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JOHN LOCKE (Fichamento)

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Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Fichamento de Ciência Política
John Locke – Os tratados sobre o governo Civil
Nome: Flávio da Rocha Pires da Silva
Curso: Ciências Sociais
2º Período
Disciplina: Ciência Política II
Data: 22/12/2014
JOHN LOCKE [1632-1704][2: ]
OS TRATADOS SOBRE O GOVERNO CIVIL
PAUL-LAURENT ASSOUN
	
	Publicados em 1690, apresentados por seu autor como uma apologia da “Revolução Gloriosa” de 1688, os DeuxTraitésduGouvernement Civil foram primeiro conhecidos como uma das mais vigorosas críticas contra a monarquia absoluta, cuja repulsa se fundamentava na idéia da necessária subordinação da atividade dos governantes ao consentimento popular. Além da defesa da monarquia “moderada” inglesa, Locke foi também um dos teóricos clássicos do liberalismo político, já que propõe uma articulação rigorosa dos temas liberais fundamentais: a igualdade natural dos homens, a defesa do regime representativo, a exigência de uma limitação da soberania fundada sobre a defesa dos direitos subjetivos dos indivíduos. (pág.1)
A primeira condição de uma leitura rigorosa é, aqui, não perder de vista o caráter essencialmente dedutivo dos dois Tratados, o que poderia fazer esquecer e elegância e a simplicidade da exposição de Locke; sua obra aparece como um exemplo notável do entendimento clássico: os fatos somente são nela abordados para refutar a argumentação adversa [que se pretende apoiar na autoridade histórica das Sagradas Escrituras], mas a doutrina proposta lhes deve muito pouco. Está aí, parece, o primeiro paradoxo que o leitor encontra: esse “empirista”, esse teórico da “razoabilidade” [reasonableness], muito mais do que do racionalismo [E. Naert, 1973], parece basear a política mais numa evidência racional do que nos dados da experiência. Esse paradoxo é o da situação das ciências morais e políticas dentro da teoria de Locke sobre o conhecimento e é também o de sua relação complexa com o fundador do direito natural moderno, Hobbes, do qual ele é tanto herdeiro quanto crítico. 
(pág. 1 e 2)
Saber é, segundo Hobbes, saber por meio das causas, quer dizer, pela gênese conceitual dos objetos a conhecer; a ciência, para ele, só fala sobre coisas que têm causas [com exceção de Deus] e das quais somos nós mesmos as causas. Por esse ângulo, ele encontra apoio no valor eminente da geometria [“É porque nós próprios criamos as figuras, que a geometria pode ser considerada como algo da ordem do demonstrável”  De Homine, cap. X, 5; tradução 1974, p.146], para a possibilidade de demonstrações nas ciências morais: “A política é a ética, isto é, as ciências do justo e do injusto, do equitativo e do iníquo, podem ser demonstradas a priori; com efeito, os princípios de onde derivam o justo e o equitativo e seus contrários, o injusto e o iníquo, nós sabemos quais são, quer dizer, nós mesmos criamos as causas da justiça: as leis e os contratos” [ibidem, p.147]. (pág.2)
A primeira, em Spinoza, conduz à universalização do método genético e à abolição das restrições que Hobbes impunha à ciência: reconhecendo que tudo tem uma causa [mesmo Deus, Causa sui] e negando que a força demonstrativa da definição genética resulte da continuidade entre nosso ato produtor e sua produção, afirmando, ao contrário, a identidade natural entre o nosso entendimento e o entendimento divino, Spinoza desliga o novo método da fundação subjetiva que Hobbes lhe havia oferecido. (pág.3)
Locke, ao contrário, se situa muito claramente na corrente que vê na significação para nós da ciência moral e política o fundamento de sua superioridade sobre as ciências naturais: segundo ele, as mesmas idéias que nos impedem de construir a priori uma ciência natural análoga à geometria nos autorizam, ao contrário, a afirmar a certeza absoluta da ciência moral. Não é que não possamos ter qualquer conhecimento dos corpos: simplesmente esse nos é dado pela experiência: “nós somos obrigados a considerar as próprias coisas, tal como elas existem, em vez de considerarmos nossos próprios pensamentos” [Locke, 1972, IV, IX, 9 p.537]. Para que uma ciência racional, a priori, da natureza fosse possível, seria preciso que tivéssemos das próprias coisas idéias absolutamente adequadas, das quais poderíamos deduzir o conjunto das propriedades dos corpos; ou as idéias das substâncias que estão “fora de nós” [ibidem, II, XXX, 5 p.198] são por isso mesmo apenas cópias derivadas de seus objetos, de seus “arquétipos”, que não podemos conhecer por não as termos produzido. (pág.3)
as ideias morais ou políticas [justiça, morte, propriedade, roubo etc.] não copiam as coisas que existiriam fora de mim, mas exprimem convenções, aceitas por meu entendimento, de acordo com o autor [pelo qual a moral não poderia ser fundada apenas sobre o desejo individual, mas sobre a intersubjetividade estabelecida pelo uso de uma linguagem comum]. As noções morais, tal como as matemáticas, aparecem portanto como ideias complexas [modos mistos], constituídas em última análise por ideias simples, mas que, enquanto ideias, algumas só são produzidas por nada menos do que o espírito. Por exemplo, a ideia de roubo: ela contém várias ideias simples [mudança de posse de um objeto, sem o consentimento do proprietário etc.] [Ibidem, II, XII, 25, p.119], mas dentro de sua unidade e de sua complexidade, ela não significa nada diferente daquilo que o espírito pretende fazê-la exprimir. (pág.3 e 4)
No essencial, Locke defende exatamente a mesma tese que Hobbes: o conhecimento do justo e do injusto é mais certo do que o da natureza; já que as idéias representam apenas as exigências do nosso entendimento, elas são transparentes, na medida em que procedemos a uma análise dos termos empregados, por definições claras. (pág.4)
No essencial, Locke defende exatamente a mesma tese que Hobbes: o conhecimento do justo e do injusto é mais certo do que o da natureza; já que as idéias representam apenas as exigências do nosso entendimento, elas são transparentes, na medida em que procedemos a uma análise dos termos empregados, por definições claras. (pág.4)
Antes de tudo, a ciência política será normativa: não se trata ainda, como será o caso de Vico, de dizer que a história humana real é mais inteligível do que natureza porque nós a fizemos; trata-se, porém, mais precisamente, de dizer que as normas da ação futura podem ser rigorosamente definidas, já que, para tudo o que não depende da natureza, a idéia é produtora do seu objeto. (pág.5)
Por esse fato mesmo, a ciência da ação não poderia estar baseada nos fatos ou nas convenções não criticadas, mas chama para si um método de descoberta racional e uma ordem de exposição demonstrativa, dos quais o Segundo Tratado é um bom exemplo [cf. Tully, 1980, pp.33-34]; (pág.5)
Enfim, e nisso Locke está mais próximo de Hobbes do que nunca, essa filosofia tende necessariamente a colocar em primeiro plano uma concepção subjetiva dos direitos, que dá as premissas da noção moderna dos Direitos do Homem. Dizer efetivamente que, se a política é uma ciência rigorosa, é porque o sentido daquilo que fazemos não poderia ser para nós absolutamente opaco, isso é dizer também que há certos fins subjetivamente necessários que não podemos procurar por meio da formação do corpo político, que não teria nenhum sentido se essas metas não fossem atingidas. Para o próprio Hobbes, teórico rigoroso do absolutismo, o sentido original do contrato é de pelo menos preservar a segurança, já que é ela que os homens procuram ao deixar o estado de natureza. Para Locke, cuja descrição do estado de natureza é menos negra do que a do Leviathan, os direitos subjetivos que o governo deve respeitar e preservar são muito mais extensos. (pág.5)
A doutrina de Locke não é, no entanto, uma simples recusa liberal da doutrina de Hobbes. Ela opera uma construção do conjunto dos fundamentos da filosofia política; na teoria do conhecimento, na doutrina dos direitos subjetivos e na teologia, Locke utiliza o mesmo modelo: o da criação consciente ou daobra [making]. (pág.5)
No centro da doutrina de Locke, encontra-se portanto a idéia de que, ainda que, na ordem teórica, nosso entendimento e o de Deus sejam radicalmente heterogêneos, na ordem prática, nossas faculdades apresentam alguma analogia com as de Deus. Tomemos, por exemplo, a refutação da tese de Filmer, segundo a qual, exceto Adão e os soberanos que o sucederam, os homens não têm qualquer direito original ao domínio [I Tratado, IV]: ela se apoia sobre a idéia de que cada homem foi feito “à imagem e semelhança de Deus” e é a partir desse fato capaz de ter domínio. (pág.6)
A obra de Locke é, assim, característica do papel que desempenhou um certo cristianismo na formação do individualismo moderno [cf. Dumont, 1981]. Se o cristianismo tende a aumentar [e não a se restringir], a importância dos deveres morais originais, tende também, ao estabelecer a relação do criador ou do operário com sua obra, fundamento da dominação e da propriedade, a estragar a representação tradicional da hierarquia. (pág.6)
Doutrina muito moderna, que tende a promover a igualdade entre a mãe e o pai, que reduz a importância educativa da coação [cf. Quelquespenséessurl’éducation], que faz da preparação para a maioridade [como idade da independência e da liberdade] o fim último da educação e o fundamento da autoridade dos pais; doutrina que também, para seu autor, não poderia ser separada de suas raízes cristãs: se a procriação fosse criação, a relação originária de dependência direta entre o homem e seu criador é que seria, juntamente com os direitos subjetivos inalienáveis, colocada em questão. (pág.7)
Nos Dois Tratados, a lei natural desejada por Deus permanece portanto sendo exatamente a ratioessendi dos direitos subjetivos; ela implica a conservação da humanidade [de si mesmo e do outro] e pressupõe, a partir desse fato, um mínimo de sociabilidade natural, que impede de considerar o estado de natureza à maneira de Rousseau, como um estado de solidão dos indivíduos. Inversamente, a ideia de direito subjetivo [que pressupõe a do poder do operário e do criador] aparece como a ratiocognoscendi da lei da natureza: porque sabemos que temos direitos sobre nossas obras, devemos admitir que temos deveres para com o nosso Criador. (pág.7)
Como em todas as grandes teorias do direito natural moderno, as funções do governo civil são deduzidas, nas obras de Locke, das condições de sua formação, isto é, da estrutura do estado de natureza e das razões que conduzem os homens a se constituírem em corpo político. (pág.8)
Locke não se apresenta tanto como um inovador, porém mais como o defensor de uma tradição contra uma doutrina nova, a da monarquia de direito divino, “que não se teve suficiente espírito para descobrir até um período bem recente” [I, I, 4; 1965, p.177; 1977, p.46], “da qual só se começou a ouvir falar quando a divindade da época contemporânea a revelou para nós” [II, VIII, 112; 1965, p.388; 1977, p.140]. Inversamente, a idéia de que os homens são originariamente livres e iguais e de que a origem dos governos é uma livre associação, isto é defendido de acordo com as mais antigas tradições: “A grande tese de Sir Robert Filmer é que os homens não são naturalmente livres (...) Se esse fundamento falha, todo o edifício desmorona com ele, e é preciso deixar os governos reencontrarem seus antigos modos de constituição por meio dos procedimentos voluntários e do consentimento dos homens, que se utilizam de sua razão para se unirem em sociedade”. (pág.9)
Inversamente, as críticas de Locke se inspiram numa problemática geral individualista e igualitária; aparecem como apologia da tradição inglesa da common law contra a “doença francesa” do absolutismo [Laslett in Locke,1965, pp.65ss] e contra as concepções jurídicas que a ele estão ligadas. Explica-se, assim, que, bastante freqüentemente, seja difícil saber se o adversário de Locke é Filmer ou Hobbes. (pág.10)
É preciso, ao mesmo tempo, retomar a doutrina do contrato social contra a idéia de que os homens não seriam naturalmente livres e, contrariamente a Hobbes, opor o espírito da common law ao absolutismo estatal. (pág.10)
“O homem goza da liberdade incontrolável de dispor de si mesmo ou de seus bens, mas não de destruir sua própria pessoa ou qualquer criatura que esteja sob sua posse, salvo se algum fim mais nobre do que apenas a conservação venha a exigi-lo. O estado de natureza é regido por um direito natural que se impõe a todos e somente recorrendo à razão, que é esse direito, a humanidade inteira aprende que, sendo todos iguais e independentes, ninguém deve lesar o outro na sua vida, na sua liberdade ou nos seus bens (...) Cada um se limita não somente a se conservar a si próprio e a não abandonar voluntariamente o meio onde subsiste, mas também, na medida do possível e todas as vezes em que sua própria conservação não está em jogo, a zelar pelo resto da humanidade; isto é, salvo para fazer justiça contra um delinqüente, não destruir ou enfraquecer a vida de outra pessoa, nem o que tende a preservá-la, nem sua liberdade, nem sua saúde, nem seu corpo, nem seus bens” (pág.10 e 11)
Em Locke, como em Hobbes, a origem do governo e da sociedade civil é portanto, em última análise, exatamente a necessidade de sair do “incessante conflito que nasce da própria lei natural”; quer dizer, do direito de cada um de fazer o que lhe parece conveniente para assegurar sua conservação [Strauss, 1954, pp.238-239]. Isso quer dizer que, por isso, a concepção de Locke sobre o estado de natureza seja incoerente e que a antropologia do II Tratado seja idêntica à do Leviathan? É preciso, aqui, distinguir realmente entre (a) o problema dos limites que as condições do contrato social impõem à soberania e (b) o problema das fontes do direito. (pág. 11)
Em Locke, como em Hobbes, a origem do governo e da sociedade civil é portanto, em última análise, exatamente a necessidade de sair do “incessante conflito que nasce da própria lei natural”; quer dizer, do direito de cada um de fazer o que lhe parece conveniente para assegurar sua conservação [Strauss, 1954, pp.238-239]. Isso quer dizer que, por isso, a concepção de Locke sobre o estado de natureza seja incoerente e que a antropologia do II Tratado seja idêntica à do Leviathan? É preciso, aqui, distinguir realmente entre (a) o problema dos limites que as condições do contrato social impõem à soberania e (b) o problema das fontes do direito.
O Estado absolutista, longe de aparecer como uma garantia contra o estado de guerra, representa de fato em si mesmo um estado de guerra entre os príncipes e o povo; isso porque a transgressão pelos poderes públicos dos limites da autoridade deles constitui um ato de guerra ou de rebelião contra o qual o povo pode legitimamente exercer um direito de resistência à opressão. (pág.10)
O povo, portanto, permanece sendo o juiz supremo quanto à maneira pela qual os governantes cumprem sua missão, já que ele é “a pessoa que lhes deu o poder e que guarda, nessa qualidade, a faculdade de revogá-los”. (pág.11)
A teoria de Locke apresenta uma originalidade dentro das concepções do século XVII; ela não se confunde nem com a de Hobbes [que identifica o contrato social com a formação do poder soberano], nem com as doutrinas que, como a de Pufendorf, distinguem entre um pacto de associação e um pacto de submissão: o vínculo entre o povo e os poderes públicos não é um contrato, mas um trust, isto é, uma missão de confiança ou um cargo que o povo confia àqueles que o representam. Dizer que existe entre o povo e o soberano um vínculo contratual seria realmente sugerir que, por um lado, o povo aliena sua soberania e, de outro, que os titulares do poder público tiram vantagens do contrato pelo qual eles se comprometem; essas duas teses seriam inaceitáveis para Locke: “Ainda que as partes possam estar ligadas entre si por uma relação contratual, os membros do povo não têm obrigação contratual para com o governo, e os governantes se beneficiam do governo somente como membros do «corpo político»”[I, 93]. São apenas deputados do povo, encarregados de missão para as quais podem ser mandados, embora possam falhar na sua execução [II, 240; P. Laslett in Locke, 1965, p.127]. (pág.12)
Existiria, assim, um Locke “socialista” e um Locke “capitalista”. Essas interpretações, porém, pecam por um certo anacronismo e principalmente negligenciam um aspecto essencial da doutrina, já que reduzem a propriedade à posse dos bens, enquanto Locke entende o termo propriedade num sentido muito mais amplo, que inclui “a vida, a liberdade e os bens” [II, cap.IX, § 123; 1965, p.395; 1977; p.146], isto é, tudo o que pertence como propriedade particular a um indivíduo e que não se poderia tirar dele sem o seu consentimento. A única propriedade privada original é para Locke a que cada um guarda de sua própria pessoa, sobre a qual “ninguém tem qualquer direito, só ele mesmo” (pág.15)
O “fato gerador do direito de propriedade” sobre os bens será portanto a atividade do indivíduo, o trabalho: “Todas as vezes que [o homem] faz um objeto sair do estado em que a natureza o colocou e o deixou, ele mistura aí seu trabalho, ele junta aí alguma coisa que lhe pertence e, a partir desse fato, ele se apropria desse objeto” (pág. 15 e 16)
A propriedade comum primitiva dos bens implica, assim, que a única propriedade privada original seja a que o indivíduo tem de sua própria pessoa; o indivíduo só se torna proprietário dos bens materiais, na medida em que transforma a natureza, segundo o desígnio de Deus. Parece, portanto, que, logicamente, a propriedade dos bens esteja subordinada à propriedade no sentido mais amplo, isto é, à conservação da vida e da liberdade. Mais ainda, é com a única condição de admitir o caráter derivado da propriedade dos bens, que se pode compreender porque o conceito de propriedade inclui “a vida, a liberdade e os bens”: a propriedade é o conjunto daquilo que se pode legitimamente retirar de um indivíduo sem seu consentimento. (pág.16)
Não devemos pensar, contudo, que a significação da obra de Locke se reduza a esse enraizamento histórico. A doutrina da propriedade está certamente bem no âmago do II Tratado do governo civil, mas a unidade do conceito de propriedade só pode ser pensado, se se admite a subordinação da propriedade dos bens à personalidade e à liberdade humanas. A propriedade, no seu sentido mais amplo, é portanto a tradução concreta da subjetividade e da liberdade, que não têm sentido se os produtos de minha atividade me são totalmente estranhos. Nesse sentido, a doutrina de Locke sobre a propriedade é estritamente análoga à sua concepção da autoridade política e à sua teoria do conhecimento: quer se trate de riquezas materiais, das instituições políticas ou das noções morais, é a subjetividade humana que é criadora e que funda o valor econômico, a legitimidade política ou a validade conceitual. Nessa filosofia, não é a hybris da filosofia que se desenvolve nem o sonho de dominação total ou do saber absoluto: trata-se, ao contrário, de disciplinar a razão e a vontade humanas, para impedir que as produções do indivíduo se tornem estranhas a ele e contra ele se voltem. Esse é talvez o último sentido da “racionalidade”. (pág. 17 e 18)

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