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1 Catálise Enzimática como Ferramenta para a Produção de Biodiesel Gabriela Pastro1, Hugo B. Suffredini1 1Universidade Federal do ABC, Centro de Ciências Naturais e Humanas (CCNH) Diferentes rotas catalíticas vêm sendo estudadas na busca por uma produção de biodiesel mais eficiente e econômica. Com isso, a via catalítica heterogênea enzimática surge como uma opção rentável e interessante, visto que pode possibilitar a reutilização do catalisador em uma reação posterior. A catálise enzimática permite a recuperação do glicerol, a transesterificação de glicerídeos com alto conteúdo de ácidos graxos, a transesterificação total dos ácidos graxos livres e o uso de condições brandas no processo, com rendimentos de, no mínimo, 90%. Este tipo de reação possibilita a não ocorrência de reações colaterais de formações de subprodutos, o que ameniza os gastos com a posterior purificação. Algumas enzimas são produzidas intra e extracelularmente em diversos microrganismos como, por exemplo, pelos fungos Candida rugosa, Candida antarctica, Thermomyces lanuginosus, Rhizomucor miehei e nas bactérias Bukholdeira cepacia, Pseudomonas alcaligenes, Pseudomonas mendocina, Chromobacterium viscosum. Em nosso caso, utilizaram-se enzimas provenientes do medicamento Creon® 25.000 para realizar a síntese do biodiesel, que ocorreu de maneira satisfatória. Estudos futuros deverão ser realizados para imobilizar as enzimas em suporte adequado, tornando possível a reação em fase heterogênea. Palavras-chaves: biodiesel, catálise enzimática, etanol I. INTRODUÇÃO Nos últimos quinze anos tem surgido um crescente interesse na tecnologia de modificação dos óleos e gorduras 1,4-6. Esta tendência pode ser atribuída principalmente ao fato desses materiais serem obtidos de fontes naturais e empregados como importantes matérias-primas para as indústrias químicas, farmacêuticas e alimentícias. Mundialmente é estimada uma produção anual de óleos e gorduras de aproximadamente 100 milhões de toneladas [1]. Os biocombustíveis deverão exercer um papel muito importante no futuro, motivada principalmente por considerações de ordem ambiental, pela elevação dos preços do petróleo no mercado internacional e pela incerteza na oferta de combustíveis fósseis em médio e longo prazo. Porém, os óleos vegetais apresentam dificuldades com respeito a uma boa combustão, atribuídas à sua elevada viscosidade, o que impedia sua adequada injeção nos motores diesel. O combustível de origem vegetal deixa depósitos de carbono nos cilindros e nos injetores, requerendo uma manutenção intensiva. A pesquisa realizada para resolver esses problemas conduziu à descoberta da transesterificação, que é a quebra da molécula do óleo, com a separação da glicerina e a recombinação dos ácidos graxos com álcool. Este tratamento permitiu superar as dificuldades com a combustão. Um cientista belga, G. Chavanne, patenteou o processo de produção do biodiesel em 1937 [2]. No Brasil, a partir do ano de 2008, a adição de 2% de biodiesel no diesel tornou-se obrigatória por lei (Lei nº 11.097/05), mostrando que este biocombustível já é uma realidade em nosso país. Muitas indústrias já operam em sua cadeia produtiva. O programa de Biodiesel tem como principal objetivo a diminuição de emissões de poluentes na atmosfera e, ao mesmo tempo, incentivar a agricultura familiar [3]. Hoje em dia a adição de biodiesel já está com porcentagem igual a 4%, provavelmente atingindo 5% antes de 2011. As usinas de biodiesel utilizam o tradicional processo de síntese através de catálise homogênea, em que há a formação de um alcóxido (mistura de álcool e uma base forte). O álcool utilizado em maior escala pelas indústrias é o metanol, apesar de sua toxidade, pelo fato de que com ele o processo de produção direciona em menor quantidade a reação de transesterificação para a saponificação. Já na utilização do etanol ocorre grande saponificação, o que faz com que o rendimento decresça. O catalisador utilizado pode ser de origem química, como hidróxido de sódio, ou de origem biológica, como lípases e outros. A catálise enzimática permite a recuperação simples do glicerol, a transesterificação de glicerídeos com alto conteúdo de ácidos graxos, a transesterificação total dos ácidos graxos livres, e o uso de condições brandas no processo, com rendimentos de no mínimo 90%, tornando-se uma alternativa comercialmente rentável. Ela faz com que não ocorram reações colaterais de formações de subprodutos (como o sabão), o que ameniza os gastos com posterior purificação. Algumas enzimas necessitam de co-fatores, como íons metálicos ou compostos orgânicos (coenzimas) para realizarem suas tarefas [4]. As lipases são as enzimas que catalisam a hidrólise de acilgliceróis em ácidos graxos, diacil gliceróis, monoacil gliceróis e glicerol (transesterificação ou alcoólise). Estas enzimas são produzidas intra e extracelularmente em diversos microrganismos, por exemplo, nos fungos Candida rugosa, Candida antarctica, Thermomyces lanuginosus, Rhizomucor miehei e nas bactérias Bukholdeira cepacia, Pseudomonas 2 alcaligenes, Pseudomonas mendocina, Chromobacterium viscosum. II. EXPERIMENTAL A pesquisa foi dividida em duas etapas. A primeira foi o estudo da síntese do biodiesel utilizando-se metanol e etanol via catálise homogênea e a utilização de blends com ambos os álcoois. A segunda etapa realizada foi a de estudar a catálise enzimática de maneira qualitativa. Primeiramente, durante a fase inicial, foram realizados testes utilizando soluções à base de hidróxido de sódio com diferentes quantidades como catalisador, dissolvidas em metanol e etanol. A solução de álcool (metanol ou etanol) com hidróxido de sódio e adicionada em agitador magnético até toda a base dissolver, o que pode levar aproximadamente 30 minutos. Posteriormente, o óleo (300 mL) é aquecido a uma temperatura limite de 60° C e misturado à solução preparada anteriormente. A solução de alcóxido permanece no agitador magnético à temperatura de 60° C por aproximadamente uma hora, para a evaporação de resíduos. Este é um período suficiente para o óleo ser transformado em biodiesel. A mistura é colocada em um funil de separação para que a glicerina formada possa se separar do biodiesel, por um processo de decantação. Após um dia de repouso, a glicerina pode ser retirada pela parte inferior do funil. Um último passo para a obtenção do biodiesel puro é a lavagem deste para que sejam retirados resíduos, como o de catalisador. Esta lavagem é feita com água levemente ácida com auxilio de um funil de decantação. Para que o processo seja eficiente é necessário reproduzi-lo pelo menos duas vezes. Para a obtenção de blends de metanol e etanol é feito o mesmo processo, porem no momento do preparo é feito uma mistura com ambos os alcoóis, diferentemente do processo mais comum que só utiliza um álcool (na maioria o metanol). As porcentagens de cada álcool podem variar, mas quanto mais metanol e maior a concentração de NaOH for utilizado, maior será o rendimento do biodiesel. Como primeiro teste no estudo da catálise enzimática, foi montado em um béquer uma solução de 40 mL de etanol com o conteúdo de uma cápsula e meia do remédio utilizado (CREON® 25.000). Nessa mistura, foram adicionados 4 mL de solução de NaOH 1.0 mol L-1. Este preparado foi deixado no ultrasom por aproximadamente meia hora para que todo o conteúdo da cápsula pudesse ser diluído. A esse conteúdo foi adicionado 100 mL de óleo vegetal de soja. O béquer foi então colocado no agitador á uma temperatura de aproximadamente 36°C por uma hora e meia. Depois de retirado do agitador o conteúdo foi despejado em um funil de decantação e deixado por sete dias descansando. Umsegundo teste foi realizado da mesma maneira, porém foi utilizado apenas o conteúdo de meia cápsula. Por fim, foi preparada em outro béquer uma solução de 40 mL de etanol com o conteúdo de uma cápsula. O processo todo foi o mesmo, porém as microesferas existentes na cápsula foram trituradas com o auxílio de um cadinho. III. RESULTADOS O biodiesel sintetizado a partir de 300 mL de óleo de soja de uso caseiro e 120 mL de metanol, com um catalisador homogêneo de 1,5 g de NaOH, apresentou um rendimento de 96,6% após a retirada da glicerina e a lavagem. Figura 1 - Biodiesel sintetizado pela rota metílica, com formação de glicerol. Nos testes de transesterificação realizados somente pela rota etílica, o glicerol não se separou espontaneamente do biodiesel (Figura 2). Para que ocorresse a decantação, foi necessária a adição de glicerol puro ao saco reacional. Com isso, houve a decantação parcial de glicerina. Figura 2 - Biodiesel sintetizado pela rota etílica, sem separação de glicerol. Quando utiliza uma “blend” de 75% de metanol e 25% de etanol em conjunto com NaOH entre 1,2 a 1,75g, o rendimento foi de aproximadamente 38,90%. Pode-se ter uma faixa de segurança na decantação da glicerina quando a porcentagem de metanol foi maior que 50%. Em todos os testes, parte do rendimento foi perdida na fase de lavagem para a purificação do biodiesel, em que foram formados sabões durante o processo. Na fase do estudo catalítico enzimático foi utilizado o medicamento “Creon® 25.000”, um composto de três tipos de enzimas, proteases, amilases e lípases. Cada microesfera contida nas cápsulas possui uma camada ácido-resistente. Portanto, somente quando estiverem em contato com um pH neutro ou levemente básico é que as enzimas serão liberadas. 3 Os testes preparativos mostraram que para que pudesse ocorrer a transesterifcação enzimática, primeiramente, a camada ácido-resistente de cada microesferas deveria ser desfeita. Como o óleo vegetal é levemente ácido foi necessário criar antes um ambiente básico através da adição de solução de NaOH. O primeiro teste contou com a síntese do biodiesel partindo-se de 100 mL de óleo de soja de uso caseiro e 40mL de etanol mais o conteúdo de 1,5 cápsula (~0,716g) do catalisador dissolvidos em 4mL de solução diluída de NaOH. Depois da síntese do biodiesel o material (Figura 4) foi deixado sobre decantação por aproximadamente sete dias e apresentou uma nítida formação de três camadas. Na camada superior ficou o biodiesel, na camada intermediária permaneceu o glicerol e na camada mais abaixo permaneceu o concentrado do catalisador enzimático. Figura 4- Biodiesel formado com a utilização de 1,5 cápsula de catalisador O segundo teste foi realizado pela síntese de 100 mL de óleo se soja com 40 mL de etanol. O catalisador utilizado foi o conteúdo de 0,5 cápsula (~0,28g) do remédio diluído em 4mL de solução diluída de NaOH. O material em decantação primeiramente apresentou a formação do glicerol na parte superior do funil, ficando abaixo o biodiesel e o concentrado enzimático. Depois de decorrido sete dias houve a inversão do glicerol e do biodiesel, tomando assim a posição normal (Figura 5). O biodiesel formado teve uma menor eficiência e uma nitidez das interfases menor que o biodiesel formado a de 1,5 cápsula de catalisador. Figura 5- Biodiesel formado pelo uso de 0,5 cápsula de catalisador, com o glicerol na posição certa. O último teste realizado pela síntese de 100 mL de óleo de soja e 40 mL de etanol catalisado por o conteúdo de 1 cápsula (~0,50g) triturada, sem adição de NaOH, não apresentou reação de transesterificação, houve apenas a separação do concentrado enzimático do restante da solução (Figura 6), mostrando que a quebra das microesferas em pequenas partículas não é suficiente para Figura 6- Não formação do biodiesel com o uso de microesferas trituradas. IV. CONCLUSÕES A adição de pequenas quantidades de metanol ao etanol para a produção de biodiesel permitiu uma separação eficiente do glicerol no sistema, eliminando a etapa crítica de lavagem do biodiesel onde se perde parte do rendimento. A catálise enzimática apresentou uma satisfatória reação quando usado quantidades acima de 0,70g do complexo enzimático diluído em meio alcalino. A catálise alcalina apresenta vantagens em comparação com a catálise enzimática pela sua simplicidade e curto tempo de reação. Porém, apresenta restrições como dificuldade de separação do catalisador, impossibilidade de reutilização do catalisador, obtenção de produtos com menor grau de pureza e necessidade de tratamento de água após a transesterificação. Já a catálise enzimática em comparação com a catálise alcalina apresentou maior facilidade da separação do catalisador, obtenção de produtos com maior grau de pureza, menor temperatura de reação, fácil recuperação do glicerol e bons rendimento e alta seletividade. REFERÊNCIAS [1] Gunstone, F. D.; J. Sci. Food Agric. 1999, 79, 1535. [2] Knothe, Gerhard, 2001. Perspectivas históricas de los combustibles diesel basados em aceites vegetales. Revista A&G, 47, Tomo XII, No. 2. [3]http://www.sober.org.br/palestra/9/79.pdf, acessada em 17 de fevereiro de 2009 [4] Duarte, Fernanda;Tobouti, Patrícia Lie; Hoffmann, Davi. Produção enzimática de Biodiesel, 2006. Universidade Federal de Santa Catarina.
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