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O papel da linguística no ensino de línguas

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO 
DEPARTAMENTO DE LETRAS 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS E LINGÜÍSTICA 
NELFE – NÚCLEO DE ESTUDO LINGÜÍSTICOS DA FALA E DA ESCRITA 
 
 
O PAPEL DA LINGÜÍSTICA NO ENSINO DE LÍNGUAS1 
 
Luiz Antônio Marcuschi (UFPE / CNPq – 2002) 
 
 
1. O Tema e seu enfoque 
 
Esta exposição trata da relevância de alguns conceitos lingüísticos tidos hoje 
como centrais no tratamento da língua em sala de aula. É evidente que tanto 
esses conceitos como sua centralidade não são consensuais já que essa 
centralidade é definida com base em postulados teóricos aqui assumidos, que 
não se impõem naturalmente. Aliás, em questão de língua nada é natural2, tendo 
em vista ser a língua um fenômeno histórico, social e cognitivo. 
 
O que se terá aqui é uma reflexão sobre o papel da Lingüística em sala de aula, 
os modos de sua presença e o grau de suas influências. Paralelamente a essa 
tentativa de situar os conceitos dentro de uma perspectiva sócio-cognitiva 
defendem-se de maneira sistemática duas posições centrais: 
• primeiro, que ao se definir a "relevância da lingüística 
no tratamento da língua", redefine-se a própria noção de "ensino de 
língua" como uma questão de trabalho com e sobre a língua e, 
 
• segundo, que o tratamento3 da língua em sala de aula é uma 
questão, num certo sentido, principalmente lingüística (com 
tudo o que envolve o fenômeno linguagem) e não didática. 
 
 
1 Esta exposição contém a conferência pronunciada no 1º ENCONTRO DE ESTUDOS LINGÜÍSTICO-
CULTURAIS DA UFPE, Centro de Artes e Comunicação, Recife, 12 de dezembro de 2000. Publicada com 
pequenas mudanças na revista Investigações: Lingüística e Teoria Literária Vol. 13/14(2001):187-217 (Recife, 
PG em Lingüística-UFPE) e ainda da conferência pronunciada em juiz de Fora num simpósio sobre o livro 
didático, em 14 de março de 2002. Além disso, contém expressivos acréscimos a ambos bem como cortes 
significativos das duas conferências para ser exposta na FAFICA (Faculdade de Filosofia de Caruaru) em 
22/03/2002. 
2 Neste sentido distancio-me da perspectiva chomskyana que vê a língua como um fenômeno biológico, isto é, 
um órgão mental, sendo a Lingüística passível de ser vista como uma ciência natural e a linguagem poderia ser 
trabalhada no contexto da psicologia ou da biologia. 
3 Pela facilidade com que o termo “tratamento” pode induzir a uma falsa interpretação da idéia na linha de uma 
pretensa “higienização “ ou sanitarização” do processo de ensino, gostaria de evitar tal associação ou forma de 
ver a questão. O tratamento a que me refiro aqui é o trato, isto é, o trabalho, a análise, o estudo, a investigação e 
a observação do fenômeno em pauta, que no caso é a língua. 
 2
2. Pano de fundo e perspectiva 
 
Antes de qualquer outra observação, gostaria de frisar que esta não será uma 
exposição em Lingüística Aplicada4. Esta é simplesmente uma tentativa de 
identificar os papéis da lingüística no “ensino de língua” tendo por objetivo 
central compreender como se deu a correlação entre o desenvolvimento da 
pesquisa e sua aplicação ao ensino. Em geral, quando se tem um tema como 
este pensa-se na Lingüística Aplicada e, em particular, no Ensino de Língua 
Estrangeira, Segunda Língua ou Língua Materna.5 
 
Meu tema situa-se no recorte histórico contemporâneo e tem caráter teórico. 
Serve como uma pequena contribuição para discussão futura. Em síntese, após 
breves considerações gerais, concentro-me nestas três indagações: (a) quais as 
teorias mais adequadas para o trato da língua em sala de aula, se é que existe 
uma tal teoria; (b) qual a intensidade da presença de conceitos lingüísticos em 
sala de aula e (c) quais os aspectos teóricos que merecem mais ênfase. 
 
Seguramente, estas três indagações só serão respondidas na medida em que se 
der uma resposta a uma questão prévia de fundo que pode ser objeto de 
interminável discussão. Trata-se do problema dos objetivos do “ensino de 
língua”. Quanto a este aspecto, pelo menos em grandes linhas, podemos 
concordar com a sugestão feita pelo Documento oficial do MEC, “Matrizes 
Curriculares de Referência para o SAEB” (1999) que, em síntese, visa a 
fornecer elementos para a montagem de descritores para a avaliação de 
habilidades lingüísticas das 4ª e 8ª Séries do Ensino Fundamental e a 3ª Série 
do Segundo Grau. Lê-se nesse Documento que: 
 A finalidade do ensino de Língua Portuguesa, tal como vem sendo 
 tratada em diversas propostas curriculares, é criar situações nas quais 
 o aluno amplie o domínio ativo do discurso nas diversas situações 
 comunicativas, sobretudo nas instâncias públicas de uso da linguagem, 
 de modo a possibilitar sua inserção efetiva no mundo da escrita, 
 ampliando suas possibilidades de participação social no exercício da 
 cidadania.(p 13) 
 
Para tanto, o mesmo documento considera a língua como “trabalho”, atribui-lhe 
“dimensão histórica”, privilegia a “análise da dimensão discursiva e pragmática 
 
4 Creio de direito lembrar aqui que um dos primeiros trabalhos sistemáticos sobre Lingüística Aplicada no 
Brasil foi a tese de doutorado de meu colega o prof. Francisco Gomes de Matos defendida em 1973 na PUC/SP 
e publicada em 1976 sob o título Lingüística Aplicada ao Ensino de Inglês. (São Paulo, Ed. Mc Graw-Hill do 
Brasil). 
5 A rigor, a Lingüística Aplicada (LA) abrange uma enorme quantidade de questões que vão muito além do 
ensino de língua em si. Já no ensino de línguas a LA ocupa-se com: análise contrastiva, análise de erros, ensino 
de 2ª língua, ensino de língua estrangeira, ensino de língua materna, aquisição da sintaxe, pronúncia, léxico etc., 
bilingüismo, política lingüística, minorias lingüísticas, preconceito lingüístico, norma lingüística e assim por 
diante. 
 3
da linguagem” situada em contextos da vida diária como “prática social”. Em 
suma, sugere a formação de um cidadão habilitado a usar de modo adequado 
sua língua em situações cotidianas dos mais diversos tipos para ler e ouvir, falar 
e escrever. O documento evita separar a leitura e a produção de texto em duas 
áreas diversas e caracteriza o conhecimento lingüístico como “operacional”, isto 
é, integrado à atividade social do indivíduo inserido em seus contextos culturais 
e necessidades práticas. A rigor, o documento é politicamente correto e 
teoricamente adequado. 
 
Neste contexto, torna-se relevante frisar, até como forma de contraste, a posição 
maleável desse documento oficial que inaugura nova e promissora perspectiva 
pelo menos na intenção. Pois é notório que a escola oficial, enquanto aparato 
educacional, no Brasil, sempre se apresentou, desde o século XVIII, como 
guardiã da língua escrita padrão, postulando a idéia de uma unidade lingüística 
nacional e, até, transnacional. A escola não só se arvorou em guardiã da língua 
como de suas normas e de suas formas mais prestigiosas. Reproduziu modelos 
idealizados e que devem ser continuados como forma de garantia da boa 
expressão e manutenção de valores culturais desejáveis por todos os cidadãos. 
O curioso é que este tipo de raciocínio lapidar é ao mesmo tempo lapidarmente 
vesgo na medida em que esquece que a própria norma lingüística ensinada no 
Brasil é derivação de derivas históricas. A rigor, sem que se dê conta, essa 
mesma escola vai preservando a variação e a mudança. 
 
Antes de iniciar a exposição, lembro o que afirmou Magda Becker Soares 
(1998) em palestra na PUC-SP, ao discorrer sobre as “Concepções de 
linguagem e o ensino de Língua Portuguesa”.6 Para a Autora, há diversas 
perspectivas das quais se pode fazer uma reflexão sobre o ensino: a perspectiva 
da própria ciência, ou então as perspectivas psicológica, política, social, 
cultural e histórica. No presente caso, vou tratar meu tema da perspectiva da 
própria ciênciae da perspectiva sócio-histórica. Preocupa-me como o saber 
escolar, na sua relação com o saber científico, foi se constituindo ao longo do 
tempo. Mas isto não significa que ignore a relevância das demais perspectivas. 
 
Os estudos do português, sob o seu aspecto filológico, já vinham se 
desenvolvendo nos meados do século XIX e, com sucesso, já mapeavam os 
falares e as diversas línguas em suas peculiaridades com descrições 
dialetológicas e históricas tendo como metodologia básica de trabalho o 
Comparativismo essencialmente histórico e descritivo. Temos dessa época 
muitos trabalhos sobre a relação do Português do Brasil e o Português de 
Portugal. 
 
6 Refiro-me ao trabalho de Magda Becker Soares. 1998. Concepções de linguagem e o ensino de Língua 
Portuguesa. In: Língua Portuguesa. História, Perspectiva, Ensino. Org. por Neusa Barbosa Bastos. São Paulo, 
EDUC-;IP-PUC/SP, pp. 53-60. 
 4
 
A perspectiva é ainda pré-estruturalista porque não distingue níveis de análise 
nem se dá ao trabalho do estudo sincrônico. Depois surge a perspectiva 
estruturalista que dominará durante o século XX até os anos 60 para dar lugar a 
uma visão multifacetada e pós-estruturalista, a partir dos anos 60, com o 
surgimento da pragmática, sociolingüística, psicolingüística, etnometodologia e, 
mais recentemente, o cognitivismo, que desembocam nas mais diversas 
correntes que hoje tanto influenciam o ensino. 
 
Diante desse quadro, num primeiro momento, gostaria de refletir brevemente 
sobre os dois pólos extremos da trajetória histórica do ensino de língua no 
Brasil. 
 
3. Das Crestomatias aos Parâmetros Curriculares Nacionais 
 
Se observarmos os manuais usados pelas escolas do século XIX até o primeiro 
quartel do século XX, constatamos que, no Brasil, eles praticamente inexistem 
na forma como os conhecemos hoje.7 Tirante as Cartilhas de Alfabetização, 
para os demais níveis nos Ginásios e Cursos Normais, a língua é tratada com 
base em Florilégios, Crestomatias, Antologias e Seletas de textos escolhidos 
entre Narrativas, Lendas, Fábulas, Moral, Religião, Geografia, História, 
Biografias, Apólogos, Romances, Sonetos, Poesia lírica, épica, Sátiras etc. de 
consagrados autores brasileiros e portugueses ou de traduções. É a perspectiva 
do guardião da boa linguagem. 
 
Exemplo típico dessas obras é a famosa Crestomatia de Radagasio Taborda, de 
1931, da Editora Globo, que em 1953 atingia a sua 25ª edição com 140.000 
exemplares vendidos. Investigações realizadas nos últimos tempos pela Câmara 
do Livro dão conta de que cerca de 70% do mercado livreiro no Brasil constitui-
se de obras didáticas, o que é admirável, já que tem o próprio Estado brasileiro 
(governos municipais, estaduais e federal) como comprador. Adotada na 
maioria das Escolas Normais e nos Ginásios do Brasil, essa obra seguia os 
preceitos do Ministério da Educação publicados no Diário oficial de 31 de julho 
de 1931, que determinavam como deveria ser o ensino do Português nas três 
primeira séries do ensino fundamental. 
 
Entre outras coisas, preceituava-se ali que 
 
7 A título de observação histórica, lembro que em Portugal havia, desde inícios do século XIX políticas públicas 
para o ensino de língua nos Cursos de Escolas Normais nos Liceus. Neste sentido, lembro aqui o famoso manual 
de Francisco José Monteiro Leite, Grammatica Portugueza dos Lyceus, em que se contém toda a doutrina 
exigida pelo último programma official, organisado pelo Conselho Superior d’Instrução Publica. Porto, 
Livraria Civilisação, 1887. O manual segue as normas para o ensino de língua portuguesa ditadas pelo Conselho 
Superior d’Instrução Publica, de outubro de 1886, que revia instruções anteriores. Essas normas não eram 
conceituais, mas constituíam o programa completo a ser nacionalmente adotado em cada nível de ensino. 
 5
 O programa dessa cadeira tem por objetivo proporcionar ao estudante 
 a aquisição efetiva da língua portuguêsa, habilitando-o a exprimir-se 
 corretamente, comunicando-lhe o gosto da leitura dos bons escritores e 
 ministrando-lhe o cabedal indispensável à formação do seu espírito, bem 
 como à sua educação literária. (p. V) 
De certo modo, este início do documento frisa um tratamento da língua voltado 
para a leitura e a imitação do bom autor. Se analisarmos as breves exposições 
teóricas iniciais da obra, veremos que elas se voltam para a boa pronúncia e a 
boa leitura e todos os seus preceitos. É curioso notar que em vários momentos, 
o documento oficial do MEC, de 1931, deixa claro que o ensino de língua, pelo 
menos nas primeiras séries, não deveria concentrar-se na gramática e sim na 
leitura de textos. Veja-se esta passagem: 
 Nas duas primeiras séries do curso, o ensino será acentuadamente 
 prático, reduzidas ao mínimo possível as lições de gramática e 
 transmitidas por processos indutivos. (p. V) 
A “correção da linguagem” dar-se-ia na leitura e na conversação sobre os 
textos lidos e nas suas reproduções orais que preparariam as reproduções 
escritas em séries mais avançadas. Para o legislador de então, “o professor 
procurará tirar o máximo proveito da leitura, ponto de partida de todo o 
ensino”, por oferecer um “manancial de idéias” e preparar a percepção e 
imitação do bom estilo de escrever. A gramática não é, pois, o ponto base do 
ensino, já que os “fatos gramaticais” presentes nos textos lidos jamais deveriam 
ser “apresentados ‘a priori’, mas derivados naturalmente das observações 
feitas pelo próprio aluno” (p. V). Por fim, lembra o documento que “somente 
na quarta série começará a redação livre, dando-se-lhe daí por diante, até o 
termo do curso, maior atenção.” (p.VI) Em suma, o ensino deve concentrar-se 
na exposição do aluno aos bons textos da tradição literária para conservar a 
própria tradição, como se a língua fosse homogênea e estável, sem variações 
nem mudanças ao longo da história. 
 
Lembro ainda outra obra muito conhecida, a Seleta em Prosa e Verso, [1884] 
de Alfredo Clemente Pinto, Editada pela Martins Livreiro, de Porto Alegre, que 
em 1980 atingia a 55ª edição e ainda era usada em vários colégios. Entre as 
recomendações da primeira edição estão estas: 
“Para que, porém, o nosso trabalho produza os resultados que tivemos em 
vista ao compilá-lo, pedimos aos Senhores professores façam estudar de 
cor aos seus discípulos bom número de trechos, tanto em prosa como em 
verso, que a experiência tem mostrado ser este estudo de grande vantagem 
para os mesmos discípulos, os quais assim, sem muito esforço adquirirão 
uma dição correta e elegante, e dilatarão o círculo de suas idéias, 
aprendendo ao mesmo tempo a combiná-las convenientemente.” 
Esta é uma postura que irá mudar sensivelmente no futuro. Pois ela se baseia 
simplesmente na idéia de que a língua é uma espécie de relicário no qual 
 6
acham-se depositados os tesouros do conhecimento a que necessitamos ter 
acesso. Esquece-se a formação crítica do cidadão e o exercício da reflexão. 
 
Bastem essas poucas observações para que se tenha uma noção mesmo que 
vaga de um longo período de ensino que vai desde o final do séc XVIII até os 
meados do século XX com ênfase na leitura e reservando a produção textual 
para níveis mais elevados. Acreditava-se no aprendizado pela exposição à boa 
linguagem e na existência de uma língua homogênea, unificada e não 
problemática. 
 
Isso mudará sensivelmente a partir dos meados do séc. XX, com o surgimento 
de manuais sistemáticos, para se chegar, nesta última década, a um documento 
oficial por parte do MEC, requintado e recheado de teorias, constituindo-se num 
antípoda das Crestomatias. Refiro-me aos PCN – Parâmetros Curriculares 
Nacionais, que assim iniciam o capítulo sobe o “ensino e a natureza da 
linguagem”: 
 “O domínio da linguagem, como atividade discursivae cognitiva, e o 
 domínio da língua, como sistema simbólico utilizado por uma 
 comunidade lingüística, são condições de possibilidade de plena 
 participação, social. Pela linguagem, os homens e as mulheres se 
 comunicam, têm acesso á informação, expressam e defendem pontos de 
 vista, partilham ou constroem visões de mundo, produzem cultura.” 
 (PCN, 1998, 5ª a 8ª, p. 19). 
O mesmo documento preceituará, logo em seguida que: 
 “O objeto de ensino e, portanto, de aprendizagem é o 
conhecimento lingüístico e discursivo com o qual o sujeito opera ao 
participar das práticas sociais mediadas pela linguagem. Organizar 
situações de aprendizado, nesta perspectiva, supõe: planejar situações de 
interação nas quais esses conhecimentos sejam construídos e/ou 
tematizados; organizar atividades que procurem recriar na sala de aula 
situações enunciativas de outros espaços que não o escolar, 
considerando-se sua especificidade e a inevitável transposição didática 
que o conteúdo sofrerá; saber que a escola é um espaço de interação 
social onde práticas sociais de linguagem acontecem e se 
circunstanciam, assumindo características bastante específicas em 
função de sua finalidade: o ensino.” (p.22) 
 
Como se nota, os enfoques do ensino e da língua mudam radicalmente e já não 
são mais os bons textos, como veremos logo mais, que entram na análise, mas 
sim toda a produção lingüística em sua múltipla variedade, envolvendo os mais 
diversos gêneros textuais tanto na oralidade como na escrita. Além disso, são 
levadas para a escola situações d vida real, ou seja, a escola vai à rua e busca 
entender o que acontece e preparar o cidadão para entender o que ali se passa. 
 7
 
O que se deve frisar, para além dessas novidades, é que os PCN não trazem um 
programa para o ensino e sim uma visão conceitual que deverá orientar o 
ensino. Contudo, logo em seguida surgem documentos que enrijecem os PCN e 
produzem verdadeiros programas nem sempre no espírito da proposta original. 
 
São, pois, de data recente, com menos de 50 anos, os manuais de ensino de 
língua tal como os conhecemos hoje. O formato atual dos manuais, com 
exercícios estruturados em determinados grupos de problemas de acordo com as 
formas de análise lingüística, e orientações ao professor, prolifera depois dos 
anos 60. Seguramente, a regulamentação dos Cursos de Letras e a introdução de 
determinadas matérias no currículo mínimo, tal como a Lingüística (em 1961), 
são responsáveis por boa parte desse desenvolvimento e até mesmo pela sua 
orientação. 
 
Também não se pode esquecer que entre muitas outras decisões oficiais do 
Conselho Federal de Educação para regular o ensino de língua, surge, em 1958, 
por iniciativa do MEC, um documento sugerindo uma terminologia oficial para 
o estudo e descrição do português, chamado NGB – Norma Gramatical 
Brasileira, imediatamente adotado por todas as gramáticas escolares, 
gramáticas descritivas e dicionários. 
 
Ainda dentro deste pequeno excurso histórico que estou traçando, haveria 
algumas outras datas marcantes a serem apontadas como emblemáticas. Entre 
elas, lembraria as seguintes, algumas mais antigas e outras mais recentes: 
• Em 1881, surge a Gramática Portuguesa de Júlio Ribeiro e, na sua 
esteira, muitos estudos filológicos que se dedicarão inclusive ao 
problema central da relação entre o Português do Brasil e de 
Portugal. 
• Em 1896-97, é fundada a Academia Brasileira de Letras, que 
passa a legislar em questões de língua ao lado das Academias 
Portuguesas. 
• Em 1941, é editada a 1ª edição da obra Princípios de Lingüística 
Geral, de Joaquim Mattoso Câmara Jr,8 com 2ª edição revista e 
aumentada em 1954, o primeiro e mais influente manual de 
Lingüística por muito tempo no Brasil. 
 
8 Aparentemente insignificante, esse aspecto é fundamental. Veja-se o prefácio de Sousa da Silveira, à primeira 
edição da obra de Mattoso Câmara, onde se diz que Joaquim Mattoso Câmara Jr. deu, em 1938 um Curso de 
Lingüística na Faculdade de Filosofia e Letras do então Distrito Federal – Rio de Janeiro -. Este deverá ter sido 
o primeiro curso formalmente realizado na área, no Brasil. O livro de 1941 é o reflexo das lições que vinham 
sendo ministradas desde aquele primeiro curso. 
 8
• Em 1958, surge, por iniciativa do MEC, a NGB – Norma 
Gramatical Brasileira, com uma terminologia oficial para o 
estudo e descrição do português. 
• Em 1961, por decisão do Conselho Federal de Educação, torna-se 
obrigatória a introdução da Lingüística no Currículo Mínimo dos 
Cursos de Letras, incentivando seu estudo. 
• Em 1963, surge o primeiro Curso de Pós-Graduação em 
Lingüística em Brasília, que por razões políticas terá curta duração 
(1963-1965). Hoje eles chegam a mais de 70 em Mestrado e cerca 
de 50 em Doutorado. 
• Em 1969, surge a Associação Brasileira de Lingüística e as 
primeiras revistas da área9. Inicia-se a profissionalização na área e 
o incentivo a projetos financiados. 
• Em 1998, são editados os Parâmetros Curriculares Nacionais de 
Língua Portuguesa. Um volume para 1ª - 4ª Séries e outro para 5ª-
8ª Séries e um último para o 2º Grau. 
 
Eduardo Guimarães (1996 e 2000), em trabalho de análise e periodização dos 
estudos lingüísticos e filológicos no Brasil10, constata que entre 1500 e 1900 se 
dá a grande discussão para estabelecer alguma ordem lingüística no país e ao 
mesmo tempo ir demarcando os desalinhamentos do Português do Brasil em 
relação ao português de Portugal. Quanto a isso é interessante notar como os 
estudos do Português no Brasil são marcados nesse início pela consciência da 
diferença que se estabelecia tanto com Portugal (influência de línguas indígenas 
e africanas), como dentro do próprio Brasil (formação de variedades 
dialetológicas). Não obstante isso, a oficialidade sempre frisou a 
homogeneidade e unidade lingüística, até mesmo com além-mar. O século XIX 
será o dos estudos e propostas de gramáticas e dicionários com descrições mais 
refinadas já suportadas por princípios e teorias lingüísticas vindas da Europa e 
dos Estados Unidos. O século XX é o da sistematização dos estudos e explosão 
de linhas teóricas, bem como a diversificação dos pontos de vista, chegando-se 
ao momento atual em que se torna quase impossível uma visão de conjunto na 
área dos estudos lingüísticos. 
 
 
9 Não estou fazendo um capítulo de História da Lingüística (para tanto basta ver a proveitosa obra de C. 
ALTMAN, 1997), mas observo que hoje temos mais de uma centena de revistas de Lingüística no Brasil e mais 
de 40 sociedades científicas nacionais ou regionais. Temos mais de 2000 doutores e cerca de 10000 mestres, o 
que dá a dimensão dessa área com cerca de 260 Cursos de Graduação e 70 de Pós-Graduação. 
10 Para Guimarães (1996 e 2000), pode-se identificar 4 períodos no desenvolvimento dos estudos lingüísticos 
(da língua portuguesa e de Lingüística) no Brasil. Em síntese, seriam: (1) Do séc XVI a meados do séc. XIX: 
poucos estudos sobre o Português no Brasil; (2) de meados do Séc. XIX até os anos 30 do séc XX: criação dos 
cursos de Letras e grande incentivo aos estudos d variação lingüística; (3) da década de 40 até meados da década 
de 60 do séc XX: obrigatoriedade da lingüística nos Cursos de Letras e implantação da PG em Lingüística; (4) 
dos anos 70 do séc. XX até hoje: expansão e ampliação dos cursos de Lingüística e das teorias bem como das 
investigações. 
 9
Estas observações foram aqui feitas apenas com o intuito de sugerir que, em 
grandes linhas e numa visão macro, o tratamento escolar da língua no Brasil de 
um modo geral reflete uma relação bastante estreita com os avanços científicos, 
mesmo que com certa defasagem. Portanto, o problema não está nessa 
influência ou relação e sim na natureza dessa relação e nas escolhasteóricas e 
sua utilização. Observou, com sarcasmo, certa vez, Nelson Rossi [1969:28], eu 
seu relatório sobre a situação da Lingüística no Brasil, na década de 60, que 
 “a Lingüística no Brasil, graças não exclusiva mas principalmente à 
 obrigatoriedade desde 1962 do seu ensino em nossos cursos superiores 
 de Letras, está na moda (grifo do autor). Exerce um verdadeiro fascínio 
 sobre jovens professores de línguas estrangeiras ou do vernáculo e se 
 predispõem a absorver sofregamente o último –ismo lingüístico que lhes 
seja oferecido, com o ardor característico dos neoconversos.” 
E concluía o autor que o ambiente era favorável a um belo florescimento da 
disciplina. Hoje, ao lado dessa profecia podemos acrescentar que o incremento 
dos estudos lingüísticos influenciaria várias outras atividades, em especial o 
tratamento de língua desde a alfabetização até o final do Segundo Grau, 
entrando também nas universidades. 
 
4. Os estudos da língua no início do século 
 
Se observarmos a Lingüística tal como ela se autodefiniu no início do século 
XX, na Europa e nos EUA, vamos constatar que a ponte entre a teoria e a 
prática foi minada logo de saída. Pois, com Saussure, a lingüística se 
autodeterminava como o estudo das formas e das estruturas do sistema 
lingüístico, optando pelo caminho de uma ciência o mais abstrata possível, 
quase formal.11 Esta não foi seguramente uma decisão isolada, mas comum ao 
conjunto das Ciências Humanas num século marcado pelo positivismo. Isto 
acarretou uma visão objetivista da linguagem ao se privilegiar a análise da 
língua como um constructo formal. Era um ideal de ciência que tanto marcaria o 
século XX e lhe legaria uma metodologia científica hegemônica baseada num 
verificacionismo empírico-formal. 
 
Surgiu daí a noção de língua como sistema de regras e a noção de que o objeto 
da lingüística não era a produção concreta e histórica, embora essa fosse 
primordial. Saussure mandava analisar a fala não enquanto fenômeno empírico 
e situado, mas como constructo social, somatório das individualidades e acima 
 
11 Ressalvo aqui que estas observações são sumárias e não pretendem ter a consistência de um capítulo de 
História da Lingüística. Se quiséssemos ser absolutamente justos, deveríamos lembrar que, na Alemanha, Karl 
Bühler [1934] lançava, com sua Spachtheorie, uma obra que ainda hoje contém elementos atuais e inaugurava 
uma nova perspectiva de se fazer Lingüística, com sensibilidade para o estudo da pragmática e dos aspectos 
sócio-cognitivos. Já a posição de Ferdinand de Saussure [1915] em seu Cours de Linguistique Générale, tinha 
um similar na perspectiva formal, em Language, de Leonard Bloomfield [1933] nos Estados Unidos da 
América, postulando posições que por longo tempo foram tidas como behavioristas. 
 10
das idiossincrasias.12 Não era a fala e sim um ideal de fala ou uma fala 
idealizada, que também não chegava a ser a escrita. Sugeria o recorte 
sincrônico em detrimento da diacronia, evitando a observação dos dados em sua 
variação empírica. Instaurou as mais diversas dicotomias que fariam fortuna por 
mais de meio século. Assim, em Lingüística, tudo iniciava com um freio na 
observação do uso e da variação. 
 
No meu entender, parece necessário refletir formas de superar particularmente a 
dicotomia entre teoria e prática e perceber a unidade que existe entre diacronia e 
sincronia, função e valor, forma e conteúdo, sujeito e objeto, objetivo e 
subjetivo, individual e social, racional e emocional, natural e cultural e assim 
por diante. Essa superação das dicotomias se dará na medida em que as 
tornarmos desnecessárias pela natural visão holística e globalizante dos 
fenômenos e não pela opção por um de seus pólos. Com a superação, teremos 
desenhado uma nova forma de fazer ciência, assim como se vem operando 
desde os anos 80 do século XX. 
 
5. Língua como fator de identidade 
 
Ainda não foi feita, mas seria esclarecedora uma investigação sobre o 
desenvolvimento da Lingüística no século XX na sua relação direta ou indireta 
com os manuais e materiais de ensino de língua. Se formos observar o que 
ocorria no final do século XIX no ensino de língua e que perduraria até os anos 
40 do século XX, particularmente no Brasil, veremos que inexistem manuais ou 
gramáticas pedagógicas tais como as que conhecemos hoje. Como bem nota 
Soares (1998:55), a denominação da disciplina “Português” ou “Língua 
Portuguesa” só passou a existir nas últimas décadas do século XIX, sendo que 
“até então, a língua era estudada na escola sob a forma das disciplinas 
Gramática, Retórica e Poética” (ênfase acrescida). O ensino de língua, no 
Brasil-Colônia “restringia-se à alfabetização” e quando se prolongava um pouco 
mais era para “o estudo da gramática da Língua Latina, da retórica e da poética” 
(Soares, 1998:54). 
 
Com a Reforma Pombalina, em 1759, deu-se início ao estudo da Língua 
Portuguesa no mesmo estilo da Língua Latina: Gramática, Retórica e Poética, 
imitando os bons escritores. Para tanto, existiam os Florilégios, as Seletas e as 
famosas Antologias ou Crestomatias com seleção de textos clássicos da 
literatura.13 Seguiam-se os preceitos da Filologia que comandava então o estudo 
 
12 Não defendo esta posição como a única, pois hoje há inúmeras revisões de Saussure que tentam mostrar uma 
outra realidade sugerindo ter sido Saussure mal-interpretado em seus postulados teóricos básicos. 
13 Magda B. Soares (1998:55) cita a Antologia Nacional, de Fausto Barreto e Carlos de Laet publicada em 1895 
e que até os anos 60 deste século teve 43 edições; Também havia a Gramática expositiva, de Eduardo Carlos 
Pereira, publicada em 1907 com dezenas de edições. Nos anos 40 foram editadas muitas gramáticas, tais como 
O Idioma Nacional, de Antenor Nascentes; Gramática Normativa da Língua Portuguesa, de Francisco da 
 11
da língua. A idéia era a de que a língua formava um grande quadro da 
identidade nacional e era o depositário da cultura nacional. E esta se 
expressava na Literatura de um povo, que devia ser imitada. Era ainda o ideal 
greco-latino do ensino de língua. Na língua estaria o patrimônio e a pátria de um 
povo, e até mesmo a visão de mundo que o animava, tal como postulara 
Humboldt. Em certo sentido isto perdura ainda hoje nas Academias e nas visões 
mais conservadoras que não admitem outro ensino a não ser o da língua dita 
padrão e exemplar de nossos melhores e mais consagrados autores. 
 
6. Língua como sistema de regras 
 
A noção culturalista e antropológica (o classicismo culturalista) muda apenas 
nos anos 20 do século XX, mas sua repercussão no ensino se dará muito mais 
tarde, por volta dos anos 50, quando se unificam os livros de gramática com os 
textos literários.14 Surgem no mundo todo os livros didáticos com uma 
pedagogia da língua. Na teoria lingüística, com Saussure, Bloomfield e Bühler, 
deslocava-se a visão da cultura para o sistema. A filologia dá lugar, 
lentamente, ao estruturalismo lingüístico e os estudos diacrônicos vão cedendo 
lugar aos sincrônicos. A historicidade vai dando lugar à sistemicidade. Como 
exemplo, pode-se citar o caso da semântica histórica definida e desenvolvida 
tão bem por Michel Bréal no final do século XIX e que será até mesmo excluída 
dos estudos lingüísticos por Saussure. O ensino de língua capitaliza esta visão 
popularizando-a nas gramáticas pedagógicas com o predomínio do ensino da 
gramática, esquecendo até mesmo a Literatura em muitos casos. É o triunfo da 
idéia da língua como sistema de regras, que poderia ser estudada 
imanentemente já que teria um determinado grau de estabilidade interna, 
estruturação e imanência significativa.15 
 
Neste período o estruturalismo chega ao máximo nas análises fonológicas, 
morfológicas e sintáticas da língua, esquecendo-seem boa medida os aspectos 
semânticos, pragmáticos, sociais, discursivos e cognitivos que iriam ser 
incorporados seqüencialmente, nos anos seguintes, aos estudos científicos da 
língua.16 Dos anos 1910 aos anos 1950 predominavam os estudos no plano 
 
Silveira Bueno; Gramática metódica da Língua Portuguesa, de Napoleão Mendes de Almeida. Será só nos anos 
60 que gramática e antologia constituirão um único livro. 
14 A predominância de exemplares textuais literários e absoluta exclusão de gêneros comunicativos de uso, tais 
como cartas, reportagens de jornais, notícias, documentos etc. se fará presente até os dias atuais. No momento, 
nota-se uma mudança nesta perspectiva, como se verá adiante. 
15 Não se deve esquecer que no caso das línguas estrangeiras (e seguramente também no caso das línguas 
maternas) predominava a psicologia de natureza behaviorista que dominou o século XX desde o seu início até 
os anos 50 quando Chomsky deu argumentos suficientes para abalar a crença na educação montada em 
processos de adestramento. 
16 Do ponto de vista da situação do ensino de Português no Brasil, Soares (1998:55-60) identifica três 
momentos, cada qual com sua compreensão de língua: 
 12
descritivo e explicativo das formas, ligados à imanência e autonomia do 
sistema, sem a percepção dos atores e usuários da língua. Era o ensino de uma 
língua descarnada e que parecia agir por si só. 
 
No caso do ensino de línguas estrangeiras, a concepção de língua como sistema 
conduziu a muitos trabalhos de Lingüística Contrastiva, mostrando como as 
línguas variavam em suas relações sistemáticas, o que era de grande utilidade 
para o ensino na base dos contrastes (restritos ao plano da forma), seja do ponto 
de vista fonológico, morfossintático ou lexical. Mais do que uma disciplina, a 
análise contrastiva foi tida como um método de análise e sua tradição vem de 
longa data, desde o final do século XIX. Teve grande influência no ensino de 
língua e se estendeu para além da questão do sistema, tendo seus melhores 
frutos na análise comparativa do ponto de vista sociocultural que é o mais 
complexo na aprendizagem de línguas. Esta visão dos contrastes interculturais 
só ocorre no último quartel do século XX. 
 
Do ponto de vista da concepção de língua como sistema, não convém esquecer 
uma perspectiva de análise que foi praticada nos anos 60-70, denominada 
análise de erros.17 Tratava-se de uma investigação sistemática dos tipos de 
erros e suas causas, em especial no caso de falantes de segunda língua (falantes 
de línguas não nativas). Esse estudo ligava-se à análise contrastiva há pouco 
lembrada e postulava que os erros se deviam a pelo menos dois fatores básicos: 
(a) generalização excessiva e (b) transferência de propriedades de uma 
língua para outra. Contudo, tanto a análise contrastiva como a análise de erros 
se mostraram pouco produtivas tendo em vista que detectavam contrastes que 
 
(1) de meados do século XIX até os anos 50-60, em que predominou a noção de língua como 
sistema; aqui o estudo se dava no reconhecimento das normas e regras da língua e dos 
bons escritores; 
(2) o segundo momento foi o dos anos 60 ao final dos anos 80 com as novas condições sócio-
políticas que conduziram até mesmo à mudança do nome da disciplina para Comunicação 
e Expressão, nas quatro primeiras séries e Comunicação em Língua Portuguesa, da 5ª à 
8ª série do primeiro grau e, Língua Portuguesa e Literatura Brasileira, no segundo grau. 
Aqui a língua era vista como instrumento de comunicação, e todo o aparato teórico foi o 
da teoria da comunicação que tomou conta do ensino de língua com suas noções de 
emissor-codificador e receptor-decodificador. O saber a respeito da língua não era o 
centro do ensino, mas sim a compreensão e o estudo dos códigos comunicacionais; 
(3) o terceiro momento inicia no final dos anos 80 e perdura até hoje com a influência das 
novas teorias lingüísticas tais como a Lingüística de Texto, Análise da Conversação, 
Sociolingüística, Psicolingüística etc. Cai a denominação anterior e volta a disciplina de 
Língua Portuguesa ou simplesmente Português. Surge aqui o predomínio do estudo da 
unidade textual, dos processos de produção e compreensão textual e a língua é vista como 
uma atividade sócio-cognitiva. 
17 Obra seminal e de grande interesse nesta área foi a de Robert Lado. 1957. Linguistics across cultures. 
University of Michigan Press. É importante que se frise a este propósito que a noção de erro não é algo 
produtivo nem positivo, pois é uma avaliação. Na realidade, um erro ou desvio não passa de um percurso quase 
necessário na aprendizagem, de modo que ele pode ser visto como um indício de aprendizagem e não como algo 
a ser necessariamente corrigido. Esta é uma posição sensatamente lembrada por Hakan Ringbom. 1995. Error 
Analysis. In: Handbook of Pragmatics. Ed. Por J. Verschueren, Jan-Ola Östman, J. Blommaert. Amsterdam, 
John Benjamins, pp. 581-583. 
 13
explicavam as dificuldades na base do sistema (o que implica uma 
supersimplificação das questões de língua em geral) quando o problema residia 
em outros lugares, por exemplo, na questão interativa, nos contextos, nas 
intenções, enfim na produção de sentido situada.18 Hoje, a análise de erros e a 
análise contrastiva no ensino de L2 estão fora de cogitação. 
 
Frise-se que esta noção da língua como sistema de regras também traz o 
inconveniente de estar profundamente envolvida com a metáfora do canal ou do 
conduto. Para essa visão, a língua é uma espécie de sistema de transporte que 
conduz as idéias da cabeça ao papel e vice-versa. Também conduz de uma 
mente à outra e sempre com objetividade e muita eficácia. Trata-se de uma 
visão em que não há um lugar definido para o sujeito, a sociedade, a interação, a 
história e a cognição, entre outros aspectos que se podem apontar. 
 
7. Língua como fenômeno social 
 
A visão estruturalista, embora tenha produzido notáveis resultados e 
conhecimentos nada desprezíveis, vai cedendo lugar a novas perspectivas e seu 
auge se dá no final dos anos 60, quando a idéia de variação lingüística obriga a 
que se volte o olhar para outros aspectos. Contudo, já bem antes disto, ainda nos 
meados do século XIX, frutificavam os estudos dialetológicos que mostravam 
como a língua variava geograficamente e os falantes não tinham uma unidade, 
seja do ponto de vista lexical ou fonético. Mudavam as pronúncias e outros 
aspectos da língua, mas isso não passava para o ensino e ficava no 
conhecimento dos filólogos que utilizavam estes elementos para seus estudos 
históricos. 
 
Com o aparecimento da idéia de que a variação lingüística era uma contraparte 
da variação social, como postulavam Weinreich, Labov, Waletzky, Fishman, 
Fisher, Gumperz, Dell Hymes, nos meados dos anos 60, surge uma perspectiva 
nova para o ensino. Assim se dá o lançamento oficial da Sociolingüística em 
suas várias vertentes, seja a variacionista ou culturalista.19 Surge daí uma 
perspectiva mais sistemática de considerar a língua como fato 
 
18 É interessante notar que a análise de erros foi aplicada mais à fonologia, morfossintaxe e léxico, mas quase 
nada aos aspectos discursivos e textuais, pois aqui não se pode observar esse tipo de problema. No caso da 
perspectiva discursiva e textual, o que se observa é em geral a adequação intercultural e não o erro, pois isto não 
existe como uma grandeza detectável em si mesma. 
19 A sociolingüística variacionista tem hoje uma tentativa de aplicação direta ao ensino, em especial na língua 
materna, sobretudono contexto da alfabetização, com as investigações desenvolvidas na UFRJ sob a orientação 
de Cecília Mollica. É provável que dessas investigações surjam sugestões de interesse direto na produção de 
materiais instrucionais mais adequados sob o ponto de vista dos aprendizes e suas condições. 
 14
social e como engajada na realidade sócio-antropológica. A própria noção de 
competência comunicativa tal como definida por Dell Hymes nos anos 60 
distancia-se muito da idéia chomskyana de competência.20 
 
A partir dessas novas conquistas teóricas, o trabalho com a língua passa a 
encarar, debater e combater todo o tipo de preconceito lingüístico dando lugar 
às tentativas de valorização das variedades de língua não-padrão ou não-cultas. 
A escola passa a ter que operar com a variedade e com a questão da diferença 
como um fato normal na língua, já que as línguas não são monolíticas nem 
homogêneas. Elas têm uma relação direta com a sociedade. O próprio 
interculturalismo passa a ser considerado. De algum modo, temos aqui a 
influência inicial dos estudos etnometodológicos que irão ter um papel mais 
decisivo no ensino nos anos 90 quando a sala de aula se torna essencialmente 
um laboratório de análise dos processos de interação e comportamento 
lingüístico.21 
 
Estes trabalhos tornam-se muito importantes para as novas cartilhas de 
alfabetização e inicia-se um estudo mais aprofundado das relações entre 
variação lingüística e processos de alfabetização. Ao lado desses, florescia 
também o estudo da Psicolingüística, que buscava compreender os processos 
de aquisição da linguagem. Estes estudos vão influenciar diretamente o ensino 
em especial acrescendo-lhe um componente processual e cognitivo. Novos 
materiais e mais adequados vão surgindo considerando as faixas etárias. É o 
passo mais decisivo para a superação do behaviorismo na educação, como 
lembrei antes. 
 
8. Língua como forma de ação 
 
É nos anos 60, também, que se chega à fantástica descoberta de que com a 
língua não apenas se diz, mas se age. É com John Austin que uma determinada 
pragmática (Teoria dos Atos de Fala) surge com força vital que vem mostrar a 
língua como uma forma de ação. Com a língua pode-se agir. É a visão da língua 
como fenômeno não apenas envolvido na situação social e reproduzindo em 
certo sentido a variação social em suas formas, mas é a visão da língua em 
funcionamento diretamente ligado a contextos situacionais e não apenas sociais 
e cognitivos. Linguagem como ação interativamente desenvolvida é uma idéia 
chave que surge no contexto da teoria dos atos de fala e numa perspectiva 
 
20 Esta questão é importante porque terá relevância em especial ano ensino de língua estrangeira. A competência 
comunicativa na visão de Hymes é um conjunto de competências dos falantes no seu desempenho lingüístico 
contextualizado. Já a competência chomskyana não tinha sequer a participação de falantes humanos e era uma 
simples função interna e domínio ideal de uma suposta língua. 
21 Esta visão irá ser de enorme importância tanto para o ensino de língua materna como para língua estrangeira. 
Pois a escola é um microcosmo do universo comunicativo maior do dia-a-dia. Ali estão muitas das diferenças 
que se manifestarão depois em outros contextos comunicativos. 
 15
explicativa da ações intencionais com a língua. No uso da língua, não se tem 
apenas atos de dizer mas atos de fazer. 
 
A pragmática dos anos 60 desenvolve-se rapidamente, mas não entra no ensino 
num primeiro momento, tendo em vista sua origem complexa no seio da 
Filosofia Analítica da Linguagem. Além disso, a pragmática dos atos de fala se 
desenvolve num perspectiva formal e considera atos isolados de situações 
socialmente relevantes. Seu potencial não é traduzido para situações sociais do 
dia a dia. 
 
Muitas são, no entanto, as pragmáticas e não uma só. A mais importante e 
influente foi de início a desenvolvida por Austin e completada por Searle, mas 
em seguida sobrevém-lhe a pragmática conversacional de P. Grice, que assume 
importância muito grande e será em maior parte adotada pela Teoria Literária e 
também pelos pragmaticistas de linha cognitivista que lidam com processos de 
compreensão. É curioso que a teoria dos atos de fala irá frutificar de modo 
especial na teoria da ação lingüística, e a teoria das implicaturas griceanas vai 
influenciar particularmente na teoria da compreensão lingüística, embora ambas 
sejam propostas de análise pragmática da língua. Sob um ponto de vista prático, 
mesmo tendo em conta o alto potencial de ambas, elas ainda não se converteram 
em tecnologia adequada ao ensino. Permanece um desafio teórico transformar 
as pragmáticas em algo aplicável no ensino de língua. 
 
É curioso que a observação da variação sociolingüística e também estrutural das 
línguas conduziu, na área de ensino de língua estrangeira, a uma série de 
metodologias de investigações que redundaram, entre outras coisas, na análise 
contrastiva do ponto de vista sociocultural. As análises contrastivas dos 
diversos matizes, tal como desenvolvidas entre os anos 60-80, serviram muito 
aos estudos de tradução, ensino de segunda língua, aquisição de língua e 
bilingüismo.22 Na realidade, trata-se de uma investigação que tem em vista 
interesses teóricos e aplicativos. Os interesses aplicativos prevaleceram nos 
anos 70 preocupados com os contrastes essencialmente estruturais, mas também 
com o contraste categorial e funcional das línguas, os mais interessantes no 
ensino. 
 
9. Língua como atividade e texto como evento 
 
Sorte muito maior do que a pragmática, terá a Lingüística de Texto, no que 
respeita à sua aceitação e aplicabilidade no ensino de línguas. Assim, podemos 
tomar como aspecto relevante o surgimento da Lingüística de Texto em 
 
22 Informações interessantes e úteis a respeito da Análise Contrastiva e sua relevância no ensino de língua 
podem ser vistas em Katarzyna Jaszczolt. 1995. Contrastive Analysis. In: Handbook of Pragmatics. Ed. Por J. 
Verschueren, Jan-Ola Östman, J. Blommaert. Amsterdam, John Benjamins, pp. 561-565. 
 16
meados dos anos 60, bem como da Análise da Conversação logo em seguida, 
no início dos anos 70 e uma boa parte dos estudos da Análise do Discurso, em 
especial na sua versão francesa que, no Brasil, teria grande repercussão em 
especial nos estudos literários.23 
 
Se os anos iniciais do séc. XX até os anos 60, foram dominados pelo estudo da 
lingüística estrutural, predominando ali a análise de elementos isolados e, no 
máximo, admitindo como unidade maior a frase, a partir dos anos 60 dá-se uma 
guinada nesta posição. Desde então, a postura teórica em relação aos estudos 
lingüísticos é a identificação de uma nova unidade lingüística, isto é, o texto, 
ou seja, uma perspectiva supra-frasal que vem da Escola de Praga e se estende 
para a Alemanha onde se desenvolve com enorme rapidez e imensa influência 
sobre os manuais de ensino de língua. 
 
Trata-se de valorizar a língua em contextos de uso naturais e reais, 
privilegiando a atividade lingüística autêntica com textos produzidos em 
situações cotidianas orais ou escritas. Inicialmente, dá-se um estudo mais 
restrito aos textos escritos pela facilidade de sua coleta e pela ainda inexistente 
tradição de análise da língua falada que se inicia lentamente no final da década 
de 60. Hoje o panorama já e bem mais diversificado e se contempla com certa 
profundidade a língua falada no ensino. 
 
É curioso observar que se os estudos sociolingüísticos e pragmáticos, nessa 
época bem mais desenvolvidos e sólidos do ponto de vista científico, ao terem 
unidades de análise bem definidas, não conseguiram penetrar e transformar-se 
em tecnologia adequada nos manuais de ensino, a Lingüística de Texto, por sua 
vez, conseguia este feitocom relativa rapidez. De certo modo, ela tem a 
vantagem de trazer um componente extremamente aplicável que é o aparato 
teórico adequado à análise do funcionamento do texto, seja sob o ponto de vista 
da produção ou da compreensão, os dois aspectos que passarão a dominar 
cada vez mais o ensino a partir dos anos 80. Isto se dá a tal ponto, como ainda 
observaremos adiante, que no final dos anos 90 a LT chega a substituir de forma 
drástica toda a análise gramatical que antes perfazia o núcleo do ensino de 
língua na escola. E com repercussão direta sobre todos os testes de língua que 
hoje são feitos para concursos públicos, vestibulares etc., no Brasil. 
 
Definindo o texto como evento e observando-o como processo e não como 
produto, a LT passou a incorporar domínios cada vez mais amplos, tendo que 
dar conta da integração de aspectos lingüísticos, sociais e cognitivos no 
 
23 Não me é ainda muito clara a influência direta da Análise do Discurso de origem francesa no ensino de língua 
e tudo indica que essa influência é mais indireta, como um pano de fundo, pois ela não lida essencialmente com 
formas ou com elementos da língua e sim com condições de produção e de sentido. Suponho que a literatura se 
tem beneficiado muito mais da AD francesa. 
 17
funcionamento da língua. Novos estudos são desenvolvidos e uma enorme 
renovação dos materiais didáticos passa a acontecer com base nesses 
desenvolvimentos recentes. 
 
10. Língua como interatividade e o papel das trocas comunicativas 
 
Enquanto a Análise do Discurso ficaria até hoje confinada predominantemente 
aos estudos acadêmicos, tendo em vista sua limitação explicativa dos 
fenômenos lingüísticos, a Análise da Conversação, embora não na mesma 
medida que a Lingüística de Texto, vem tendo um papel importante e crescente 
no ensino, em especial no momento atual, que, como veremos, descobre a 
oralidade como um fenômeno não apenas central na vida dos indivíduos e no 
uso da língua, mas na própria concepção de língua. 
 
Ressalto o potencial que a Etnometodologia, a Etnografia da Fala e a 
Antropologia Lingüística juntamente com a Análise da Conversação, em 
especial da denominada Sociolingüística Interativa vêm apresentando na 
questão relativa ao ensino. Não diretamente no ensino de língua em si, mas na 
metodologia educacional relativa ao ensino e preocupada com a análise das 
trocas comunicativas. São áreas da lingüística contemporânea de influência para 
além do âmbito da língua. Mas no próprio âmbito da língua elas vêm 
influenciando a questão do ensino já que permitem melhor analisar os processos 
interativos e se coadunam muito bem com as teorias sobre o funcionamento do 
texto, seja ele oral ou escrito. Particularmente relevante é a visão sócio-
interativa da língua no que toca ao ensino de segunda língua ou de línguas 
estrangeiras. Pois ali a questão da inserção social da língua na sua relação com 
as atividade cotidianas nas interações verbais é ponto central de análise. 
 
11. Língua como capacidade inata da espécie humana 
 
Não mencionei até aqui um dos desenvolvimentos mais importantes da 
Lingüística no século XX, quiçá de todos os tempos. Trata-se do gerativismo. 
Há uma razão para isto. E de natureza um tanto contraditória e paradoxal. Se em 
certo sentido o gerativismo vem sendo uma corrente lingüística hegemônica, 
quase absoluta na sintaxe dos últimos 50 anos, ensinando-nos coisas 
extraordinárias e em especial um modo rigoroso de fazer lingüística, por outro 
lado, nunca foi assimilado de maneira frutífera pelo ensino de línguas nem pelas 
práticas pedagógicas em geral. Com efeito, o gerativismo nunca teve em suas 
intenções o interesse de ser aplicável nem de explicar a língua do dia-a-dia. Não 
é uma teoria descritiva, mas explicativa. E aí está o seu paradoxo: o gerativismo 
é rigoroso e busca dar conta de forma ordenada, explicativa, econômica e 
teoricamente adequada de fenômenos abstratos e universais da língua. Mas não 
desenvolve uma semântica nem uma pragmática e muito menos trabalha 
 18
aspectos da produção e compreensão de texto. Nada do que interessa à escola 
interessa aos gerativistas e vice-versa. As poucas tentativas de aplicação do 
gerativismo ao ensino falharam. 
 
Quando Chomsky distinguiu entre competência lingüística e desempenho não 
estava tratando de algum tipo de comportamento lingüístico de indivíduos reais, 
mas de um modelo ideal. Não tinha em mente falantes, mas protótipos para 
análise. É evidente que ele jamais pensou em estar dando conta de alguma 
porção da realidade comunicativa ou interativa. Não tinha como não tem ainda 
hoje em mente uma noção de língua como fato social e sim como fato 
biológico. A aplicabilidade é um aspecto descartado do gerativismo. 
 
((Lembro aqui apenas a título de provocação que não me parece inclusive 
razoável a massa de trabalhos desenvolvidos com base no gerativismo, que 
buscam descrever línguas naturais ou analisar línguas humanas já 
“parametrizadas”, para usar um termo caro aos gerativistas. Creio que Chomsky 
nunca pensou em descrever esta ou aquela língua. De igual modo, creio que as 
gramáticas que pretenderam usá-lo no ensino adotando as conhecidas “árvores 
sintáticas” muitas vezes mal propostas, não passaram de tentativas mal-
sucedidas e equivocadas.)) 
 
Não se pode negar, no entanto, que boa parte dos estímulos da lingüística 
contemporânea e grande parte de seus problemas têm origem em algum ponto 
do gerativismo. É inegável a sua importância para o estudo da sintaxe e dos 
problemas tipológicos da língua. Mesmo admitindo que a posição gerativista em 
relação à cognição não seja plausível para as línguas humanas (na medida em 
que adota a metáfora do computador e um modularismo isolacionista), ela levou 
a melhor compreender as línguas naturais. No entanto, não está nos seus 
interesses a preocupação com a linguagem enquanto fenômeno tipicamente 
humano e social, já que a noção de social ou situacional não é abarcável no 
gerativismo. Nem mesmo o aspecto histórico e o problema da variação são 
objeto de análise por parte dos gerativistas. 
 
Rigorosamente falando, a contribuição do gerativismo para o ensino de língua 
acha-se próxima de zero. Sua contribuição é e continuará sendo teórica e assim 
mesmo no limite da discussão com áreas que não são propriamente as das 
Ciências Humanas e não é por outra razão que o próprio patrono da teoria 
gerativista, Noam Chomsky, em seus estudos mais recentes24 situa a lingüística 
no contexto das ciências naturais, devendo-se tratar as propriedades lingüísticas 
 
24 Refiro-me à obra recente de Noam Chomsky (2000). New Horizons in the Study of Language and Mind. 
Cambridge, Cambridge University Press. Nesta obra Chomsky repete com clareza o que dissera em outras em 
relação a situar o estudo da lingüística no contexto das ciências biológicas. 
 19
como atributos neurofisiológicos.25 Tudo isto soa de maneira profundamente 
herética aos lingüistas e humanistas voltados para questões sócio-culturais e 
para os usos da língua. 
 
12. Preocupação com a Fala e a Escrita 
 
Diferentemente das posições do início do século XX, com Saussure ou 
Bloomfield e, de meados do século XX para cá, com Chomsky, que de certo 
modo sufocaram os estudos da língua em uso, considerando-os dispersivos e 
próprios de outras disciplinas, hoje a lingüística volta-se com ênfase para a 
análise da língua em contextos situacionais autênticos. Daí sua preocupação 
com os problemas do texto tanto oral como escrito. Es isto numa perspectiva 
essencialmente processual, não-atomizada nem limitada ao interior do código. 
 
Como lembrado acima, dá-se hoje uma intensa investigação da língua em uso. 
Um uso que se manifesta em situações cotidianas seja na oralidade ou na 
escrita. Dos anos 60para cá, são inúmeros os estudos sobre a oralidade e a 
escrita não apenas no contexto da Lingüística e sim em contextos 
interdisciplinares tais como a Antropologia e Etnografia (surgindo daí a 
Etnografia Lingüística e também a Antropologia Lingüística). Além dessas, 
também a Psicologia e a Sociologia dedicaram-se com ênfase ao estudo da fala, 
dando origem ao que se chamou de Análise da Conversação que, inicialmente, 
não tinha preocupações marcadamente lingüísticas. 
 
Todos estes trabalhos com a língua em uso resultaram numa melhor 
compreensão da língua como atividade interativa e hoje tanto influenciam os 
estudos lingüísticos passando com imensa rapidez para ao ensino tendo em vista 
seu enorme potencial aplicativo e explicativo. São perspectivas que permitem 
integrar de maneira significativa os aspectos pragmáticos, sociais, cognitivos e 
lingüísticos numa visão holística da língua enquanto atividade. 
 
Fala e escrita não são mais vistas como dicotômicas, sendo este um tema em 
franca ebulição nas investigações lingüísticas dos últimos 30 anos. Sua análise é 
feita na grade dos gêneros textuais, com grande relevância no ensino de língua. 
Além disso, tem-se como certa a posição de que a escrita não é uma 
representação da fala, não é superior à fala nem apresenta alguma vantagem 
imanente do ponto de vista cognitivo. Fala e escrita são modalidades de 
produção discursiva complementares e interativas, havendo momentos em que é 
até difícil distingui-las uma da outra ao se considerarem determinadas 
 
25 Há uma diferença notável entre o estruturalismo saussuriana e neo-estruturalismo chomskyano. O primeiro 
trata a língua como um fato social e, o segundo, como um fato biológico. O primeiro se preocupa com as línguas 
historicamente realizadas embora as analise sincronicamente. O segundo se preocupa com modelos lingüísticos 
formalizados para predições de sentenças bem-formadas no contexto de um sistema lingüístico. 
 20
produções textuais. Estas novas conquistas teóricas estão passando com enorme 
rapidez para o ensino de língua tendo em vista seu potencial aplicativo quase 
imediato, já que são desenvolvidas na própria relação com essa prática. 
 
Em certo sentido, o que se observa é que a visão mais dinâmica e interativa da 
língua e a consideração de sua inserção em contextos sociais relevantes e de 
suas diversas formas de representação e manifestação tem trazido uma 
extraordinária renovação nas práticas de ensino. Isto vai se refletir na própria 
política de ensino de língua como se verá a seguir. 
 
13. A presença das teorias lingüísticas nos PCNLP 
 
Hoje, no Brasil, podemos ver o reflexo direto das teorias lingüísticas no ensino 
de língua portuguesa ao analisarmos os Parâmetros Curriculares Nacionais de 
Língua Portuguesa (PCNLP.) Quanto a isso, chega a ser curiosa a constatação 
de uma situação inversa daquela que presenciávamos no início do século XX no 
Brasil saído do Império. O documento atual produzido por encomenda do 
Ministério da Educação (MEC) propõe um conjunto de orientações para o 
ensino de língua, particularmente no Ensino Fundamental (de 1ª a 8ª Séries) e 
oferece uma possibilidade de definir linhas gerais de ação. Tudo dependerá, no 
entanto, de como serão tais orientações tratadas pelos usuários em suas salas de 
aula; seria nefasto se as indicações ali feitas fossem tomadas como normas ou 
pílulas de uso e efeito indiscutíveis. Pior ainda, se com isso se pretendesse 
identificar conteúdos unificados para todo território nacional, ignorando a 
heterogeneidade lingüística e a variação social. 
 
Os PCNLP contém aspectos positivos que podem ser ressaltados sob o ponto de 
vista teórico, tais como:26 (a) adoção do texto como unidade básica de ensino; 
(b) produção lingüística tomada como produção de discursos contextualizados; 
(c) noção de que os textos distribuem-se num contínuo de gêneros estáveis, com 
características próprias e são socialmente organizados tanto na fala como na 
escrita; (d) atenção para a língua em uso, sem se fixar no estudo da gramática 
como um conjunto de regras, mas frisando a relevância da reflexão sobre a 
língua; (e) atenção especial para a produção e compreensão do texto escrito e 
oral; (f) explicitação da noção de linguagem adotada, com ênfase no aspecto 
social e histórico, (g) clareza quanto à variedade de usos da língua e variação 
lingüística. 
 
Esses pontos formam uma espécie de ideário e, no geral, inserem-se na 
perspectiva funcionalista, dedicando-se mais à exploração do uso que ao 
estudo formal da língua. Esta perspectiva resulta numa orientação do ensino de 
 
26 Estes mesmos aspectos foram por mim apontados em variados momentos, tais como: Marcuschi, 1998 e 1999 
 21
língua voltado essencialmente para a produção e a compreensão de textos em 
seus mais variados aspectos. O fato é de tal maneira saliente que as 12 sugestões 
finais de “critérios para a avaliação da aprendizagem” em cada série 
concentram-se num conjunto de ações verificadoras das habilidades de 
compreensão e produção de textos orais e escritos. 
 
Os dois eixos do ensino de língua frisados nos PCNLP concentram-se nas 
atividades de produção e compreensão de textos, visando a permitir “a expansão 
das possibilidades do uso da linguagem”, relacionadas às “quatro habilidades 
básicas: falar, escutar, ler e escrever”. Isso permitiu construir os “dois eixos 
básicos” do estudo de Língua Portuguesa: 
(a) EIXO 1: “o uso da língua oral e escrita” e 
(b) EIXO 2: “a reflexão sobre a língua e a linguagem”. 
 
Quanto ao primeiro eixo, a justificativa dada para o estudo da oralidade é 
formulada numa perspectiva finalística que não sugere a dimensão exata que o 
trabalho com a oralidade pode assumir. Veja-se isso no item 3.2 (p.35): 
“No trabalho com os conteúdos previstos nas diferentes práticas, a escola 
deverá organizar um conjunto de atividades que possibilitem ao aluno 
desenvolver o domínio da expressão oral e escrita em situações de uso 
público da linguagem (grifo original), levando em conta o contexto de 
produção dos discursos (sujeito enunciador, interlocutor, finalidade da 
interação; lugar e momento da produção) e as características dos gêneros 
e suportes, operando com a dimensão semântica e gramatical da 
língua.”27 
 
Por que se restringir apenas ao uso público da língua, quando se sabe que em 
usos privados a língua oral oferece muitos problemas e até em maior número do 
que em outras circunstâncias, já que o cidadão lida com seus semelhantes em 
situações muito complexas? 
 
Na linha do segundo eixo, aspecto relevante é a noção de linguagem28, que 
aparece tratada em muitos momentos, mas com definições ou em assertivas 
sempre passageiras, não havendo uma reflexão explícita e tecnicamente 
fundamentada. De qualquer modo, observa-se que a linguagem é vista como 
atividade interlocutiva, ou seja é concebida como dialógica, social e histórica. 
Vejamos algumas dessas passagens: 
 
27Não fica claro o porquê da restrição aos níveis semântico e gramatical da língua, quando no documento 
aparecem observações sistemáticas e relevantes sobre os aspectos pragmáticos, cognitivos e sociais da língua 
28 Embora não seja feita uma reflexão específica sobre a distinção entre língua e linguagem, estas são tomadas 
como distintas. Tudo indica que a linguagem é tida como uma atividade sócio-cognitiva e histórica, ao passo 
que a língua como a sua manifestação concreta na superfície textual e realizada numa língua natural particular 
qualquer, tal como a língua portuguesa. 
 22
- “Linguagem aqui se entende (…) como ação interindividual orientada 
por uma finalidade específica, um processo de interlocução que se 
realiza nas práticas sociais existentes nos diversosgrupos de uma 
sociedade nos distintos momentos da sua história.” (p.6) 
- “A linguagem, enquanto sistema de representação do mundo, está 
presente em todas as áreas de conhecimento.” (p. 18) 
- “…enquanto um trabalho” (p.21) 
- “A linguagem é uma atividade humana, processo de interlocução no 
qual as pessoas se constituem e através do qual sentimentos, opiniões, 
valores e preconceitos são veiculados.” (p. (p. 31) 
- “Considerando que a linguagem é processo no qual as pessoas se 
constituem (…)” (p. 32) 
 
Ainda sob o aspecto das práticas lingüísticas e sua ligação com “valores, 
normas e atitudes”, relativamente a prestígio e preconceito, o documento oficial 
do MEC traz uma série de observações que podem ser vistas também na relação 
fala-escrita. Por exemplo: 
- respeito às variedades lingüísticas; 
- reconhecimento dos domínios da oralidade e da escrita como valiosos. 
Mesmo que não concordemos com algumas linhas teóricas ali explicitadas, 
trata-se de um avanço e pode-se dizer que os PCNLP são uma evidência 
interessante de como a teoria lingüística pode influenciar de maneira decisiva o 
ensino de língua materna, uma área particularmente resistente a inovações. No 
caso brasileiro, trata-se de uma drástica inovação e em certos pontos com 
teorias que sequer foram ainda suficientemente desenvolvidas e quase não 
tiveram oportunidade de serem testadas.29 
 
É oportuno lembrar que essas posições são muito diferentes das que foram 
adotadas no caso das Crestomatias e mesmo da Lingüística em meados do 
século XX, que viam na língua um código e um repositário de informações. A 
língua era uma espécie de relicário para armazenar conhecimentos acima de 
todo e qualquer processo de produção e formação crítica do cidadão. Não se 
tratava de construir o saber, mas sim de se apropriar do saber e guardá-lo de 
forma admirável. 
 
14. Exemplificando o papel da Lingüística no ensino de língua 
 
É sempre ilustrativo analisar alguns exemplos a título de demonstração de como 
a teoria lingüística poderia frutificar no ensino, esclarecendo certas questões 
complexas e sugerindo formas de tratamento da própria variação lingüística na 
 
29 Por incrível que pareça, este é um aspecto curioso. Hoje, ao contrário de outras épocas, as teorias avançam 
com rapidez até a sala de aula, até mesmo antes de terem sido testadas, o que pode trazer problemas graves já 
que os professores não têm formação adequada para lidar com as novas propostas. 
 23
produção textual. Aliás, a perspectiva de tratamento da língua pela via textual 
tem a grande vantagem de permitir a análise e a compreensão de questões de 
outro modo não tratadas. Tal é o caso da progressão referencial, progressão 
temática, coesão, coerência, argumentação, metáforas e muitas outras questões. 
 
O exemplo (1) reproduz a redação de uma aluna de 10 anos e me foi cedido 
pela mestranda em Educação, Mary Jane, da Universidade Federal de Sergipe. 
Observe-se que neste caso se trata de seqüências com uma referenciação tida 
como bastante lacunosa, mas que não oferece dificuldade de compreensão. 
Além disso, o texto apresenta uma série de outros aspectos, por exemplo, no 
caso de concordâncias, sem falar na introdução de personagens de modo 
abrupto e uma aparente desorganização dos fatos narrados. Contudo, não se 
pode dizer que não se trata de um texto compreensível. Vejamos o texto: 
 
 (1) 
1 O outro lado da ilha 
2 
3 
4 
5 
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7 
8 
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19 
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21 
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23 
24 
25 
26 
27 
28 
Essa história começa com uma família que vai a uma 
ilha passar suas férias. Quando eles chegam eles vão 
logo explorando a ilha e explodem uma barreira que os 
impediam de passar para o outro lado da ilha. 
Quando eles foram dormir eles perceberam que os 
bezerros começaram a correr e que quando eles foram 
ver o que estava assustando os bezerros. Quando eles 
de repente, com uma patada só um caranguejo gigante 
os atacou. Debora que era sua ezposa começou a 
chorar dizendo que queria ir embora. 
Quando amanheceu eles foram ver como estava o barco, 
para ir embora e perceberam que o barco não estava lá. 
Os homens saíram para explorar a ilha, e no meio do 
caminho encontraram um caranguejo que estava no 
penhasco. Eles não quizeram saber e atiraram no 
caranguejo que caio ribancera a baixo. Mais o marido 
de Debora, desmaiou e seu irmão não tinha como ajudá-
lo, por isso foi chamar ajuda. Quando chegou em casa 
chamou logo seu sobrinho Ivan para ajudar ele a trazer 
seu irmão. Quando os dois chegaram lá ele não estava 
mais lá. Quando eles estavam voltando, Ivan teve a idéia 
de fazer um farol com a torre que havia na ilha. Ele foi 
com sua prima e com seu cachorro. E tudo deu certo, 
mas quando eles estavam indo embora da ilha, os 
caranguejos estavam na porta da torre fazendo com que 
eles não pudessem sair daquele labirinto. Eles dois 
tiveram várias idéias mais nenhuma dava certo. Em casa 
 24
29 Debora havia avistado seu marido chegando com um 
homem. Na torre Ivan teve a idéia de jogar a lanterna a 
querozene nos caranguejos. Quando eles jogaram-na 
nos caranguejos eles sairam correndo em direção a mata 
e com isso a mata pegou fogo. Da casa dava pra ver o 
fogo, então todos saíram correndo para apagar o fogo. 
Eles apagaram o fogo e foram dormir e quando 
acordaram avistaram um barco e foram embora. 
 
Do ponto de vista da progressão referencial temos aqui uma série de anáforas 
indiretas, cujos referentes não estão explicitados no cotexto (âmbito do discurso 
explicitado verbalmente). A anáfora indireta, ao contrário da anáfora direta 
(correferencial) não é uma estratégia de reativação de referentes, tal como se 
imaginou que seriam todas as anáforas. Apesar de pouco tratada no ensino, ela é 
responsável por cerca de 60% das estratégias de referenciação textual. Só isto 
justifica seu tratamento detido. Mas há muito mais questões envolvidas, tais 
como processos de compreensão, relação fala-escrita e níveis de linguagem. 
Vejam-se alguns casos desses presentes no exemplo acima. 
 
(a) (linhas 2 e 3): Essa história começa com uma família que vai a 
uma ilha passar suas férias. Quando eles chegam... 
 
Certamente, ninguém fica em dúvida quanto aos indivíduos potencialmente 
referidos pelo pronome eles [PAI, MÃE, FILHO, IRMÃO, MARIDO, 
ESPOSA...], embora não haja antecedente pontualizado, mas um modelo 
cognitivo adequado para que se dê a inferência construtiva ancorada em [UMA 
FAMÍLIA]. É interessante valorizar aqui o conhecimento que a menina tem das 
noções de parentesco como estruturadoras de texto. Basta olhar os casos das 
linhas (15, 16 e19). Há inclusive entidades [PRIMO, SOBRINHO, TIO] não 
necessariamente presentes na noção de família em sentido estrito, mas que 
podem ser ativadas por esse item na conjugação com conhecimentos de mundo 
ligados ao fato. A estratégia de uso pronominal sem antecedente é mais usual na 
fala, por isso a gramática a condena na escrita 
 
Em (b) temos outro caso que se dá por uma anáfora indireta ativada por 
sintagmas nominais e não pronomes: 
 
(b) (linhas 2-3 e 8-9): Essa história começa com uma família que vai a 
uma ilha passar suas férias...// Debora que era sua ezposa 
começou a chorar dizendo que queria ir embora. 
 
Um nome próprio usado na forma descritiva como anáfora, [DÉBORA QUE 
ERA SUA EZPOSA], pode ter caráter anafórico sem reativar nem retomar 
 25
elementos mencionados. Novamente se dá a introdução de um referente novo 
como se fosse conhecido. É uma estratégia de organizar os referentes na relação 
dado-novo fora do padrão usual como em (c): 
 
(c) (linhas 2-3 e 10-11): Essa história começa com uma família que 
vai a uma ilha passar suas férias. /.../ Quando amanheceu eles 
foram ver como estava o barco, para ir emborae perceberam que 
o barco não estava lá. 
 
A ninguém ocorre indagar de onde vem [O BARCO] aqui mencionado. A 
coerência e a conseqüente continuidade tópica é produzida por uma anáfora 
indireta inferencial ancorada no mundo textual [IR A UMA ILHA = VIAJAR 
DE BARCO PELO MAR]. Vejamos: 
 
(d) (linhas 2-3; 8-9; 11-17): Essa história começa com uma família que 
vai a uma ilha passar suas férias. /.../ Debora que era sua ezposa 
começou a chorar dizendo que queria ir embora. /.../ Os homens 
sairam para explorar a ilha, e no meio do caminho encontraram 
um caranguejo que estava no penhasco. Eles não quizeram saber 
e atiraram no caranguejo que caio ribancera a baixo. Mais o 
marido de Debora, desmaiou e seu irmão não tinha como ajudá-
lo, por isso foi chamar ajuda. 
 
É fácil notar que em (d) o referente do SN descritivo, [O MARIDO DE 
DÉBORA], ancora em uma família que se compõe de [MARIDO, ESPOSA...] 
e na especificação prévia já introduzida, Debora que era sua ezposa, a partir 
de um frame de família. Sabemos inclusive que o SN os homens refere os dois 
homens da família [MARIDO; IRMÃO DO MARIDO]. 
 
(e) (linhas 24-28): Na torre Ivan teve a idéia de jogar a lanterna a 
querozene nos caranguejos. Quando eles1 jogaram-na nos 
caranguejos eles2 sairam correndo em direção a mata e com isso 
a mata pegou fogo. 
 
Seguramente, a determinação da atribuição referencial de eles1 (=Ivan e seu sobrinho) e 
eles2 (=os caranguejos) com referentes diferentes se dá após a última parte do 
enunciado [E COM ISSO A MATA PEGOU FOGO], na medida em que 
entendemos que “a mata pegou fogo porque os caranguejos incendiados 
sairam correndo...”. Trata-se de uma ancoragem catafórica num tópico frasal 
prospectivo e não em itens lexicais. Sabemos que a mata pegou fogo porque a 
lanterna a querozene foi jogada nos caranguejos que saíram correndo. 
 
 26
Vejamos aqui outro caso interessante que merece nossa atenção por algumas 
características que permitiram inferenciações complexas, diversificadas e 
desencontradas por parte dos indivíduos envolvidos no episódio narrado.30 De 
início, nos interessará o caso mais curioso do surgimento abrupto de um 
“pastor” a certa altura da narrativa. Observemos o texto: 
 
(2) A reunião no condomínio 
1 
2 
3 
4 
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23 
24 
Outro dia teve uma reunião no condomínio que meu colega de trabalho Osvaldo 
mora, o condomínio fica no Jardim Garcia. Ele comentou que chegou um pessoal 
da Unicamp para participar dessa reunião que seria referente a uma ação contra a 
CEF (Caixa Econômica Federal) juntamente com os advogados que eles 
contrataram. Só que esse pessoal quando chegou no condomínio procuraram 
logo o apartamento 12, mas esqueceram de falar o bloco que pertencia, sendo 
assim o porteiro mandou eles para o primeiro bloco, porque sabia que lá estaria 
acontecendo uma reunião também. Chegando nesse apartamento 12, a porta já 
estava aberta e um monte de cadeiras em círculo. Acharam estranho, mas afinal a 
maioria das reuniões fazem um círculo justamente para facilitar a conversa. Bom, 
logo que chegaram o pessoal que já se encontrava no apartamento foram logo 
gentilmente chamando-os para entrarem, então sentaram no círculo e acharam 
mais estranho ainda porque afinal de contas não tinha nenhum conhecido, mas 
como era ainda um pouco cedo e a reunião iria começar somente às 22.00 hs, 
resolveram esperar, tão logo iniciou-se a reunião uma pessoa ficou em pé e 
disse: - O Senhor esteja convosco, logo em seguida todos ficaram em pé e 
responderam: - Ele está no meio de nós. Todos ficaram atrapalhados e não 
sabiam o que fazer, foi aí que viram a mancada que eles deram, entraram no 
apartamento 12, mas do bloco errado, sem graça e disfarçadamente saíram 
devagarinho para que ninguém notassem a ausência deles, mas foram infelizes 
nessa hora, porque o pastor logo que viu eles saindo lhes disse: - Deus 
acompanhem, mesmo que você não queiram ficar conosco. Abaixaram a cabeça 
e saíram todos pedindo desculpas e completamente desconsertados dessa 
reunião. 
 
Vejamos três momentos diversos que parecem sugerir três tipos de anáfora 
indireta e um caso de progressão referencial baseado em anáforas diretas, 
embora nem sempre com retomadas. 
 
 
(i) o pastor logo que viu eles disse... 
Aqui temos um caso típico de anáfora indireta que envolve aspectos textuais 
no processo inferencial. Trata-se do repentino surgimento do SN nominal 
definido “o pastor”, dado como conhecido sem ter sido mencionado antes. É 
fácil observar o surgimento desse referente na parte final do texto: o pastor 
(linha 21) que se acha ligado ao contexto precedente que lhe serve de âncora. 
Ele é inferido com base no modelo do mundo textual produzido nos espaços 
mentais construídos em especial na linhas sublinhadas (linhas 15-17). Temos ali 
um enquadre sócio-cognitivo no modelo idealizado em relação ao papel e ao 
 
30 Trata-se de uma redação que me foi cedida pelo colega Rodolfo Ilari, a quem agradeço, produzida por uma 
funcionária da UNICAMP, com Segundo Grau incompleto. 
 27
comportamento de um Ministro da Igreja [O PASTOR]. Só ele poderia ter 
iniciado a reunião daquela forma (“O senhor esteja convosco”) e só um grupo 
de pessoas nessas circunstâncias responderia daquela forma (“Ele está no meio 
de nós”). 
 
(ii) o porteiro mandou ... 
Já na (linha 7) temos um caso claro de anáfora indireta de natureza cognitiva 
(modelos cognitivos ou enquadres sócio-cognitivos); um condomínio pode ter 
um porteiro, mas ele não é parte do condomínio assim como um dedo é parte 
da mão. Um porteiro entra no nosso enquadre de condomínio, ou de prédio em 
geral. O certo é que a inferência a respeito do mencionado porteiro se dá 
mediante um modelo cognitivo idealizado no qual há papéis especiais exercidos 
por um indivíduo que se acha geralmente num prédio e com uma função muito 
específica. Ninguém pergunta de onde vem aquele [O PORTEIRO], pois é 
comum haver uma figura dessas num enquadre tal como o que aqui se achava 
em andamento. 
 
(iii) a porta estava aberta 
Diferentemente do que se observa em (ii), a porta é parte integrante do prédio e 
do apartamento; mantém uma relação de parte-todo com ambos como no caso 
da (linha 8) em que aparece uma “porta aberta” pela qual eles naturalmente 
entram. Esta é uma anáfora indireta de natureza mereológica, já que a porta é 
parte do apartamento em questão (qualquer apartamento tem porta). Essa 
possibilidade inferencial acha-se inscrita no léxico. 
 
A diferença entre os dois tipos de anáfora indireta presentes em (ii) e (iii) traz 
uma importante indagação sobre a organização lexical: o que está ou não no 
léxico? E também sobre as relações mereonímicas, hiper- e hiponímicas, bem 
como sobre a construção de modelos cognitivos que se dão pelo trabalho sócio-
cognitivo e não pela via do léxico. Outro caso é o que se observa no conjunto 
(iv) com progressões referenciais ligadas a anáforas diretas/indiretas no 
contexto de um quadro mais amplo de referenciação. 
 
(iv) reunião (a) e (b); apartamento 12 (a) e (b); bloco (a) e (b) e condomínio 
(a) 
O problema que mereceu da narradora esse relato curioso não foi a presença do 
pastor nem do porteiro ou da porta aberta, mas sim a dificuldade em 
encontrar os referentes dos SN que permitiam duas possibilidades de 
identificação referencial (caso típico de subespecificação lexical quanto à 
saturação cognitiva). Isto significa que de certo modo é mais fácil estabelecer as 
relações referenciais indiretas que as diretas. O motivo da confusão foram as 
inferências indevidas sob o ponto de vista da identificação referencial. Aqui as 
funções (os itens lexicais em si) foram tratadas como valores. Observe-se que 
 28
“o pessoal” foi a um condomínio

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