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Teses Fundamentais da Matriz Pragmático-Sistêmica ao Direito

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100 Teses Fundamentais da aplicação da Matriz Pragmático-sistêmica ao Direito
Matriz Teórica
Por matriz teórica entenda-se um conjunto articulado de categorias e instrumentos, filosoficamente construído, os quais permitem uma mediação entre a experiência mais imediata com a construção de observações (entendidas aqui como aquilo que um sistema é capaz de fazer, ou seja, conhecer e agir) sobre um determinado campo do conhecimento. As matriz teóricas, deste modo, permitem que se conheça, se planeja e se aja. A matriz não deve ser confundida nem com Teoria do Direito (que visa responder o que é o Direito), tampouco com a Teoria Geral do Direito (Categorias fundamentais do Direito), e muito menos com teorias políticas e normativas acerca do Direito. A matriz teórica é algo que é anterior à estas concepções, uma vez que justamente é o que fundamenta estas construções – estando conectada com o modo pelo qual se conhece o Direito. Assim, a depender da matriz teórica, ter-se-á uma Teoria do Direito ou Teoria Geral do Direito a depender da matriz teórica. As matrizes teóricas podem ser agrupadas em determinados estilos de abordagem. Tem-se, assim, a partir de perspectivas diversas possíveis, marxismo, positivismo, normativismo, pragmatismo, sistemismo e assim por diante. 
2. Uso da matriz teórica
As pessoas obtém experiências (evita-se deliberadamente aqui utilizar as palavras acessar a realidade) a partir do seu repositório anterior de vivências. Este repositório é formado por processos sociais espontâneos, geralmente acessados e construídos com pouca reflexão. Uma matriz teoria não pode ter pretensões muito maiores que a do senso comum, sob pena de recair na metafísica. Uma matriz teórica não pode ter a pretensão de inaugurar uma nova sociedade ou maneira de ver o mundo, sob pena de ter uma pretensão impossível que é justamente a de se construir algo puro. A matriz articula-se com o saber pré-proposional, ou seja, com o saber da vida dos participantes (mesmo que tente romper com esta conexão, como no caso positivismo analítico). Entretanto, dado o seu caráter de saber articulado, pretende-se que a matriz de algum modo seja “superior” ao senso comum. A depender da matriz, esta “superioridade” pode ser uma ilusão de acesso a uma essência, verdade ou, como no caso da matriz pragmático-sistêmica, de maior complexidade. Usar uma matriz teórica significa, deste modo, apreender os conceitos fundamentais e utilizá-los para a formação de novas observações.
Diferenças entre matriz teórica e método
Como a matriz teórica necessariamente está ligada aos processos existenciais, não há uma identidade entre matriz e método. O método ainda mantém um significado de um procedimento, de passos que seriam realizados por qualquer cientista, e que gerariam resultados idênticos para qualquer um que utilizasse o mesmo método e observasse o mesmo objeto. Do uso de uma determinada matriz, efetivamente decorre uma observação peculiar. Entretanto, esta observação peculiar ocorre da interação entre matriz e processos vivenciais, de modo que ideia de matriz permite que existam observações diferentes sobre um mesmo fenômeno (evita-se deliberadamente utilizar a palavra objeto) e utilizando-se a mesma matriz.
Gadamer demonstrou que o conceito de método e seu ideário estão fortemente contaminados pela metafísica, isto é, por uma noção de que nos processos de conhecer e agir não há interação entre o conhecimento produzido com a sociedade e com o subconsciente dos sujeitos desta sociedade. Os métodos seriam ideologicamente imunizantes contra a arbitrariedade. O evoluir social redundou justamente no contrário do imaginado, pelo menos no campo do Direito. Imunizam-se (ou pelo menos tentam) contra a crítica (e portanto impõem-se dogmaticamente, e não pela força dos argumentos) as decisões que adotam um ou outro método, mesmo que sejam claramente embasadas em falácias. Assim, por exemplo, é um “método de interpretação” verificar os “fins da norma”. Evidentemente que, mesmo exista um consenso sobre qual é o fim da norma (este método pressupõe um fim único e claramente identificável para cada norma, o que é altamente problemático) da identificação da finalidade da norma não necessariamente vai decorrer um ou outro sentido a esta mesma norma.
Matriz Pragmático-sistêmica
Por matriz pragmático-sistêmica entenda-se um termo que identifica um determinado complexo de significados que transitam em torno de múltiplas categorias-chave. Precisamente estas categoria-chave estão explicitadas neste texto. A matriz compreende autores como Jürgen Habermas, Karl-Otto Apel, Niklas Luhmann e Edgar Morin. A matriz parte das constatações do giro linguístico (acessam-se expectativas sociais, e não realidades) e dos condicionantes do conhecimento (produção social de bens, inconsciente, determinantes biológicos, etc.), não identificando como defeitos (ao contrário de determinadas posições positivistas) aqueles fenômenos que justamente fazem parte dos processos de conhecimento, tais como a criatividade, a vagueza (ou capacidade de enlace), o ponto cego e assim por diante. 
Finalidade da matriz teórica
O debate da finalidade da matriz teórica pressupõe precisa e anteriormente a escolha da matriz teórica. O problema da finalidade de algo esbarra no problema da metafísica. Algo só pode ter a finalidade que lhe é atribuída por processos sociais. Uma perspectiva jusnaturalista acredita que existe uma finalidade mais alta e anterior ao conhecimento, o qual as matrizes devem se espelhar. Evidentemente, isto pressuporia um conhecimento não-social (e não biológico!), o que é vedado pelos princípios fundamentais da matriz pragmático-sistêmica. Ocorre que as matrizes teóricas estão fortemente arraigadas em uma perspectiva filosófica. Permite-se reflexões teóricas que, como Habermas diz, constroem um saber articulador entre saberes. Habermas fundamenta o problema da epistemologia em termos de interesses fundantes. Estes interesses estariam fundamentados em uma perspectiva que cruza um constatação de espécie e uma constatação psicanalítica. A finitude e sua consciência (ou seja, a proximidade da morte e a impossibilidade de se conhecer e fazer tudo) geram uma angústia e, consequentemente, uma tendência a se lidar com esta angústia. A angústia gera uma vontade de libertação das coerções. Coerções por sobre a psique, por sobre a comunicação livre e sobre a existência biológica. Este lutar motivada pela angústia faz com que se busquem saberes emancipadores antes as coerções da natureza, do próprio pensamento e finalmente das coerções sobre a comunicação livre. As matrizes teóricas inserem-se neste contexto. Como não é cética, a matriz pragmático-sistêmica filia-se à tese de que um dos critérios possíveis de se avaliar uma matriz é, precisamente, a sua capacidade emancipatória.
Interdisciplinaridade e capacidade de conexão
Não é possível servir a dois mestres ao mesmo tempo – esta frase por vezes é proferida com uma certa aura teológica. Não vai ser por esta via que este trabalho vai ser criado. Está certo que é evidente que uma matriz que diz que existem essências e que o silogismo tem serventia é incompatível com matrizes pós século XX. Talvez seja possível fundamentar tal purismo por motivos estéticos. Entretanto, esta postura purista e dogmática pouco tem a acrescentar se for realizada a volta aos fundamentos do conhecimento. Um purismo estético ou voluntarista não é, aos olhos de uma pessoa sensata, razão suficiente para se excluir a reunião de contribuições que possam gerar a emancipação da espécie. É possível servir a dois ou mais mestres ao mesmo tempo, até por que o mestre só existe por que existe o iniciante, de modo que a figura do mestre não é a de um ente soberano e existente por si só. A matriz pragmático-sistêmica caracteriza-se por sua alta capacidade de enlace. Não se despreza qualquer contribuição que possa aumentar a complexidade das observações. Deste modo, uma boa matriz é aquela que justamente permite uma maior e melhor interdisciplinaridade, e nãoque seja fechada e plenamente coerente. A vantagem de uma matriz interdisciplinar é justamente sua capacidade de evolução. Os teóricos de uma dada matriz podem fazer a matriz evoluir a partir das críticas e, com isto, a aumentar as capacidades de utilização de uma determinada matriz.
Contingência
Parece claro que os processos no Direito (criação de leis, interpretações, decisões administrativas e judiciais, etc.) possuem múltiplas causas e conexões. O que a noção de contingência quer dizer que estas causas não são relações necessárias. Tudo o que existe poderia ser de outra forma. Por exemplo, é fácil visualizar a conexão entre o surgimento do capitalismo e a pena de prisão como gerador de excedentes de trabalhadores, ao substituir a pena de morte. Entretanto, o capitalismo poderia gerar, por exemplo, mais pena de morte, para evitar a revolta contra o sistema.
Complexidade
O conceito irmão da contingência é o de complexidade. As possibilidades são múltiplas e não pré-determinadas. O mundo comunicativo não é um mundo de relações prontas. Os fenômenos existem em potência, sendo que é possível que dentre as múltiplas possibilidades, algumas delas aconteça (sendo contingente, isto é, podendo a outra possibilidade acontecer).
Ordem
São múltiplas as possibilidades. Entretanto, as possibilidades acabam sendo escolhidas por determinados padrões (eles mesmos contingentes). Sempre que existe observação, existe ordem. Sempre há uma determinada ordem, ou princípios organizadores. Por exemplo, dentre um bando de trogloditas, mandará o mais forte; entre inseguros, governará um ditador, provavelmente o mais inseguro de todos; em um grupo ideal de anarquistas, vigerá uma ordem jurídica de cada um fazendo sua lei e respeitando a lei da outro (quem garantirá tal regra?). Deste modo, sempre existem ordens possíveis, que geram múltiplas possibilidades, sempre contingentes. A ordem, para sobreviver, precisa ser aberta à desordem, ou à criatividade, para a formação de novas ordens. O Direito é, precisamente, uma ordem. O Direito na perspectiva positivista tenta obter previsibilidade e controle a níveis neuróticos, tentando gerar uma ordem estável. Evidentemente que a ordem, tal como descrita, não funciona, de modo que se tornam necessários mecanismos de “entrada” da desordem na ordem (como a discricionariedade na decisão de Kelsen, ou a zona cinza de Hart, e por aí vai). A maior transparência nos critérios de formação na ordem – parece intuitivo – contribuem para o maior esclarecimento.
Anéis recursivos
Uma das sanhas das perspectivas metafísicas em sua busca por um “design inteligente” das instituições sociais que reproduza um ideal neurótico de ordem é justamente o de causas primeiras. A partir destas perspectivas, existiriam fundamentos ou causas primeiras a partir das quais derivar-se-iam sistemas inteiros de pensamento ou normativos. São exemplos o contrato social, a norma fundamental, a norma de reconhecimento, o sentimento jurídico e assim por diante. Uma versão ainda deste pensamento simples encontra-se na ideia de causa-efeito sociais. Assim, ou os fatos sociais “moldam” o Direito ou o Direito “conforma” a sociedade. O conceito de anel recursivo é um conceito extremamente interessante por que permite a saída desta prisão epistemológica. A ideia de anel recursivo tem por conteúdo uma noção de causa causadora. Significa dizer que um determinado fenômeno pode (com) causar outro e este outro fenômeno vir a causar justamente o primeiro fenômeno. Morin dá o interessante exemplo nas ciências biológicas de que, quando há poucos predadores, a caça tende a aumentar; este aumento tende a criar condições para que exista um aumento de predadores, os quais fazem com que diminua a caça, o que, evidentemente, diminui novamente o número de predadores, aumentando novamente a quantidade de caça. No campo do Direito, significa abandonar debates sobre qual fenômeno tem precedência sobre o outro e identificar a complexidade das relações sociais. Um artigo científico inovando acerca de determinada tese, por exemplo, pode ter precedência, a partir de uma determinada concepção, sobre a jurisprudência inaugural que justamente aplicou aquela tese, a qual não existiria se não fosse um certo debate acadêmico travado em um ambiente formal com poucas pessoas, motivado por sua vez por grandes protestos. Pode parecer que um determinado autor criou uma ideia inaugural, ou que uma determinada revolução criou uma nova era; sempre é possível, com um pouco mais de observação, contudo, perceber as operações de enlace do que parece ser o “início” com seus condicionantes prévios. Enfim, o Direito é um sistema que evolui a partir de determinadas expectativas que são formadas na esfera pública, a qual por sua vez sem dúvida alguma forma suas próprias comunicações a partir do Direito. A matriz pragmático-sistêmica, finalmente, abandona a noção de início-fim, fundamento-elemento ocasional, preferindo reconhecer o caráter em rede e ao mesmo tempo circular não só dos fenômenos sociais, mas de qualquer outro.
Hierarquias
A herança metafísica do positivismo e do jusnaturalismo legou a estas matrizes também uma necessidade de hierarquizar o mundo. O mais interessante é que as hierarquias foram elevadas a operações de definição inclusive dos fenômenos. Caracteriza-se um ou outro fenômeno pela forma de sua hierarquia. Assim, Direito é aquele sistema em forma piramidal. Na perspectiva pragmático-sistêmica, as hierarquias nada mais são do que observações possíveis. Assim, é verdade que o sistema jurídico é hierarquizado pela Constituição em uma determinada perspectiva; em outra, também possível e plenamente compatível com a primeira perspectiva, a Constituição aparece como uma fonte secundária, sendo importante observar os significados dos jogos de linguagem pré-1988 para ser possível justamente construir os sentidos da CF88; em outra perspectiva, a doutrina aparece como topo, justamente por que ela prepara as decisões que mais adiante serão tomadas; em outra, a deliberação e a esfera pública são os cumes; finalmente, seria possível ainda dizer que, sem os atos administrativos da autoridade que tem contato com a população, a CF88 nada teria de normatividade. Assim, o Direito convive com diversas hierarquias paralelas, e isto não é óbice para que o Direito opere. O positivismo e o jusnaturalismo, contudo, comungam de uma visão deturbada do princípio da identidade, a partir do qual só existiria uma única hierarquia possível e “verdadeira”.
Observações
A observação é uma operação do sistema. Um sistema observa a partir de seus parâmetros. Por exemplo, o sistema jurídico opera a partir de determinados programas. Assim, uma observação do sistema jurídico é uma operação do sistema que faz com que algo seja considerado jurídico/não-jurídico. É necessário, aqui, desvincular-se da noção de observação como algo passivo, uma vez que o conceito de observação aqui está conectado com o conceito de sistemas “observadores”, ou seja, sistemas capazes de realizar suas próprias operações. Assim, uma planta é um sistema observador por que é capaz de assimilar as mudanças do ambiente em operações vitais. Voltando às questões comunicativas e ao Direito propriamente dito, a operação de observação é uma operação conectada com o problema do sentido. Se um companheiro agride fisicamente sua companheira, há a formação de uma diferença no mundo. Há um ponto no tempo onde foi formada esta diferença agressão/não agressão. Esta agressão pode ser observada a partir de diversas perspectivas, ou, mais precisamente, sistemas. O sistema de interação simples do amor pode observar este acontecimento e gerar uma operação de findar uma determinada programação relativa a relações amorosas, o sistema organizacional da administração pode deflagrar programas para recorrer a funcionários administrativos para punir o agressor e proteger a vítima; finalmente, o Direito considerará lícita ou ilícita a conduta do sujeito. Assim, um mesmo “acontecimento” no mundo pode gerar diferentes sentidos devidoàs diferentes observações dos sistemas observadores. Uma tal constatação simples e intuitiva é por deveras insuportável às perspectivas jusnaturalista e positivista, dada sua vinculação com a filosofia do sujeito e com a existência de únicas perguntas e respostas possíveis e verdadeiras.
Hologramas
O conceito de holograma é um releitura modernizada de um antigo conceito metafísico que se refere à presença de Deus em todas as coisas e em todos os lugares. Tem por conteúdo a ideia de que a parte contém o todo e o todo contém a parte. Assim, uma pensamento simples sobre a beleza da paisagem ao horizonte pode ser observada a partir de toda a complexidade das teorias estéticas e da formação da personalidade; uma decisão judicial reflete (ou contém) não só toda a complexidade da personalidade, mas muito mais, reflete um paradigma epocal e toda a trama de relações jurídicas que compreende o ordenamento. Com isto, percebe-se que nada é isolado. O que se pode fazer, contudo, por questões de praticabilidade, é artificiosamente interromper a argumentação em algum ponto, sob pena de excesso de complexidade e, com isto, apatia decisiva. É necessário lembrar que, assim como o todo está na parte, também a parte está no todo. Os sistemas são tão dependentes de suas operações como as operações são do sistema. Assim, um sistema jurídico obtém sua legitimidade e eficácia de cada elaboração legislativa democrática e cada decisão que efetivamente altera algo no mundo. Sem estas operações, não há sistema, e, portanto, não há identidade.
Unidade da pluralidade
A noção de unidade da (ou na) pluralidade é um conceito fundamental para se escapar da metafísica. Paradoxalmente, trata-se de um conceito que tem certa raiz na metafísica da trindade sagrada. Tudo aquilo que pode ser observado e gerar sentido tem uma identidade. Esta identidade, contudo, ao contrário da perspectiva das filosofias do sujeito, não reside em uma essência, mas sim em diferenças (socialmente observadas, evidentemente). Estas diferenças geram formas que são duais (ou é ou não é – unidade), mas que são motivadas por uma série de diferenças. No pensamento metafísico, existe um elemento que caracteriza definitivamente algo; sem a presença deste elemento, algo não é algo. Daí a busca incessante pelas “naturezas” (jurídicas) e assemelhados. Ocorre que sim, as identidades são duras, mas o que faz que algo seja ou não algo é múltiplo. Por exemplo, na prática cotidiana não há “meio” relógio; ou algo é relógio ou não (assim como não há “meio” direito, ou parte tem ou não tem, ou determinado sentido é inconstitucional ou não é). Então, por exemplo, pode-se dizer que ter ponteiros, marcar horas, que um dia marcou horas, ter a forma de relógio, estar na parede, estar no pulso – são múltiplas diferenças que, em potência, podem ser utilizadas para marcar a diferença relógio/ não relógio. É interessante notar que nem todas as diferenças que são possíveis de serem utilizadas necessariamente precisam ser invocadas para que seja identificado um relógio na prática comunicativa cotidiana. Assim, um relógio pintado em quadro de Salvador Dali, ou relógio no pulso de algum caractere de um game nunca marcou alguma hora, mas é identificado como relógio. Assim, na matriz pragmático sistêmica, as unidades são possibilidades que marcam diferenças motivadas por uma série de diferenças possíveis. Apenas falar-se em ato voluntário não designa um contrato; é necessário, ainda, adicionar mais diferenças, como uma descrição de vontades convergentes, interesses divergentes e não exclusão dogmática (como no casamento, considerado por muitos “instituição” e não “contrato”) para se alcançar um consenso mínimo acerca da identidade de uma dada operação social como contrato. Tem-se, no Direito, infindáveis e infrutíferas discussões motivadas acerca de qual é o elemento “essencial” para que se cruze a fronteira da forma, indicando a identidade, uma vez que não se tem consciência da unidade da multiplicidade. É necessário lembrar, por fim, que mesmo que se considere “interesses divergentes” uma diferença que, junto a outras diferenças, forme a diferença contrato/não-contrato, os referidos termos são eles mesmos unidades da multiplicidade de outras diferenças, os quais estão conectadas com outras diferenças até o infinito de possibilidades. Deste modo, inegável o caráter em rede e sistêmico do conhecimento.
Operações
Tudo o que um sistema faz pode ser chamado de operação. O tipo de operação depende do sistema. O sistemas vivos, por exemplo, realizam operações basais; os psíquicos, pensamento; e os sociais, finalmente, comunicação.
Relações centro-periferia
Aqui tem-se uma releitura da problemática das hierarquias. O que é “centro” e o que é “periferia” é, nas noções metafísicas, um elemento “real” e “essencial”, só podendo existir, em um sistema epistemológico, um centro e uma periferia. Na perspectiva pragmático-sistêmica a relação centro-periferia torna-se uma observação possível. A matriz pragmático-sistêmica não é uma matriz cética, de modo que tudo passa ou tudo pode. Contudo, não se considera problema pensar que existem diversos pontos de observação possíveis, e, com isto, diversos centros, todos verdadeiros e de certo modo compatíveis entre si. É comum colocar-se ou processo legislativo ou a decisão judicial como centros do Direito. Ambas perspectivas estão corretas, simplesmente por que os critérios de observação são diferenciados. Porém está correto também pensar que, sem a doutrina, não existem ideias novas as quais os juízes possam formar correntes. Nesta perspectiva a doutrina é o centro do Direito. Porém, sem uma esfera pública (nos bares, restaurantes, paradas de ônibus, eventos sociais) não há a formação opiniões públicas, as quais informarão o Direito no futuro. Nesta perspectiva, a esfera pública é o centro do Direito.
Scripts
Por script entenda-se todo aquele esquema socialmente generalizado de “isto causa aquilo”. Os scripts estão generalizados na sociedade e no Direito. Dado o caráter em rede do Direito, as relações de causa e efeito nunca são isoladas e impunes, mas sempre sistêmicas, isto é, relacionadas com o todo e com as demais operações. As normas podem ser observadas a partir desta perspectiva.
Regime jurídico
O regime jurídico é uma espécie complexa de script. Como é evidente, o regime jurídico não é imanente, mas sim construído a partir de um esforço conjunto e contínuo da doutrina e da jurisprudência no tempo, passando por processos de aprendizagem. Quando alguém fala em contrato, há o processamento social de um script que leva a uma teia construída de determinadas relações. O uso da palavra contrato, ou ato administrativo, ou que seja, leva a que uma série de outras normas e conceitos (liberdade contratual, interesse público, função social, validade, eficácia, etc.). É importante notar que esta atividade de conexão entre o fenômeno e o consequente regime jurídico raramente é dada pela lei. Assim, é uma atividade normativa das mais relevantes a conexão entre, por exemplo, a concessão/ não concessão de um diploma de uma entidade privada de ensino com o ato administrativo, e consequentemente com o regime jurídico. Com o regime jurídico, o sistema jurídico mantém uma certa abertura para a evolução, uma vez que se torna possível recombinar os diversos elementos que conformam um dado regime jurídico a todo instante.
Classificações jurídicas
Também uma constelação interessante de script, conceito e unidade da diferença. É semelhante ao regime jurídico, mas se trata de uma operação com um perfil um pouco mais diferenciado. Também um conceito que sofreu fortes influências da metafísica, a qual considera que a categorização é um processo real. As categorias referem-se a grupos. São unidades da diferença. Cada grupo conterá diversas diferenças, as quais possibilitam cruzar a fronteira de uma outra forma. Assim, a palavra cavalo pode levar tanto ao conceito quanto à categoria cavalo. No caso, pode entrar nesta categoria todas aquelas operações comunicativas quecontiverem as diferenças relacionadas a cavalo (um cavalo em um livro, um cavalo correndo, um cavalo que já existiu ou vai existir, etc.). É interessante que a metafísica estipula para certas categorias, por exemplo, mamíferos, um caráter de definidade e verdade. Ocorre que, por exemplo, poder-se-ia utilizar qualquer outra categoria para agrupar animais, como os animas de cor branca e os coloridos, ou os mordedores ou não mordedores. Se na biologia se trata apenas de classificações, no Direito o problema das categorias se conecta com a natureza jurídica e com os respectivos regimes jurídicos. Ocorre que, a despeito da existência de classificações meramente acadêmicas, a inserção (o que os juristas chamam de natureza jurídica, mas que de “natural” não tem nada) de um dado jogo de linguagem em uma ou outra categoria leva a um ou outro regime jurídico. Por exemplo, primeiro é criada a classificação tributos reais/pessoais, e depois são estipulados regimes jurídicos para cada dos lados desta forma (por exemplo, pode incidir a progressividade tributária ou não). As classificações, deste modo, são um modo de a doutrina e a jurisprudência realizarem um certo controle do ordenamento, a despeito do que venham a dizer as normas formalmente estatuídas. Trata-se de um grande poder e de uma grande responsabilidade. As classificações e as conexões com os respectivos regimes jurídicos são, deste modo, formas de redução da complexidade. Com isto, o sistema ganha em capacidade de operação.
Reentrada da forma na forma
Para a perspectiva sistêmica, tudo o que pode ser identificado tem uma forma; os sistemas complexos, evidentemente, tem maneiras complexas de preservar e modificar sua forma. O Direito também tem sua forma, constantemente reciclada. Dado os avanços epistemológicos, atualmente é autorizada uma perspectiva interdisciplinar do Direito. A filosofia, a sociologia e as demais ciências ou perspectivas realizam observações sobre o Direito. O Direito tem determinadas estruturas especializadas em recepcionar estas observações (Teoria Crítica, Teoria do Direito) e, precisamente, fazer com que o Direito mude sua forma. Assim, dá-se a reentrada da forma na forma, ou seja, não é, por exemplo, a filosofia que muda o Direito, mas sim o Direito que se apropria da forma da sugestão filosófica para mudar sua própria forma.
Acoplamentos operativos
Por acoplamentos operativos entenda-se o acoplamento de uma operação em outra. Todas as operações estão conectadas. Não há operação isolada. É impossível achar um exemplo de alguma operação de qualquer sistema que não tenha ligações com qualquer outra operação. Isto vale para os sistemas vivos, psíquicos e sociais. Os acoplamentos são múltiplos. Cada operação de um determinado sistema está acoplada a diversas outras. Assim, uma decisão judicial está acoplada com operações sobre sua competência, nomeação, vinculação com paradigmas constitucionais, e assim por diante. Releva notar que os acoplamentos são frouxos. Como Wittgenstein diz, sobe-se uma escada e depois se joga-a fora. Os acoplamentos “acontecem”, sendo difícil tornar totalmente transparentes os seus motivos. Luhmann diz as operações “saltam”. Desde que a próxima conexão esteja suficientemente à mão, torna-se possível o acoplamento. Assim, quando um julgador avalia se determinada relação afetiva foi namoro ou união estável, ele terá certos critérios. Na presença múltipla destes critérios, uma escolha terá de ser feita, qual seja, a do enlace ou conexão mais próxima (para realizar o salto).
Acoplamentos estruturais
Se é bem verdade que qualquer operação pode ser observada por qualquer sistema e, com isto, adquirir um sentido próprio para aquele sistema, é necessário observar, contudo, que existem complexos de operações onde isto acontece de modo usual, passando a constituir estruturas mais ou menos permanentes simultaneamente em dois ou mais sistemas. É precisamente o caso da Constituição, uma vez que se trata de um fenômeno importante tanto para o sistema do Direito como para o da Política. 
Complexidade estruturada
Quando diferentes atores sociais mantém expectativas recíprocas confiáveis, há uma certa estabilidade nesta expectativa e, com isto, formam-se estruturas. Assim, o Direito, as tradições, costumes, conhecimento em geral, são complexidades estruturadas. É interessante que as complexidades estruturadas podem se converter em complexidades operativas. Assim, uma expectativa recíproca estabilizada como uma norma jurídica (ex.: direito à saúde) transforma-se em complexidade operativa, isto é dá azo a operações de enlace. Isto significa dizer que a norma é um ótimo meio de, a partir de uma complexidade estrutura, produzir complexidade operativa (ações que promovam o Direito à saúde, como aplicar uma injeção em alguém).
Teoria do Direito
A Teoria do Direito é o complexo de comunicações cuja função é fazer a reentrada da forma na forma. Isto significa: o Direito possui identidade e limites próprios, porém, certas estruturas dentro do sistema precisam se especializar nesta operação de descrever o Direito enquanto Direito. Descrever o Direito enquanto Direito significa colocá-lo na rede de significações, e, ao se fazer isso, necessariamente se estabelece relações e se leva estas relações de volta ao Direito. Assim, descrever as relações do Direito é uma maneira de tentar buscar a identidade do Direito – buscar identidades é tarefa difícil em qualquer fenômeno social e especialmente difícil em específico, dado o caráter de o Direito ser uma linguagem especializada em carregar conteúdos de outros espaços comunicativos.
Um programa interdisciplinar para a construção da identidade de uma Teoria do Direito teria de ter um núcleo que envolvesse um debate sobre as necessidades existenciais do homem ; um vínculo político e psicológico com a emancipação e uma vinculação a uma teoria da diferenciação e da comunicação . Essas três necessidades não são auto-evidentes, de modo que precisam ser fundamentadas. Uma Teoria Geral do Direito, em primeiro lugar, é construída a partir do domínio das idéias de diferenciação, intersubjetividade, comunicação e atos de fala. Isto por que, evidentemente, uma Teoria Geral do Direito será uma construção que terá de lidar com programações – programações estas que dependem do funcionamento da comunicação para a formação de programas de ação conjuntos . Estes programas de ação conjuntos colocam-se frente a seres históricos e, ao mesmo tempo, naturais. Para que a comunicação seja possível, é necessário observar a própria necessidade existencial que reside por detrás da ideia de comunicação, que é, ao mesmo tempo, um imperativo pragmático e também uma função fruto de um processo evolutivo. Além disto, observa-se que todo conhecimento é regido por um princípio reitor característico, que é o de emancipação.
Teoria Geral do Direito
Pode-se dizer que por Teoria Geral do Direito pode-se entender uma determinada distinção complexa, cujo lado interno é uma observação que concatena e constrói as distinções fundamentais do sistema jurídico, as quais podem servir de base para a formação de outras distinções fundamentais. Em outras palavras, a Teoria Geral do Direito é uma construção do sistema jurídico, e sua evolução tem por função a ideia da formação das categorias gerais de estruturação do sistema, as quais permitem a operacionalidade deste. Fazer uma Teoria Geral do Direito significa estabelecer mais propriamente os processos de ligação entre os diferentes saberes e práticas sociais que estão relacionados com o Direito, de modo que se possa refletir sobre a justiça das normas, sobre sua conveniência diante de técnicas de resolução de conflitos, de administração e assim por diante. É dizer: a Teoria Geral do Direito prepara o terreno para que o Direito adquira o seu conteúdo, e, com isto, o seu sentido, na medida em que, em sua missão de meio lingüístico para a interação e socialização, são carregados ao Direito as mais variadas razões, notadamente aquelas de cunho moral, ético e pragmático. Mas, evidentemente, estas estruturas de enlace só são possíveis de serem descritas e observadas na medida em que se antecipa os seus conteúdos, de modo que seria uma falácia dizer que existem estruturas vazias – algo impossível justamente por que invisível. Assim, a Teoria Geral do Direito tem um conteúdo que se poderia dizer mais operativo, mas o que não significa que ela não vá se relacionar com outras disciplinas justamente para a formação de uma compreensão do Direito. 
Aliás, a sua identidade de Teoria Geral do Direito só faz sentido enquanto em contraste e ligação (ao mesmo tempo) com as demais disciplinas do Direito. Assim, é pretensão demais para uma Teoria Geral do Direito fazer exame das Teorias da Justiça, entretanto, é missão da Teoria Geral do Direito estabelecer as possibilidades de observação das interações das Teorias da Justiça com o Direito; não cabe à Teoria Geral do Direito buscar a identidade do próprio Direito – missão que caberia à Teoria do Direito – mas a Teoria Geral do Direito teria de carregar a dúvida e ser um espaço de reentrada na forma, para evitar o dogmatismo.
A Teoria Geral do Direito está especializada em transformar complexidade estruturada em operativa. A Teoria do Direito é o complexo de comunicações cuja função é fazer a reentrada da forma na forma.
Ramos do Direito
A divisão do Direito em ramos ainda pressupõe uma visão de mundo metafísica, ou seja, a existência de uma realidade jurídica em si mesma, ou de um mundo perfeitamente lógico criado unilateralmente por Deus, natureza ou ciência, monologicamente captado pelo cientista. Assim, resumindo, existem perspectivas imanentistas, onde os ramos do Direito apareceriam aprioristicamente (a partir de algum dado essencial, tal como o interesse privado versus o público), e outras perspectivas cientificistas, onde os ramos do Direito apareceriam conectados com determinados princípios. Há, ainda, aqueles que observam a questão dos ramos como se fossem sistemas normativos estanques (não se pode aplicar uma norma de Direito administrativo ao Direito do Trabalho), e outros que ainda vinculam diplomas normativos à ramos (Código Civil é o Direito Civil, Código Penal é o Direito Penal, etc.). É interessante que Kelsen, pelo menos neste aspecto, não é ingênuo. Ele vai dizer que, no final das contas, todas as normas são públicas, por que criadas pelo Estado, e que o ordenamento é uno, descabendo estas divisões. Ocorre que Kelsen faz pouco caso do fenômeno. Observando-se a prática dos jurídicas, realmente o Direito Administrativo possui princípios diferenciados do Direito Civil – princípios estes na maior parte das vezes criados pela jurisprudência e doutrina. Não se pode desprezar que os operadores decidem diferentemente a partir de diferentes ramos do Direito. Assim, as perspectivas de ramos do Direito acima descritas são vítimas da deturpação metafísica do princípio da identidade aplicada a fenômenos sociais. É evidente que o Código Civil faz parte do ordenamento, sendo descabido falar em uma interpretação isolada da CLT ou da Lei de Licitações ou Contratos Administrativos (e vice-versa). Neste sentido, o Direito é uma rede interligada sem hierarquias. Entretanto, a matriz pragmático-sistêmica permite a existência de pluralidade de observações. Assim, existe uma estrutura de observações que se forma para observar a partir de determinados parâmetros. A jurisprudência e a doutrina, em seu trabalho de interpretação das normas legais, acabam por criar novas redes de princípios e critérios de observação. Estas novas estruturas acabam dando sentido diferenciado para o material que existe no ordenamento. Assim, quando se observa o Código Civil a partir dos princípios do Direito do Trabalho, tem-se um campo de decisões possíveis; a partir do Direito Civil, outro, e o mesmo se passando com o Direito do Consumidor e com o Direito Administrativo, apenas para dar exemplos. Assim, o Código Civil é uma norma que “pertencerá” (ou seja, pode ser observado) por diversos ramos do Direito, adquirindo cores diferenciadas a medida que interage com os princípios e critérios destes ramos. Importante lembrar que as normas e princípios constitucionais perpassam a maior parte dos ramos, senão todos, formando novos sentidos. Além disto, há o espaço da Teoria do Direito e da Teoria Geral do Direito, as quais, em uma outra perspectiva possível e não incompatível com a da existência de ramos, buscará significados comuns, articulações entre os ramos e mesmo categorias gerais transversais (aplicáveis a todas as disciplinas).
Evolução
Para Luhmann, evolução é um processo que compreende a oscilação, a seleção e a respectiva estabilização, em direção a um maior processamento das complexidades, para que o sistema se mantenha funcionando. Todo sistema produz alternativas no tempo, as seleciona e a seguir estabiliza estas alternativas na sua estrutura, de modo que as novidades se tornam passado e passam a ajudar nas seleções do presente. Assim, por exemplo, em determinado período o contrato de adesão apareceu como novidade ao sistema. Como o contrato de adesão possui possibilidades de aumentar a capacidade de processamento do Direito, foi selecionado, logo tornando-se lugar comum. O contrato de adesão tornou-se, deste modo, “memória” do sistema. Logo ele passou a ajudar na seleção do que vem a ser contrato de adesão (contratos com grandes concessionárias de serviço público e bancos, por exemplo), até que um dia perca sua serventia e seja esquecido pelo ordenamento.
Para Habermas, a evolução adquire caracteres mais qualitativos. Pode significar maior liberdade temática (ver adiante), assim como uma maior consciência moral (também trabalhada mais adiante). Também, para Habermas, a evolução está conectada com processos emancipatórios. A evolução pode ser caracterizada como processos de descentração do ego – valendo tanto para ciências duras quanto para as humanas e sociais aplicadas. Habermas vai dizer que a evolução compreende um processo de saída de uma reflexão mais imediata para uma reflexão mais universal. Assim, um Direito, sociedade ou personalidade mais evoluída é aquela capaz de conhecer, assimilar e trabalhar com a pluralidade e com princípios mais universais de conhecimento e conduta.
Evolução e liberdade temática
Trata-se de um tema que interessa mais propriamente a Habermas. Uma das características do Direito moderno é precisamente sua tensão entre facticidade e validade. O Direito e as relações sociais que existem não necessariamente são validas. Para que uma tal perspectiva seja possível, foi necessário criar uma postura social e filosófica que fosse capaz de identificar o vigente como talvez não-válido. Isto faz parte de um processo progressivo de liberação de espaços de decisão. Quando mais se retrocede às sociedades primitivas, mais se identificam espaços do “não decidível”, isto é, espaços dogmaticamente fechados à argumentação. À medida que a sociedade evoluiu, abriram-se mais e melhores espaços de crítica, sendo, portanto, este um dos traços de evolução social.
Sistemas
Os sistemas refletem complexidades estruturadas que são capazes de produzir suas próprias estruturas e sua identidade. Existem sistemas basais, isto é, sistemas vivos, baseados em operações orgânicas. Por exemplo, uma formiga, uma floresta inteira, ou um corpo humano. O sistemas biológicos realizam um tipo só de operação, ou seja, operações que mantém o sistema vivo e com uma organização. A morte do sistema significa a desorganização do sistema. Um outro tipo de sistema é o psíquico. Trata-se de um sistema especializado apenas nos pensamentos. O sistema psíquico está conectado, pela linguagem, aos sistemas sociais. Os sistemas sociais, na perspectiva Luhmanniana, são formados por comunicação. É interessante notar, então, que Luhmann já parte da virada linguística. Acessam-se sentidos, não a realidade em si mesma. Deste modo, os sentidos são formados pela comunicação. A comunicação, para Luhmann, é formada dos elementos emissão, informação e recepção. Estes trêselementos reunidos foram a comunicação. A comunicação, assim, é intersubjetiva, entre sujeitos. Como é entre sujeitos, não é do domínio de nenhum deles. A comunicação, portanto, é algo externo entre sujeitos. Daí a conclusão surpreendente de Luhmann de que a sociedade não é formada por sujeitos, mas sim pela comunicação. Pode até ser uma comunicação cujo conteúdo seja dizer que a sociedade é um grupo de sujeitos, mas sempre será uma comunicação, e nunca os sujeitos em si mesmos. A sociedade, então, é um sistema omniabarcador, abrangendo todas as comunicações. É importante dizer que Luhmann refuta a ideia hegeliana de sociedade = Estado nacional. Trata-se de uma conveniência política muito arbitrária. Assim, para Luhmann, toda as comunicações da humanidade compreenderiam o sistema “sociedade”, sendo estas divisões em Estados ou culturas subdivisões ou sistemas internos possíveis. Luhmann estabelece que existem três grandes tipos de sistemas na sociedade: os sistemas sociais, os organizacionais e os sistemas de interação. Os sistemas organizacionais delimitam as diferenças entre as organizações e o meio externo. As corporações empresariais, associações, Estados-nação, órgãos públicos e por aí vai são exemplos de sistemas organizacionais. Sistemas de interação são sistemas comunicacionais simples, como um contrato ou um relacionamento. Luhmann dá mais ênfase aos sistemas sociais. São os sistemas formatados ao redor de uma função específica. Como sistemas que são, são capazes de se autoproduzir, mas neste caso são também capazes de assimilar uma alta dose de informações e reduzir a complexidade, mantendo o seu código. O Direito é um destes sistemas.
Códigos
Código é uma espécie de entrada da comunicação no sistema. Os sistemas observam as suas operações, conectando a seus códigos e, com isto, formando sentidos. Assim, o Direito observa tudo a partir do código lícito/ilícito. Por exemplo, quando alguém dá um abraço de despedida em seu amigo, o Direito observa tal abraço como algo “lícito”. Assim, todas as comunicações que o Direito é capaz de observar são observações que se tornam jurídicas, demonstrando a característica de auto-observação e autoprodução do Direito. O Direito faz isto com ajuda de seus programas, isto é, estruturas complexas em forma se X então Y ou deve-se alcançar o resultado X. É necessário apontar que, mesmo quando o Direito faz uma crítica do Direito, há um enlace com o código lícito/ilícito. Por exemplo, quando alguém, a partir da Sociologia do Direito ou a Filosofia do Direito afirma que o Direito não trata satisfatoriamente determinados assuntos como as normas das favelas ou o casamento plurigâmico, precisamente está enlaçando com estas comunicações o código do Direito, pois considera tais situações ou como ilícitas, por que proibidas, ou lícitas, por que o Direito nada fala sobre elas.
Funções da linguagem
As funções da linguagem, neste trabalho, são aquelas descritas por Habermas. A linguagem reproduz a cultura, isto é, permite que tradições sejam memorizadas e transmitidas aos novos membros da sociedade. A linguagem também permite a socialização, isto é, a formação da personalidade do indivíduo em conjunto com a sua inserção na sociedade. Finalmente, a linguagem possibilita a integração social através da coordenação de ações, sendo, na perspectiva Habermasiana, o Direito especializado nesta função da linguagem.
Signos e sintagmas
Aqui está a se adotar o pensamento de Ferdinand de Saussure. Os signos teriam caráter bifronte, sendo formados pela união sinal acústico ou gráfico com o significado, sendo entendido este último como as expectativas socialmente generalizadas acerca do que se deve fazer quando, precisamente, se deparada com o referido sinal acústico ou gráfico. Entretanto, um signo tomado isoladamente raramente vai conseguir estabelecer uma comunicação efetiva entre dois falantes. Esta é a razão pela qual a linguagem evoluiu para os sintagmas. O cérebro humano tem um limite médio de memorização de palavras e as situações de utilização. Pode ter um vocabulário médio de 30 mil palavras, e cada palavra destas comportar centenas de usos possíveis. Ocorre que, se em um primeiro momento estes dados impressionam, é necessário lembrar que, em um dia apenas, uma pessoa se depara com milhões de experiências. A pretensão do positivismo de palavras com pouca possibilidade de repetição é inviável. Daí a razão pela qual designamos os eventos a partir de sintagmas, ou seja, a partir da união de signos, os quais formam frases, os quais por sua vez formam discursos. Com a união de signos em sintagmas, e sintagmas em discursos, consegue-se com poucas milhares de palavras comunicar-se acerca de milhões de situações.
Dimensões da linguagem
Neste caso aqui, está a se fazer uma apropriação de Saussure. A linguagem pode ter uma função denotativa, relacionada com as informações intersubjetivas e expectativas recíprocas de formação de significado. Pode ter também uma função conotativa, isto é, no campo das emoções geradas no ouvinte. Assim, uma palavra tal como “ordem”, dentro de um determinado contexto, pode ter uma função conotativa de simples organização. Em outro contexto, pode tentar gerar um efeito conotativo de simpatia para com o sintagma utilizado. Por exemplo, uma frase “é necessário manter a ordem” pode gerar adesão, pela simpatia que a palavra traz, mas também pode esconder pretensões autoritárias/repressivas.
“Vagueza”
O termo aparece entre aspas por que, no senso comum, há uma certa conotação negativa ao termo. A matriz pragmático-sistêmica prefere falar em capacidade de enlace. Determinados signos possuem maior ou menor capacidade de enlace. Se a linguagem fosse “precisa”, e não “vaga”, ela não seria repetível. Justamente por que os signos não são “precisos” é possível utilizar uma mesma palavra para múltiplas e diversas situações. Os signos podem ser anfibiológicos, isto é, permitirem múltiplos de jogos de linguagem. A esmagadora maioria dos termos jurídicos assim o são. Palavras como “dia”, “recurso”, “obrigação”, permitem diversos jogos de linguagem, os quais são identificados a partir do seu contexto. Alguns (raros) sintagmas parecem ter poucos jogos de linguagem possíveis, como é o caso, por exemplo, de agravo de instrumento. Mesmo que no ordenamento jurídico os termos “agravo de instrumento” signifique recurso que ataque decisão interlocutória, mesmo assim o termos permitem múltiplos usos (agravo de instrumento por não recebimento de recurso, por interdição à produção de prova, de primeiro grau ao segundo grau de jurisdição, do segundo ao terceiro). Fora que se mantém o desafio de saber quando utilizar o termo agravo de instrumento, uma vez que, dado o caráter em rede do conhecimento, o uso do termo pressupõe que se saiba o que é decisão interlocutória, sendo fácil lembrar as infindáveis discussões doutrinárias e jurisprudenciais que residem justamente neste ponto. A partir destas constatações, fica fácil perceber o caráter ingênuo, metafísico e ilusório das pretensões de certas concepções positivistas de construção de linguagem puras, as quais pressuporiam um uso possível apenas para um determinado termo, deflagrado por apenas uma base possível de fatos. Novamente, o que inicialmente apareceu como uma tentativa de democratização e controle tornou-se uma possibilidade ideológica de justificação não fundamentada de argumentos. Note-se, ainda, que tal concepção ainda está arraigada no Direito, pois ainda se fala em suportes fáticos, incidência e assim por diante.
Atributos da linguagem
Aqui novamente está-se a recorrer a Saussure. A linguagem é arbitrária, no sentido de que não há conexão entre as palavras e a “realidade”. As palavras conectam pessoas sobre coisas, e não se conectam diretamente com a coisa. Por isto não há uma palavra “naturalmente” correta para determinado fenômeno, o que explica a pluralidade de de línguas no mundo. Isto explica muitos erros do Direito, como por exemplo a fantasia de determinadas concepções de direito real (como relação dedireito com uma coisa). A linguagem é linear, no sentido que as proposições mais complexas surgem da sucessão de sintagmas. De fato, dada as peculiaridades de nosso cérebro, podemos assimilar muitas informações simultaneamente e gerar conexões em forma de rede; entretanto, a linguagem e, consequentemente, a comunicação, só funcionam de forma linear, isto é, a partir de um encadeamento de um signo no outro. A linguagem é mutável, pois, posto que arbitrária, está sujeita a condicionamentos históricos. Assim, os significados mudam com o passar do tempo. Entretanto, esta mudança não se dá de forma artificial e rápida. É necessário tempo. E é precisamente por esta razão que a linguagem é, também, imutável, isto é, não muda ao bel-prazer de qualquer ator tomado individualmente.
Razão situada
Por razão situada entenda-se aquela faculdade que, em uma perspectiva Habermasiana, advém do uso intersubjetivo da linguagem. Abandona-se o ideal de universalidade e de individualismo da era kantiana. Reconhece-se que o uso da razão não pode ser individual, mas sim necessariamente enredado na linguagem e em tradições e, portanto, a razão é social (como diz Wittgenstein, pense 7 vezes 5 igual a 35 sem dizer a si mesmo; ou diga 7 vezes 5 igual a 35 sem pensar). A razão é uma razão situada no espaço e no tempo. Não há como a razão sair dela mesma. A razão também não pode sair da linguagem: afinal, só se pode trocar linguagem por linguagem. Entretanto, isto não impede que as proposições tenham conteúdos e pretensões universalistas. O exercício da razão sempre situado; sempre acontecerá no aqui e agora de uma dada situação existencial. Pretende-se, contudo, para uma interpretação do Direito ou para uma dada teoria física que o proferimento tenha validade para todos os lugares e em todos os tempos. É precisamente este um dos sentidos dos termos “facticidade e validade” que aparecem nos dizeres de Habermas.
Racionalidade discursiva
É um típico conceito habermasiano. Novamente, sua metodologia reconstrutiva faz-se presente em seu conceito. É necessário lembrar que é necessário escapar da metafísica e dos apriorismos. Por exemplo, um conceito comum de racionalidade é aquela ligada à lógica, matemática ou às preferências de utilidade. Isto é assim por que aparentemente as construções da matemática podem ser provadas e reconstruídas. Tudo o que não poderia ser provado estaria no campo dos “meros” sentimentos, incluindo a moral e o Direito. Evidentemente que quem diz isto tem fortes fardos argumentativos, não só o de provar a exatidão da matemática mas também teria de provar a razão pela qual uma proposição que diga dois mais dois é quatro difere no final das contas para uma que diga que a pessoa se sente triste ou que determinada norma é inconstitucional: não é o consenso sobre a razoabilidade do proferimento que afinal das contas gera a adesão da conta matemática como racional? Sem um apriorismo, fica difícil marcar o racional e o não racional nesta perspectiva. Outro apriorismo é aquele que coloca como racional aquilo que traz vantagens ao sujeito (racionalidade enquanto utilidade). Além do problema da conceituação do que vem a ser uma vantagem e uma utilidade, tal proposição é problemática por que não explica o seu pressuposto: por que não seria racional também uma proposição que interdita uma utilidade para o sujeito (visando preservar sua própria vida, por exemplo, ou voltada para finalidades educativas na adolescência)? Habermas, então, parte das práticas cotidianas. É racional quem é capçaz de ter consciência de seus proferimentos e engajamentos comunicativos, sendo capaz de concordar e discordar sem coações em proferimentos dos mais diversos tipos (referentes a teorias, verdade, correção e veracidade).
Perspectiva reconstrutiva
A maneira pela qual Habermas e Luhmann tentam escapar da metafísica (isto é, evitar recorrer a apriorismos, dogmas, abstrações e assemelhados) é muito interessante. Ambos partem da ideia de construtivismo, ou seja, a noção de que o conhecimento é socialmente construído, e não deduzido de uma realidade suprassensível ou produto de abstração pura da razão. Eles, entretanto, adotam interessantes conexões com ciências empíricas na formação de seus sistemas epistemológicos. Os sistemas seriam construções da teoria sociológica, abraçando, contudo, tanto a teoria das formas da matemática e da lógica, quanto os princípios da indeterminação da física quanto, finalmente, os sistemas biológicos. Habermas tenta escapar da metafísica ao dizer que sua forma de abordagem é uma formalização teórica das práticas cotidianas. Ele tenta transformar, no seu dizer, o saber empírico dos participantes de uma dada sociedade (Know how) em saber teórico (Know that).
Proposições assertóricas e não assertóricas
As proposições assertóricas, para Habermas, são aquelas que se referem a algo ancorado no mundo objetivo. É evidente que todas as manifestações sobre algo envolvem coisas físicas, como os gestos e o som. Entretanto, as proposições sobre a verdade se estabilizam através do consenso, mas possuem uma conexão sensível com o mundo. É observável através dos sentidos, por exemplo, a transformação do estado da água em determinada temperatura. A partir da observação social deste fenômeno, esta asserção se estabiliza enquanto verdade. No Direito a questão é completamente diversa. Os sentimentos, a moral e o Direito, na visão de Habermas, podem ser fruto de uma avaliação racional. O Direito e a Moral, para Habermas, são construídos pela argumentação e pelo consenso. Deste modo, não há uma realidade “objetiva”, dos “fatos”, relacionada ao Direito. O Direito está desconectado das questões sensíveis; é única e exclusivamente formatado argumentativamente. As proposições acerca de sentimentos, da moral, da ética e do Direito são, assim, proposições não assertóricas, isto é, proposições que não estão conectadas com observações sensíveis.
Ação comunicativa
Habermas especifica que o conceito de ação comunicativa não é um conceito normativo, mas sim um conceito reconstrutivo, isto é, um conceito que parte das ações dos sujeitos falantes, teorizando-o ato continuo. Habermas vai fundamentar que a ação comunicativa é a ação padrão socialmente difundida. A ação comunicativa representa a expressão da racionalidade comunicativa, ou seja, a disposição de agir fundamentadamente e de consensuar e divergir sem coações. Na ação comunicativa, o sujeito entra em consensos fundamentados e críticos sobre um estado de fato, teoria, significado, norma ou sentimento. Assim, por ação comunicativa entenda-se aquele evento que, dirigido a outrem, possui uma intencionalidade comunicativa, sendo que esta intenção comunicativa e seu oferecimento a outrem pode ser observado pela comunidade, de modo que possua sentido. A ação comunicativa é racional por que fundada em razões. Para Habermas, racional é quem é capaz de agir ou deixar de agir baseando-se em alguma razão, e sendo capaz de oferecer e receber razões.
Ação estratégica e instrumental
Os dois tipos de ação caracterizam-se por um cálculo de meios e de utilidade. Muito embora as vezes estejam conectadas com um certa conotação de imoralidade, em realidade nem sempre é assim, uma vez que as duas espécies de ação compõem largas dimensões da vida. A ação instrumental é não linguística, muito embora na esmagadora maioria das vezes o aprendizado da referida ação instrumental tenha sido linguístico. Tratam-se de ações onde se manipulam objetos ou são traçadas estratégias relacionadas a fins relativos a coisas. Por exemplo, planejar e executar o caminho de casa até o trabalho. Já a ação estratégica é linguística, isto é, vale-se da linguagem. Trata-se aqui de utilizar a linguagem não para entrar em consenso com o outro sobre estados de fato, normas ou sentimentos, mas sim para gerar efeitos perlocucionários no outro. O outro é visto como um meio para os planos egoísticos do agente comunicativo. Habermas fundamenta a ação estratégica como parasitária da comunicativa. Ela só funciona por que os ouvintespressupõem aquilo que Habermas acredita ser a regra, ou seja, a ação comunicativa. Como exemplo de ação estratégica, pode-se pensar no discurso de um político que defende a necessidade de maior competitividade do Brasil, quando em realidade é apenas um argumento para mascarar uma precarização do trabalho para fins de diminuição de custos. Note-se que nem sempre há esta aura negativa por sobre a ação estratégica. A Moral ou o Direito abrem espaços de ação estratégica. No campo da negociação contratual, por exemplo, dentro de certos limites (não é possível o dolo) é possível negociar-se estrategicamente preços e condições, sem que isto seja visto com uma conotação normativa negativa.
Mundo da vida
O mundo da vida é o repositório de experiências de um sujeito, o qual, certamente, guarda experiências em comum com uma determinada comunidade e também com a própria humanidade. A partir do mundo da vida um participante é capaz de gerar sentido com as experiências presentes. O mundo da vida pode ser reordenado, criticado e remodelado, mas nunca na totalidade, e sim sempre em partes, uma vez que o contrário pressuporia a ingenuidade do primeiro positivismo de uma capacidade de observar e interpretar sem necessidade de preconceitos e prejuízos. No mundo da vida encontram-se experiências relacionadas ao mundo objetivo (o sol do meio-dia queima demasiado a pele; todo evento físico gera calor que se dissipa), social (deve-se dar bom dia aos amigos pela manhã, é errado cometer assassinatos) e subjetivas (aprecio Rock’n Roll, determinado período foi feliz/traumático em minha vida).
Pretensões de validez
Quem age racionalmente de forma comunicativa é capaz de entrar em consenso com outras pessoas, nem que o consenso seja apenas sobre o significado do ato. A racionalidade expressa-se pela capacidade de, se for o caso, fundamentar a ação, isto é, ser capaz de dizer, via discurso, as razões pelas quais se age de uma ou outra forma. Como se tratam de jogos de linguagem, o falante deve ser capaz de fundamentar a validez do que fala; significa dizer: os falantes defendem pretensões de validade. O ato de fala comunicativo possui uma dimensão ilocucionária e uma locucionária. A dimensão ilocucionária refere-se a pretensões de validade de sinceridade, verdade e correção. Com a dimensão ilocucionária consegue-se fazer algo e estabelecer planos de ação através do ajuste de um compromisso. O “fazer algo” (dimensão ilocucionária de um ato de fato) sempre compreende a assunção de um compromisso de defesa de pretensões de validade, as quais podem se referir a problemáticas diversas. Já a dimensão locucionária está relacionada com a pretensão de intelegibilidade de determinada pretensão de validade (HABERMAS, 1994). A dimensão locucionária está relacionada a consensos vinculados ao que significa determinado proferimento. Trata-se de dois lados da mesma moeda, uma vez que só se entende o plano de ação a partir da intelegibilidade do ato de fala, e vice-versa, de modo que as dimensões dos atos de fala só são separáveis em âmbito analítico. Também se faz algo no plano locucionário: fundamentam-se pretensões de validade voltadas ao estabelecimento de um consenso com o outro.
Pretensões de validez e intersubjetividade
É precisamente pela aceitação soberana da oferta de um ato de fala que se forma a intersubjetividade e com isto a reprodução do mundo da vida. Para a formação da comunicação deve-se no mínimo entrar em consenso sobre o conteúdo locucionário da oferta do ato de fala, e deve-se ser capaz de antecipar os efeitos ilocucionários. Entretanto, através da ação comunicativa formam-se também engates ilocucionários (em questões de verdade, manutenção das tradições, sentimentos, normas, etc.), os quais, em uma aceitação das ofertas realizadas pelos atos de fala, gera-se a intersubjetividade, ou seja, o engate entre as subjetividades e, com isto, a reprodução do mundo da vida.
Comunicação na pragmática da linguagem
À semelhança de Luhmann, em Habermas a comunicação pode ser observada a partir de três momentos. Os três momentos têm categorias de observação diversas. O ato de fala, no qual as categorias centrais são a intenção (comunicativa ou não) do falante e as garantias que o falante oferece; as regras que regem a comunicação e a hermenêutica do ato de fala por um ouvinte, tornada possível através de um mundo compartilhado entre falante e ouvinte (HABERMAS, 1994).
Compreende-se, nas palavras de Habermas, um ato quanto se sabe se o que se quer fazer com ele, quando se sabe o que o faz aceitável e quais são as repercussões para a ação. Para que seja possível tal constatação, é necessário, em suas palavras, basear-se em suposições e condições que são formalizadas a partir de uma reconstrução das práticas cotidianas. Isto significa dizer que o agir cotidiano é fonte das suposições necessárias para o entendimento de algo no mundo.
Habermas aponta como condições para a comunicação (HABERMAS, 1999):
- uma linguagem ou uma tradução de linguagem comungada pelos dois lados da comunicação (alter e ego);
- uma situação de fala onde é possível a inspeção por ambos lados;
- uma compreensão de fundo;
- um proferimento capaz de ser aceito/não aceito, com base em pretensões de validade, por parte do ouvinte.
Jogos de linguagem
Já se estabeleceu que Direito é uma questão de decisão. E que interpretar algo em Direito também é decidir. Entretanto, só decidir significados em seus contextos não resolve nem de longe a complexidade de observação da decisão jurídica. Ainda, viu-se que o próprio Direito constitui-se de decisões que, dada a sua inserção em contextos sociais, processos e forma específica, acaba servindo de meio de integração social, isto é, de coordenação de ações, que nada mais é que engatar uma decisão em outra. 
Os jogos de linguagem são elucidativos para entender a problemática do significado. Antes de qualquer reflexão, é importante lembrar que só saber os jogos de linguagem de uma norma não significam uma boa aplicação do Direito. Isto por que, antes de tudo, é necessário entrar no campo ilocucionário da norma, e isto só é possível quando inseridos discursos (justificação, mediação e aplicação).
Para Habermas, uma expressão e seu significado não está no campo da “verdade”, uma vez que não é uma questão de consenso sobre um fato, mas sim no campo da “validade” ou aceitabilidade racional, uma vez que, como Wittgenstein (2004) apontou, trata-se de um problema de seguimento de regras. Conhece-se uma expressão por que se concorda com as pretensões que fundamentam o uso da expressão (HABERMAS, 1999). As pretensões estão fundamentadas em razões, que podem ou não ser aceitas pelo ouvinte. Esta é a razão pela qual o significado, para Habermas, não é uma questão de verdade, mas sim de validade. Esta também é a razão pela qual o significado é uma construção social intersubjetiva, e não uma relação de imagem a um estado de coisas, como no pensamento pré-viragem lingüística.
A partir de Wittgenstein, diz-se que o significado de algo está vinculado com o ato de seguir uma regra. Aquele que segue a mesma regra forma o mesmo significado. Aquele que se desvia da regra de uso é criticado. Assim, quem afirma que o martelo serve para olhar as horas está desviando-se das regras socialmente generalizadas de uso dos referidos signos e pode, portanto, ser criticado por isto. Não se trata de mera regularidade causal, mas sim de conhecimento da existência de regras de uso dos signos e da capacidade dos falantes de uma comunidade de detectar, criticar e corrigir eventuais usos incorretos das regras. O conceito de regra, como fundamentou Wittgenstein (2004), necessariamente é intersubjetivo. Ninguém segue uma regra em privado. Isto significa que o significado e sua validade, construídos através de regras, por evidente que são intersubjetivos. A possibilidade de que o outro critique o uso de regra por alguém não é só uma condicionante para o seguimento das regras de linguagem, mas também uma segurança para quem quer seguir uma regra.
Tanto falantequanto ouvinte possuem expectativas recíprocas de que compartilham uma regra de uso de signo e que são capazes de inspecionar o uso desta mesma regra.
Então dizer que o policial seguiu uma regra em um determinado contexto pode ser formalizado:
1.	Policial emite a manifestação “você foi multado por estacionar em local proibido”;
2.	Com a intenção de satisfazer a expectativa de comportamento que o cidadão possa ter com relação ao próprio policial;
3.	Com a expectativa de que o cidadão seja capaz de identificar o comportamento do policial como o seguimento de uma regra;
4.	O policial também possui uma expectativa que, em sendo o caso, o cidadão também poderia emitir uma decisão semelhante;
5.	Que o cidadão também poderia identificar a expectativa do policial caso fosse ele, o cidadão, a emitir a ordem;
6.	E o policial deveria ser capaz de identificar o comportamento do cidadão como uma regra.
Assim, tanto policial quanto cidadão geram, a partir de seus mundos da vida compartilhados, tanto expectativas de comportamento quanto juízos sobre o seguimento de uma regra. As expectativas de comportamento referem-se ao que se pode esperar a partir da invocação de determinada expressão em determinado contexto. O juízo advém de uma avaliação crítica acerca da adequação do uso da regra naquele contexto. Uma decisão compreendida é um sucesso que não depende apenas de fatores biológicos/ambientais, tampouco culturais e contextuais: para Habermas, um sucesso comunicativo depende também da contínua aceitação, em termos de sim/não, dos participantes. É necessário, para se formar uma comunicação, levar-se a sério o outro e, com isto, identificar as regras de uso e a avaliar se a situação comunicativa está ou não conforme as regras de uso.
Sentido
Um exemplo prático pode ajudar a deslindar esta problemática. Um doutrinador diz que o Direito de superfície é um direito real. O que é isto? Trata-se de uma operação que acontece simultaneamente com o ator e com o sistema jurídico. Esta operação produz diferença no mundo. Produzir diferenças é passar de um lado a outro de uma forma. Esta diferença, contudo, só faz sentido quando observada. O cruzamento de um lado a outro da forma, bem como a observação deste cruzamento, são atos de significação no mundo. Estes atos não podem ser individuais, e tampouco serem incapazes de se enlaçar com outros atos, sob pena de anemia significativa. Isto significa que quem diz que o direito de superfície é um direito real deverá ser capaz de dar razões. Estas razões são dirigidas as demais pessoas e, se assim for o caso, poderão formar consenso e, deste modo, estabilizar a comunicação e, com isso, produzir sentido. Para que este consenso seja atingido, certos pressupostos da comunicação são necessários, como, por exemplo, a liberdade dos falantes. Assim, uma distinção e a observação desta distinção por um sistema formam um sentido, os quais podem acontecer tanto nos sistemas psíquicos quanto nos sociais.
Decisão
Para Luhmann (2007), decisão é uma operação do sistema, tanto faz se psíquico ou social, de modo que deveria ser especificado. De todo modo, decisão é um processo onde no qual são geradas alternativas, a alternativa é escolhida e em seguida justificada, tudo isto em um determinado período de tempo fechado. A decisão produz diferenças.
A hipótese que vem sendo desenvolvida no campo da Teoria pragmático-sistêmica é a de que os sentidos são decisões que produzem diferenças (CLAM, 2006), sendo estas diferenças observadas e consensuadas.
Os conceitos de ação e decisão são equivalentes funcionais (LUHMANN, 1990), isto é, cumprem as mesmas funções para a comunicação? Parece que, se não equivalente, pelo menos são muito assemelhados. Claro que Habermas não aceitaria a ideia de ação comunicativa advindas de um sistema (muito embora trabalhe sistemas de ação). Além disso, a ação compreende a ideia de intencionalidade comunicativa, e a expectativa gerada de entendimento – diferenças que Luhmann não aloca para a decisão, e tampouco para a comunicação (LUHMANN, 2001). Entretanto, é evidente que a ação é um processo de escolha de alternativas no tempo. Assim, o conceito de decisão estaria dentro do de ação.
Neste trabalho, mesclar-se-ão os conceitos. Prefere-se falar em decisão. A decisão, contudo, como precisa ser justificada, necessariamente vai estar conectada com o conceito de ação. Assim, uma decisão é um processo de geração de alternativas e sua escolha, no tempo, justificadas por um discurso (HABERMAS, 2001) e passível de entendimento em uma situação hermenêutica, isto é, compartilhada por uma comunidade que se socializou em uma cultura assemelhada.
Decisão jurídica
Em ambos autores, o processo de caracterização de uma determinada operação como jurídica é complexa. Em Habermas, é possível observar pelo menos seis enlaces. Em primeiro lugar, uma decisão é justificada por um discurso prático, isto é, normativo. Isto significa que o processo de geração de alternativas e sua escolha reger-se-ão por razões que remetem a um “que fazer” (HABERMAS, 1997a). O discurso normativo, contudo, é comum a Ética, ao Direito e à Moral. Outro enlace possível para caracterizar uma decisão como “jurídica” é o fato de ela estar em uma cadeia de decisões que vai da esfera pública à ação administrativa. Para Habermas, o Direito baseia-se em procedimentos de decisão que necessariamente devem ser democráticos, e que, portanto, devem estar enlaçados com a esfera pública (HABERMAS, 1997b). Assim, uma pista para se saber quando uma decisão é jurídica ou não é a sua referibilidade a um processo de decisão democrática. Assim, jurídico seria tudo aquilo que veio depois de um procedimento democrático de elaboração do próprio Direito (leis), assim como as decisões conexas (doutrina, jurisprudência, etc.). Trata-se, ao contrário do primeiro critério (que é baseado no tipo de razão que estrutura a decisão), de um critério posicional da comunicação em uma perspectiva de decisões democráticas da esfera pública até a decisão individual. O terceiro critério está baseado não no tipo de razão, mas sim na estrutura principiológica que sustenta a decisão. Tratam-se dos discursos de justificação e aplicação, ou seja, discursos que geram decisões com enlaces mais vagos, e que necessitam justificar a criação de uma norma, e discursos com enlaces menos vagos, que necessitam justificar a aplicação de uma norma. O quarto aspecto refere-se aos centros de decisão. Habermas não trabalha a ideia de órgão como Kelsen trabalha. Para Habermas o locus de produção do Direito está conectado com os procedimentos. Uma decisão seria jurídica se for capaz de se enlaçar com os processos comunicativos de produção de Direito, os quais ocorrem em espaços de comunicação consensualmente definidos como tais na sociedade. Finalmente, a linguagem jurídica (médium linguístico). O que ajudaria a caracterizar o Direito não seria propriamente o conteúdo, mas o uso de uma determinada linguagem. Esta linguagem, evidentemente, não tem formalidades especiais, mas sim características estruturais especiais. Isto significa: ser posta por decisão, ter caráter deontológico, coordenar a ação e atribuir comportamento a alguém (HABERMAS, 2002). Repita-se: Habermas não acha que seja possível achar um critério de conteúdo para se saber o que é Direito; e, com relação à forma do Direito como critério identificador, já se passaram muitos anos das últimas tentativas viáveis. Assim, faz uma conjugação de critérios, como a razão subjacente (razão prático-normativa), a forma do discurso (justificação e aplicação), sua situação posicional na cadeia democrática (comunicação situada após um procedimento de criação do Direito) e as características da linguagem jurídica (características sociais, como a positividade, não uma forma específica). Note-se que Habermas não toca no problema da doutrina do Direito como fonte do Direito. Com relação ao sexto aspecto, a própria função social do Direito ajuda a caracterizá-lo: o Direito é um meio de comunicação privilegiado, diantedo qual é possível gerar entendimento entre cidadãos, socializar e reproduzir a cultura (HABERMAS, 2004). Assim, o Direito presta aos demais sistemas sociais importantes serviços no campo da estabilização de expectativas e formação de programas finalísticos.
Já em Luhmann o que faz uma comunicação ser jurídica é a sua recursividade em um sistema. Não há nada especial nem na forma e tampouco na linguagem jurídica. Alguém poderia escrever um poema em forma de lei, e o um mesmo conteúdo poderia ser moral, ético, econômico e jurídico. O procedimento não é garantia de pertencimento ao sistema jurídico, uma vez que o sistema jurídico é formado por todas as comunicações que possuem temática jurídica, e isto abrange, por exemplo, a doutrina e os princípios, os quais sabidamente não possuem procedimento identificável e confiável de produção (LUHMANN, 2004). De fato, para o referido autor é tolice imaginar sistema jurídico como sinônimo de ordenamento jurídico. Isto por várias razões, a saber: 1) o sistema jurídico é uno: sentença, processo, direito objetivo, subjetivo, competência, etc., são comunicações presentes em todos os ordenamentos, e que possuem muitas semelhanças (e também diferenças); assim, quem decide o que é competência decide com base em um patrimônio de sentidos mundial, e que, portanto, não respeita as bordas nacionais; 2) as comunicações que decidem o direito o fazem partir de várias outras comunicações, que não só os programas estatais, isto é, utilizam a história, a jurisprudência, a doutrina e por aí vai; isto significa dizer que, para Luhmann, merece estar no sistema tudo o que se referir a Direito e ajudar na decisão sobre o que é Direito; assim, não seria possível imaginar sistema jurídico somente como um ordenamento estatal de normas. Importante referir que, para Luhmann, não são normas que compõem o sistema, mas sim as comunicações. As normas são comunicações com um determinado perfil, dentre outros tipos de comunicações. Tal definição escapa do curto-circuito positivista. Para estes, só as normas fazem parte do ordenamento; entretanto, também, também as opiniões da ciência seriam “jurídicas”. Assim, para os positivistas, existiriam opiniões “jurídicas” (do Direito), mas que não fariam parte do Direito. Em Luhmann, o conceito de Direito é muito mais alargado, incluindo até as opiniões populares sobre o Direito. É o próprio Direito que faz a separação entre opiniões adequadas para uma decisão pelo Judiciário ou não – mas que não deixam de ser jurídicas, de todo modo. Interessante, assim, que para Luhmann são jurídicas as diferentes posições sobre o Direito. Assim, a lei nº 1, que o Tribunal X considera inconstitucional, e o Y constitucional, tem ambos sentidos “jurídicos”. Um das opções prevalecerá em uma decisão específica, mas a outra continuará como opção de reserva e, nem por isto, será menos “jurídica” – mesmo que seja um erro evidente.
Para iniciar a argumentação, faz-se imperioso lembrar o problema do sentido na teoria Luhmanniana: o sentido só existe quando se conjuga uma operação e a observação desta operação (LUHMANN, 1997). Muito embora seja um conceito complexo, por operação entenda-se a produção de uma diferença no mundo. Será jurídico aquilo que o sistema observar e, assim, gerar um sentido jurídico (LUHMANN, 2002). O sentido se forma, deste modo, no sistema. Isto significa que o sistema ajuda a dar sentido a uma operação a partir de sua observação. Assim, uma mesma operação (ex.: vender algo) pode ser observada pela moral, pela economia e assim por diante. Não há uma operação “tipicamente jurídica”. O que ocorre que esta operação será observada pelo Direito e terá um sentido jurídico para o Direito (podendo ser observada simultaneamente pela economia e ter um sentido econômico para a economia, e assim por diante). O sistema jurídico irá enlaçar a operação em questão a partir de pelo menos cinco conexões, sendo que nenhum delas é definitiva. Ressalte-se que a teoria luhmanniana é muito mais complexa, sendo apresentado aqui um resumo muito tosco da sua obra.
Em primeiro lugar, o enlace com código jurídico/não jurídico. Em potência, qualquer operação pode se enlaçar com o código do Direito. Entretanto, só algumas operações efeituais o serão. O código tem uma função de indicar a redundância do Direito e de dizer que só aquilo que o Direito se preocupa será Direito. Só o que Direito observar será jurídico, e não as demais operações. Se esta constatação não determina a operação, ao menos reduz a complexidade infinita que é o mundo (LUHMANN, 2005).
Em segundo lugar, a operação atual conecta-se com as estruturas de auto e heteroreferência do sistema. Todo sistema possui estruturas especializadas em dizer o que está “dentro” e “fora” do sistema. Especificamente, trata-se da Teoria do Direito, da dogmática, etc., ou seja, teorias que tentam criar práticas de separar o que é jurídico do que não é. É interessante que, no nível sistêmico, não há com o que se preocupar: o Direito sempre terá uma teoria que irá fazer a diferença de Direito e não Direito. Assim, todos os juristas do mundo podem respirar aliviados: o Direito nunca deixará de se identificar enquanto Direito. É evidente que a investigação da qualidade desta teoria remete a outra problemática (felizmente a teoria sistêmica permite o acoplamento interdisciplinar) (LUHMANN, 1996).
O próximo acoplamento operativo é com um perfil típico das comunicações jurídicas. Tratam-se dos programas. As comunicações jurídicas, para Luhmann, estruturam-se de forma a gerar expectativas de comportamento; estas expectativas remetem a programas, isto é, à velha fórmula de que se forem dadas determinadas condições, é necessário que se ative um comportamento: comportamento este que se espera e que, se não for cumprido, mesmo assim se deve continuar esperando como devido (LUHMANN, 1983). Assim, mesmo as máximas do Direito Romano são “jurídicas” por que envolvem dar sentido para algum programa, isto é, para comunicação que tenha a forma “se acontecer alguma coisa, espera-se que se faça alguma coisa”. Mesmo os princípios são assim: se se decidir, que se respeite a dignidade; se se criar direitos e obrigações, que seja mediante lei; e por aí vai. Importante lembrar que além deste tipo de programa – os condicionais – existem também os finalísticos, os quais representam estado de coisas desejáveis (chegar ao pleno emprego, por exemplo).
Uma comunicação torna-se jurídica ao se enlaçar com os símbolos do sistema, isto é, deve ser capaz de igualdade e validade. Mesmo que, para Luhmann, os símbolos não tenham conteúdo, sendo meramente representação do movimento do sistema, o enlace gera um pouco mais de precisão ao exigir produção de novas operações de redundância (isto é, justificação de por que a comunicação observada pelo Direito pode se manter jurídica). A comunicação tem de ser capaz de se enlaçar com a ideia de que ela valeria para uma generalidade de casos e com a ideia de que ela estaria conforme o todo do sistema.
A comunicação que se quer caracterizar como jurídica, também, torna-se “jurídica” no momento em que é possível acoplá-la operativamente com alguma operação do sistema. Assim, por exemplo, uma opinião doutrinária será jurídica se ela se referir ao ordenamento como um todo ou a alguma operação. Uma norma se se referir a outra norma, e por aí vai.
Todas as conexões são recursivas. Significa que uma leva à outra, sem uma determinada ordem; são parte de uma trama de operações que não tem início, fim, e tampouco ponto seguro (MORIN, 2003), mas que, dadas as conexões (acoplamentos operativos, isto é, acoplamento de uma operação em outra) formam uma rede densa o suficiente para que seja possível falar de significados jurídicos e gerar expectativas com relação a decisões.
Unidade da pluralidade da decisão jurídica
Importante caracterizar que a decisão jurídica, em realidade, é uma unidade de múltiplas de decisões. De fato, quando se fala que alguém decidiu juridicamente (emitiu um juízo de correto/incorreto sobre normas, isto é, doutrina,

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