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A Racionalização da Sociedade em Weber

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A racionalização da sociedade em Weber: a corrupção a partir da perspectiva ampliada de ética e de administração pública.
Por Antonio Carvalho e Silva Neto.
O presente trabalho busca discutir o fenômeno da corrupção a partir da ideia weberiana de racionalização da sociedade. Dessa forma, este artigo foi estruturado por meio de revisões bibliográficas e análises de cunho qualitativo. Buscou-se discutir a existência da corrupção na administração pública, no que concerne à utilização da máquina estatal para fins privados, levando também em consideração as ideias weberianas acerca de todo o funcionamento da administração pública. Ademais, acrescentam-se pontos que possam auxiliar na compreensão do material teórico produzido por Weber para discutir a “ética na política” e o funcionamento da administração pública.
Palavras-chave: Corrupção; Ética na Política; Administração Pública; Ética pública; Weber;
Introdução
O interesse pela atuação dos atores políticos, em especial, daqueles que atuam diretamente nas instituições do Estado nacional constitui tema de particular importância nas Ciências Sociais. Por suposto, o foco que recebem e a forma como são analisados, compreendidos e inseridos no contexto político varia de acordo com a metodologia escolhida e com o objetivo visado pelo autor.
Neste trabalho, a partir da ideia de racionalização da sociedade em Weber, mais especificamente, da sua ideia de ética da convicção, ética da responsabilidade e do “tipo ideal” de administração pública, objetiva-se discutir o fenômeno da corrupção.
Concomitantemente, buscar-se-á, para tornar o trabalho mais completo, ampliar os ideais de ética weberianos, relacionando-os com o conceito de ética pública e suas devidas interpretações. Ao propor-se uma ampliação das ideias weberianas, faz-se bastante importante apresentar aquela que é uma de suas principais contribuições para as Ciências Sociais: o tipo ideal. A ideia weberiana discute modelos puros, passíveis de comparação teórica com maior rigor metodológico.
Desse modo, far-se-á uma pequena revisão histórica da abordagem weberiana acerca dos atores políticos e dos instrumentais da administração pública no contexto de racionalização da sociedade, sempre que possível, discutindo-as por meio do entendimento dado ao conceito de bem comum.
Estritamente, este é entendido como a finalidade da administração pública, a qual, de certa forma, é regida por princípios morais coletivos, ou, conforme debatido nas seções que seguem, pela ética pública. Dessa forma, questionar-se-á, qual a importância da ética, dos valores e do próprio conhecido para a política? Eles importam ou podem ser considerados como uma variável secundária?
Há autores como Herrán (2007) que defendem sua importância e acreditam que a democracia está diretamente ligada a esses valores (e.g. no caso do século XXI, para o autor, tem grande importância: a ética que envolve os direitos humanos, os direitos civis e demais elementos que garantem a eficiência da atuação Estatal, salvaguardando a política e suas instituições), sendo a corrupção, enquanto desvio de conduta, uma ameaça ao bem comum, ao bom funcionamento do Estado e ao desenvolvimento, pois eles afetam a credibilidade do sistema político. Conforme apresentado por Herrán (2007, p. 66) 
1 Tipo ideal: o modelo Weberiano
Independente do campo de conhecimento, os autores tornam-se memoráveis por suas contribuições teóricas, reflexivas e analíticas à posteridade acadêmica. Apesar de também serem usadas para enquadrá-los em sua “área do conhecimento específica”, as tipologias e as taxonomias adotadas por eles também possibilitam um novo reordenamento no campo em que se insere o autor.
Nesse sentido, Max Weber é um dos exemplos nas Ciências Sociais. Independente de ideologia e princípios, o autor contribuiu extensamente para a Sociologia, propondo um modelo que, hodiernamente, é usado não só para estruturação metodológico-científica de trabalhos sociológicos, mas de trabalhos das mais diversas áreas das Ciências Sociais: os tipos ideais.
Inicialmente, a ideia proposta pelo autor tratava dos tipos existentes de dominação. De modo geral, Weber (2009b) propõe que o fenômeno de dominar apresenta grande importância nas ações sociais. Para contextualizar o sentido do conceito que pretendia utilizar em seu trabalho, o autor explica que a dominação a que se referia diferia-se do resultado ou manifestação do poder econômico; por vezes, podendo estar associadas.
Pautando-se na existência de inúmeras variações e amplitude do conceito de dominação e também em sua complexidade, Weber (2009b, p. 188) argumenta que “[...] [a] ‘dominação’ deixaria de ser uma categoria cientificamente útil. [Pois], é impossível desenvolver aqui (sic) uma causuítica abrangente de todas as formas [de dominação] [...].”.
Consequentemente, o autor propõe uma análise a partir de unidades de análise radicalmente opostas, sendo essas as mais “puras” possíveis; porque, apesar de quase certamente inexistirem, esses tipos “puros” auxiliariam instrumentalmente o autor na análise científica do objeto de estudo, neste caso: a dominação.
Dessa forma, por constituírem um nível de análise muito marcado pela abstração conceitual, comum ao “mundo das ideias”, e por disporem de um caráter imaginativo muito mais expressivo do que um caráter material, esses tipos “puros” foram posteriormente chamados de “tipos ideais”.
Percebe-se que o marco desse novo incremento metodológico weberiano, ou tipologia weberiana, consiste no fato de o autor não propor definições taxonômicas fixas para os “tipos ideais”. Porquanto, por mais que ele tenha proposto definições para os “tipos ideais” de dominação, depreende-se que aqueles foram as “definições puras” que lhe serviram como base analítica no momento; de modo que cada cientista social deve construir seus próprios tipos ideais, ou utilizar aqueles existentes, os quais sejam úteis e condigam com seus objetivos de pesquisa.
Por conseguinte, o uso de tipos ideais para argumentação científica não se deve limitar aos tipos de dominação propostos por Weber ou a outros propostos por um único autor. Metodologicamente, faz-se importante utilizar unidades de análise variadas de modo a permitir que o trabalho desenvolvido assuma a clareza e a objetividade que são inerentes aos campos científicos, conforme se observa no seguinte trecho de Weber (2009a, p. 13): 
Sempre que se trata da consideração da realidade concreta, tem de ter em conta a distância entre esta e a construção hipotética, averiguando a natureza e a medida desta distância. É que metodologicamente se está muitas vezes perante a escolha entre termos imprecisos ou precisos. Mas, quando precisos, serão irreais e “típico-ideais”. Neste caso, porém, os últimos são cientificamente preferíveis. 
Contudo, a possibilidade de utilizar diferentes “tipos ideais” em um trabalho acadêmico deve ser acompanhada do rigor metodológico necessário para evitar contradições indesejadas. Diversas vezes, autores incidem em contradições por erros metodológicos, adotando unidades de análise que vão de encontro ao objetivo desejado, por simplesmente ignorar o contexto em que foram elaborados os tipos puros do autor citado. Tipos ideais são “construídos” e utilizados em um contexto específico, o qual se faz importante para entender seu significado; pois, ao ser utilizado em sua forma micro (ignorando o contexto), esquece-se que a forma macro é que remete à ideia original do autor e ao motivo daquele tipo ideal existir. 
2 Weber e a Política
Exposta a ideia depreendida de Weber acerca dos “tipos ideais”, esta seção apresenta algumas das ideias weberianas acerca da política de forma a possibilitar a discussão proposta por esse artigo. Dentre as ideias apresentadas estão a formação a formação histórica do Estado burocrático a partir da racionalização da sociedade. Posteriormente, discutir-se-ão as instituições burocráticas e a burocracia, relacionando-as à constituição da administração pública e suas derivações. Por fim, apresentar-se-ão,ainda nessa seção, os tipos de políticos e burocratas propostos por Weber (2008), assim como seus dois tipos de ética, da convicção e da responsabilidade.
2.1 A racionalização da sociedade em Weber
Inserido em um contexto histórico complexo e sendo bastante interessado pelo estudo do poder político, percebe-se nos textos do Weber três principais temáticas: política (poder), religião e o capitalismo. Enquanto um autor que prezava pelo rigor metodológico e científico, Weber discorre sobre uma característica cada vez mais presente nas relações sociais: a racionalização.
Contudo, antes de discutir a racionalização per si, é necessário entender o processo que levou a esse fenômeno, assim como as diversas variáveis que o influenciam. Por questões metodológicas, adotar-se-á neste trabalho como variável principal da racionalização: a ação social.
Nesse sentido, depreende-se de Weber que, para que uma ação individual seja caracterizada como “ação social”, faz-se necessário que essa seja orientada a partir de outras ações individuais. Portanto, percebe-se uma relação entre a interação reflexiva e expectativa das ações individuais e a formação de ações sociais, ou seja, “ações sociais” tanto constituem a sociedade e suas relações quanto são frutos dessas relações e das expectativas que se tem dessas ações.
Percebe-se ainda uma influência da racionalidade na própria construção do conceito de “ação weberiano”; pois, conforme os pressupostos da racionalidade e da escolha racional, discutidos por Shepsle (2010), os indivíduos tendem a direcionar suas escolhas e ações por meio de preferências individuais racionalmente estruturadas (completas e transitivas) e também de ações estrategicamente condicionadas pelas instituições (normas e regras) do grupo em que estão inseridos.
Entretanto, para análise que se pretende fazer neste trabalho, a importância da ação social para a racionalização da sociedade é melhor identificada por meio da apresentação de seus quatro tipos de definição propostos por Weber (2009a, p. 15), sendo dois relacionados à racionalidade, e dois aos sentimentos e valores: § 2. A ação social, como toda ação pode ser determinada: 1) de modo racional referente a fins: por expectativas quanto ao comportamento de objetos do mundo exterior e de outras pessoas, utilizando essas expectativas como “condições” ou “meios” para alcançar fins próprios, ponderados e perseguidos racionalmente, como sucesso; 2) de modo racional referente a valores: pela crença consciente no valor – ético, estético, religioso ou qualquer que seja sua interpretação – absoluto e inerente a determinado comportamento como tal, independentemente do resultado; 3) de modo afetivo, especialmente emocional: por afetos ou estados emocionais atuais; 4) de modo tradicional: por costume arraigado. (grifos do autor).
Em um contexto de preponderância e aumento das relações econômicas, associadas aos problemas sociais gerados por seu aumento. Apesar de o autor considerar que não necessariamente toda ação econômica é uma ação social, ele observa que as ações de cunho econômico tendiam cada vez mais a constituírem também ações sociais.
Portanto, observa-se, em Weber (2009a; 2009b) particular preocupação com o crescimento de ações sociais, majoritariamente, caracterizadas pela definição racional referente a fins. Ademais, sua preocupação estendia-se a um viés cada vez mais econômico e racional da sociedade. Mas o que seria esse viés racional?
Infere-se que a sociedade adquiria cada vez mais um caráter voltado para relações estratégicas, racionais e reflexivas. Seguia-se para um caminho em que as ações sociais seriam pautadas em cálculo e estratégias voltadas para a ação do outro.
2.2 As instituições e a burocracia weberianas
Por meio da seção anterior, percebe-se certa ressalva por parte do autor com relação ao caminho para o qual se orientava a sociedade na época. Esse era quase unidirecional, não tendo volta, pois os valores transformar-se-iam em nada mais seriam do que regras impessoais, em que os sentimentos não importariam como antes. Nesse sentido, faz-se necessário observar que a racionalização da política (e.g formação de uma administração-burocrática e racional) pode ser boa ou ruim, dependendo basicamente do grau de complexidade e de ponderação adotado.
Infere-se que para o autor, as instituições e a burocracia, quando usadas com moderação, poderiam ser objeto de eficiência e “maximização de resultados”. Contudo, percebia-se uma tendência à racionalização complete, e esses resultados, que a principio seriam positivos, poderiam tornar-se negativos para a sociedade; pois, uma política racional favoreceria em longo prazo a formação de uma elite burocrática que acabaria por dominar a administração pública e, por conseguinte, se apropriar do aparelho do Estado. Mas como se formaria essa formação burocrática do Estado?
Em suma, a presença de regras e leis delimitaria o funcionamento da burocracia moderna, sendo que a função do funcionário passaria a ser objetiva e impessoal, não importando para quem ele trabalha, mas a qualidade com que desempenha suas funções e, de certa forma, a vitaliciedade dele no cargo. Isso geraria também uma hierarquia burocrática, regida pela capacidade técnica e pelo conhecimento.
Um fato interessante colocado por Weber (2009b, p. 202) é o fato de a eleição de um funcionário dá um caráter diferente às suas ações e ao seu teor burocrático, podendo afetar inclusive a hierarquia burocrática: [...] a nomeação dos funcionários mediante uma eleição por parte dos dominados modifica o rigor da subordinação hierárquica. [...] Em sua carreira, ele não depende, ou pelo menos não em primeiro lugar, de seus superiores dentro do serviço administrativo. O funcionário não eleito, mas nomeado por um senhor, costuma funcionar, do ponto de vista puramente técnico, com maior exatidão, porque, sendo iguais as demais circunstâncias, é mais provável que qualidade e aspectos puramente técnicos determinem sua seleção e futura carreira.
Percebe-se, ao longo do segundo tomo de “Economia e Sociedade”, que Weber (2009b) chama de funcionários todos aqueles que compõem a máquina do Estado, sejam os eleitos, os não eleitos e também os técnicos de carreira. Contudo, em “Ciência e Política: Duas Vocações”, Weber (2001) traz uma nomenclatura diferente para os funcionários eleitos, chamando-os de políticos.
Entretanto, o que se faz importante no momento é compreender que a burocracia ideal é voltada para eficiência e gerência independente do aparelho estatal, sendo que a forma como os burocratas e políticos são alocados na administração pública de grande importância para caracterizar seu grau de subordinação, de objetividade e de continuidade na burocracia moderna. 
2.3 Os políticos, os burocratas e a ética na política weberiana
Após abordar a formação burocrática racional em Weber (2009b), mesmo que de forma mais geral, faz-se necessário entender a diferença entre burocratas e políticos que se pretende usar na discussão final desse trabalho.
No mesmo sentido adotado anteriormente, o autor fala da modificação da política e das formas de se exercer influência sobre seus aspectos. Vale ressaltar que no contexto em questão, Weber (2001) trata a política basicamente como um sinônimo do Estado. Dessa forma, ele fala do surgimento de um novo tipo na política: o “homem político profissional”, aquele que deixa de ter a política como secundária, para exercê-la como profissão.
Nesse sentido, Weber (2001, p. 68) propõe a existência de duas classes de homens políticos, sendo que uma delas aporta um melhor resultado para a política em si: 
Há duas formas de exercer política. Pode-se viver ‘para’ a política ou pode-se viver ‘da’ política. [...] Quem vive ‘para’ política a transforma, no sentido mais profundo do termo, em ‘objetivo de sua vida’, [...] colocando-se a serviço de uma ‘causa’ que dá significação à sua vida. Neste sentido profundo, todo homem sério, que vive para uma causa, vive também dela. [...]. Do que vê na política uma permanentefonte de rendas, diremos que ‘vive da política’. 
Para o autor, a independência da política para sustentar-se e viver em boas condições, seria um fator essencial para o bom exercício da função política. Por isso, aqueles que “vivem para política” seriam melhores políticos do que os que “vivem da política”. Isso não aconteceria apenas porque “vivem para política” independem dela para manter sua qualidade de vida, mas também pelo fato de terem vontade de estar ali para “gerir eficientemente” a política e permitir que seus processos desenvolvam-se de forma eficaz.
Essa “gestão eficiente” seria bastante orientada pelas duas éticas weberianas, convicção e responsabilidade, obviamente, com um foco maior na segunda. Ademais, a questão ética faz-se imprescindível para discussão da racionalidade na política e a atuação dos que nela estão inseridos de forma ativa, ou seja, participam do processo burocrático de implementação e também de tomada de decisão. 
3 A inserção do conceito de ética pública nas ideias weberianas
Discutir ética pública não constitui tarefa simples para os cientistas sociais. A existência de inúmeras definições, entendimentos e interpretações históricas acerca dessa temática contribui para que discussões, aparentemente não complicadas, tornem-se de difícil resolução; por exemplo, tem-se o debate incitado por Weber em “Ciência e Política: Duas Vocações” acerca da relação entre ética e política.
Apesar de ser resultado de uma lógica indutiva, a tentativa de complementar às ideias de Weber acerca da constituição ética da política, por meio da inserção, ou, melhor dizendo, a explicitação do conceito de “ética pública” em suas ideias por meio de definições e de interpretações que serão apresentadas torna-se uma atividade trabalhosa.
Stricto sensus, a definição de “ética pública” (forma usual da expressão “ética na administração pública”) tem raízes greco-latinas e surgiu a partir da combinação de dois vocábulos: ética, do grego ethos e do latim ethicae, cuja definição é associada a um conjunto de regras de boa conduta (DPLP, 2011); e pública, do latim publicus, o qual é entendido como algo pertencente ao povo, sendo também relacionado à administração de um país ou Estado (DPLP, 2011).
Em suma, percebe-se que, etimologicamente, “ética pública” é interpretada como as ações consideradas corretas no que concerne à administração de recursos de um Estado, ou seja, de recursos pertencentes ao povo. Apesar de sua simplicidade etimológica, essa expressão adota significado(s) mais complexo(s) quando analisada por meio da ótica sociopolítica. Dessa forma, o que se pode entender por “ética pública” nas Ciências Sociais?
Uma resposta interessante à pergunta acima é elaborada por Silva (2006, p.647), o qual, além de propor uma interpretação à ideia de “ética pública”, afirma ser a política um [...] processo coletivo intencional de produção de ordem, de instituições sociais, no interior das quais os indivíduos são formados. A ética pública diz respeito às decisões coletivas [...]. [Por isso,] a discussão da ética pública permite compreender as tendências da formação humana numa coletividade. Ambas expressam um mesmo padrão vigente de moralidade. (grifo meu) Observa-se que o autor relaciona a formação humana ao conceito de ética pública, à própria política e aos desdobramentos dessas duas variáveis, os quais seriam a tradução de um “padrão” de normais e valores existentes na sociedade.
Ademais, uma perspectiva de ética pública proposta por Silva (2006, p. 647) é a relação feita entre este conceito e o conceito de decisões coletivas, por ele entendidas como a [...] forma pela qual as autoridades públicas repartem, no âmbito das decisões políticas, as vantagens ou desvantagens, os custos e os benefícios, os recursos e os direitos entre membros de uma coletividade.
Essa definição mostra-se bastante interessante para relacionar o conceito de “ética pública” às ideias weberianas, em especial, àquelas referentes à administração pública, à lógica burocrático-racional weberiana e às suas ideias de ética da convicção e de ética da responsabilidade. Entretanto, qual o significado dessas duas “éticas” para Weber?
No que tange à ética da convicção, há forte relação com a execução de um ato individual que se acredita ser o correto; ou seja, faz-se aquilo que se está convicto de ser o moralmente correto. Weber (2008) exemplifica esta tipologia “ética” descrevendo a situação de um religioso que cumpre com suas obrigações “espirituais”, fazendo o que é pregado como correto. Contudo, o indivíduo não sabe ao certo o resultado, por isso confia a Deus os desdobramentos daquela ação.
Em relação à ética da responsabilidade, percebe-se uma relação com a consequência das ações individuais para a coletividade, assim como, ações da coletividade com desdobramento para a coletividade, tornando o indivíduo/o grupo responsável por aquilo que faz. Ademais, faz-se possível inferir uma relação entre esta postulação weberiana e o entendimento de ética pública segundo o trabalho de Silva (2006) acima apresentado.
Essa relação torna-se ainda mais plausível caso associada a interpretação de um enquadramento da “política como ética do grupo” proposta por Bobbio et al. (2009, p. 961) no segundo tomo do Dicionário de Política: [O] critério da ética da convicção é geralmente usado para julgar as ações individuais, enquanto o critério da ética da responsabilidade se usa ordinariamente para julgar ações de grupo, ou praticadas por um individuo, mas em nome e por conta do próprio grupo, seja ele o povo, a nação, a Igreja, a classe, o partido, etc. Poder-se-á também dizer, por outras palavras, que, à diferença entre moral e Política, ou entre ética da convicção e ética da responsabilidade, corresponde também à diferente entre ética individual e ética de grupo. 
De acordo com Weber (2009), a autoridade burocrática constitui-se por meio do que ele chama de “princípios das competências fixas”, as quais seriam: 1) a distribuição das atividades a serem exercidas; 2) os poderes de mando, de modo que se cumpram os deveres; 3) a contratação de pessoas qualificadas.
Dessa forma, infere-se que esses princípios auxiliam o Estado a adquirir um caráter burocrático. Entretanto, conforme Weber (2009, p. 222), para ser qualificado como tal, é necessário que ele se proteja de conflitos externos à administração pública de forma a garantir a homogeneidade interna de seu aparelho burocrático, fundamental para sua sustentação: 
[U]ma burocracia, uma vez plenamente realizada, pertence aos complexos sociais mais dificilmente destrutíveis. A burocratização é o meio específico por excelência para transformar uma ‘ação comunitária’ (consensual) numa ‘ação associativa’ racionalmente ordenada. (grifo meu) 
É importante frisar, que essa mesma burocracia que sustentaria o Estado, acaba por adquirir um caráter conflituoso na medida em que confere poderes cada vez maiores aos indivíduos em que nela estão inseridos, criando um “estamento” privilegiado, o qual excluiria a parcela da sociedade que não participa direta e ativamente da administração pública.
Nesse sentido, a questão da apropriação do aparato burocrático do Estado e, consequentemente, a ação contrária ao princípio de ética pública, é interpretada por Blanc e Causer (2005) como resultado do “processo de privatização” de bem público. No sentido adotado pelos autores, privatização não se refere à concessão de um serviço público à iniciativa privada, mas faz alusão ao uso de bem público como se fosse um bem individual, em detrimento do benefício comum.
Blanc e Causer (2005, p. 8) afirmam que o indivíduo público deve ser sempre transparente no que tange seus atos, estando em constante avaliação pelo resto do grupo, sem abertura para esquivar-se: [L]’individu est en permance exposé aux regards des autres et il ne peut s’y soustraire. Il se doit d’être <<transparent>> et soummis au contrôle du groupe. [...] Le processus inverse de privatisation du public est tout aussi pernicieux. Il ouvre la porte à la corruption: il s’agit de s’approprier le bien commun comme s’il était un bien privé. On s’enrichit et on enrichit ses amis, au détriment de l’ensemble de la société. 
Por meio das conceituações teóricas, até então apresentadas, e suas respectivas interpretações, faz-se possível tecer algumas construções lógicas acerca de como a ética pública insere-se no modelo weberiano. O autor defende que boa parte da lógica da administração pública, assim como as atividades coletivas, é baseada na responsabilidade que cada pessoa ou grupo tem frente aos atos que realiza; em outras palavras, ela basear-se-ia pela ética da responsabilidade.
Portanto, o entendimento de “ética pública” weberiana, o qual se busca trazer nesse trabalho, é a ampliação da “ética da responsabilidade” weberiana por meio da adição dos princípios morais e os valores que levam um ato na administração pública a ser considerado, em palavras bem simples, como corretos ou incorretos, afetando diretamente no calcanhar de Aquiles da política, como proposto por Herrán (2007): a credibilidade. 
4 A inexistência dos tipos ideais e as falhas na administração pública e na política: a corrupção. Ao se tratar dos tipos ideais no primeiro capítulo deste trabalho, frisou-se a impossibilidade de existir tipos puros dos conceitos apresentados. As relações sociais são complexas, estando sob a influência de diversas variáveis, as quais podem variar dependendo do contexto. Os tipos puros ou “tipos ideais” são apenas categorias de análise encontradas no mundo das ideias, sendo os tipos reais muito mais complexos.
Nesse sentido, a corrupção seria um fenômeno social resultante justamente da complexidade existente nas relações sociais. A ideia de racionalidade serve para explicar um pouco da existência da corrupção e o porquê da administração pública ser passível à corrupção. Mas o que seria a corrupção?
Conforme Ferreira Filho (2004, p. 5-6), o conceito de corrupção não é fácil de ser apresentado, mas [N]inguém contestará, no entanto, ser corrupção todo ato que envolver uma retribuição material – essencialmente de dinheiro – o instrumento ou móvel da conduta indevida. Assim, há corrupção, seja quando se usa desse recurso para a obtenção do poder, seja quando se utiliza do poder para lograr proveito financeiro. [...] [H]á corrupção toda vez que o instrumento ou o móvel é uma vantagem – mesmo que não monetária – indevida. [Mas,] não é simples separar o que é “indevido”. 
Percebe-se que a racionalidade excessiva, como colocado em sessões anteriores, poderia gerar vantagens a um grupo específico. Portanto, observa-se que não só a intenção de se “viver da política” pode gerar fenômenos como a corrupção, mas também um elevado nível de burocratização da máquina pública. Seria esse o receio de Weber?
Não é possível inferir que o autor tinha essa ressalva em específico. Contudo, uma das coisas que se tem em mente é que o equilíbrio era algo importante em todas as relações sociais, devendo-se evitar os excessos. Especializar parte dos burocratas era bom, mas de forma que a entrada de novo “homens políticos” também fosse possível para que a incerteza de como estaria organizado o cenário no futuro possibilitasse um sentimento de responsabilidade. 
Dessa forma, entende-se que o grau de corrupção, apesar de todas as demais variáveis que o influenciam, está bastante relacionado aos benefícios que se pode obter e à punição esperada, constituindo também uma escolha racional.
Considerações Finais
Uma administração pública gerencial perfeita e eficiente está limitada às teorias e modelos. O que se deve ter em mente é a tendência apontada por Weber (2001; 2009a; 2009b) de uma crescente racionalização das ações públicas e de um afastamento entre a vida pessoal e profissional do funcionário.
Contudo, essa racionalização não significa necessariamente uma vantagem para o Estado, muito menos o aparecimento de falhas na administração pública. Faz-se importante no contexto político a busca constante pelo equilíbrio de todos os setores, ou seja, não se deve garantir excessiva estabilidade, nem excessiva instabilidade.
O que deve ser apontado é a existência de um cenário dinâmico que exige pessoas capacitadas e interessadas pelo que fazem. Consequentemente, eles podem viver da política, mas seu objetivo maior deve ser obter recursos a partir da promoção por qualidade e não por meio da apropriação indevida de recursos públicos.
Portanto, a corrupção deve ser apontada como um fenômeno indesejado e de alto custo tanto para o funcionamento do Estado, como também para o próprio funcionário; pois, sua inibição estaria justamente ligada ao fato do funcionário “desviado” ver na corrupção um trade-off em que as punições esperadas são muito maiores do que os possíveis benefícios de se praticar um ato ilícito. 
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Notas:
1. Adaptação do trabalho final produzido para Disciplina “Política e Sociologia” do curso de Ciência Política da Universidade de Brasília.
2. Graduando do 7º Semestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília - UnB. Bolsita de Iniciação Científica do CNPq (2011/2012). Fez o Curso de Civilização Francesa da Sorbonne em Paris (Conclusão em Janeiro/2011). Foi delegado brasileiropara 3ª Conferência Regional da Organização das Nações Unidas para Jovens da América Latina e do Caribe, realizada na Cidade do México (Agosto/2010). As áreas de pesquisa estão relacionadas, principalmente, à Democracia, Política Internacional, Integração Regional, Sociedade Civil e Estado e Governo. E-mail: acsneto@gmail.com
 
SILVA NETO, Antonio. A racionalização da sociedade em Weber. Boletim do Tempo Presente, Ano 7, n° 2, 2011

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