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Ville Radieuse e da Ci- dade-Jardim Radieuse. Analogamente, o pressuposto da separação - e da obtenção da ordem por meio da repressão a quaisquer planos, menos os dos urbanistas - foi transposto com facilidade para todos os tipos de funções urbanas; até hoje o plano diretor de uso do solo 26 MORTE EVIDA DE GRANDES CIDADES das metrópoles constitui-se basicamente de propostas de locali- zação de atividades - geralmente levando em conta os transpor- tes - de várias dessas escolhas "descontaminadas". De uma ponta a outra, de Howard e Burnham à mais recente emenda à lei de renovação urbana, toda a trama é absurda para o funcionamento das cidades. Não estudadas, desprezadas, as ci- dades têm servido de cobaia. 5. OS USOS DOS PARQUES DE BAIRRO Os parques de bairro ou espaços similares são comumente con- siderados uma dádiva conferida à população carente das cida- des. Vamos virar esse raciocínio do avesso e imaginar os parques urbanos como locais carentes que precisem da dádiva da vida e da aprovação conferida a eles. Isso está mais de acordo com a realidade, pois as pessoas dão utilidade aos parques e fazem de- les um sucesso, ou então não os usam e os condenam ao fracasso. Os parques são locais efêmeros. Costumam experimentar ex- tremos de popularidade e impopularidade. Seu desempenho nada tem de simples. Podem constituir elementos maravilhosos dos bairros e também um trunfo econômico para a vizinhança, mas infelizmente poucos são assim. Com o tempo, podem tornar-se mais apreciados e valorizados, mas infelizmente poucos duram tanto. Para cada Rittenhouse Square, na Filadélfia, ou Rocke- feller Plaza ou Washington Square, em Nova York, ou Boston Common, ou ainda seus amados equivalentes em outras cidades, há dúzias de vazios urbanos desvitalizados chamados parques, destruídos pela decadência, sem uso, desprezados. Como me disse uma mulher em Indiana, quando lhe perguntei se gostava dapraça da cidade: "Lá só ficam uns velhos indecentes, que cos- pem uma gosma de tabaco e tentam olhar por baixo da saia da gente." 98 MORTE EVIDA DE GRANDES CIDADES No planejamento urbano ortodoxo, as áreas livres dos bairros são veneradas de uma maneira surpreendentemente acrítica, qua- se como os selvagens veneravam fetiches'. Se perguntarmos a um construtor como fazer para melhorar seu projeto na cidade tradicional, ele responderá, como se fosse uma virtude patente: Mais Áreas Livres. Se perguntarmos a um técnico sobre os avan- ços nos códigos de zoneamento progressistas, ele mencionará, mais uma vez como uma virtude patente, os incentivos a Mais Áreas Livres. Se andarmos com um planejador por um bairro desvitalizado, já marcado por parques vazios e jardins descuida- dos cheios de papéis velhos, ele vislumbrará um futuro de Mais Áreas Livres. Mais Áreas Livres para quê? Para facilitar assaltos? Para haver mais vazios entre os prédios? Ou para as pessoas comuns usarem e usufruírem? Porém, as pessoas não utilizam as áreas li- vres só porque elas estão lá, e os urbanistas e planejadores urba- nos gostariam que utilizassem. Em certos aspectos de seu desempenho, todo parque urbano é um caso particular e desafia as generalizações. Além do mais, os parques grandes, como o Fairmount, em Filadélfia, o Central, o Bronx e o Prospect, em Nova York, o Forest, em St. Louis, o Gol- den Gate, em São Francisco, e o Grant, em Chicago - ou mesmo o Boston Common, menor -, diferem muito, de trecho para tre- cho, dentro de si próprios, e também recebem influências diver- sas das diferentes partes da cidade no seu entorno. Alguns dos fa- tores que interferem no desempenho dos grandes parques metro- politanos são muito complexos para que os abordemos na primei- ra parte deste livro; nós os analisaremos adiante, no Capítulo 14, A maldição das zonas de fronteira desertas. Não obstante, embora seja ilusório considerar um parque ur- bano uma duplicata real ou potencial de outro ou acreditar que as generalizações explicam inteiramente todas as peculiaridades de cada um deles, pode-se generalizar acerca de alguns princí- 1. P.ex.: "O Sr.Moses concordou que alguns dos novos conjuntos residenciais podem ser 'feios, padronizados, prosaicos, idênticos, homogêneos, inexpressivos'. Mas argumentou que esses conjuntos poderiam ser circundados por parques" - de uma reportagem do New York Times de janeiro de 1961. A NATUREZA PECULIARDAS CIDADES 99 pios básicos que afetam profundamente quase todos os parques urbanos. Além do mais, a compreensão desses princípios ajuda a entender um pouco as influências presentes em parques urbanos de todo tipo - de espaços que funcionam como extensão de ruas a parques amplos com as grandes atrações de uma metrópole, como zoológicos, lagos, bosques e museus. Os parques de bairro revelam certos princípios gerais do de- sempenho dos parques com mais clareza do que os parques es- pecíficos exatamente porque são o tipo mais numeroso de par- que urbano que possuímos. Normalmente se destinam ao uso tri- vial geral, como pátios públicos, seja a localidade predominan- temente ligada ao trabalho, predominantemente residencial, ou uma grande mistura. A maioria das praças enquadra-se nessa categoria de uso geral como pátio público; o mesmo ocorre com a maioria dos usos do solo projetados; e o mesmo ocorre com boa parte das áreas verdes que se aproveitam de acidentes naturais, como margens de rios ou topos de morros. A primeira precondição para compreender como as cidades e seus parques influenciam-se mutuamente é acabar com a confu- são entre os usos reais e os fantasiosos - por exemplo, a babosei- ra de ficção científica de que os parques são "os pulmões da cidade". São necessários cerca de doze mil metros quadrados de árvores para absorver a quantidade de dióxido de carbono que quatro pessoas geram ao respirar, cozinhar e aquecer a casa. São as correntes de ar que circulam à nossa volta, e não os parques, que evitam que as cidades sufoquem'. 2.,Los Angeles, que precisa da ajuda de um pulmão mais do que qualquer outra cidade dos EstadosUnidos, possui mais áreas livres que qualquer outra cidade grande; sua poluição atmos- férica deve-seem parte a peculiaridades locais de circulação do ar, mas também ao fato de ser uma cidade muito espalhada e à extensão das áreas livres. As grandes distâncias urbanas impli- cam um tráfego intenso de automóveis, e este, por sua vez, contribui com cerca de dois terços dos poluentes atmosféricos. Das mil toneladas de poluentes liberadas diariamente pelos três milhões de veiculos licenciados de Los Angeles, cerca de 600 toneladas são hidrocarbonetos, que podem ser eliminados em grande parte com a instalação de dispositivos nos escapamentos nosautomóveis. Porém, cerca de 400 toneladas são óxidos de nitrogênio, e, no momento em que escrevo, nem se iniciou a pesquisa de dispositivos capazes de reduzir a emissão dessas substâncias,O paradoxo do ar e das áreas livres - e não se trata, obviamente, de um paradoxo temporário - é este: nas cidades modernas, a copiosa distribuição de áreas livres propicia a poluiçãodo ar, em lugar de combatê-Ia. Ebenezer Howard dificilmente poderia ter previsto esse efeito, Masa previsão não é mais necessária; só a percepção tardia. 100 MORTE EVIDA DE GRANDES CIDADES Além disso, certa metragem de áreas verdes não fornece mais ar a uma cidade do que uma metragem equivalente em ruas. Sub- trair as ruas e adicionar sua metragem quadrada a parques ou esplanadas em conjuntos habitacionais não tem o mínimo efeito sobre a quantidade de ar fresco que uma cidade recebe. O ar não tem conhecimento algum dos fetiches das áreas verdes e é inca- paz de atuar de acordo com eles. Para compreender o desempenho dos parques é também ne- cessário descartar a falsa convicção de que eles são capazes de estabilizar o valor de bens imóveis ou funcionar como âncoras da comunidade, Os parques, por si sós, não são nada e menos