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o renascimento português e a lirica camoniana

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Literatura Portuguesa: 
Poética
O Renascimento português e a lírica camoniana
Material Teórico
Responsável pelo Conteúdo:
Prof.Dr. Manoel Francisco Guaranha
Revisão Textual:
Profa. Ms. Silvia Augusta Albert
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•	A lírica de Luís Vaz de Camões
•	Contextualizando: Renascimento europeu e português
•	Camões, vida e obra
Para que você possa apreender de modo adequado o conteúdo dessa disciplina, é muito importante 
realizar o seguinte percurso:
a) Leitura da contextualização;
b) Leitura do material teórico (esta leitura deve ser feita várias vezes destacando-se os principais 
conceitos ou as definições contidas no texto, bem como procurando compreendê-las por meio dos 
exemplos);
c) Realização da atividade de sistematização;
d) Realização da atividade de aprofundamento;
e) Consulta ao material complementar fornecido e/ou visita aos sites sugeridos;
f) Leitura da bibliografia da unidade, especialmente a que se encontra na biblioteca virtual da 
universidade; e
g) Contato com o professor tutor para esclarecer dúvidas ou mesmo expor suas ideias a respeito do 
assunto.
Lembre-se, você está seguindo uma disciplina na modalidade a distância, mas isso não significa que 
você está sozinho nesse processo: o diálogo é a forma mais produtiva de ensino e de aprendizagem. 
É preciso compreender, ainda, que o estudo deve ir além dos conteúdos disponibilizados nos textos 
da unidade e a forma de fazer isso é consultar a bibliografia indicada.
Nesta unidade, estudaremos o Renascimento português e a lírica camoniana. 
Trata-se de um período áureo da cultura lusitana, produto da grande revolução 
cultural ocorrida na Europa no século XVI. Veremos alguns aspectos do contexto 
histórico e cultural da época mostrando como eles aparecem nas composições, 
notadamente as líricas, de Luís de Camões, um dos maiores poetas portugueses.
Como vamos nos centrar na lírica camoniana, solicitamos que você aprofunde 
seus conhecimentos por meio do material complementar, que traz informações 
sobre Os Lusíadas, a poesia épica do autor igualmente importante, mas que 
representa um universo à parte na obra de Camões, embora integrado aos 
demais gêneros praticados pelo poeta.
O Renascimento português e a lírica 
camoniana
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Unidade: O Renascimento português e a lírica camoniana
Contextualização
A literatura de um país está intimamente ligada à história de seu povo. Como vimos 
anteriormente, o Trovadorismo registra o início de uma cultura independente, embora com 
influências de outros povos. Veremos a seguir que a marca acentuada de lirismo do período 
medieval irá se constituir em presença marcante nos períodos posteriores. No início do século 
XVI, em 1516, por exemplo, surgiu o Cancioneiro Geral, organizada por Garcia de Resende, uma 
compilação de poemas de poesia palaciana que inclui obras dos séculos XV e XVI. Os poemas, 
escritos em sua maioria em português, mas também em castelhano, tratam dos mais variados 
temas. Além de ser a primeira coletânea de poesia impressa em Portugal, essa compilação 
testemunha o surgimento da imprensa nesse país, e representa o principal repositório de poesia 
portuguesa da época. Você pode saber um pouco mais sobre essa obra no site:
•	 http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/resende.htm
Esses poemas, com certeza, devem ter influenciado a obra do poeta que estudaremos 
nesta unidade, Luís de Camões. Mas em que pese toda a tradição herdada por este poeta do 
Renascimento, você poderá perceber que ele assimilou, à sua maneira, os grandes temas da 
época e soube expressá-los por meio da mais alta literatura, fazendo com que Portugal não 
ficasse nada a dever às demais literaturas dessa época.
Convidamos você, então, para essa fascinante viagem pela lírica camoniana, que esperamos 
seja um guia para que você amplie seus estudos.
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 A lírica de Luís Vaz de Camões
Pode-se dizer que Luís Vaz de Camões (1524/25?-1580) foi a voz do Renascimento português. 
E ainda hoje, podemos ouvir essa voz que se dilui por toda a literatura luso-afro-brasileira. 
Dizemos a voz, porque quanto ao homem há uma biografia incerta, recuperada por documentos 
que se referem a ele. No entanto, por seus escritos, podemos dizer que a vida do poeta conta-
se por meio de seus poemas. Saiba que, é uma parte desse percurso, que faremos aqui, caro 
aluno. De posse dessa proposta, você poderá ampliar suas leituras, já que o espaço de uma 
unidade não contempla tudo que há para dizer sobre o nosso escritor maior. Contamos sempre 
com a nossa capacidade de fazer um recorte significativo de Camões e com sua autonomia para 
ampliá-lo por meio do farto material que há na rede e fora dela. 
Acreditamos que, cruzando aspectos da vida e da obra desse poeta maior, você poderá tomar 
contato com o sujeito e a sua poesia ao mesmo tempo: sempre lembrando, é claro, que poesia 
é fingimento e que aqueles percalços pelos quais o poeta passou não estão, necessariamente, 
colocados em suas obras tal como aconteceram, mas fazem parte da experiência vivida que se 
transformou em arte literária. Como sempre, em literatura, o verossímil, aquilo que é possível, 
substitui o verídico, aquilo que aconteceu.
Para que você possa compreender melhor a obra do poeta, vamos fazer aqui um breve 
apanhado do contexto que a envolve: o Renascimento português.
O Renascimento português está inserido no Renascimento europeu, decorrente do final da 
Idade Média. Então, vamos tratar a seguir desse período.
Contextualizando: Renascimento europeu e português
O Renascimento foi um movimento artístico, cultural e científico que marcou a passagem 
da Idade Média para a Moderna. Ele reflete as transformações do pensamento que não dizem 
mais respeito ao sistema de valores da sociedade medieval, em que se colocava Deus no centro 
de todas as coisas, o Teocentrismo. No Renascimento, surgiram novos temas, perspectivas 
e interesses que não só decorreram de, mas também concorreram para o desenvolvimento 
científico e cultural da Europa. Embora não tenha havido uma ruptura radical em relação à 
Idade Média, sensível diferença entre os dois períodos se fez sentir. Essa diferença, decorrente 
do Humanismo que precedeu o período renascentista e com ele, às vezes, se fundiu, está ligada 
à visão do Homem como centro de todas as coisas. Essa é uma visão Antropocêntrica da vida, 
como se costuma dizer, o que estimulou um certo racionalismo.
É preciso compreender que a razão em voga no Renascimento não consistia em desprezo aos 
valores espirituais, por outro lado, era considerada como uma manifestação do espírito humano 
que aproximava o indivíduo de Deus. De qualquer modo, ela permitia que o homem exercesse sua 
capacidade de questionar o mundo, e praticasse um dom concedido por Deus. Esse aspecto pode 
ser considerado um Neoplatonismo ou idealismo platônico, que aparece na poesia de Camões.
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Unidade: O Renascimento português e a lírica camoniana
Platonismo, Idealismo Platônico e Neoplatonismo:
O Idealismo é a tendência filosófica que valoriza as ideias e o espírito, em desfavor da 
consideração do mundo material. Embora reconheça a necessidade do mundo espaço-temporal, 
o idealismo crê que só nas ideias, vale dizer, só no trabalho abstrato do espírito, é que se podem 
encontrar a verdade e a correção das falhas humanas. Assim, o idealismo que nos vem de 
Platão é uma filosofia que se inspira na separação rigorosa entre o que é do sensível (coisas) e 
o que é do inteligível (ideias), separação que foi, aliás, parcialmente reaproveitada pela igreja, 
na crença, que esta sempre sustentou, de que o homem é um ser que tem um corpo sensível 
submetido a uma alma incorporal e eterna. Para o Platonismo, a experiência do mundo sensível 
é enganosa, pois só o trato das ideias eleva o homem ao conhecimento verdadeiro.
A tradição do Platonismo insiste na existência de dois mundos: “o mundoincorporal das 
ideias”, onde repousam os modelos eternos de todas as coisas, sobretudo do Bem, do Belo e do 
Verdadeiro, e o mundo em que vivemos, que é o lugar em que se multiplicam erraticamente as 
cópias imperfeitas e degradadas daqueles modelos. O homem sábio é, pois, aquele que supera, 
pelo exercício das ideias, os apelos da matéria e da carne, é aquele que submete o sensível ao 
inteligível. (RODRIGUES, 1998, p. 21)
 
 
Explore
Para saber mais sobre Platão e sua filosofia, acesse os sites:
http://filsofos-vidaeobra.blogspot.com.br/2009/08/platao.html
http://greciantiga.org/arquivo.asp?num=0336
Sendo assim, as obras renascentistas privilegiavam as ações humanas, ou seja, o humanismo 
e, para tanto, representavam-se situações do cotidiano, reproduziam-se rigorosamente os traços e 
formas humanas, o que se pode chamar de naturalismo, não no sentido que essa palavra tomou 
no século XIX, em obras que ressaltavam a aproximação entre o homem e os animais, mas no 
sentido de aproximação com a natureza humana em contraponto ao mundo espiritual. Esse aspecto 
humanista era inspirado na arte da antiguidade clássica greco-latina, das culturas grega e romana. 
A burguesia surgida desde a Baixa Idade Média teve seus valores representados por essa 
concepção do mundo e a valorização das ações humanas fez com que muitos burgueses, ao 
entusiasmarem-se com os temas do Renascimento, financiassem muitos artistas e cientistas 
surgidos entre os séculos XIV e XVI. 
Burguesia
A burguesia é uma classe social que surgiu nos últimos séculos da Idade Média (por volta 
do século XII e XIII) com o renascimento comercial e urbano. Dedicava-se ao comércio de 
mercadorias (roupas, especiarias, joias, etc) e à prestação de serviços (atividades financeiras). 
Habitavam os burgos, que eram pequenas cidades protegidas por muros. Como eram pessoas 
ricas, que trabalhavam com dinheiro, não eram bem vistas pelos integrantes do clero católico.
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[...] A burguesia participou do renascimento comercial e urbano.[...]
Durante grande parte da Idade Média (do século V ao XII), o comércio praticamente inexistiu. 
Com o final das Cruzadas e a abertura do Mar Mediterrâneo, o comércio começou a crescer 
novamente. A burguesia contribuiu para este processo.
Fonte: http://www.suapesquisa.com/historia/dicionario/burguesia.htm, último acesso em 13/10/2013, 11h34.
A aproximação do Renascimento com a burguesia deu-se no interior das grandes cidades 
comerciais italianas do período. Gênova, Veneza, Milão, Florença e Roma, grandes centros 
comerciais, propiciaram a intensa circulação de riquezas e, consequentemente, de ideias que 
promoveram a ascensão de uma classe artística italiana. Algumas famílias comerciantes da 
época realizaram o mecenato, ou seja, o patrocínio das obras e dos estudos renascentistas. 
O movimento renascentista pode ser dividido em três períodos: o Trecento, o Quatrocento e 
Cinquecento, cada período abrangendo, respectivamente, os séculos XIV ao XVI.
No período Trecento, destaca-se o legado literário de Petrarca (“De África” e “Odes a Laura”), 
que influenciou Camões, e de Dante Alighieri (“Divina Comédia”), bem como as pinturas de Giotto 
di Bondoni (“O beijo de Judas”, “Juízo Final”, “A lamentação” e “Lamento ante Cristo Morto”). 
No período Quatrocento, com representantes dentro e fora da Itália, o Renascimento contou 
com a obra artística do italiano Leonardo da Vinci (“Mona Lisa”) e as críticas ácidas do escritor 
holandês Erasmo de Roterdã (“Elogio à Loucura”).
Já na fase final do Renascimento, o Cinquecento, foi um movimento que ganhou grandes 
proporções, dominando várias regiões do continente europeu. Em Portugal, podemos destacar 
Gil Vicente e Luís de Camões. Na Alemanha, os quadros de Albercht Dürer (“Adão e Eva” e 
“Melancolia”) e Hans Holbein (“Cristo morto” e “A virgem do burgomestre Meyer”). A literatura 
francesa teve como seu grande representante François Rabelais, Gargântua e Pantagruel. No 
campo científico, devemos destacar a teoria heliocêntrica defendida pelos estudiosos Nicolau 
Copérnico, Galileu Galilei e Giordano Bruno. Essa concepção abalou o monopólio do 
conhecimento mantido pela Igreja.
A seguir, vamos falar, mais especificamente, do Renascimento português, motivado pelas 
Grandes Navegações, momento em que os portugueses “deram novos mundos ao mundo”, 
impulsionados pela necessidade de novos mercados em uma Europa que já estava um tanto 
saturada pelo aumento populacional decorrente do fim da Peste Negra.
 
 Explore
Convidamos você, caro aluno, a visitar os sites recomendados a seguir para ampliar um pouco os 
conhecimentos sobre esse importante contexto que ilumina muitos aspectos da obra de Luís de Camões:
Sobre as grandes navegações: 
Site da revista Superinteressante: http://mundoestranho.abril.com.br/materia/o-que-foram-as-
grandes-navegacoes
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Unidade: O Renascimento português e a lírica camoniana
 
 
Caso queira se aprofundar no tema, indicamos a “Enciclopédia Virtual da Expansão Portuguesa”, 
desenvolvida pelo Centro de História de Além-Mar, unidade de investigação interuniversitária da 
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e da Universidade dos 
Açores. O endereço eletrônico é http://www.fcsh.unl.pt/cham/eve//
Sobre o evento da Peste Negra que precedeu o período renascentista:
Assista a um bom documentário do History Channel disponível no Youtube: http://www.youtube.
com/watch?v=CHTIsITxmiU
Sobre o Renascimento também há um bom documentário no endereço: http://www.youtube.com/
watch?v=-2VIAO_bV7g
Observe também, a seguir, um mapa que mostra alguns itinerários feitos pelos portugueses, 
na época das grandes navegações:
 
Viagens portuguesas. Fonte: Internet - https://www.google.com.br/ - buscar por “Grandes Navegações – imagens”.
É importante também conhecer o que temos sobre a vida do poeta, ou seja, sua biografia:
 
Camões, vida e obra
Luís Vaz de Camões:
•	 Nasceu	em	1524/25,	em	Coimbra	ou	Lisboa,	pouco	se	sabe	sobre	a	sua	família,	pensa-se	
que teria descendência galega. Era filho de Simão Vaz de Camões e de Ana de D. Fernando. 
•	 Estudou	em	Coimbra	de	1531	a	1541.
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•	 De	1542	a	1545,	Camões	teria	vindo	de	Coimbra	para	a	corte	em	Lisboa.
•	 Entre	1545	a	1548,	em	Ceuta,	Luís	Vaz	de	Camões	prestou	serviço	militar.	Lá,	perdeu	o	
olho direito, quando lutava a favor de D. João III. 
•	 Envolveu-se	em		vários	duelos,	num	dos	quais	feriu	Gonçalo	Borges,	moço	de	arreios	de	
D. João III, em 16 de Junho de 1552, com a espada, o que lhe custou 8 meses de prisão, 
que durou até março de 1553.
•	 Uma	carta	de	perdão	torna	possível	a	sua	liberdade,	na	primavera	de	1553,	para	embarcar	
a bordo da nau S. Bento, em direção à Índia em serviço de El-Rei, por três anos.
•	 No	mês	de	Setembro	de	1553,	Camões	esteve	em	Goa,	depois	em	Malabar,	com	as	forças	
do Vice-rei, para combater o rei Pimenta de Malabar.
•	 Após	um	breve	descanso,	ele	recebe	ordens	para	viajar	para	a	costa	da	China,	na	defesa	
contra os assaltos dos piratas.
•	 Nessas	viagens	teria	divagado,	até	1560,	voltando	à	Índia	em	1661.
•	 Estando	em	Goa	pela	última	vez,	Camões	permaneceu	um	bom	tempo,	de	1561	a	1568.																																																																												
•	 Diz-se	que	naufragou	no	caminho	para	a	 Índia	(na	 foz	do	rio	Mekong,	no	Camboja)	e	
salvou Os Lusíadas a nado.
•	 De	volta	a	Goa,	talvez	tenha	sido	novamente	preso.				
•	 No	 início	de	1569,	Camões	voltou	à	pátria,	embarcando	para	Moçambique	e	depois	
para Portugal.
•	 Em	Portugal,	em	1570,	encontra-se	pobre,	mas	já	com	o	texto	da	sua	epopeia,	Os	Lusíadas,	
praticamente pronto para edição.
•	 A	última	coisa	que	Luís	Vaz	de	Camões	fez	em	vida	foi	a	publicação	d’Os	Lusíadas,	em	1572.
•	 O	Rei	D.	Sebastião	concedeu-lhe	um	pagamentode	15000	réis	anuais	dinheiro	com	que	
Camões mantendo-se até a morte.
•	 Não	se	sabe	mais	nada	da	sua	biografia	tardia	em	Portugal.	A	partir	de	1570,	parece	que	
foi alvo de vários epigramas de autores bem aceitos na corte, o que pode significar que era 
invejado quer pela grandeza da sua obra quer pelo fato de beneficiar-se da pensão.
•	 Luís	Vaz	de	Camões	faleceu	no	dia	10	de	Junho	de	1580,	em	Lisboa,	na	miséria.
Adaptado de: http://camoes9a.no.sapo.pt/biografia.htm, acessado em 14/10/2014.
Luís Vaz de Camões escreveu em diversos gêneros, embora a Lírica seja o gênero mais 
fecundo na obra do autor. Por isso, a seguir, relacionamos alguns gêneros e suas respectivas 
obras, e apresentamos tipos de poemas e versificação, mais presentes em sua Lírica. 
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Unidade: O Renascimento português e a lírica camoniana
Gêneros cultivados por Camões
Lírica Épica Dramática Cartas
Soneto: forma fixa, dois quartetos 
e dois tercetos.
Os Lusíadas, poema 
épico, narrativo, que 
conta os grandes feitos 
do povo português. 
Constitui-se de 10 
cantos, com 1102 
estofes em oitava 
rima (oitavas), que 
totalizam 8816 versos 
decassílabos.
Comédias: 
El-Rei Seleuco, 
Filodemo e 
Anfitriões.
Documentos escritos 
de Lisboa e das 
Índias que revelam 
as condições de vida 
do poeta.
Redondilhas: forma poética 
composta por versos de 5 e 7 
sílabas, redondilha menor e 
maior, respectivamente.
Vilancete: redondilhas em que se 
tem o mote (frases ou versos que 
precisam ser desenvolvidos) e as 
voltas (estrofes que desenvolvem 
o mote).
Sextina: poema de seis estâncias 
de seis versos e um terceto final.
Égloca: poema de caráter pastoril, 
frequentemente dialogado.
Elegia: poema que expressa 
temas dolorosos e tristes.
Canção: no caso de Camões, 
poemas líricos compostos de 
estrofes de número regular de 
versos, servindo para a expressão 
do estado de espírito do poeta.
Oitavas: estrofes ou poemas 
de oito versos decassílabos, 
organizados segundo o esquema 
de rimas abababcc.
Ode: poema lírico e elogioso de 
tom solene.
 
Costuma-se dividir a obra de Camões em duas categorias, em que se enquadram alguns 
recursos poéticos cultivados pelo poeta: a medida velha, versos com cinco sílabas poéticas, 
redondilhas menores; ou com sete, redondilhas maiores, usados nos vilancetes, por exemplo, 
que têm inspiração na lírica trovadoresca; e a medida nova, que é o uso dos versos decassílabos 
do soneto, cuja inspiração é renascentista. 
Assim como é difícil delimitar o final da Idade Média e o início do Renascimento, também é 
difícil categorizar a obra camoniana de modo rígido e pouco ganharíamos com isso. Importa, 
contudo, estudar o entrelaçamento entre o contexto histórico, os aspectos da vida do poeta e 
a forma como ele transforma esses elementos em arte. Por isso este material procura alinhavar 
alguns textos do escritor mostrando como determinados temas são apresentados em diferentes 
momentos. Um desses temas é a visão da mulher sob a perspectiva Renascentista: ora 
idealizada, ora apresentada como a responsável pelo sofrimento do sujeito. Em certo sentido, 
essa visão prolonga aquele tratamento que era dispensado à dona no Trovadorismo, mas agora 
ressignificado pela nova perspectiva antropocêntrica.
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Não se sabe se Camões nasceu em Lisboa ou Coimbra, mas sabe-se que estudou em Coimbra, 
pois seu tio, D. Bento de Camões, era membro da congregação religiosa de Santa Cruz daquela 
cidade e também chanceler da Universidade. É na canção “Vão as serenas águas...” que tomamos 
contato com aspectos da vida do poeta ligados à sua vida em Coimbra, já que faz referência ao 
Mondego, rio que corta a cidade e a aspectos relativos ao desencanto amoroso do sujeito:
 
1. Vão as serenas águas
2. do Mondego descendo
3. mansamente que até o mar não param;
4. por onde minhas mágoas,
5. pouco a pouco crescendo,
6. para nunca acabar se começaram.
7. Ali se ajuntaram
8. neste lugar ameno,
9. aonde agora mouro,
10. testa de neve e ouro,
11. riso brando, suave, olhar sereno,
12. um gesto delicado,
13.	 que	sempre	n’	alma	me	estará	pintado.
14. Nesta florida terra,
15. leda, fresca e serena,
16. ledo e contente para mim vivia,
17. em paz com minha guerra,
18. contente com a pena
19. que de tão belos olhos procedia.
20. Um dia noutro dia
21. o esperar me enganava;
22. longo tempo passei,
23. com a vida folguei,
24. só porque em bem tamanho me empregava.
25. Mas que me presta já,
26. que tão fermosos olhos não os há?
27. Oh, quem me ali dissera
28. que de amor tão profundo
29. o fim pudesse ver inda alguma hora!
30. Oh, quem cuidar pudera
31. que houvesse aí no mundo
32. apartar-me eu de vós, minha Senhora,
33. para que desde agora
34. perdesse a esperança,
35. e o vão pensamento,
36. desfeito em um momento,
37. sem me poder ficar mais que a lembrança,
38. que sempre estará firme
39. até o derradeiro despedir-me.
40. Mas a mor alegria
41. que daqui levar posso,
42. com a qual defender-me triste espero,
43. é que nunca sentia
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Unidade: O Renascimento português e a lírica camoniana
44. no tempo que fui vosso
45. quererdes-me vós quanto vos eu quero;
46. porque o tormento fero
47. de vosso apartamento
48. não vos dará tal pena
49. como a que me condena:
50. que mais sentirei vosso sentimento
51. que o que minha alma sente.
52. Morra eu, Senhora; e vós ficai contente!
53. Canção, tu estarás
54. aqui acompanhando
55. estes campos e estas claras águas,
56. e por mim ficarás
57. chorando e suspirando,
58. e ao mundo mostrando tantas mágoas
59. que, de tão larga história,
60. minhas lágrimas fiquem por memória.
 
Já nos versos 1 a 13, além da referência geográfica ao Mondego, temos a imagem das águas 
a que se misturam as mágoas do sujeito. Parecem mágoas eternas que contrastam com a calma 
e a serenidade do lugar, assim como entram em contraste, na imagem da mulher, neve – frieza e 
talvez desprezo – e ouro, beleza e sedução relacionadas ao aspecto solar da figura feminina que 
impressionou	o	poeta	com	o	retrato	que	“sempre	n’alma	me	está	pintado”.	
No versos 14 a 24, aparece a temática da ruptura entre o passado de engano e o presente de 
desengano. Antes, o poeta diz que vivia feliz, ditoso e enganado, porque contente com a pena 
(o sofrimento) que procedia dos olhos da amada. A quebra provocada pela adversativa “mas” 
revela, nos versos 25 e 26, que não estão presentes mais aqueles olhos e, por isso, o desengano: 
“mas que me presta já / que tão fermosos olhos não os há?”.
Nos versos 27 a 39, o poeta lamenta a perda de amor tão profundo. Em certo sentido, temos 
a ideia de que nada, por mais intenso que pareça, dura para sempre: “o vão pensamento/
desfeito em um momento”. Repare que são reflexões que nos conduzem à problemática do 
caráter efêmero, instável, mutável de tudo, o que nos parece um reflexo daquele mundo de 
mudanças em que viveu o sujeito. Mas essa mobilidade do mundo, das coisas, não afeta o 
mundo das ideias, já que a lembrança “sempre ficará firme/ até o derradeiro despedir-me”.
Nos versos 40 a 52, o sujeito inverte a equação e coloca-se como vítima: o que o deixa feliz 
no fato de a amada não corresponder ao seu amor com a mesma intensidade é que ela não irá 
sofrer tanto quanto ele está sofrendo com a ruptura. Do contrário, se ela o amasse tanto quanto 
ele a ama, ela sofreria também e isto o deixaria mais infeliz ainda do que já está. 
As estrofes 53 a 60 encerram o percurso que funde a poesia e o sujeito. Numa referência 
metalinguística, o poeta afirma que deixa a canção, que escreve como elemento que irá perpetuar 
seu sofrimento. A vida é efêmera, a arte é eterna. O sofrimento, transformado em poesia, ganha uma 
dimensão universal. Essa consciência da arte como reflexo da vida, assim como as águas do rio e 
das lágrimas são reflexo do sofrimento que nos leva a refletir sobre a literaturacomo uma forma de 
conhecimento, de compreensão do mundo e como uma forma de expressão estética desse mundo.
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Os temas dessa canção reaparecem na obra do poeta. Essa imagem ambígua da mulher, que 
na Canção causa sofrimento ao sujeito que ama, reverbera nos textos de Camões sob outra 
perspectiva. Veja, por exemplo, o soneto em que retrata uma imagem feminina ao mesmo 
tempo serena e paradoxalmente dotada de poderes mágicos que podem seduzir o sujeito:
 
Um mover de olhos, brando e piedoso,
Sem ver de quê; um riso brando e honesto,
Quase forçado; um doce e humilde gesto,
De qualquer alegria duvidoso;
Um despejo quieto e vergonhoso;
Um repouso gravíssimo e modesto;
Uma pura bondade, manifesto 
Indício da alma, limpo e gracioso;
Um escolhido ousar; uma brandura;
Um medo sem ter culpa; um ar sereno;
Um longo e obediente sofrimento:
Esta foi a celeste formosura
Da minha Circe, e o mágico veneno
Que pôde transformar meu pensamento.
Episódio de Circe na Odisseia de Homero. 
O herói Ulisses, personagem épico da Odisseia de Homero, e sua tripulação desembarcam 
na praia da ilha de Eana, onde vivia Circe, filha do Sol. Ao desembarcar, Ulisses subiu a um 
morro e, olhando em torno, não viu sinais de habitação, a não ser um ponto no centro da ilha, 
onde avistou um palácio rodeado de árvores.
Ulisses enviou à terra 23 homens, chefiados por Euríloco, para verificar com que hospitalidade 
poderiam contar. Ao se aproximarem do palácio, os gregos viram-se rodeados de leões, tigres e 
lobos, não ferozes, mas domados pela arte de Circe, que era uma feiticeira poderosa. Todos esses 
animais tinham sido homens e haviam sido transformados em feras por seus encantamentos.
Do lado de dentro do palácio vinham sons de uma música suave e de uma bela voz de mulher 
que cantava. Euríloco a chamou em voz alta e a deusa apareceu e convidou os recém-chegados 
a entrar, o que fizeram de boa vontade, exceto Euríloco, que desconfiou do perigo. A deusa fez 
seus convivas se assentarem e serviu-lhes vinho e iguarias. Quando haviam se divertido à farta, 
tocou-os com uma varinha de condão e eles se transformaram imediatamente em porcos, com 
“a cabeça, o corpo, a voz e as cerdas” de porco, embora conservando a inteligência de homens.
Euríloco se apressou a voltar ao navio e contar o que vira. Ulisses, então, resolveu ir ele 
próprio tentar a libertação dos companheiros. Enquanto se encaminhava para o palácio 
encontrou-se com um jovem que se dirigiu a ele familiarmente, mostrando que estava a par 
de suas aventuras. Revelou que era Hermes e informou Ulisses acerca das artes de Circe e do 
perigo de aproximar-se dela. Como Ulisses não desistiu de seu intento, Hermes deu-lhe o broto 
de uma planta chamada Moli, dotada de poder enorme para resistir às bruxarias, e ensinou-lhe 
o que deveria fazer.
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Unidade: O Renascimento português e a lírica camoniana
Ulisses prosseguiu seu caminho e, ao chegar ao palácio, foi recebido cortesmente por Circe, 
que o obsequiou como fizera com seus companheiros. Depois que ele havia comido e bebido, 
tocou-o com sua varinha de condão, dizendo:
- Ei! procura teu chiqueiro e vá espojar-se com teus amigos.
Em vez de obedecer, Ulisses desembainhou a espada e investiu furioso contra a deusa, que 
caiu de joelhos, implorando clemência. Ulisses ditou-lhe uma fórmula de juramento solene de 
que libertaria seus companheiros e não cometeria novas atrocidades contra eles ou contra o 
próprio Ulisses. Circe repetiu o juramento, prometendo, ao mesmo tempo, deixar que todos 
partissem sãos e salvos[...].
Cumpriu a palavra. Os homens readquiriram suas formas, o resto da tripulação foi chamado 
da praia e todos foram tratados magnificamente durante vários dias, a tal ponto que Ulisses 
pareceu ter-se esquecido da pátria e se resignado àquela vida inglória de ócio e prazer.
Por fim, seus companheiros apelaram para seus sentimentos mais nobres, e ele recebeu a 
censura de boa vontade. Circe ajudou nos preparativos para a partida e ensinou aos marinheiros 
o que deveriam fazer para passar sãos e salvos pela costa da Ilha das Sereias. As sereias eram 
ninfas marinhas que tinham o poder de enfeitiçar com seu canto todos que o ouvissem, de 
modo que os infortunados marinheiros sentiam-se irresistivelmente impelidos a se atirar ao mar, 
onde encontravam a morte.
Circe aconselhou Ulisses a cobrir com cera os ouvidos de seus marinheiros, de modo que 
não pudessem ouvir o canto, e a amarrar-se a si mesmo no mastro dando instruções a seus 
homens para não libertá-lo, fosse o que fosse que ele dissesse ou fizesse, até terem passado 
pela Ilha das Sereias.
Fonte:	http://pt.wikipedia.org/wiki/Circe,	último	acesso	em	13/10/2013.
A referência à imagem mitológica e mundana da Circe, com que encerra o texto, 
contrasta, pelos poderes mágicos e mundanos da figura que seduziu Ulisses e transformou 
seus homens em porcos utilizando elementos mágicos, com a figura da mulher, que ele 
constrói ao longo dos doze primeiros versos do poema, caracterizada pela brandura, 
piedade, humildade, honestidade, doçura, vergonha, gravidade, bondade, medo, 
obediência. Podemos dizer que existem aí duas mulheres: uma que se mostra e outra que 
é, residindo nessa tensão o Bem e o Mal. 
Em outra figura de mulher misturam-se neve e ouro, frieza e calor, doçura e sedução. Essa 
mesma ambiguidade do elemento feminino permeia a redondilha em que o poeta pinta o 
retrato da mulher que vai à fonte:
MOTE
Descalça vai pera a fonte
Lianor, pela verdura; 
vai fermosa e não segura.
17
VOLTA
Leva na cabeça o pote, 
o testo nas mãos de prata,
cinta de fina escarlata,
sainho de chamalote;
traz a vasquinha de cote,
mais branca que a neve pura;
vai fermosa e não segura.
Descobre a touca a garganta,
cabelos	d’	ouro	o	trançado,
fita	de	cor	d’encarnado...
Tão linda que o mundo espanta!
Chove nela graça tanta
que dá graça à fermosura;
vai fermosa, e não segura.
Glossário
Testo = tampa do pote.
Chamalote = tecido de lã e seda.
Vasquinha = Saia de vestir por cima da roupa com muitas pregas na cintura.
De cote = de uso diário.
Veja como Lianor é retratada cromaticamente: a verdura por onde caminha, a prata das 
mãos, a escarlata (vermelho) da cinta, a brancura da neve, o dourado dos cabelos. Neste retrato 
colorido, temos a fusão do elemento feminino com a natureza por meio da verdura; a referência 
à frieza, por meio da prata e da neve; a referência às cores quentes, que nos remetem ao 
desejo que a mulher provoca no sujeito, quer pela beleza do ouro, quer pela sensualidade do 
vermelho que carrega na cinta. O contraste entre as cores frias e quentes reflete, de certo modo, 
o contraste entre os sentimentos do sujeito em relação à mulher. Este quadro vivo também é um 
bom exemplo daquele naturalismo renascentista a que nos referimos. Não é só por causa do 
pote que leva na cabeça que a mulher vai “formosa e não segura”, mas talvez muito mais pela 
sedução que exerce sobre o sujeito.
Podemos elencar alguns temas recorrentes na lírica camoniana. Entre eles, a valorização 
da experiência real em detrimento de um saber imaginativo, fruto, em grande parte, do 
antropocentrismo renascentista; a saudade, aspecto do espírito português desde o Trovadorismo, 
vide as Cantigas de Amigo em que a mulher chorava a ausência do amado; as contradições 
inerentes à vida humana que se materializam nos textos, por meio das antíteses e dos paradoxos 
(como mostramos na imagem da mulher, por exemplo); o desconcerto do mundo, fruto das 
ideias de Heráclito (RODRIGUES, 1998, p. 67), redimensionadas para a realidade do tempo 
de mudanças em que o poeta viveu, pela percepção Maneirista da existência que já revela o 
fim do Renascimento e o surgimento do período Barroco.
18
Unidade: O Renascimento português e a lírica camoniana
Heráclito:(535 a.C. - 475 a.C.) filósofo consideradoo “pai da 
dialética”
É o pensador que afirma que “tudo flui” do fogo, que seria o elemento do qual deriva tudo 
o que nos circunda.
Maneirismo: 
movimento artístico europeu surgido entre 1515 e 1600, como uma revisão dos valores 
clássicos e naturalistas prestigiados pelo Humanismo renascentista. Manifestou-se na pintura, 
escultura e arquitetura na Itália, onde se originou, mas também influenciou as outras artes e a 
cultura de praticamente todos os países europeus e até das colônias da América e no Oriente. Em 
linhas gerais, caracterizou-se pela sofisticação intelectualista, pela valorização da originalidade, 
pelo dinamismo e complexidade e pelo artificialismo no tratamento dos temas, a fim de se 
conseguir maiores emoção, elegância, poder ou tensão. Tem como marca a contradição e o 
conflito. A palavra deriva do termo italiano maniera, “maneira”, indicando o estilo pessoal de 
determinado autor. Pode-se dizer que o Maneirismo marca a passagem do Renascimento para 
o Barroco, período em que as contradições irão se intensificar.
No poema épico Os Lusíadas, Camões insere o episódio O Velho do Restelo, personagem 
que acompanha a partida da expedição de Vasco da Gama em direção às Índias, na praia do 
Restelo, e critica o empreendimento. Ao descrever a figura desse Velho, Camões confere-lhe uma 
autoridade não só pela imagem, “o aspecto venerando” que a idade traz, mas diz também que 
ele tem “um saber só de experiências feito” que inspira as palavras do esperto peito, “experto 
peito”, no dizer de Camões.
Mas um velho, de aspecto venerando,
Que ficava nas praias, entre a gente,
Postos em nós os olhos, meneando
Três vezes a cabeça, descontente,
A voz pesada um pouco alevantando,
Que nós no mar ouvimos claramente,
C’um	saber	só	de	experiências	feito,
Tais palavras tirou do experto peito:
 (Os Lusíadas, Canto IV, estrofe 94).
 
 
Explore
Saiba mais sobre o episódio O Velho do Restelo, Canto IV, estâncias 94 a 104 de Os 
Lusíadas, visitando o site:
http://www.tabacaria.com.pt/lusiadas/restelo.htm
 
Ainda no epílogo do poema, quando se dirige ao rei D. Sebastião, expressando desencanto 
com o destino da nação, o poeta reafirma o valor da experiência. Ao honesto estudo, o saber 
que vem dos livros, juntam-se a experiência e o engenho:
19
Mas eu que falo, humilde, baixo e rudo,
de vós não conhecido nem sonhado?
Da boca dos pequenos sei, contudo,
que o louvor sai às vezes acabado.
Nem me falta na vida honesto estudo,
com longa experiência misturado,
nem engenho, que aqui vereis presente,
cousas que juntas se acham raramente.
Que me quereis, perpétuas saudades?
Com que esperança ainda me enganais?
Que o tempo que se vai não torna mais
E, se torna, não tornam as idades.
 (Os Lusíadas, Canto IV, estrofe 154).
Sobre o tema da saudade, podemos usar como exemplo, entre tantos, o soneto a seguir:
Aquela triste e leda madrugada,
Cheia toda de mágoa e de piedade,
Enquanto houver no mundo saudade,
Quero que seja sempre celebrada.
Ela só, quando amena e marchetada
Saía, dando ao mundo claridade,
Viu apartar-se duma outra vontade,
Que nunca poderá ver-se apartada.
Ela só viu as lágrimas em fio,
Que de uns e de outros olhos derivadas
Se acrescentaram em grande e largo rio.
Ela ouviu as palavras magoadas
Que puderam tornar o fogo frio
E dar descanso às almas condenadas.
O tema da partida, da despedida durante a madrugada, desdobra-se no tema da saudade 
gerada pela separação involuntária, pelo apartamento de duas vontades que não aceitam 
essa realidade. Ao mesmo tempo, e por isso, continuam unidas pelas “lágrimas em fio” que 
se “acrescentam em grande e largo rio”, ou seja, pelo imenso sofrimento provocado pelo 
distanciamento.
Neste poema, o poeta recupera a imagem da madrugada como um ser mitológico, a Aurora 
de róseos dedos, a deusa grega do amanhecer, que se renovava todos os dias e voava pelos 
céus anunciando a chegada da manhã. Tinha como parentes o irmão, Hélio, deus do Sol, e 
uma irmã, Ártemis, deusa da Lua e da Caça, além de muitos maridos e quatro filhos, os ventos 
Norte, Leste, Oeste e Sul. A madrugada, que traz o dia, a claridade e a luz, surpreende a partida, 
a separação. A dor e a mágoa dos amantes são tão intensas a ponto de esfriar o próprio fogo dos 
infernos: “tornar o fogo frio/ E dar descanso às almas condenadas.” Neste discurso fundem-se, 
portanto, no tema da saudade, paganismo e Cristianismo.
20
Unidade: O Renascimento português e a lírica camoniana
Quanto à temática do desconcerto do mundo, podemos vê-la manifestando-se claramente 
nas redondilhas a seguir:
Ao desconcerto do mundo
Os bons vi sempre passar
No mundo graves tormentos;
E, para mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado:
Assim que, só para mim,
Anda o mundo concertado.
Percebe-se a clara inversão de valores: aos bons sobram os tormentos e aos maus os 
contentamentos. O senso de injustiça amplia-se mais para o sujeito poético que, ao agir mal, é 
castigado. Para ele, que constitui uma espécie de ser de exceção, paradoxalmente, até o concerto 
é desconcerto, ou seja, até aquilo que é bom torna-se ruim especialmente para o sujeito.
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E enfim converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.
Neste soneto, a temática da mudança está associada à temática do desconcerto e da saudade. 
Tudo muda tanto que, no último terceto, percebemos o paroxismo, o ponto máximo da mudança: 
até ela não muda como soía, ou seja, como costumava mudar. 
Analisamos alguns poemas da Lírica de Camões, no intuito de mostrar a importância de 
entrelaçar conhecimentos sobre contexto da época de produção, obras e vida do autor, para 
atribuir sentidos aos poemas que lemos.
Reforçamos	a	orientação	de	ler	o	material	indicado	nos	links	e	ampliar	conhecimentos	por	
meio das referências bibliográficas, para que você possa estar bem preparado para ler e fruir 
poemas tão importantes para a história da literatura portuguesa, como são os de Camões.
21
Material Complementar
Ao abordar a obra de Camões, não poderíamos deixar de apresentar, mesmo que 
resumidamente, sua grande obra épica: Os Lusíadas. Acompanhe, portanto, o texto a seguir.
Camões épico: Os Lusíadas.
Além da poesia lírica, Camões escreveu a epopeia Os Lusíadas (1572), o mais importante 
poema épico da literatura portuguesa. Epopeia é uma narrativa, geralmente em verso, que 
conta os grandes feitos de um herói (Ulisses – em Odisseia, Aquiles – em Ilíada, e Enéas em 
Eneida) ou de um povo, como no caso de Os Lusíadas, que canta as glórias do povo português 
no período das Grandes Navegações. O poema tem como herói coletivo o povo português
Em Portugal, no século XV, a necessidade de conhecimento e domínio do espaço físico fez 
com que se desenvolvesse um espírito de ousadia que levou a uma abertura de mentalidades, 
como disse o próprio Camões: “Novos mundos ao mundo irão mostrando” Canto II, estrofe 45. 
Luís de Camões viveu em um período em que Portugal atingiu o seu ponto mais alto de 
domínio do mundo, por causa dos Descobrimentos. Essa experiência que lhe serviu de inspiração, 
aliada ao renascimento cultural, lhe deu a conhecer as epopeias clássicas, originando, então, a 
criação de uma epopeia nacional, pela necessidade que os portugueses tinham de uma obra 
que cantasse os feitos da nação. Os feitos Portugueses forneceram o argumento,a demonstração 
da força humana, do domínio da inteligência do Homem sobre os elementos da natureza. 
 
Estrutura de Os Lusíadas
Estrutura externa
O poema divide-se em dez cantos, cada um deles com um número variável de estrofes, que, 
no total, somam 1102. As estrofes são todas oitavas, têm oito versos, e estes são decassílabos, 
isto é, cada verso tem dez sílabas métricas, obedecendo ao esquema de rimas “abababcc” (rima 
cruzada, nos seis primeiros versos, e emparelhada, nos dois últimos).
Estrutura interna
Como a epopeia clássica, a obra de Camões é constituída por cinco partes: 
Proposição — O poeta começa por declarar aquilo que se propõe fazer, indicando de forma 
sucinta o assunto da sua narrativa: falar não só sobre os navegadores que tornaram possível o 
império português no Oriente, sobre os reis que promoveram a expansão da Fé e do Império, 
mas também sobre todos aqueles que se tornam dignos de admiração pelos seus feitos. Esta 
proposição ocupa as três primeiras estrofes do Canto I:
22
Unidade: O Renascimento português e a lírica camoniana
 As armas e os barões assinalados,
 Que da ocidental praia Lusitana,
 Por mares nunca de antes navegados,
 Passaram ainda além da Taprobana,
 Em perigos e guerras esforçados,
 Mais do que prometia a força humana,
 E entre gente remota edificaram
 Novo Reino, que tanto sublimaram;
 E também as memórias gloriosas
 Daqueles Reis, que foram dilatando
 A Fé, o Império, e as terras viciosas
 De África e de Ásia andaram devastando;
 E aqueles, que por obras valerosas
 Se vão da lei da morte libertando;
 Cantando espalharei por toda parte,
 Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
 Cessem do sábio Grego e do Troiano
 As navegações grandes que fizeram;
 Cale-se de Alexandro e de Trajano
 A fama das vitórias que tiveram;
 Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
 A quem Netuno e Marte obedeceram:
 Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
 Que outro valor mais alto se alevanta.
Invocação — Nessa parte, o poeta dirige-se às Tágides (ninfas do Tejo), para lhes pedir 
o estilo e eloquência necessários à execução da sua obra; afinal, um assunto tão grandioso 
exigia um estilo elevado, uma eloquência superior, “de tuba canora e belicosa” e não de 
flauta; daí a necessidade de solicitar o auxílio das entidades protetoras dos artistas (Canto I, 
estâncias 4 e 5). O poeta pede que as águas do Tejo sejam elevadas à categoria das águas 
da fonte de Hipocrene, uma nascente de água doce, situada na encosta leste do Monte 
Hélicon, na Grécia, tradicionalmente consagrada a Apolo e às musas, que teria brotado de 
uma pedra a partir de uma patada de Pégaso, o cavalo alado. Ela era considerada a fonte 
de inspiração poética por excelência, sendo que quem bebia das suas águas ficava em 
comunhão com as musas.
 
E vós, Tágides minhas, pois criado
 Tendes em mim um novo engenho ardente,
 Se sempre em verso humilde celebrado
 Foi de mim vosso rio alegremente,
 Dai-me agora um som alto e sublimado,
 Um estilo grandíloquo e corrente,
 Porque de vossas águas, Febo ordene
 Que não tenham inveja às de Hipoerene.
23
 Dai-me uma fúria grande e sonorosa,
 E não de agreste avena ou frauta ruda,
 Mas de tuba canora e belicosa,
 Que o peito acende e a cor ao gesto muda;
 Dai-me igual canto aos feitos da famosa
 Gente vossa, que a Marte tanto ajuda;
 Que se espalhe e se cante no universo,
 Se tão sublime preço cabe em verso.
Dedicatória — É a parte em que o poeta oferece a sua obra ao rei D. Sebastião (Canto I, 
estâncias 6-18).
Narração — O poeta canta os feitos dos Portugueses, tendo como ação central a viagem de 
Vasco da Gama à Índia. Paralelamente, surge a narração da História de Portugal. A narração 
começa “in media res”, ou seja, no meio da história, já na viagem, o que é uma característica 
da epopeia clássica.
 A narração desenvolve-se em quatro planos diferentes, mas estreitamente articulados entre si:
1. Plano da viagem — A ação central do poema é a viagem de Vasco da Gama às Índias. 
2. Plano da História de Portugal – Para enaltecer seu povo, Camões usa artifícios para 
contar a história do país ao longo do poema: 
a) Narrativa de Vasco da Gama ao rei de Melinde — O rei recebe Vasco da Gama e 
procura saber quem é ele e donde vem. Para lhe responder, Vasco da Gama localiza 
o reino de Portugal na Europa e conta-lhe a História de Portugal até ao reinado de D. 
Manuel. Ao chegar a este ponto, conta inclusivamente a sua própria viagem, desde 
a saída de Lisboa até chegarem ao Oceano Índico, visto que a narrativa principal se 
iniciara “in media res”, isto é, quando a armada já se encontrava em frente às costas 
de Moçambique.
b) Narrativa de Paulo da Gama ao Catual — Em Calecut, uma personalidade hindu (Catual) 
visita o navio de Paulo da Gama, que se encontra enfeitado com bandeiras alusivas a 
figuras históricas portuguesas. O visitante pergunta-lhe o significado daquelas bandeiras, 
o que dá a Paulo da Gama o pretexto para narrar vários episódios da História de Portugal.
c) Profecias — Os acontecimentos posteriores à viagem de Vasco da Gama não podiam ser 
introduzidos na narrativa como fatos históricos. Para isso, Camões recorreu a profecias 
colocadas na boca de Júpiter, Adamastor e Tétis, principalmente.
3. Plano Mitológico, dos Deuses ou Maravilhoso (conflito entre os deuses pagãos) 
— Camões imaginou um conflito entre os deuses pagãos: Baco opõe-se à chegada 
dos Portugueses à Índia, pois receia que o seu prestígio seja colocado em segundo 
plano pela glória dos Portugueses, enquanto Vênus, apoiada por Marte, os protege. 
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Unidade: O Renascimento português e a lírica camoniana
O maravilhoso tem uma função simbólica: esta intriga dos deuses reflete indiretamente 
as dificuldades que os Portugueses tiveram que vencer e inculca a ideia de que os 
portugueses eram seres predestinados para estas façanhas do destino e que os próprios 
deuses o desejavam.
A mitologia permite a evolução da ação (os deuses assumem-se como adjuvantes ou 
como oponentes dos portugueses) e constitui, por isso, a intriga da obra. São eles: 
Júpiter, Deus do Céu e da Terra, pai dos deuses e dos homens; Netuno, Deus do mar; 
Vênus, Deusa do amor e da beleza; Baco, Deus do vinho e do Oriente; Apolo, Deus 
do Sol, das artes e das letras; Marte, Deus da Guerra, velho apaixonado de Vênus; 
Mercúrio, Mensageiro dos deuses.
 4. Plano das considerações do poeta — Por vezes, normalmente em final de canto, 
a narração é interrompida para o poeta apresentar reflexões de carácter pessoal sobre 
assuntos diversos, a propósito dos fatos narrados. 
 Epílogo – encerramento do poema, que ocupa as estrofes 145 a 156 do Canto X, quando 
o poeta confessa estar cansado de cantar para “Gente surda e endurecida” e que sua pátria está 
metida “no gosto da cobiça e na rudeza de uma austera, apagada e vil tristeza”:
Não mais, Musa, não mais, que a Lira tenho 
 Destemperada e a voz enrouquecida, 
 E não do canto, mas de ver que venho 
 Cantar a gente surda e endurecida. 
 O favor com que mais se acende o engenho 
 Não no dá a pátria, não, que está metida 
 No gosto da cobiça e na rudeza 
 Duma austera, apagada e vil tristeza.
Texto adaptado do site:
https://sites.google.com/site/vamosestudarportugues/Home/9o-ano/os-lusiadas/analise-de-os-lusiadas, último acesso em 19/10/2013.
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Referências
CAMÕES, Luís Vaz de. Luís de Camões: lírica, épica, teatro, cartas. João das Neves e 
Douglas Tufano (org.). São Paulo: Editora Moderna: INL, 1980. 
COELHO, Jacinto do Prado. Dicionário de literatura: literatura brasileira, portuguesa, 
galega e estilística literária.Porto: Figueirinhas, 1987.
MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa. 20ª ed. São Paulo: Cultrix, 1984.
 . A Literatura Portuguesa através dos textos. 12ª ed. São Paulo: Cultrix, 1981.
RODRIGUES, Antonio Medina. Roteiro de leitura: sonetosde Luís Vaz de Camões. São 
Paulo: Ática, 1998.
Fontes eletrônicas de consulta:
Jornal de Poesia: http://www.jornaldepoesia.jor.br/camoes.html, acesso em 14/10/2013 
19h40.
Tabacaria: http://www.tabacaria.com.pt/lusiadas/restelo.htm, acesso em 20/10/2013.
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Unidade: O Renascimento português e a lírica camoniana
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