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Saúde e Meio Ambiente Epidemiologia Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Profa. Ms. Nilza Maria Coradi Revisão Textual: Profa. Ms. Fatima Furlan 5 Como método de estudo, você deverá realizar as atividades de leitura, na sequência fazer as atividades de fixação dos conteúdos (Atividade de Sistematização), e as atividades de interação (Fórum, Reflexiva ou Aplicação). É importante também acessar o material complementar. Explore todos os recursos do blackboard. Não acumule dúvidas, participe, pergunte. Nesta unidade, abordaremos os conceitos, fundamentos e métodos da epidemiologia e suas aplicações no âmbito da saúde coletiva. A epidemiologia é uma disciplina que fornece subsídios para a construção de conhecimentos em relação à saúde das comunidades orientando as ações em populações humanas e seu ambiente. Epidemiologia • Introdução • Epidemiologia no Brasil • Epidemiologia e meio ambiente 6 Unidade: Epidemiologia Contextualização Nesta unidade, focalizamos resumidamente alguns aspectos da epidemiologia. Diante desse vasto campo que é essa disciplina, vamos construir um raciocínio crítico a ser aplicado por aqueles que estão trabalhando na área de meio ambiente. Enquanto a ciência médica atua principalmente no organismo, a saúde publica é detentora de uma visão ecológica, procurando compreender as relações que se estabelecem entre populações, comunidades e ecossistemas. Os seres humanos ao interagir com outras espécies e com o ambiente recebem as influências que podem definir seu estado de saúde. A forma de interação do homem com o meio passa a ter uma relação muitas vezes direta entre saúde-doença. Diante disso, destaca-se a importância da epidemiologia ambiental, cuja ênfase está na discussão dos fatores do meio, físicos, químicos, biológicos e psicossociais que atuam nas causas das doenças. O objetivo é refletir sobre a causa de uma doença, na epidemiologia a questão é ampliada, pois a doença é multicausal e a questão da causalidade não é linear ou simplista. Se a ocorrência da doença é devido à influência de muitos fatores, então cabe à epidemiologia investigar para entender melhor a rede multicausal. Ela pode ser explicada como uma série de fatores determinantes que, atuando em determinado espaço e tempo leva a ocorrência do agravo. Com o intuito de prevenir as doenças, os estudos devem levar em consideração fatores genéticos e a suscetibilidade a exposição de fatores. Ao investigar a etiologia da doença, investiga-se o quanto uma doença se deve a fatores genéticos e o quanto a fatores ambientais e como essa interação aumenta o risco da doença. 7 Introdução Nesta unidade, serão abordados os conceitos, fundamentos e métodos da epidemiologia e suas aplicações no âmbito da saúde coletiva. A epidemiologia é uma disciplina que fornece subsídios para a construção de conhecimentos em relação à saúde das comunidades orientando as ações em populações humanas e seu ambiente Em uma dinâmica ecológica, a existência de alguns seres vivos depende muitas vezes da existência de outros seres vivos. Na saúde, a história de cada doença também está atrelada à história de todas as doenças. O ciclo de doenças infectocontagiosas coloca em evidência a fragilidade do equilíbrio ambiental. A epidemiologia, disciplina que estrutura a saúde pública, ajuda a desvendar as relações ecológicas, reposicionando as implicações entre homem e a natureza. Em todo o planeta, a área da saúde apresenta fenômenos preocupantes. Além dos riscos potenciais, a saúde vem se agravando resultando em riscos cada vez maiores à integridade individual e coletiva, causando consequências desastrosas nas populações. Podemos citar o retorno de antigas infecções e o aparecimento de novas. A maior parte desses problemas é consequência da ação do homem sobre o meio ambiente, dentre os quais, a exploração de ecossistemas, a migração de homens e mulheres por toda parte do planeta, desenvolvimento industrial, resistência a antibióticos etc. Todos esses aspectos fazem parte de um quadro complexo da saúde da população e sua relação com o meio ambiente. É neste contexto que se faz necessário o estudo das intervenções do homem no ambiente e nas populações. Uma das formas de compreender o processo são as ações de saúde, aquelas voltadas à coletividade. A saúde coletiva é o caminho para entender a ação do ser humano sobre populações diversas, tanto humanas com as da natureza: animais, vegetais, vírus e bactérias. A saúde une homens e ambiente, natureza e sociedade. Epidemiologia – conceitos Existem muitos conceitos sobre epidemiologia girando em torno de uma mesma ideia. Nesta disciplina, trabalharemos a epidemiologia como um conjunto de conceitos, teorias e métodos que permitam estudar, conhecer e transformar o processo saúde – doença na dimensão coletiva (Franco, L. J. et al, 2011). Outro conceito diz que a epidemiologia tem como objeto de estudos os fenômenos de saúde de populações e em populações (Castellanos, 1997 apud Lanni, 2005) e por conta disso tem Trocando Ideias A epidemiologia é uma disciplina que surgiu para cumprir a tarefa de produzir conhecimentos científicos acerca da distribuição e determinação do processo saúde-doença em populações humanas e fornecer subsídios aos serviços de saúde para o controle de doenças. A epidemiologia fornece subsídios para a construção de conhecimentos em relação à saúde das comunidades orientando as ações em populações humanas e seu ambiente. 8 Unidade: Epidemiologia sido definida como a ciência que estuda a distribuição das doenças e suas causas em populações humanas. A epidemiologia estuda também a ausência ou presença de enfermidades dos seres humanos como doenças infecciosas (malária, dengue etc.), não infecciosas (diabetes, obesidade etc.) e danos à integridade física (contaminações, homicídios, alcoolismo etc.). Portanto, a epidemiologia examina o corpo populacional, apontando as causas e orientando os meios de controle e profilaxia. Desde os primórdios, muitos estudos já demonstraram as relações existentes entre problemas de saúde de populações e suas condições de vida, relativos basicamente às condições sanitárias, formas de alimentação e condições de trabalho. Na América Latina, por exemplo, podemos citar os trabalhos que demonstraram o papel dos mosquitos na transmissão da febre amarela. Esses estudos e muitos outros serviram para demonstrar que a relação entre saúde e as condições ambientais estão intimamente ligadas. No século XIX, com as descobertas de Pasteur e o advento da bacteriologia, tornou-se possível provar que microorganismos eram responsáveis por doenças nos seres humanos. A partir daí, criam-se as bases para a busca incessante dos agentes que causam as doenças e seus mecanismos de transmissão. A medicina cabe à tarefa de resolver os problemas que, direta ou indiretamente, atuam no processo saúde-doença do homem, embora, muitas vezes, tanto o problema como a solução estejam fora da área médica. Normalmente, esses problemas estão concentrados na relação homem-natureza. Epidemiologia – usos Com a compreensão do processo saúde-doença, a epidemiologia apresenta vários usos, dentre eles: 1 - Estudos históricos; 2 - Diagnóstico de saúde da comunidade; 3 - Identificação de síndromes; 4 - Pesquisa de causas; 5 - Investigação etiológica; 6 - Determinação de riscos; 7 - Determinação de prognósticos. A epidemiologia tem como base para ser aplicada os seguintes elementos: determinantes, distribuição e frequência. A distribuição e a frequência descrevem o estado de saúde das populações, essa parte da epidemiologia é chamada de descritiva. Portanto, a epidemiologia descritiva investiga o fenômeno de saúde em evidência, realizando uma exploração para entender quais grupos o evento em saúde (agravo, doença, características etc.) está presente, de acordo com as diferentes variáveis e também quantos são afetados. A partir disso, são elaboradas questões primárias que dão suporte a essa investigação. De acordo com a abordagem escolhida, aparecem as proposições com questões relativas à distribuição, como quem, quando e onde. 9 Quem . São as pessoas afetadas pelo evento suas características como gênero, grupo etário, nível educacional, renda etc. Quando . Período de tempo definido pelo investigador na análise epidemiológica. Onde . Estabelecimento da relação entre o evento de saúde e o espaço geográfico a ser analisado ( cidade, país, bairro etc.). A epidemiologia descritiva produz a base para outros fundamentos utilizados em pesquisas acadêmicas ou em serviços em saúde. No final do século XX, os conceitos de doenças emergentes e reemergentes difundiram-se. As doenças emergentes são aqueles agravos novos que passam a estar presentes nas populações como a gripe aviária. É aquela proveniente de um agente de identificação recente, antes desconhecido. As reemergentes são as doenças que voltam a estar frequentes nas populações depois de estarem ausentes por um período, como a dengue. É aquela que reaparece de maneira a atingir outras regiões que antes estavam isentas da sua presença. A epidemia é o aumento inesperado da frequência de eventos num período e numa determinada região, podendo classificar então um surto. Endemia é quando um agravo persiste numa região mantendo sua frequência estabilizada quantitativamente. Pandemia é o termo utilizado para a ocorrência de muitos casos em grandes proporções territoriais. Acredita-se hoje que muitos fatores são responsáveis pelos efeitos na saúde. Fatores próximos ao indivíduo sempre associado a um determinado ambiente ou cultura podem gerar condições favoráveis que influenciam no seu estado de saúde. Esse entendimento, conhecido como “determinante social” no processo saúde-doença vai ao encontro da realidade que vivemos hoje, pois os estados tem um importante papel no desenvolvimento da saúde das populações. A Epidemiologia é constituída de duas etapas principais, a analítica e a descritiva. A etapa analítica da epidemiologia se dedica a elucidar os fatores de risco associados aos efeitos em saúde, o objetivo é identificar ou destacar aqueles fatores que possam estar ajudando ou protegendo o aparecimento de doenças. A etapa descritiva gera os dados acerca das condições de saúde das populações. Utiliza dados secundários, geralmente dos sistemas de informação em saúde, com o objetivo de construir o perfil de saúde dos indivíduos em seus territórios. Uma etapa depende da outra, uma hipótese é gerada na etapa descritiva e testada pela analítica. Tanto a fase analítica quanto a descritiva empregam a compreensão da noção de risco. Hoje em dia, o conceito de risco tem a conotação de ganho ou perda, mas com um sentido negativo do perigo. É usual o termo risco nos processos que envolvem saúde-doença, principalmente na mudança do estado de ausência para a presença de doença. Essa mudança é conhecida em epidemiologia como causalidade. O conceito de causa é utilizado para associar suposta causas a seus efeitos. Os fatores ambientais são responsáveis por grande parte dos fatores de risco, sendo considerado um fator multicausal. É parte de um todo que interage com outros fatores, como a genética, estilo de vida, biologia humana, acesso a serviços de saúde, entre outros. O meio ambiente envolve um espectro amplo de correlações, como espaço social, economia, infraestrutura urbana entre outros. É neste contexto que as ciências da saúde encontram seus principais desafios. 10 Unidade: Epidemiologia Dentre os inúmeros riscos que influenciam as causas das doenças, temos: Riscos de controle individual, representado pelo estilo de vida. Riscos conhecidos de controle coletivo, representado pelas politicas públicas. Riscos conhecidos de controle institucional, representados pela organização dos serviços de saúde e suas relações com outros serviços. Riscos conhecidos de ação sinérgica de controle multidimensional, representado através de ações individuais, coletivas interssetoriais. Riscos não conhecidos. Na busca de categorizar o processo saúde-doença, diferentes campos na saúde são apontados: biologia humana, estilo de vida, ambiente e serviços de saúde. A biologia humana envolve as características imutáveis do individuo, como: idade, sexo, raça, patrimônio genético e constituição do individuo. Acredita-se que o individuo não tem controle sobre esses fatores de risco. O estilo de vida engloba hábitos e comportamentos adquiridos social ou culturalmente, tais como: tabagismo, alcoolismo, alimentação, medicações, drogas, falta de exercícios, utilização de proteção no setor ocupacional, adesão ou não de medidas preventivas e tratamentos, opção de lazer etc. Acredita-se que os indivíduos tenha controle sobre esses fatores. O campo da saúde que diz respeito ao meio ambiente implica a parte física, psíquica e social. O ambiente físico abrange entre outras coisas o relevo, a hidrografia, o clima, os poluentes ambientais do ar, água e do solo. Na dimensão social incluem-se as múltiplas causas das doenças crônicas não transmissíveis como: nível sócio econômico, escolaridade, processo de migração etc. A psíquica envolve as tensões sociais e individuais que inclui as relações, a informação, o preconceito e todos os componentes da sociedade moderna que refletem na saúde mental dos indivíduos. No campo ambiental estão os eventos externos ao corpo sobre os quais o individuo tem pouco ou nenhum controle. É importante ressaltar que quando o impacto ao meio ambiente é revertido é porque houve alguma forma de controle mesmo que coletivo. Epidemiologia e riscos Conforme observamos, o risco está diluído nos meandros da sociedade. Como saber se a exposição a um risco especifico é suficiente para um efeito nocivo ao meio ambiente ou à saúde? Como isolar um possível fator causal dos demais? Usando a epidemiologia como exemplo, conclui-se que uma doença não pode ser causada por um fator de risco apenas, sendo resultado de um conjunto multicausal de fatores, acentuado por um fator de risco, mas não apenas ele. A epidemiologia faz a análise comparativa entre indivíduos ou grupos expostos e não expostos ao fator de risco, mas quando se trata de elucidar questões como o aquecimento global, mostra-se limitada, sem dispor de meios comparativos entre os grupos expostos e não expostos. Em um entendimento mais amplo da saúde humana, em que as doenças e os agravos são apenas uma faceta do processo saúde – na doença, observamos que os determinantes sociais incluem o meio ambiente, as relações econômicas, o desenvolvimento, os meios de produção etc. 11 Então a saúde não se restringe a ação curativa e sim é um resultado das macro relações globais que incidem sobre o local e o individual, portanto um processo multifatorial, que engloba, entre outros o meio ambiente. Nas discussões ambientais e de saúde, medidas de controle são compensatórias e a relação saúde e ambiente é deixada de lado, por isso, o sistema deve incorporar uma nova articulação entre natureza, ciência e sociedade. Metodologia epidemiológica A epidemiologia nasceu com uma forte ênfase nas doenças transmissíveis e com a evolução dessa disciplina foi incorporado elementos das doenças não transmissíveis, causas externas, ocupacionais, entre outras. Essa transição da epidemiologia mostra que a frequência das doenças e das mortes ao longo do tempo foi mudando de acordo com fatores econômicos, sociais, ambientais e comportamentais. Peste e fome matavam mais pessoas que outras etiologias, doenças infecto contagiosas predominavam no século XIX, diferente do final do século XX e inicio do século XXI, onde predominam as doenças produzidas pelo homem e as doenças não transmissíveis. A transição demográfica também tem seu papel nesta mudança, se no passado o contingente de população jovem era maior, hoje houve um aumento significativo da população idosa, com isso os agravos referentes a essa população passam a figurar outro perfil. Algumas mudanças como a nutricional e a de risco também aparecem à medida que a sociedade obtém novos índices de desenvolvimento. Em relação à transição nutricional, existem pontos relevantes como o aumento do consumo de alimentos industrializados, com maior concentração de conservantes, acidulantes, colorantes, sódio etc. Isso trouxe novos hábitos de dietas e consumo. Como resultado, temos uma desproporção entre obesos e desnutridos com um aumento nos dois grupos. As transições não devem ser analisadas separadamente, pois a sociedade vive também em transição. A sociedade convive com riscos antigos e modernos, riscos identificáveis e não identificáveis riscos conhecidos e riscos desconhecidos. O pesquisador precursor da epidemiologia John Snow experimentou um método de teste para verificar o risco do adoecimento por cólera, com isso nasceu a hipótese epidemiológica para relacionar a água a essa doença. Utilizando o elemento contraste a comunidade foi exposta a água limpa ou contaminada para concluir que o fator de risco estava associado ao efeito saúde. A partir dai estabeleceu-se uma ordem de investigação respaldando metodologicamente a epidemiologia a partir do método cientifico. As etapas da investigação são: 1 - Detectar o efeito em saúde; 2 - Estabelecer o perfil epidemiológico; 3 - Formular a hipótese; 4 - Testar a hipótese; 5 - Concluir. 12 Unidade: Epidemiologia Nesta primeira etapa, temos a detecção do agravo sugerindo a necessidade de investigação para detectar o efeito em saúde. Passamos então para a segunda etapa onde o perfil epidemiológico se estabelece. A partir deste perfil, os grupos de interesse se definem em um espaço e num período determinado. Todos esses elementos são a base para identificar as propriedades em saúde e com essa informação tomar a melhor decisão. A partir deste momento, se pergunta onde e quando acorreu o evento e qual a população mais afetada, essa etapa cabe também identificar a magnitude do evento e o quanto se é afetado. Os indicadores em epidemiologia são divididos em absolutos e relativos, sendo os relativos mais apropriados à comparação. Esses indicadores se dividem em dois tipos: índices de distribuição proporcional e os coeficientes de probabilidade de risco. Esses coeficientes se agrupam em: · Incidência – probabilidade do risco de adoecer; · Prevalência – probabilidade do risco do agravo se instalar; · Mortalidade – probabilidade de risco de morrer na população geral; · Letalidade – probabilidade do risco de morrer entre os doentes. A terceira etapa acontece após o perfil estar estabelecido pela frequência e distribuição oferecendo subsídios para uma hipótese. O grupo mais afetado pode acrescentar elementos comuns podendo ser o fator de risco o que gera uma relação causal. Nesta etapa, os estudos descritivos apresentam maior utilidade, de modo a estabelecer, uma relação causal entre os fatores de risco e os efeitos em saúde, embasando assim uma hipótese. A Quarta etapa concentra-se no teste da hipótese causal a partir dos elementos das investigações anteriores. A última etapa do estudo são as conclusões acerca das relações causais, que não devem ser restritas a um estudo, mas a um conjunto de resultados. É sempre importante manter uma postura crítica com relação a uma conclusão de relação direta entre causa e efeito e adotar uma visão mais ampla, questionando tanto os resultados como os métodos e o processo. A Epidemiologia é uma ciência importante para estudar, quantificar e tabular, no entanto não deve reduzir-se a conceitos e métodos, deve abrir-se em direção às necessidades globais, ao desenvolvimento e à sociedade. No Brasil, a epidemiologia originou-se a partir dos naturalistas e da medicina tropical, que de forma sistemática, descreveram a ocorrência de diversas doenças infecciosas, vetores e agentes. Em meados do século XIX, três médicos estrangeiros criaram a Escola Tropicalista Baiana, embora não sendo uma instituição formal de ensino, a escola se dedicou à prática médica e à pesquisa da etiologia das doenças tropicais que acometiam os homens livres e os escravos. Epidemiologia no Brasil 13 A metodologia utilizada pelos pesquisadores da escola compreendia as mais modernas técnicas da medicina cientifica europeia. Esse grupo de pesquisadores rejeitou o determinismo racial e de clima das doenças, pois acreditavam na universalidade das doenças e que a umidade e o calor apenas conferiam características peculiares a elas. Os tropicalistas associavam as doenças tropicais à pobreza, desnutrição, falta de saneamento e às péssimas condições de vida. Esses pesquisadores desenvolveram importantes trabalhos sobre a ancilostomíase, tuberculose, hanseníase, entre outras. No final do século XIX, houve várias tentativas de análise quantitativas de ocorrência de doenças no Brasil, sem empregar técnicas estatísticas já utilizadas na Europa e nos Estados Unidos. Foi em 1903, que o presidente da República Rodrigues Alves nomeou o médico Oswaldo Cruz para a diretoria da saúde pública. A tarefa inicial era sanear o Rio de Janeiro e combater as epidemias que tomavam a cidade como a febre amarela, peste bubônica e a varíola. Houve uma campanha bem rigorosa para combater a febre amarela com medidas como aplicação de multas, intimação aos proprietários de imóveis insalubres etc. Na sequência, Oswaldo Cruz começou a trabalhar para combater a peste bubônica, com notificação compulsória dos casos, combate aos ratos da cidade, entre outras medidas de saneamento. Em 1904, o Rio de Janeiro é acometido por uma epidemia de varíola, fazendo com que o governo obrigue por meio de um projeto de lei que a população se vacine, com pena de sanções para quem não cumprisse a lei. Isso gerou muita insatisfação popular originando a Revolta das Vacinas, deixando um saldo de 30 mortos em uma semana, tempo que durou a revolta. Outro médico, Carlos Chagas em 1905 conseguiu controlar um surto de malária no interior de São Paulo, tornando uma referência para o combate desta doença no mundo todo. Esse mesmo médico descobriu o protozoário causador da tripanossomíase americana, denominada por ele como tripanossomíase Cruzi, em homenagem a Oswaldo Cruz. Essa é conhecida como doenças de chagas. Após o termino da segunda guerra mundial, surgiu a ideia de que as doenças endêmicas poderiam ser controladas e até erradicadas. Durante a guerra, os sanitaristas norte americanos usavam essa ideia como um trunfo na busca de aliados. Desta forma, com o incentivo do governo norte americano, a organização Pan-Americana de Saúde e a Organização Mundial da Saúde empreenderam muitas ações globais com o objetivo de erradicar diversas doenças. No Brasil, houve duas campanhas de erradicação da malária com um sucesso parcial e da erradicação do Aedes Aegypti, com um sucesso pleno, embora não definitivo. Na organização do ensino, duas instituições de pesquisa e formação na área da saúde coletiva foram criadas na metade do século XX: Fundação Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro e a Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Em 1942, após um acordo com o governo americano criou-se o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP). O SESP priorizava ações para o controle da malária e outras doenças endêmicas da região amazônica, posteriormente esse serviço se expandiu para outras regiões. Após 1960, o SESP se transformou em fundação exercendo um importante papel na normatização de muitas atividades de saúde e saneamento até o final da década de 1970. 14 Unidade: Epidemiologia O Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica no Brasil se consolidou a partir das campanhas de erradicação da varíola na década de 1960 e da poliomielite na década de 1970. Foi na década de 70 que houve um esforço para construir novas teorias, enfoques e métodos da epidemiologia, buscando aplicar métodos da planificação da saúde, que no Brasil ganhou o nome de saúde coletiva. No processo de desenvolvimento da saúde coletiva, vários núcleos de pesquisas foram criados e consolidados nas principais instituições de ensino e pesquisa do país. A pesquisa epidemiológica no Brasil vem se consolidando de forma muito consistente, ganhando respeitabilidade no cenário mundial. A pesquisa brasileira tem dois conjuntos temáticos que lhe conferem uma identidade, como o desenvolvimento de aplicações para o planejamento e a gestão de sistemas e serviços de saúde e a investigação de problemas de saúde de grande importância social com ênfase nos determinantes políticos, sociais, econômicos e culturais dos fenômenos da saúde-doença. Epidemiologia e meio ambiente Objetivos de aprendizado Neste item, vamos focalizar resumidamente alguns aspectos da epidemiologia. Diante deste vasto campo que é essa disciplina, vamos construir um raciocínio crítico a ser aplicado por aqueles que estão trabalhando na área de meio ambiente. Enquanto a ciência médica atua principalmente no organismo, a saúde pública é detentora de uma visão ecológica, procurando compreender as relações que se estabelecem entre populações, comunidades e ecossistemas. Os seres humanos ao interagir com outras espécies e com o ambiente recebe as influências que podem definir seu estado de saúde. A forma de interação do homem com o meio passa ter uma relação muitas vezes direta entre saúde-doença. Diante disso, destaca-se a importância da epidemiologia ambiental, cuja ênfase está na discussão dos fatores do meio, físicos, químicos, biológicos e psicossociais que atuam nas causas das doenças. O objetivo é refletir sobre a causa de uma doença, na epidemiologia, a questão é ampliada, pois a doença é multicausal e a questão da causalidade não é linear ou simplista. Se a ocorrência da doença é devido à influência de muitos fatores, então cabe a epidemiologia investigar para entender melhor a rede multicausal. Ela pode ser explicada como uma série de fatores determinantes que, atuando em determinado espaço e tempo leva à ocorrência do agravo. Com o intuito de prevenir as doenças, os estudos devem levar em consideração fatores genéticos e a suscetibilidade a exposição de fatores. Ao investigar a etiologia da doença, está investigando o quanto que uma doença se deve a fatores genéticos e o quanto a fatores ambientais e como essa interação acaba aumentando o risco da doença. 15 Com a evolução da epidemiologia, chegou-se a três fatores principais: agente, hospedeiro e ambiente. Entende-se que a saúde e a doença estão na dependência das interações estabelecidas entre esses fatores. Acredita-se que o equilíbrio dessas três partes leva à saúde, no entanto, qualquer desequilíbrio no sistema seria suficiente para gerar um estado de doença. Na epidemiologia, o hospedeiro que ocupa a discussão central é o homem. Muitas características do ser humano ajudam a constituir os fatores que podem levar à doença como o sexo, a idade, condições de vida, raça, credo, entre muitas outras. Diante disso, o ambiente é um importante componente do sistema. Entre o agente, o hospedeiro e o ambiente qualquer desequilíbrio pode gerar consequências, fatores ambientais associados a doenças podem ser de origem física, biológica e social. Variações anuais de temperatura podem influenciar várias doenças. As transmitidas por vetores têm nos períodos mais quentes do ano um aumento da transmissão. Insetos proliferam- se mais em temperaturas elevadas. Agentes patogênicos são transmitidos com mais facilidade em razão do maior contato do homem e desses vetores, isso normalmente acontece quando as temperaturas são mais elevadas. Muitos agentes responsáveis por infecções respiratórias tem seu aumento no inverno. Em temperaturas baixas, a tendência é das pessoas ficarem mais fechadas e ambientes sem circulação de ar favorecem a transmissão dos agentes biológicos. Até as doenças não infecciosas tem relação com a temperatura. Nos trópicos, onde as temperaturas são mais elevadas, as pessoas normalmente se expõem mais ao sol, podendo desenvolver, por exemplo, câncer de pele. Nas regiões onde o inverno é muito prolongado, as pessoas podem estar sujeitas a outros tipos de agravos, inclusive de ordem psicológica, pois ficam muitos meses sem a luz do sol e em ambientes confinados. A pluviosidade também influencia no aparecimento ou não de certas doenças. Em ambientes antrópicos, sem saneamento adequado, pode ocorrer maior contaminação das fontes de água. Águas contaminadas colocam a população em risco de diversas enfermidades. Chuvas intensas também podem provocar inundações nas áreas urbanas, muitas doenças se proliferam nessa situação, podemos citar o caso da leptospirose, uma zoonose que contamina os ratos que eliminam o agente através da urina. A inundação espalha o agente pela área e o homem se contamina ao entrar em contato com essa água através de algum ferimento na pele. É uma doença bem característica das áreas de inundação. Outro fator que pode influenciar o aparecimento de determinadas doenças é a topografia. A malária, por exemplo, está ligada aos charcos que se formam próximos ao leito dos rios. Esses charcos são criadouros dos mosquitos vetores da doença. As montanhas com altitude elevada, onde a pressão atmosférica é menor, favorecem as pessoas que sofrem de pressão baixa, já os terrenos baixos, com uma maior pressão atmosférica, favorecem a saúde dos hipertensos. No mundo contemporâneo, a preservação do meio ambiente já é vista como um fator importante para a sobrevivência humana. Muitos esforços foram e são feitos no sentido da preservação da biodiversidade. Nas áreas urbanas, a manutenção dos espaços verdes torna-se cada vez mais necessária para contribuir com o equilíbrio do clima e da poluição. Quando o ambiente natural é modificado por ações antrópicas, geralmente com a exploração de recursos naturais e desmatamentos ocorre a quebra do equilíbrio aumentando a possibilidade de transmissão de agentes que causam doenças. Desta maneira podem surgir novas doenças. Nesses ambientes impactados pela ação do homem é comum haver o desequilíbrio do componente biológico. Espécies antes raras podem se tornar abundantes e vetores como os da malária, quando proliferam aumentam o risco de transmissão. 16 Unidade: Epidemiologia No ambiente antrópico rural, o homem acaba facilitando o aparecimento de riscos epidemiológicos por meio das suas atividades. Na agricultura, para manter a plantação produtiva, aduba o solo com produtos químicos e combate às ervas daninhas com herbicidas e para evitar o ataque dos insetos usa os inseticidas. Ao manter sua plantação produtiva, o agricultor acaba contaminando seriamente o meio ambiente colocando em risco a sua saúde, de seus trabalhadores e de toda a população que vai ingerir o alimento contaminado. Situação parecida é observada na pecuária intensiva, com os animais confinados há o acúmulo de esterco e com um manejo inadequado ocorre a proliferação das moscas, que acabam chegando às comunidades humanas. Muitas espécies dessas moscas servem de vetor a inúmeras infecções. Para combater esses insetos que atacam os rebanhos, venenos são aplicados contaminando os animais e seus produtos. Nas áreas urbanas, outros riscos relacionados ao meio ambiente surgem como a falta de áreas verdes, por exemplo. Em áreas de clima quente, o calor torna-se insuportável e a radiação do calor liberado pelas superfícies pavimentadas eleva a temperatura em vários graus, provocando as ilhas de calor. As altas temperaturas contribuem para a multiplicação de insetos e outras pragas urbanas. As áreas verdes por sua vez, ajudam amenizando a poluição, diminuindo o ruído e melhorando a qualidade de vida. Nosso meio urbano comporta muitas espécies indesejáveis chamadas de pragas. São animais que evoluíram, passando a viver no próprio ambiente humano, essas espécies quase sempre representam riscos à saúde. É o caso de ratos, pombos, baratas, aranhas, escorpiões, mosquitos, moscas etc. Toda essa fauna está relacionada com doenças como leptospirose, infecções diversas, acidentes por picadas etc. A humanidade vive, em sua quase totalidade, em um meio modificado. O ambiente antrópico exerce uma notável influência sobre a saúde e o bem estar dos seres humanos. A melhora da qualidade de vida, e isso inclui claro ter saúde, tem muito a ver com a consciência, valores, atitudes e ações frente aos problemas ambientais que se apresentam na modernidade. Portanto, no cenário atual o homem convive com as doenças infecciosas e as não infecciosas; com um agravamento das doenças ligadas aos hábitos de vida. Nesse quadro, o entendimento da saúde da população torna-se complexo, temos então como instrumento de planejamento e gestão do ambiente a Epidemiologia. 17 Material Complementar Explore Para complementar seus estudos, segue sugestão de link para ampliar seus conhecimentos: http://www.youtube.com/watch?v=KQSfGXuBgf4 18 Unidade: Epidemiologia Referências Ianni, A. M. Z. Biodiversidade e saúde pública: questões para uma nova abordagem. Saúde. Soc. v. 14 n. 2 São Paulo. 2005 Almeida, N; Barreto, M. L. Epidemiologia e saúde: fundamentos, métodos e aplicações. Rio de Janeiro. Ed. Guanabara Koogan, 2011. Franco, L. J. et al. Fundamentos de epidemiologia. 2. ed. Barueri: Manoele, 2011. Philippi, A; Pelicioni, M. C. F. Educação ambiental e sustentabilidade. 2. ed. Barueri: Manoele, 2014. Philippi, A. Saneamento, saúde e ambiente. Editor. Barueri: Manoele, 2014. Battaglin, P. et al. Saúde coletiva: um campo em construção. Curitiba: Ibpex, 2006. Rosa, A. et al. Meio ambiente e sustentabilidade (recurso eletrônico). Porto Alegre: Bookman, 2012. 19 Anotações www.cruzeirodosulvirtual.com.br Campus Liberdade Rua Galvão Bueno, 868 CEP 01506-000 São Paulo SP Brasil Tel: (55 11) 3385-3000
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