar a causa a seu favor. De nada adiantaria
- defende essa corrente aparentemente pragmática - o ma­
gistrado crer nas razões do advogado argumentante, mas 
não agir deferindo-lhe o pedido.
Porém os defensores dessa corrente tropeçam em um 
elemento da realidade que não se pode ignorar, sejam eles 
os casos em que fogem do alcance do trabalho argumenta- 
tivo os motivos que ensejam a ação do ouvinte. Entre a cren­
ça do ouvinte e sua ação determinada existe um claro em 
que, infelizmente, a argumentação não pode interferir.
Pode-se, com bons argumentos, convencer um fuman­
te de que muito maior do que o prazer que o cigarro pro­
porciona seriam os benefícios que imediatamente lhe viriam 
se deixasse o vício. Ele pode vir, por meio de elementos não 
raros de persuasão, a crer que é necessário abandonar o ci­
garro. Mas elementos exteriores à comunicação argumen­
tativa interferem na realidade - a exemplo da necessidade 
química de nicotina do fumante - e podem fazer com que 
ele não aja da maneira como se lhe prescreve. Melhor se o 
fizesse, mas a argumentação não pode, por si só, garanti- 
lo. O fumante crê, porém não age.
Outro exemplo: um advogado defende excelentemen­
te uma tese perante o tribunal. Dos três julgadores do caso, 
relator e revisor não lhe dão razão, fundamentando a tese 
da parte contrária. O terceiro juiz, entretanto, pensando so­
bre os argumentos que lhes foram dirigidos, crê que a tese 
do nosso argumentante, a despeito da opinião de seus co­
legas, é a correta. Todavia, uma questão exterior à argumen­
tação se lhe coloca: se agir da maneira como prescreve o ar­
gumentante, terá de discordar de seus colegas. Isso lhe trará
- pensa o magistrado - duas conseqüências desagradáveis, 
sendo a primeira delas o próprio fato de discordar de uma 
turma que há tempos é uníssona, e a segunda a necessidade
O ARGUMENTO 25
de redigir um voto, imprescindivelmente bem fundamen­
tado por dissuadir de seus colegas. O comodismo indevido 
assola o julgador, e ele, contrariamente a seu dever, deixa 
seu livre convencimento e sua independência funcional de 
lado, e, embora creia na tese defendida pelo argumentan- 
te, não age da maneira como lhe fora prescrito. Acaba por 
acompanhar o voto dos colegas.
Assim, para definir a argumentação não se pode apartar 
muito da realidade, devendo-se reconhecer que existe, en­
tre o crer e o fazer, um intervalo que a argumentação deveria 
alcançar, mas nem sempre o consegue, por mais eficiente 
que seja.
Essa idéia tem valor prático, pois todas as vezes que ar­
gumentamos precisamos ter em mente que o leitor deve ser 
levado a crer em algo. Fazê-lo crer na tese representa o obje­
tivo da argumentação.
E quais são os meios utilizados para esse objetivo?
Para que o leitor creia na tese é necessário que ela lhe 
seja transmitida de forma que seu raciocínio venha aderir ao 
percurso transmitido pelo leitor. Nesse ponto, a atividade fo­
rense (o discurso judiciário) tem algumas peculiaridades.
Quando um renomado jogador de futebol aparece na 
televisão e, em um comercial, afirma utilizar determinada 
marca de chuteiras, não há dúvida de que ele exerce um 
efeito de persuasão em seus espectadores. Em um anúncio 
como esse existe um argumento que não está expresso, 
mas pode ser resumido em: se esse atleta usa tal chuteira, 
é porque esse calçado é o melhor de sua categoria; afinal, 
um jogadordesse gabarito só pode usar produtos de pri­
meira linha.
Dúvidas não existem de que a figura daquele atleta re­
nomado, no comercial, funciona como uma forma de fazer 
crer na qualidade do produto anunciado. Afigura do joga­
dor é, então, parte de uma argumentação que dispensa um 
raciocínio complexo a ser transmitido, mas que ali existe sim­
ples e implícito, caso contrário o comercial não teria ne­
nhum efeito prático nas vendas do produto. Pode-se afir­
26 ARG UMENTAÇÂO JURÍDICA
mar que, no anúncio, foram predominantes a imagem e o 
conceito do jogador, sendo o raciocínio lógico um elemento 
imprescindível, porém de menor importância. De qualquer 
modo, existiam argumentos.
Se um indivíduo vai comprar um tênis esportivo, é fá­
cil (e muito provável) que valorize imagens associadas aos 
ídolos dos esportes. Mas quando um juiz avalia uma tese ju­
rídica, pouco (mas não nada)7 lhe importa a figura do argu- 
mentante, mas sim o raciocínio que lhe apresentam as partes, 
pois é um raciocínio desse tipo, em um percurso determi­
nado, que deve refratar-se em sua sentença.
O fator de persuasão mais válido no discurso judiciário é, 
então, o raciocínio jurídico, seja na interpretação da lei, seja na 
análise das provas. Acontece que esse raciocínio não é unidi- 
recionado, como já explicamos, pois a lógica jurídica não é 
exata8. Ele depende dos argumentos para ser exteriorizado.
E, ao se fazer essa exteriorização do raciocínio, o argu- 
mentante procura valorizar o que lhe é favorável, e isso se 
faz por meio de técnicas de argumentação.
Assim, pode-se dizer que, se o objetivo da argumenta­
ção é fazer crer em uma afirmação, seus meios são a hipertro­
fia dos elementos favoráveis, ou seja, a valorização deles.
7. Não deve causar espanto ao iniciante o fato de se afirmar que o julga­
dor é persuadido, ainda que em menor grau, por elementos externos aos pró­
prios argumentos que fazem parte do aqui chamado raciocínio jurídico. O que 
não se deve é retirar deste trabalho o objetivo prático, e para isso é necessário 
observar a realidade. Por exemplo, é impossível negar que quando se cita, 
para fundamentar uma peça, a doutrina de um famoso jurista, em parte se está 
valendo de sua imagem, tal qual faz o esportista de nosso exemplo ao anun­
ciar a marca de chuteiras.
8. Vale conhecer como o professor Alaôr Caffé Alves expõe esse tema: 
"Por isso, a Lógica formal jamais poderá orientar a ação dos homens. Por con­
seqüência, ela não pode ser a lógica dominante nos assuntos humanos, de­
vendo ser, a teoria da argumentação retórica, a única forma de justificar os va­
lores e os atos morais dos homens. A argumentação retórica, ao contrário da 
lógica simbólica ou Matemática - caracterizada por universal e, por isso, im­
pessoal, neutra e monológica - , supõe sempre o embate (dialético) de opiniões 
ou o confronto das ideologias e consciências no interior de situações e cir­
cunstâncias históricas determinadas e particulares" (Lógica, pensamento formal 
e argumentação, elementos para o discurso jurídico, p. 165).
O ARGUMENTO 27
Fazemos hipertrofias com freqüência, e elas não são mo­
nopólio do discurso jurídico. Desde a propaganda de uma 
famosa doçaria que diga que seus produtos propiciam sabo­
rosa energia ou doces momentos, em vez de dizer, obviamen­
te, que seus alimentos engordam demais, até um elogio a um 
colega de trabalho, afirmando-se que ele é muito compene­
trado em vez de lento em suas funções. Evidentemente, a 
argumentação jurídica desenvolve-se por meios mais com­
plexos, mas de mesma natureza: a valorização dos aspectos 
favoráveis à tese defendida.
O advogado que defende uma tese em juízo procura 
um percurso argumentativo eficiente naquilo que é mais 
persuasivo a seu leitor: o raciocínio jurídico válido.
Fortalecer o raciocínio jurídico válido é a tarefa de quem 
procura chegar a um resultado efetivo.
Características da argumentação
Visto o que se entende por argumento e os meios da 
argumentação, cabe sistematizá-los em algumas breves ca­
racterísticas, que serão retomadas com maior profundidade 
no decorrer dos capítulos posteriores.
A argumentação diferencia-se da mera demonstração 
porque tem o ouvinte, o interlocutor como alvo. A demons­
tração é absolutamente impessoal e, exagerando, poderia 
ser realizada por uma máquina, como já foi aqui afirmado, 
tal qual o computador resolve qualquer equação matemáti­
ca. E, assim, axiomática e segue um percurso definido por 
sistemas formais de raciocínio.
Para que possa haver um raciocínio demonstrativo for­
mal, em sistema fechado, como aponta Olivier Reboul, é ne­
cessário que coexistam três condições: a) que não haja am­
bigüidades na significação dos signos - por isso a matemá­
tica se utiliza de uma linguagem artificial (o número um, o 
zero, o dois... são meros conceitos); b) o sistema deve ser 
coerente - não se pode afirmar dentro dele sua proposição e
28 ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
negação: assim os sistemas de raciocínio formal progridem 
de modo único e não encontram contradições e quebra de 
coerência; c) o sistema deve ser completo - vale dizer que 
para cada proposição formada em um sistema deve-se ter 
condições de demonstrar sua verdade ou falsidade. Em ou­
tras palavras, cada proposição feita no sistema axiomático 
deve trazer uma resposta única, um resultado inequívoco e 
não pode haver proposições, se aceitas pelo sistema, que não 
encontrem resultado seguro.
Todas essas características de um sistema formal em 
muito se afastam de nosso esquema argumentativo. A ar­
gumentação traz, ainda aproveitando-nos de Reboul, cinco 
características que devemos compreender, para aprofundá- 
las em momentos seguintes do nosso estudo. São elas:
a) A argumentação dirige-se a um auditório.
Sempre argumentamos para alguém, diante de alguém.
Os argumentos e a progressão do discurso devem variar de 
acordo com aquele a quem este é direcionado. Tal caracte­
rística é objeto de nosso estudo, principalmente quando 
tratarmos a intertextualida.de.
b) Utiliza-se de língua natural.
Ponto muito importante. Quando argumentamos, uti- 
lizamo-nos da mesma linguagem com que nos comuni­
camos no dia-a-dia. E isso sujeita a construção argumen- 
tativa a diversas regras, que são as mesmas da comunica­
ção em geral. Se, por um lado, a língua natural dificulta o 
trato com os argumentos, já que eles não podem vir dis­
sociados de uma enunciaçâo, por outro confere-lhes uma 
série infindável de recursos: o trato com a palavra. Assim, 
os mesmos recursos da enunciaçâo em geral, da lingua­
gem como um todo, aplicam-se integralmente à constru­
ção argumentativa. Tais características serão exploradas 
neste livro, principalmente quando tratarmos de competên­
cia lingüística.
c) Suas premissas são verossímeis.
Essa característica foi matéria do presente capítulo, por­
que contida na classificação do argumento. Da realidade re­
O ARGUMENTO 29
duzimos seu contexto, para fixar pontos de partida impres­
cindíveis ao início da construção do discurso. Esses pontos 
de partida, como os demais argumentos, não são prova de 
verdade, mas sim elementos de demonstração de probabili­
dade. Mais convincente o argumento quanto mais verossí­
mil for, e nisso também se enquadra a forma, a enunciação.
d) A progressão depende do orador.
Quando se argumenta se faz constante seleção de ele­
mentos lingüísticos que podem vir a compor o discurso. Co­
gitamos o melhor argumento, as melhores palavras, as cita­
ções mais adequadas, formulam-se introduções, conclusões, 
prolongam-se ou encurtam-se exemplos... Tudo à livre es­
colha daquele que constrói seu discurso, quer seja oral, quer 
escrito. Quem defende que, por exemplo, para a constru­
ção de um recurso judicial exista um padrão de progressão 
argumentativa indeclinável está evidentemente ocultando 
do estudante uma visão realistada atividade suasória, nes­
se caso no contexto jurídico.
Fazer progredir um discurso é atividade do intelecto 
humano.
A progressão da argumentação será abordada nos capí­
tulos que tratam da coerência e da ordem dos argumentos.
e) As conclusões são controvertidas.
Ao contrário da lógica formal, a argumentação permite 
conclusões controvertidas. Veja-se: a lógica formal, como 
lembra Atienza, move-se no terreno da necessidade. Um 
raciocínio demonstrativo ou lógico-dedutivo importa neces­
sariamente que a passagem de uma premissa para a conclu­
são seja determinada. Mas a argumentação move-se na 
mera probabilidade. Os argumentos, na retórica, não de­
monstram provas evidentes, por isso é possível chegar-se a 
conclusões controvertidas, quando se avança em raciocínios 
retóricos por trilhas distintas. Nenhuma conclusão é, por 
fim, absolutamente verdadeira, ainda que o orador a anun­
cie como verdade ímpar, como único raciocínio aceito. Um 
orador jamais afirmará que seu discurso é composto de afir­
mativas em mera probabilidade. Porém, na realidade, qual­
30 ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
quer raciocínio retórico é meramente razoável. Mas não está 
aí a beleza da argumentação?
Compreendidas essas características do argumento e 
da argumentação, pode-se passar a uma leitura mais espe­
cífica de cada uma delas, já com novo alcance prático.
Capítulo III
Argumentação e fundamentação. 
Pensando no ouvinte
Um discurso passa a ser argumentativo quando seu 
autor toma consciência de que tem um auditório, um ouvin­
te específico a ser persuadido. Assim, não expõe seu próprio 
raciocínio, mas aquele que entende ser mais adequado a seu 
interlocutor.
No capítulo anterior, dissemos que quem argumenta, 
em discurso judiciário, procura fortalecer um raciocínio jurídi­
co válido diante de outra argumentação que lhe é contrária.
Nossa experiência em sala de aula indica, não raro, al­
guma relutância do aluno em aceitar a existência de uma 
grande diferença entre o trabalho argumentativo e o estudo 
do Direito em si. Por isso preparamos o presente capítulo.
O discurso científico
O Direito não tem a mesma sistemática exata da mate­
mática, como já foi dito, mas nem por isso deixa de se cons­
tituir em uma ciência. A inexistência de fórmulas e diagra­
mas1 na demonstração do raciocínio jurídico não lhe retira a 
cientificidade, ao contrário do que muitos pensam.
Durante a universidade, embora a maioria dos livros de 
estudo sejam manuais que se preocupam mais com a didáti­
ca do que com a originalidade, nos é dada uma visão aprofun­
dada da ciência do Direito, ou seja, construções de raciocínio
1. Cf. ECO, Umberto. Como se faz uma tese, p. 21: "... Para alguns, a ciên­
cia se identifica com as ciências naturais ou com a pesquisa em bases quanti­
tativas: uma pesquisa não é científica se não se conduzir mediante fórmulas e 
diagramas."
32 ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
a respeito do ordenamento jurídico que têm um caráter gené­
rico, que buscam tangenciar a veridicidade científica2.
Ao absorver o Direito por meio de teses desenvolvidas 
pela veridicidade científica, alguns de seus operadores têm 
dificuldade em dissociar aquelas teses da aplicação do Direi­
to aos casos concretos, em que se abandona, já como pre­
missa, o caráter genérico do discurso científico.
Em termos mais simples: alguns operadores do Direi­
to prendem-se por demais a opiniões prontas, a teses sus­
tentadas na doutrina pela qual apreenderam a matéria e 
então deixam - sem consciência disso - de ver a ciência 
como instrumento importantíssimo do argumentante, pas­
sando a encará-la como único instrumento de demonstra­
ção da realidade.
Quando o operador do Direito, especialmente na ad­
vocacia, confunde conhecimento jurídico com convencimento 
científico, encarando o que aprendera na faculdade como 
verdade intransponível, está no caminho para se tornar um 
mau argumentante. Pode até ser um bom jurista por certo 
tempo, mas um mau argumentante.
O bom argumentante deve ter um brilhante conheci­
mento jurídico, conceitos bem firmados, mas não se pode 
prender, na argumentação, a seu convencimento puramen­
te pessoal. Deve sempre ter em conta que, em seu trabalho 
de argumentação, não procura a veracidade científica, que 
se opera erga omnes, mas sim o convencimento de uma ou 
mais pessoas determinadas, a respeito de uma tese que surge 
de determinada situação fática específica.
Por isso, no discurso judiciário se utiliza da ciência do 
Direito como instrumento para o convencimento de um ter­
ceiro, o julgador. E o trabalho que leva à persuasão desse 
terceiro não é trabalho idêntico ao que existe na demons­
tração de uma tese científica, tal como em uma dissertação 
acadêmica de mestrado, doutorado ou livre-docência.
2. Cf. MARCHI, Eduardo C. Silveira. Guia de metodologia jurídica, p. 36.
ARGUMENTAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO 33
Pode parecer muito estranha uma colocação como essa, 
mas estas lições - reafirmo - perderiam seu fundamento prá­
tico caso se evitassem tais observações. E em sala de aula 
muitas vezes vimos estudantes que, nesta matéria, relutam 
em aceitar apresentar argumentos que se afastem de seu 
convencimento pessoal, como transpondo a si próprios no 
lugar do destinatário da argumentação. Isso importa, fatal­
mente, em pouca persuasão, como veremos a seguir.
Um corte de casimira
O texto que segue é um conto de Moacyr Scliar3. São 
desnecessárias quaisquer considerações a respeito de sua 
qualidade, pois brevemente o leitor o apreciará. Este texto 
nos permitirá depreender uma distinção importante na 
atividade argumentativa. Para chegarmos a ela, é interes­
sante que façamos, em sua leitura, o exercício tal qual ora 
proposto.
O leitor perceberá que se trata de uma carta deixada pelo 
marido a sua esposa, e que o conteúdo dessa carta é eminen­
temente argumentativo. Por um esforço de raciocínio, o enun- 
ciador procura convencer a esposa a respeito de algo.
Leia o texto abaixo e, ainda sem grandes preocupações 
com a técnica, procure perceber quais são os principais argu­
mentos utilizados pelo autor da carta.
Estou lhe escrevendo, Matilda, para lhe transmitir aqui­
lo que a contrariedade (para não falar em indignação) me 
impediu de dizer de viva voz. Note, é a primeira vez que isso 
acontece em nossos trinta e cinco anos de casados, mas é a 
primeira vez que pode também ser a última. Não é ameaça. 
É constatação. Estou profundamente magoado com sua ati­
tude e não sei se me recuperarei.
Tudo por causa de sua teimosia. Você insiste, contra to ­
das as minhas ponderações, em dar a seu pai um corte de
3. "O s usos da casemira inglesa". In: Contos reunidos, p. 15-7.
ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
casemira inglesa como presente de aniversário. Eu já sei o 
que você vai me dizer: é seu pai, você gosta dele, quer hom e­
nageá-lo. M as com casemira, Matilda. Com casemira ingle­
sa, Matilda. Q ue horror, Matilda.
Raciocinemos, Matilda. Casemira inglesa, você sabe o 
que é isso? A lã dos melhores ovinos, Matilda. A tecnologia 
de um país que, afinal, deu ao mundo a Revolução Indus­
trial. O trabalho de competentes operários. E sobretudo tra­
dição, a qualidade. Esse é o tecido que está em questão, M a­
tilda. A casemira inglesa.
Há muitos aspectos nesse problema, mas quero deixar 
de lado tudo o que me parece menos significativo, inclusive 
o preço. Sim, o preço. Você sabe que sou homem de poucas 
posses e que um corte de tecido importado custaria bastan­
te, mas vamos admitir que isso seja secundário, vamos omitir 
esse detalhe; fixemo-nos na própria casemira inglesa, M atil­
da. E da casemira eliminemos aquilo que possa entre nós 
gerar controvérsia - por exemplo, a conveniência de dar a 
um hom em que sempre se vestiu mal, que não dá a mínima 
importância já não digo à elegância, mas à limpeza, algo tão 
sofisticado, tão distinto.

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