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![[IC]™ENGLUND, Steven. Uma biografia política](https://files.passeidireto.com/Thumbnail/5833597b-489d-4a11-bda9-bbfee36c3d02/210/1.jpg)
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a opinião pública. Era, em suma, uma luta de tipo subjetivo com poucas regras e em que nem a experiência ajudava muito. Os austríacos enviaram uma comitiva de primeira cheϐiada pelo conde Louis Cobenzl, tarimbado diplomata de 44 anos, irônico e astuto, de língua aϐiada e espírito ágil, um homem com grande futuro político na Áustria. Cobenzl contava encontrar um adversário de 28 anos inepto e impetuoso, que tentaria intimidar a Áustria, atraindo com isso simpatia para ela, e fazendo ao mesmo tempo recair sobre a França a responsabilidade por uma retomada da luta. Napoleão, de sua parte, não estava tão livre quanto gostaria, pois sabia tanto da precária posição militar de seu exército quanto da opinião do Diretório de que a Áustria devia ser tratada com severidade. Ele discordava da visão do Diretório: não se devia tentar empurrar nenhuma imposição pela goela dos Habsburgo; era preciso barganhar com a Áustria. Napoleão desfechou alguns tiros certeiros. Uma questão que enfurecia os franceses era o fato de Francisco II não reconhecer formalmente nem a República Francesa, nem a Cisalpina. Em resposta, Bonaparte variava entre o desdenhoso (“E daí? Será que o Sol precisa de reconhecimento?) e o ameaçador (“Cuidado para que a Europa não chegue a ver a República de Viena!”). O que impressionou Cobenzl no adversário foi sua estranha preocupação com algo que, aparentemente, não era de interesse próprio nem do da França: garantir a segurança e a magniϐicência da República Cisalpina. “Por que o senhor tem mais interesse em cuidar dessas republiquetas do que em negociar conosco?” perguntou-lhe uma vez. Cobenzl deve ter ϐicado impressionado também com a esperteza com que Napoleão intuiu o que realmente amedrontava os austríacos: eles alimentavam um medo nas raias da neurose de que a Prússia substituísse a Áustria como potência alemã, e depois como potência européia. Uma questão interminavelmente discutida foi a da compensação que a Áustria teria pela perda da Lombardia e pelo reconhecimento das reivindicações francesas no Reno. Estas eram concessões enormes, e uma indenização adequada deveria ser paga sem demora, ou a guerra recomeçaria. A indenização deveria ser Veneza — a “república dos Castores”, como Montesquieu a chamara. Mas Veneza, além de uma potência neutra, era o mais antigo governo da Europa, gozando de uma precedência que datava do século V. Tratava-se portanto de um cavalo de Tróia tanto para Viena, para cujo lado o doge se inclinara na recente guerra, como para a França, cuja revolução renunciava à conquista e proclamava o direito dos povos à autodeterminação.8 Mas, se era neutra e antiga, Veneza não era honrada nem inocente: dominada por uma oligarquia corrupta, não exibia mais que uma sombra da glória e da “virilidade” (para usar uma palavra napoleônica) passadas. Anteriormente Napoleão sonhara ter Veneza como parte de sua bem- amada República Cisalpina. De fato, grupos progressistas da classe patrícia da cidade-Estado apoiaram a Revolução Francesa, mas a massa em geral odiava os franceses e provara isso com uma insurreição em Verona (domínio veneziano), onde 400 soldados franceses, entre os quais homens doentes e feridos, foram massacrados. É possível que os franceses tenham fomentado a insurreição; os indícios não são claros. De todo modo, Napoleão e o Diretório concordaram que a “salvação” da condição republicana de Veneza não valia “40.000 vidas francesas” — o número retoricamente elevado que, segundo Napoleão, isso custaria. Veneza pôde assim ser entregue à Áustria. Essa ação fez do Tratado de Campoformio mais um caso notável do tipo de impostura diplomática revestida de hipocrisia que já levara várias vezes, naquele século, a Rússia, a Prússia e a Áustria a retalharem a Polônia entre si. As cláusulas públicas do tratado asseguravam a integridade de Veneza e da Alemanha, enquanto as secretas as vendiam. Quanto à sorte da Renânia, o tratado transferiu a responsabilidade dos ombros dos diplomatas que o negociaram para os dos delegados que se reuniriam num “congresso de alto nível” a ser realizado “mais tarde” (em Rastatt). Só um membro do Diretório teve a coragem de votar contra a ratiϐicação do tratado; os outros e seus ministros entenderam que não havia escolha. Sieyès ou Constant não teriam feito melhor, dado o ardente desejo de paz da França, a hostilidade implacável da Inglaterra e a recusa da Prússia de favorecer o jogo dos franceses. Portanto, chamar o tratado de “a paz de Napoleão” é tendencioso, embora apenas ele o tenha assinado em nome da França, ao lado de quatro austríacos. Campoformio não foi o que Napoleão desejava, mas era o melhor que um negociador teria podido obter sem reiniciar uma guerra que o Exército da Itália não estava em condições de empreender. Contrastou também, diga-se de passagem, com os tratados posteriores de Napoleão, por seu caráter ambíguo e vagamente conciliatório. Em carta ao ministro das Relações Exteriores Talleyrand, Napoleão deixou claro que considerava Campoformio um arranjo provisório, até que uma futura guerra trouxesse uma paz definitiva. Embora extremamente crítico em relação ao Consulado e ao Império, o historiador Michel Vovelle admite que Campoformio pode ter sido uma “ambição pessoal”, mas, ao salvar Milão ao preço de Veneza, foi “uma nobre ambição que, em certo sentido, desempenhou papel positivo nas origens do movimento pela unidade italiana”.9 O mesmo pode ser dito da crônica política de Napoleão na Itália. Ela não é tão impressionante como sua crônica militar; e nenhuma das duas é tão impressionante quanto a crônica de César na Gália. A autoridade de Bonaparte, embora ampla, era muito menos absoluta que a de César, e Napoleão encarnava um duplo papel que César, servo de Roma, não conheceu: especiϐicamente, Napoleão estava dividido entre o papel de fundador de uma república italiana e o de procônsul francês. Na primeira condição, era um novo Sólon ou um jovem e idealista Epaminondas, ditando leis e construindo Estados; na segunda, um governador relutante, simulado, e cada vez mais cínico, uma espécie de Pôncio Pilatos. Na tentativa de fazer os dois trabalhos, não fez nenhum a seu contento, e menos ainda a contento dos partidários sem ambivalência que o assediavam com conselhos. Talvez seja estranho que um homem que tanto insistiu em sua capacidade de prever tudo não tivesse se valido de sua recente experiência na Córsega para prever os dilemas políticos insolúveis e as violentas divisões sociais que enfrentaria na Itália. Como governador, Bonaparte fracassou no tocante à exigência mais básica do cargo: manter a ordem, promover a unidade, galvanizar a participação. Apesar das estradas construídas e da infra-estrutura política criada, se a crônica de Napoleão dependesse apenas de sua arte como governante no sentido literal, ele teria fracassado — em parte, sem dúvida, por ter sido tão bem sucedido no papel proconsular de extorquir dinheiro, obras de arte e efetivo das províncias conquistadas. É esse fracasso que explica a decepção e o desagrado que veio a sentir ante o que viu como conservadorismo dos camponeses italianos e obtusidade das autoridades francesas. Com o tempo, passaria a ter uma visão cada vez mais instrumentalista da Itália, mas ela nunca substituiria por completo o idealismo dos primeiros