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Raciocínio clínico 4ª Fase – Fernando Netto Zanette – Med. UFSC 13.2 Síndrome anêmica A SÍNDROME ANÊMICA se caracteriza pela DIMINUIÇÃO DA MASSA ERITROCITÁRIA TOTAL ou da QUANTIDADE DE HEMOGLOBINA (HB), alcançando valores considerados abaixo do normal para a idade, sexo, estado fisiológico e altitude. As CÉLULAS ERITROCITÁRIAS – também chamadas de hemácias ou glóbulos vermelhos – têm por função essencial a captação e o transporte de oxigênio dos pulmões para os tecidos, bem como o fluxo inverso de dióxido de carbono dos tecidos aos pulmões, onde é prontamente eliminado pela respiração. Esse papel indispensável dos eritrócitos é possível graças à existência da HEMOGLOBINA - uma proteína tetramérica composta por um grupo heme e pela globina -, onde ocorre a LIGAÇÃO DO OXIGÊNIO. Com a defi- ciência decorrente da anemia, logo, o ciclo normal de trans- porte do oxigênio se vê diminuído, comprometendo as fun- ções metabólicas dos diversos órgãos do corpo. Dessa ma- neira, a sintomatologia comum de pacientes com síndrome anêmica – em quadros agudos ou crônicos descompensados, principalmente – enquadra-se como fraqueza, astenia, letar- gia e cansaço, em diversos casos sendo acompanhada de dis- pneia, taquicardia, hipotensão ortostática, sopro sistólico (em ápice), palpitações, angina, palidez cutaneomucosa, ver- tigem, zumbidos, cefaleia, entre outros. Toda síndrome anêmica precisa ser caracteri- zada laboratorialmente por meio do hemograma. Na prática, não se demonstra tão fácil a mensuração da massa eritrocitária, e a anemia usualmente é diagnosticada com base em uma REDUÇÃO NO HEMATÓCRITO (pro- porção de glóbulos vermelhos em relação ao volume sanguíneo total) e na CONTRAÇÃO DE HEMOGLOBINA. La- boratorialmente, define-se a anemia como hematócrito inferior a 33% em mulheres ou 40% em homens; e/ou hemoglobina inferior a 12 g/dL em mulheres ou 13 g/dL em homens. Antes de entrarmos na síndrome anêmica em si, abordaremos, a fim de facilitar a compreensão do espectro das doenças, os processos e mecanismos básicos da formação dos eritrócitos. Eritropoiese A ERITROPOIESE – componente da hematopoiese – consiste no processo de PRODUÇÃO DE ERITRÓCITOS, cujo sítio de ação se localiza na medula óssea vermelha. Nos ossos longos, com exceção das porções proximais do úmero e da tíbia, essa medula óssea sofre conversão gradual para medula óssea amarela, repleta de gordura, deixando de produzir os eritrócitos aproximadamente aos 20 anos de idade. Após essa idade, a medula óssea dos ossos membranosos - como vértebras, esterno, costelas e íleo - encarrega-se da produção. Na medula óssea, um tipo único celular referido como CÉLULA-TRONCO HEMATOPOÉTICA PLURIPOTENTE destaca-se como o progenitor do qual derivam todas as células do sangue circulante. À medida que essa célula Esquematização da concentração eritrocitária no paciente normal e no paciente anêmico tronco se reproduz, uma pequena parcela permanece como células de reserva, exatamente como as originais, ao passo que a maioria sofre um processo de DIFERENCIAÇÃO (célula- tronco comprometida), dando origem a diversas outras linhagens celu- lares. Levando em consideração que esse arquivo se foca na síndrome anêmica, não nos aprofundaremos em todas os grupos de células, e sim nas PRECURSORAS ERITROCITÁRIAS. As CÉLULAS PRECURSORAS ERITROCITÁRIAS se desenvolvem na medula a taxas usualmente determinadas pela quantidade circulante de hemoglobina para realizar uma oxigenação tecidual adequada. Partindo da célula-tronco hematopoiética pluripotente, temos o surgimento da pri- meira célula pertencente à linhagem vermelha, o PROERITROBLASTO. Este, por sua vez, divide-se diversas vezes antes que possa formar o eri- trócito maduro. As células da primeira geração recebem a denominação de ERITROBLASTOS BASÓFILOS ou NORMOBLASTOS BASÓFILOS, com acú- mulo de pequena quantidade de hemoglobina. Nas gerações sucessivas – ERITROBLASTOS POLICROMATÓFILO e ERITROBLASTO ORTOCROMÁ- TICO – processa-se um aumento gradativo da concentração de hemo- globina celular, chegando a cerca de 34%; o núcleo se condensa até um tamanho muito pequeno, e seu resíduo final sofre absorção ou excreção pela célula, transformando-a em uma CÉLULA ANUCLEADA. Nesse está- gio, temos o chamado RETICULÓCITO, o antecessor direto do eritrócito. Quando temos altos níveis de reticulócitos na circulação periférica, há o indicativo de um hiperfuncionamento da medula óssea, como nos casos de anemias hemolíticas; ao passo que níveis reduzidos indicam um hipofuncionamento, a exemplo das anemias hipoproliferativas. Durante o estágio de reticulócito, as células saem da medula óssea, entrando nos capilares sanguíneos por diapedese e permanecendo na circulação por aproximadamente UM A DOIS DIAS para, finalmente, diferenciarem- se em ERITRÓCITOS MADUROS. Em decorrência do curto período de vida dos reticulócitos, sua concentração entre as outras células da linhagem vermelha do sangue se apresenta, em condições não patológicas, de pouco menos de 1%. Deve- se salientar que todo o processo de formação do eritrócito, desde sua célula-tronco hematopoiética até sua versão final ma- dura, dura vários dias. O eritrócito maduro se caracteriza como uma célula alta- mente maleável, podendo modificar seu diâmetro de acordo com o calibre do vaso onde se encontra, e, de um modo geral, ele permanece na circulação por volta de 120 dias. A partir da- qui, então, é capturado e destruído por células fagocitárias do sistema reticuloendotelial, sendo que o baço se salienta como o órgão mais importante nesse processo de reciclagem das hemá- cias (hemólise). Regulação da eritropoiese A eritropoiese, para que ocorra de forma adequada, encontra-se atrelada a inúmeros precursores, fatores de estímulo e de atenuação. O principal responsável por trás da regulação desse processo se mostra a ERITROPOE- TINA, um hormônio glicoproteico produzido majoritariamente (90%) pelos rins. De uma forma geral, qualquer acontecimento que leve a uma diminuição da oxigenação tecidual – como hipovolemia, anemia, hemoglobina baixa, fluxo sanguíneo deficiente, hemodiluição gravídica e doenças pul- monares –, sendo percebida como uma hipoxia pelo tecido renal, leva a um aumento na síntese e liberação de eritropoetina e, consequentemente, na eritropoiese. Ilustração do processo de desenvolvimento da célula- tronco pluripotente, na medula óssea, até o eritrócito ma- duro no sangue Imagem histológica da morfologia de cada estágio dos precursores do eri- trócito Concentrações adequadas de proteínas, carboidratos, gorduras, sais minerais e vitaminas possuem um papel essencial na formação de hemácias. Os elementos mais importantes desses dois últimos grupos são o ferro, o ácido fólico e a cobalamina. O FERRO, componente essencial da síntese de he- moglobina pelos eritroblastos em maturação e cuja absorção se torna facilitada na presença concomitante de ácido ascórbico (vitamina C), necessita de um com- ponente proteico, a transferrina, para transportá-lo à medula óssea e aos órgãos de estocagem, dos quais o fígado se destaca como o principal. A deficiência de ferro, melhor explicada posteriormente, logo, reper- cute no mecanismo de eritropoiese, debilitando a pro- dução adequada dos eritrócitos. A COBALAMINA (vitamina B12), para ser absor- vida pelo organismo, necessita de outro componente proteico, chamado de fator intrínseco, localizado no suco gástrico e sendo, assim, secretado pela mucosa gástrica. Em virtude disso, qualquer alteração da mucosa gástrica – como em cirurgias bariátricas com retirada de porções do estômago – pode levar a uma deficiência de cobalamina, influenciando a eritropoiesee manifestando uma anemia macrocítica. O ferro, o ácido fólico e a cobalamina costumam ser estocados no fígado para utilização em situ- ações de deficiência desses elementos. Com os mecanismos básicos da formação eritrocitária abordados, podemos, agora, nos ater aos componentes da síndrome anêmica: as anemias. Sintomatologia Os sintomas manifestados pela anemia tendem a variar de acordo com o TIPO DE ANEMIA, a CAUSA SUBJA- CENTE, a SEVERIDADE e outros PROBLEMAS DE SAÚDE EXISTENTES, como úlceras, disfunções de menstruação e neoplasias. Sintomas específicos dessas enfermidades tendem a serem notados antes mesmo da anemia, a qual normalmente é detectada por meio de exames laboratoriais de triagem anor- mais. O corpo, juntamente a isso, possui diversos mecanismos intrínsecos capazes de compensar as modificações de uma anemia precoce. Casos leves de anemias ou de desenvolvimento crônico podem, em incontáveis situações, apresentar sin- tomas que passam despercebidos pelo pa- ciente. De um modo geral, a sintomatologia comum aos diversos tipos de anemia in- clui FADIGA, PERDA DE ENERGIA, TAQUI- CARDIA, DISPNEIA, CEFALEIA – estes três normalmente associados ao exercício -, DIFICULDADE DE CONCENTRAÇÃO, PALI- DEZ CUTANEOMUCOSA, VERTIGEM, INSÔ- NIA E CÂIMBRA DE MEMBROS INFERIORES. A palidez cutaneomucosa, todavia, nem sempre se encontra presente, principalmente nos casos em que há pouca diminuição da hemoglobina do paciente. Regulação da eritropoiese promovida pela eritropoietina renal e exógena (terapia com Epo) no tratamento da anemia Esquematização gráfica dos principais sintomas desencadeados pela anemia Os sintomas adicionais das outras formas de anemias serão melhor abordados posteriormente. Hemograma O hemograma se destaca como o exame laboratorial mais comum e es- sencial na caracterização de qual- quer anemia, avaliando os elementos figurados do sangue – eritrócitos, leucócitos e plaquetas. No que diz res- peito às anemias, a parte mais impor- tante do hemograma consiste no eri- trograma, a primeira porção do exame e que aborda o estudo dos eri- trócitos. Os componentes do eritrograma, apresentados em valores normais na tabela ao lado, listam-se como contagem de eritrócitos, hemoglobina (Hb), hematócrito (Hct), volume corpuscular médio (V.C.M.), hemoglobina corpuscular média (H.C.M.), concentração de hemoglobia corpuscular média (C.H.C.M.) e amplitude de distribuição de tamanho dos reticulócitos (RDW). O volume corpuscular médio (V.C.M.) mede o tamanho das hemácias. Um V.C.M. elevado indica eritrócitos macrocíticos (grandes), ao passo que um V.C.M. reduzido aponta para eritrócitos microcíticos (pequenos). A hemoglobina corpuscular média (H.C.M.) compõe o peso da hemoglobina intracelular. A concentração de hemoglobia corpuscular média (C.H.C.M.) alavia a concetração de hemoglobina dentro da célula. A amplitude de distribuição de tamanho de eritrócitos (RDW) demonstra a medida na variabilidade de tamanho dos eritrócitos circulantes. Ela ajuda a distinguir, por exemplo, dentro das anemias microcíticas, uma anemia ferropriva (RDW elevada) da talassemia menor ou mesmo das anemias de doença crônica (RDW normal). Outras anemias, como a megaloblástica, as hemolíticas, a sideroblástica, por abuso de álcool e por hemoglobinopatias também apresentam uma RDW elevada. As alterações no tamanho dos eritrócitos recebem a denominação geral de anisocitose, sendo que as variações nas formas dessas células são chamadas de poiquilocitose. Causas subjacentes das anemias Existem mais de 400 tipos de anemias catalogadas atualmente, sendo que elas podem se dividir em três grupos de acordo com seus mecanismos subjacentes: ANEMIA POR PERDA SANGUÍNEA, como nos casos de hemorragias crônicas (ancilostomíase, tumo- res gastrintestinais, menstruação) ou agudas (traumas, rompimento de varizes gastresofágicas, dissecção de aorta); ANEMIA POR DIMINUIÇÃO DA PRODUÇÃO OU DA MATURAÇÃO DE ERITRÓCITOS NA MEDULA ÓSSEA, as chamadas anemias hipoproliferativas e de eritropoiese ineficaz, respectivamente. Temos, a exemplo, as lesões de medula óssea e as deficiências de cobalamina (B12), de ferro e de ácido fólico; ANEMIA POR AUMENTO DA HEMÓLISE (DESTRUIÇÃO DE ERITRÓCITOS), como nas anemias hemolí- ticas hereditárias, sendo a anemia falciforme um bom exemplo. Medida (Unidades) Homens Mulheres Hemoglobina (Hb) 13,6 – 17,2 g/dL 12 – 15 g/dL Hematócrito (Hct) 39% - 49% 33% - 43% Contagem de eritrócitos 4,3 – 5,9 x 106/µL 3,5 - 5 x 106/µL Contagem de reticulócitos 0,5% - 1,5% Volume corpuscular médio (V.C.M.) 82 – 96 fL Hemoglobina corpuscular média (H.C.M.) 27 – 33 pg Concentração de hemoglobina corpuscular média (C.H.C.M.) 33 – 37 g/dL Amplitude de distribuição de tamanho dos eritrócitos (RDW) 11,5 – 14,5 Anemias hipoproliferativas Por volta de 75% dos casos de anemia possuem natureza HIPOPROLIFERATIVAS, refletindo uma INSUFICIÊN- CIA MEDULAR ABSOLUTA ou RELATIVA, no qual a medula não prolifera apropriadamente para o grau anêmico. Majoritariamente, esses tipos de anemia têm como etiologia a deficiência de ferro, quadros inflamatórios – onde as citocinas inflamatórias, como a interleucina-1 (IL-1), suprimem a síntese de eritropoietina (EPO) -, lesões de medula óssea, e estímulo inadequado da EPO, este podendo indicar uma insuficiência renal crônica ou distúr- bios metabólicos, como o hipotireoidismo. Em geral, as anemias hipoproliferativas se caracterizam pela presença de ERITRÓCITOS NORMOCÍTICOS NOR- MOCRÔMICOS, embora, nos casos de deficiência de ferro ou de inflamação crônica, os achados mais comuns sejam MICROCITOSE e HIPOCROMIA. Anemias por eritropoiese ineficaz Os distúrbios de maturação usualmente se manifestam por meio de uma produção inapropriadamente baixa de reticulócitos (os precurso- res eritrocitários), macro ou microcitose no esfregaço sanguíneo e ín- dices eritrocitários anormais. Esses distúrbios podem ser divididos em duas categorias: DEFEITOS DA MATURAÇÃO NUCLEAR, associados a acha- dos de macrocitose. Temos aqui os casos de deficiências de vitamina B12 e de folato, lesão por fármacos (metotrexato, agentes alquilantes) e as mielodisplasias; DEFEITOS DA MATURAÇÃO CITOPLASMÁTICA, associados a microcitose e hipocromia. Habitualmente decorrente de deficiências gra- ves de ferro, e defeitos na síntese da hemoglobina, como nas talasse- mias. Caso a anemia ferropriva (deficiente de ferro) seja de leve a mode- rada, a proliferação medular eritroide se apresenta reduzida, classifi- cando a anemia como hipoproliferativa. Todavia, nos casos em que a de- ficiência se mostra grave e prolongada, a medula eritroide se tornará hi- perplásica a despeito do suprimento inadequado de ferro, sendo a anemia classificada como causada por eritropoiese ineficaz com defeito da ma- turação citoplasmática. Em ambos os casos, o diagnóstico se confirma pelo índice inapropriadamente baixo de produção de reticulócitos, pela microcitose e pela alteração nos valores do ferro, auxiliando na diferenciação com outros defeitos de maturação citoplasmática. Os exemplos de deficiência na eritropoiese são melhor abordados posteriormente. Anemia por perda sanguínea As anemias decorrentes de perda de sangue, também chamadas de ANEMIA PÓS-HEMORRÁGICAS, variam de acordo com a sua causa base, em outras palavras, com o tipo de sangramento recorrente. A perda aguda de sangue – como em uma fratura de pelve – não costuma estar associada a aumento no índice de produção dos reticulócitos devido ao tempo necessário para se elevar a produção de eritropoietina e, subsequentemente, a Principais funçõesdesempenhadas pela vitamina B12 Principais funções desempenhadas pela ácido fólico proliferação medular. A perda subaguda de sangue, por outro lado, pode estar associada à reticulocitose mode- rada. A ANEMIA POR HEMORRAGIA CRÔNICA – como em hemorroidas e na menstruação – manifesta-se com maior frequência na forma de DEFICIÊNCIA DE FERRO do que com o quadro de produção aumentada dos eritrócitos. Precisa-se de especial atenção no diagnóstico das anemias pós-hemorrágicas, buscando-se as suas etiologias adjacentes, já que a perda sanguínea pode ser um SANGRAMENTO ÓBVIO (trauma aberto, melena, hematêmese, menometrorragia), um SANGRAMENTO OCULTO (doença ulcerosa péptica, neoplasia de trato gastrintestinal) ou um SANGRAMENTO “INDUZIDO” (testes diagnósticos repetidos, hemodiálise e doações sanguíneas excessivas). Anemia por hemólise excessiva As anemias hemolíticas – como as decorrentes de hemoglobinopatias (anemia falciforme), da esferocitose hereditária e da hemoglobinúria paroxística noturna – encontram-se associadas a índices de produção de eri- trócitos mais de DUAS VEZES E MEIA o normal. Os índices eritrocitários se apresentam NORMOCÍTICOS ou ligeira- mente MACROCÍTICOS, decorrente da RETICULOCITOSE existente pela eritropoiese estimulada. Com as causas das anemias abordadas, e suas consequências, podemos nos ater, agora, à confirmação de diagnóstico pelas modificações morfológicas eritrocitárias. Classificação morfológica das anemias Classificamos as diversas anemias, além de sua causa subjacente já citada, de acordo com a MORFOLOGIA ERITROCITÁRIA, determinada pelo hemograma do paciente. O tamanho dos eritrócitos, como dito anteriormente, reflete-se pelo volume corpuscular médio, enquadrando as anemias como MICROCÍTICAS, NORMOCÍTICAS e MA- CROCÍTICAS, ao passo que as variações de hemoglobina corpuscular média se manifestam como ANEMIAS HIPO- CRÔMICAS ou NORMOCRÔMICAS. Anemia microcítica e hipocrômica As anemias microcíticas, a categoria mais comum na população brasileira, costumam indicar um PREJU- ÍZO NA SÍNTESE DA HEMOGLOBINA, pois são consequên- cia da interrupção do processo de maturação celular bem como da hemoglobinização, sendo que as anemias microcíticas também são hipocrômicas. Determina-se esse tipo de anemia nos casos em que o VOLUME COR- PUSCULAR MÉDIO se encontra ABAIXO DE 80 FL. Dentre as diversas causas que compõem anemia mi- crocítica, destacamos: Deficiência de ferro A anemia ferropriva – caracterizada pela deficiên- cia de ferro - representa a deficiência nutricional de maior ocorrência em todo o mundo, estando presente tanto em países desenvolvidos quanto em países em desenvolvimento. Estes, no entanto, apresentam uma fre- quência maior da doença, sendo que metade dos pré-escolares têm anemia, comparados a 7% nos países desen- volvidos. Os mecanismos por trás do surgimento da anemia ferropriva listam-se abaixo. Esfregaço sanguíneo evidenciando microcitose e hipocromia dos eritrócitos em um caso de anemia por deficiência de ferro (ferropriva) PERDA DEMASIADA DE FERRO, quando a quantidade perdida não é compensada pela dieta, como em diversos casos de hemorragias agudas e crônicas, e durante a gestação, devido ao sequestro de ferro pelo feto; INGESTA INSUFICIENTE, em que a alimentação precária impede as necessidades diárias do mine- ral. Essa causa se apresenta pouco comum em adultos, sendo mais frequente em crianças e lactentes. ABSORÇÃO INEFICAZ, onde alguma alteração do trato gastrintestinal, como na síndrome de má absorção, impossibilita o aproveitamento do ferro ingerido. A principal responsável pela anemia ferropriva em mu- lheres pré-menopausa se mostra a perda de sangue durante a menstruação normal ou em quadros de hipermenorreia, por exemplo; ao passo que, nas pacientes pós-menopausa e nos ho- mens, essa anemia muitas vezes se vê decorrente de sangra- mentos do trato gastrintestinal, precisando de especial atenção nesses casos, pois o sangramento costuma ser oculto. A anemia ferropriva ou, em muitos casos, apenas a defici- ência do mineral pode ocasionar fadiga, prejuízo do cresci- mento e do desempenho muscular - sendo que o tempo total de exercício, a carga máxima de trabalho, a taxa cardíaca e os níveis de lactato sérico são afetados negativamente em pro- porção ao grau da anemia, o que leva a prejuízos no desenvol- vimento neurológico e desempenho escolar nas crianças. Jun- tamente a isso, outros achados estão presentes nessa anemia, como distúrbios comportamentais – irritabilidade, falta de atenção, de interesse e dificuldade de aprendizado -, a perversão alimentar (fome por substâncias estranhas, como papel, gelo ou terra), condição conhecida como pica; unhas em formato de colher (coiloníquia) e ressecamento da mucosa oral, com rachaduras nas bordas. A falta de ferro, além disso, pode resultar no defeito na imunidade mediada por células - o que aumenta as chances de infecção dos pacientes -, devido à diminuição de células T circulantes e no prejuízo da morte bacte- riana pelos neutrófilos. O diagnóstico do primeiro estágio da defi- ciência de ferro – caracterizado pela diminuição dos estoques de ferro no organismo – realiza- se por meio da DOSAGEM DE FERRITINA SÉRICA. A dosagem da hemossiderina na medula óssea pode, também, ser adotada como indicativo de depleção. Todavia, levando em conta que este é um método invasivo, não se recomenda sua apli- cação para triagem. Em um estágio mais avan- çado, onde a quantidade de ferro está suficien- temente restrita para a produção de hemoglo- bina, temos também a presença das células HI- POCRÔMICAS E MICROCÍTICAS. Intoxicação por chumbo Também conhecida como plumbismo, a intoxicação por chumbo afeta a SÍNTESE DAS CADEIAS GLOBULÍNI- CAS ALFA E BETA, contribuindo para o desenvolvimento de uma anemia NORMOCÍTICA ou MICROCÍTICA. Crianças com deficiência de ferro se encontram mais susceptíveis à intoxicação por chumbo sendo que, nesses casos, a anemia se manifesta de forma mais severa, acentuando o grau de microcitose e hipocromia. Recomenda-se a suplementação de ferro para crianças com risco de plumbismo. Palidez em mucosa conjuntival, apontando para um quadro importante de anemia Manifestações de um caso de anemia ferropriva grave, com coiloníquia (A) e ressecamento da mucosa oral com rachaduras (B) Clinicamente, a intoxicação por chumbo apresenta dor abdominal difusa, náuseas, vômitos, anorexia, obs- tipação, coloração azul-escuro das gengivas ou, ocasionalmente, diarreia e sintomas neurológicos – como irri- tabilidade, incoordenação, lapsos de memória, cefaleia e paranoia. Doença crônica A anemia de doença crônica (ADC) caracteriza-se como a anemia presente em distúrbios infecciosos crô- nicos (tuberculose, endocardite, abscesso pulmonar), inflamatórios crônicos (artrite reumatoide, doença de Crohn, lúpus eritematoso sistêmico), e em doenças neoplásicas, sendo o tipo mais frequente em pacientes hos- pitalizados e o segundo tipo mais comum de anemia. O mecanismo por trás de seu surgimento gira em torno dos ELEVADOS NÍVEIS DE CITOCINAS INFLAMATÓRIAS por um período sustentado, os quais INTERFEREM NA UTILIZAÇÃO DA ERITROPOETINA, na SOBREVIDA DOS ERI- TRÓCITOS e no METABOLISMO DO FERRO pela baixa mobilização do ferro de depósito. Essa fisiopatologia reflete em uma diminuição da concentração do ferro sérico e da capacidade total de ligação do ferro, apesar de a quantidade de ferro medular se mostrar normal ou aumentada sem, logo, a deficiência de ferro. Os valores de hemoglo- bina oscilam entre 9 e 11 g/dL e, habitualmente, manifesta-se de maneira assintomática ou oligossintomática. A anemia se apresenta tanto na forma NORMOCRÔMICAe NORMOCÍ- TICA quanto na forma MICRO- CÍTICA (20% a 50%) e HIPO- CRÔMICA (50%). A microci- tose observada nesses casos, no entanto, apresenta-se de forma mais branda quando comparada à da anemia fer- ropriva. Costuma-se utilizar a avaliação da concentração de ferritina sérica para o diagnóstico da anemia, mesmo reconhecendo a sua elevação nos casos de doenças crônicas. Dessa maneira, ferritina sérica inferior a 15 ng/mL indica anemia ferropriva, ao passo que valores superiores a 100 ng/mL praticamente excluem essa hipótese, mesmo que haja uma doença inflamatória ou hepática em curso no paciente. Os valores alterados de ferro nas anemias por doenças crônicas surgem devido à hepcidina, o hormônio regulador do ferro, o qual se encontra aumentando nos quadros inflamatórios. Produção reduzida da hemoglobina Enquadramos nesse quesito um grupo de distúrbios autossômicos recessivos denominado TALASSEMIAS. Co- nhecidas também como anemia do Mediterrâneo, as ta- lassemias têm como característica principal a mutação dos genes responsáveis pela síntese da globina, levando a uma redução desta com repercussões não somente na pro- dução de hemoglobina (hipocromia), mas também na for- mação anômala e deficiente dos eritrócitos (microcitose). Existem duas formas diferentes da doença: talasse- mia alfa e talassemia beta, conforme a cadeia de formação da hemoglobina que esteja afetada. Juntamente a isso, ela pode assumir diversos graus, como: talassemia menor (traço talassêmico), usualmente assintomática e que pode passar despercebida; talassemia intermediária, em que a deficiência da síntese de hemoglobina é moderada e as consequências menos graves; e talassemia maior (anemia de Cooley), uma forma grave da doença que acarreta alterações orgânicas importantes no indivíduo, como hepa- toesplenomegalia. Ao contrário da anemia falciforme – um problema qualitativo da síntese e do funcionamento da hemoglobina -, a talassemia se destaca como uma alteração quantitativa das globinas, sintetizadas em menor quantidade. Em decorrência da alteração do padrão eletroforético acarretado pelas talassemias, a ELETROFO- RESE DE HEMOGLOBINA se destaca como o exame de escolha para iniciar a investigação da talassemia. Alterações no metabolismo do ferro Temos aqui a chamada ANEMIA SIDEROBLÁSTICA (AS), um grupo heterogêneo de desordens com duas ca- racterísticas básicas: presença de sideroblastos em anel na medula óssea e biossíntese do heme prejudicada. Ocorre uma eritropoiese ineficaz com acúmulo de ferro medular e anemia hipocrômica con- comitante, hiperferremia e saturação quase total da transferrina. Essa anemia apresenta subtipos de origem hereditária e adquirida (idiopática ou reversível). Na sintomatologia da anemia sideroblástica, destacam-se os achados usuais de anemia, incluindo fadiga, dispneia aos esforços e tonturas. A investigação da história familiar detalhada em busca de anemias – especialmente em parentes do sexo masculino – mostra- se crucial para o diagnóstico diferencial. Demonstra-se importante ressaltar que a maioria dos casos de anemias sideroblásticas heredi- tárias se manifesta ainda na infância. A anemia nesses casos tende a ser de moderada a grave, com níveis de hemoglobina que variam de 4 a 10 g/dL. Anemia normocítica e normocrômicas As anemias normocíticas, cujo volume corpuscular médio fica entre 80 E 100 FL, também se apresentam, usualmente, como normocrômicas e se encontram frequentemente associadas aos seguintes casos. Diversos sideroblastos em anel (setas escuras) localizados, principal- mente, na medula óssea. As pequenas esferas de coloração azulada re- presentam o acúmulo de ferro dessa anemia Esfregaço sanguíneo de um caso de talassemia, com achados de hipocromia e mi- crocitose juntamente a modificações visíveis na forma das hemácias Produção eritrocitária ineficaz A eritropoiese diminuída costuma se manifestar em diversos quadros patológicos, dentre os quais podemos destacar a anemia aplásica, a insuficiência renal crônica (deficiência de eritropoietina), as mielopatias, as do- enças crônicas (já citada anteriormente), as doenças sistêmicas, os distúrbios endócrinos, a anemia siberoblás- tica e as neoplasias; ANEMIA APLÁSICA Também denominada anemia aplástica ou hipoplásica, esse tipo de anemia normocítica e normocrômica resulta da perda de precursores eritrocitários, le- vando a uma hipoplasia medular, redução da massa eritrocitária total e das pla- quetas. O achado bastante importante nessa anemia é a PANCITOPENIA (redução de eritrócitos, linfócitos e plaquetas). A sintomatologia advém do quadro SEVERO DE ANEMIA, TROMBOCITOPENIA (com presença de petéquias e hemorragias espontâneas) e LEUCOPENIA (por meio de infecções recorrentes). Para elaboração do diagnóstico diferencial, a pre- sença da pancitopenia periférica e da ausência de precursores celulares na me- dula óssea faz-se necessária. A primeira linha de tratamento ocorre por meio da administração de timo- globulina de cavalo (h-ATG) associado à ciclosporina, sendo que, em casos gra- ves da anemia, a globulina antitimocítica derivada de cavalo e de coelho podem ser utilizadas. Doses de eritropoietina e o transplante de medula óssea, em al- guns casos, também se demonstra eficaz. INSUFICIÊNCIA RENAL A anemia se manifesta tanto na insuficiência re- nal aguda quanto na crônica, usualmente apresen- tando caráter normocítico, embora possa ter, também, microcitose presente. A doença ocorre, em parte, de- vido aos efeitos deletérios que os metabólitos urêmi- cos (como ureia) têm sobre os eritrócitos e à deficiên- cia de eritropoietina. DISTÚRBIOS ENDÓCRINOS Estados de perturbação endócrina, incluindo o hi- potireoidismo, insuficiência adrenal ou hipofisária e hipogonadismo podem acarretar uma insuficiência medular secundária devido a uma queda no estímulo de secreção da eritropoietina. O hipertireoidismo, em alguns casos, também pode levar ao surgimento de anemia normocítica. Aumento da destruição de eritrócitos Conhecido como hemólise excessiva, a reciclagem demasiada das hemácias também leva ao desenvolvi- mento de anemias NORMOCÍTICAS e NORMOCRÔNICAS. Os exemplos típicos que enquadramos aqui são as desor- dens hemolíticas e o hiperesplenismo. Biópsia de medula demonstrando a redução acentuada dos elementos hematopoiéticos, apontando para o caso de anemia aplásica. A etiologia é variada, em diversos casos decor- rendo do uso de medicações, de intoxicações ou de infecções. No desconhecimento da causa, classifica-se como anemia aplásica idiopática A disfunção medular na anemia aplásica leva à pancitopenia acentuada As anemias hemolíticas podem ser classificadas de acordo com sua origem em congênitas ou adquiridas. As primeiras incluem as hemoglobinopatias (como a anemia falciforme), a esferocitose hereditária, a elipsoci- tose hereditária, entre outras. As segundas são compostas pelas anemias hemolíticas autoimunes, desordens macrovasculares e microangiopáticas (hemólise mecânica) e hemoglobinúria paroxística noturna. Normalmente, a sintomatologia das anemias por hemólise crônica se manifestam como icterícia, hematúria ou colúria e deficiência do crescimento em crianças; ao passo que, nas por hemólise aguda, podemos ter, além dos achados das crônicas, dor abdominal e convulsão. ANEMIA FALCIFORME A anemia falciforme, a causa mais frequente de anemia hemolítica normocítica em crianças, caracteriza-se como uma hemoglobinopatia hereditária onde há a substituição da he- moglobina A (HbA) pela hemoglobina falcêmica S (HbS). Isso provoca a modificação de forma eritrocitária – em forma de foice -, originando os chamadosdrepanócitos. A falcemização dos eritrócitos acarreta aumento da vis- cosidade sanguínea, estase e crises venoclusivas dolorosas, típicos da doença. Juntamente a isso, em decorrência das mo- dificações estruturais do eritrócito, as hemácias falcêmicas apresentam uma vida média inferior às saudáveis, sendo ra- pidamente hemolisadas pelo baço – o qual, pelo trabalho constante, pode se tornar avantajado (esplenomegalia) – ou se rompendo pela fragilidade mecânica no meio intravascular. O quadro clínico dessa enfermidade se apresenta como uma anemia moderadamente grave (hematócrito entre 18% a 30%) associada a reticulocitose, hiperbilirrubine- mia (com consequente icterícia) e presença de células irreversivelmente falciformes. Como achados sintomato- lógicos, podemos ter susceptibilidade elevada a infecções, crescimento e desenvolvimento infantil atrasado e episódios de dor severa, especialmente nas articulações, abdômen e membros pelas venoclusões. ESFEROCITOSE HEREDITÁRIA A esferocitose hereditária, o tipo mais comum de desordem de membrana eritrocitária, enquadra-se como um distúrbio cau- sado por defeitos intrínsecos na membrana dos eritrócitos, tor- nando essas células menos deformáveis e vulneráveis ao seques- tro esplênico e à hemólise. A esferocitose hereditária, embora normocítica, apresenta hipercromicidade. Os aspectos clínicos característicos da esferocitose hereditá- ria consistem em anemia, esplenomegalia e icterícia (devido à hemólise excessiva). HEMOGLOBINÚRIA PAROXÍSTICA NOTURNA A hemoglobinúria paroxística noturna (HPN) salienta-se como uma anemia hemolítica crônica adquirida rara, de curso clínico extremamente variável. Apresenta-se frequentemente com infecções recorrentes, neutropenia e trombo- citopenia, e surge em associação a outras doenças hematológicas, especialmente com síndromes de falência medular – como a anemia aplásica e a síndrome mielodisplásica. Essa doença se considera ainda um tipo de trombofilia adquirida, apresentando-se com tromboses venosas variadas, com certa predileção por trombose de veias hepáticas e intrabdominais, sua maior causa de mortalidades. Os esferócitos (setas) são eritrócitos com uma densa quantidade de hemo- globina e aparecem, no esfregaço sanguíneo, sem o alo central usual. Além da esferocitose hereditária, encontramos os esferócitos também em outros tipos de anemias, como a hemolítica autoimune Esfregaço sanguíneo representando a presença de drepanócitos (eritrócitos falci- formes) na anemia falciforme Durante os surtos de hemólise intravascular aguda, os chamados paroxismos, ocorre hemoglobinúria, no- tada pela presença de colúria, a qual pode vir acompanhada de sintomas gastrintestinais, náuseas, icterícia, dor abdominal (inclusive simulando abdômen agudo), disfagia, espasmo esofagiano e piora da astenia. HIPERESPLENISMO O hiperesplenismo leva à anemia normocítica apenas quando o baço adquire de três a quatro vezes seu tamanho normal, como pode ocorrer em quadros de cirrose, infecções crônicas e doenças mieloproliferativas. A anemia é causada primariamente pela remoção de eritrócitos da circulação, embora a hemólise aumentada se mostre um fator contribuinte. Perda sanguínea aguda As hemorragias agudas – como no rompimento de varizes gastresofágicas ou, menos evidente, em sangra- mento retroperitoneais ou na fratura de pelve – resultam, quando há a sobrevivência do paciente, na maioria das vezes em anemia normocíticas chamadas de anemias pós-hemorrágicas agudas. O indivíduo saudável apresenta tolerância para perdas rápidas de 500 a 1000 mL de sangue (10 a 20% do volume sanguíneo total) com poucos ou nenhum sintoma. Expansão de volume plasmático A expansão de volume plasmático costuma ocorrer, majoritariamente, durante a gestação, onde o aumento da retenção líquida leva ao processo conhecido como hemodiluição. Anemia macrocítica As anemias macrocíticas, usualmente definidas pelo VOLUME CORPUSCULAR MÉDIO SUPERIOR A 100 FL, apresentam como etio- logias mais comuns a síntese anormal de ácidos nucleicos (defi- ciências de vitamina B12 e de folato), a maturação anormal dos eritrócitos (mielodisplasias, leucemia aguda), o alcoolismo, he- patopatias, hipotireoidismo e o uso de medicamentos. Por meio dos exames laboratoriais, é possível diferenciar as anemias macrocíticas em anemias megaloblástica (comuns na de- ficiência de B12 e de folato), com neutrófilos hipersegmetados, e anemias não megaloblásticas. Diferenciação entre os eritrócitos saudáveis e os eritrócitos com macroci- tose Anemias megaloblásticas Nos processos megaloblásticos, os precursores eritrocitá- rios se apresentam aumentados em relação às hemácias maduras em decorrência do fato de que as deficiências de folato e vita- mina B12 resultam em uma síntese defeituosa de RNA e de DNA. Elevações séricas de homocisteína e ácido metilmalônico decorrem dos processos bioquímicos alterados nessas deficiên- cias, e podem ser utilizados para esclarecer a causa da anemia megaloblástica, embora isso ainda não seja uma prática clínica de rotina. Os dois tipos principais de anemia megaloblásticas classi- ficam-se de acordo com sua origem deficitária: anemia pernici- osa (deficiência de vitamina B12) e anemia por deficiência de folato. ANEMIA PERNICIOSA A anemia perniciosa se qualifica como uma forma especí- fica de anemia megaloblástica causada por gastrite autoimune e uma consequente insuficiência à produção do fator intrínseco – o responsável pela absorção da vitamina B12 pelo íleo -, acarre- tando a deficiência da vitamina. Clinicamente, a anemia perniciosa tem início insidioso, de modo que a anemia usualmente já apresenta ele- vada gravidade no momento em que o paciente procura auxílio médico. O curso é progressivo, exceto quando interrompido pela terapia. Além dos sintomas usuais das anemias, podemos ter parestesia de mãos e/ou pés, perda da sensibilidade tátil, dificuldade em andar, rigidez de membros e, em casos graves de deficiência, até mesmo demência; O diagnóstico da doença se baseia na anemia megaloblástica de mode- rada a grave, leucopenia com granulócitos hipersegmetados, baixa vitamina B12 sérica e níveis elevados de homocisteína e ácido metilmalônico no soro. Aproximadamente cinco dias após a administração parenteral de vitamina B12, nota-se o aumento nos reticulócitos e a melhora nos níveis de hematócrito, con- firmando, nesses casos, a presença da anemia perniciosa. ANEMIA POR DEFICIÊNCIA DE FOLATO A anemia por deficiência de folato apresenta as mesmas características gerais da anemia perniciosa, necessitando as medições séricas de vitamina B12 e ácido metilmalônico, usualmente, para o diagnóstico diferencial entre essas enfermidades. Cerca de 35% dos pacientes alcoólatras e diagnosticados com anemia macrocítica apresentam concomitantemente uma deficiência de folato, a qual pode estar relacionado a um aporte nutricional inadequado, má absorção, dis- função hepatobiliar e um catabolismo elevado de folato. Algumas medicações utilizadas no tratamento de epilepsias, câncer e doenças autoimunes também podem levar a uma deficiência da vitamina. O metotrexato (antimetabólico), por exemplo, inibe diretamente a diidrofolato redutase, o que acarreta a defici- ência funcional do folato. Outros fármacos podem, ainda, afetar a absorção do folato, incluindo a metformina e a colestiramina. Em pacientes com uso desses remédios, logo, uma suplemen- tação de folato pode ser necessária. Na anemia megaloblástica, os achados de medula óssea são bastante carac- terísticos, auxiliando no diagnóstico diferencial dessa desordem com a leu- cemia eritroide pura e as mielodisplasias. Em casos de moderadosa severos, a medula se encontra quase sempre hipercelular com hiperplasia eritroide (pequenas setas escuras). Os primeiros precursores eritrocitários – proeri- troblasto e eritroblasto basófilo – predominam sobre os outros devido à eri- tropoiese ineficaz, a qual limita o número dos primeiros percursores que so- frem maturação. A seta amarela indica o proeritroblasto em prófase mitó- tica. A displasia eritrocitária se manifesta por anormalidades na forma do núcleo, um achado também comum nas anemias megaloblásticas moderadas a severas (seta preta maior) Esfregaço sanguíneo demonstrando eritróci- tos macrocíticos e o granulócito hiperseg- mentado na anemia perniciosa A medição dos níveis séricos de folato não se mostra útil no diagnóstico diferencial em decorrência das rápidas flutuações de acordo com a ingesta. Os níveis de folato presente nos eritrócitos, por outro lado, refletem de forma mais fidedigna as reservas da vitamina e precisam ser investigados em caso de suspeita da deficiência. Para diferenciar a causa da anemia megaloblástica, os níveis de ácido metilmalônico em uma taxa normal indicam a deficiência de folato, especialmente se os níveis séricos de vitamina B12 não estiverem alterados. É importante ressaltar que os níveis de homocisteína se encontrarão elevados tanto na deficiência à vitamina B12 quanto ao folato. Anemias não megaloblásticas Os processos não megaloblásticos, por sua vez, desenvolvem- se a partir de inúmeros mecanismos, não estando ainda, no entanto, completamente delimitados. A macrocitose nesses casos pode ocor- rer devido a um incremento na produção eritrocitária secundário a uma hemólise excessiva ou hemorragia, levando à presença, como comentado, de uma RETICULOCITOSE MARCANTE. ABUSO ALCOÓLICO O uso abusivo do álcool – com manifestações clínicas como icterícia, ascite e circulação colateral “em cabeça de medusa” - provoca, comumente, um quadro de macrocitose devido aos efeitos tóxicos da substância sobre as células e, menos frequentes, à defici- ência secundária de folato. O volume corpuscular médio em al- coólatras fica um pouco a baixo de 110 fL, sendo que a abstinência da bebida rapidamente corrige o aumento do tamanho eritrocitário. DISFUNÇÃO MEDULAR As desordens mieloproliferativas – também referidas, algumas vezes, como anemia refratária – destacam- se como a causa mais comum de macrocitose e anemia entre a população idosa. Embora o esfregaço sanguíneo e o hemograma sejam sugestivos da doença, uma biópsia de medula óssea se faz necessária para a confirmação do diagnóstico. OUTRAS ETIOLOGIAS Medicamentos, hipotireoidismo, disfunções hepáticas ou renais, e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) encontram-se associados com elevações menos dramáticas do volume corpuscular médio. As doenças hepáticas não alcoólicas e o hipotireoidismo se mostram uma porção importante dos casos de macrocitose. Junta- mente a isso, a síndrome de Down também pode estar associada a quadros de reticulocitose ou desordens mielo- proliferativas. Nesses casos, o tratamento, quando necessário, faz-se diretamente sobre a desordem subjacente. Referências bibliográficas FAUCI, Anthony S., HAUSER, Stephen L., LONGO, Dan L., KASPER, Dennis L., JAMESON, J. Larry., LOSCALZO, Joseph. - HARRISON – Medicina Interna de Harrison - 2 Volumes - 18ª edição. Porto Alegre: Mc Graw Hill, 2013. GOLDMAN, Lee, AUSIELLO, Dennis - Cecil – Tratado de Medicina Interna – 2 Volumes - 24ª edição - Editora Elsevier, Rio de Janeiro, 2010. ROBBINS & COTRAN. Patologia: Bases patológicas das doenças. 8ª Edição. 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