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CP-TGE-2013 - Resumo 12b (Estado Constitucional - continuação)

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FACULDADE DE DIREITO DE SOROCABA – FADI 
Ciência Política e Teoria Geral do Estado – 2013 
Professor Jorge Marum 
Resumo 12 – Continuação: O Estado Constitucional (Conceito e Espécies de Constituição)
“A Constituição de um Estado não jaz no seu arcabouço escrito, mas nas forças interiores que o vivificam, na lógica do seu organismo, na história da sua evolução" (Ruy Barbosa)
Introdução. A partir das contribuições do Constitucionalismo, em suas sucessivas correntes liberal-burguesa, social e humanista (neoconstitucionalismo), podemos chegar a um conceito atual de e sintético de Constituição. Antes, porém, é interessante analisar a definição de Constituição segundo os pontos de vista sociológico, político e jurídico, para em seguida chegar a um conceito sintético de Constituição. 
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Ferdinand Lassalle
Sentido sociológico. Sob o ponto de vista sociológico, ou seja, dando ênfase à realidade fática, Ferdinand Lassalle (1825-1864), em célebre conferência proferida em 1863�, afirmou que a Constituição deve refletir os fatores reais de poder, sem o que será uma mera “folha de papel”. Tal visão, porém, é combatida por autores mais atuais que sustentam que a Constituição deve limitar o poder e estabelecer objetivos para o Estado, podendo, assim, alterar a realidade política e social. É o caso, por exemplo, do constitucionalista alemão Konrad Hesse, que sustenta a força normativa da Constituição.
Sentido político. O jurista alemão Carl Schmitt (1888-1985) vê a Constituição como expressão da “decisão política fundamental”. A Constituição não deriva do direito, e sim de uma decisão de natureza política sobre como deve ser organizado e funcionar o Estado. E tal decisão deve ser tomada por um líder carismático (führer) que encarne a vontade popular. 
Carl Schmitt desprezava a democracia liberal e tornou-se um autor maldito por apoiar o nazismo. Para ele, a política é regida pela relação “amigo-inimigo” e “o valor maior tem o direito de aniquilar o valor menor”. Em 1932, travou uma polêmica com Kelsen sobre quem deveria ser o guardião da Constituição. Para ele, deveria ser o führer, enquanto Kelsen entendia que deveria ser o Poder Judiciário. Na época, prevaleceu a teoria de Schmitt, tendo como resultado, com a ascensão de Hitler ao poder, a possibilidade deste de impor leis de exceção sem precisar alterar a Constituição de Weimar. No pós-guerra, porém, prevaleceu a doutrina de Kelsen. Curiosamente, Schmitt hoje é admirado por parte do pensamento de esquerda. 
Carl Schmitt
“Segundo o chefe da Associação de Advogados Nazistas, Hans Frank, a lei constitucional, no Terceiro Reich, não representava mais do que ‘a formulação legal da vontade histórica Führer’. Tais sentimentos equivaliam, usando a terminologia de Max Weber, à subjugação da autoridade legal-racional à autoridade carismática (...) Essa opinião foi formulada não apenas por um destacado nazista como Hans Frank, mas também pelas mais eminentes autoridades em teoria legal na Alemanha, que tentaram tortuosamente o impossível, racionalizando a autoridade de Hitler em termos legais. O maior especialista em Constituição, Ernst Rudolf Huber, por exemplo, referiu-se à lei como ‘nada além da expressão da ordem comunitária em que o povo vive e que deriva do Führer’” (Ian Kershaw, Hitler, um perfil do poder, p. 82).
Sentido jurídico. Para Kelsen, a Constituição deve ser descrita sob o ponto de vista estritamente jurídico. Elaborada conforme uma norma fundamental hipotética que é a idéia de direito vigente na comunidade, a Constituição localiza-se no ápice do sistema normativo e é o fundamento de validade de todas as demais normas. Kelsen, assim, define a Constituição como o “conjunto das normas positivas que regem a produção do direito”. São, portanto, as normas que estabelecem a forma de Estado, a forma e o sistema de governo, o modo de aquisição e exercício do poder, os órgãos que vão exercer o poder e os limites da atuação deste. 
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José Afonso da Silva
Concepção estrutural de Constituição. José Afonso da Silva, um dos maiores constitucionalistas do Brasil, ensina que se deve buscar uma “concepção estrutural de Constituição, que a considera, em seu aspecto normativo, não como norma pura, mas como norma em conexão com a realidade social, que lhe dá o conteúdo fático e o sentido axiológico”. Conforme o mesmo autor, “certos modos de agir em sociedade transformam-se em condutas humanas valoradas historicamente e constituem-se em fundamento do existir comunitário, formando os elementos constitucionais do grupo social, que o constituinte intui e revela como preceitos normativos fundamentais: a Constituição”. Concluindo, José Afonso da Silva afirma que “a Constituição é algo que tem, como forma, um complexo de normas (escritas ou costumeiras); como conteúdo, a conduta humana motivada pelas relações sociais (econômicas, políticas, religiosas etc.); como fim, a realização de valores que apontam para o existir da comunidade”. A Constituição, portanto, é fato, valor e norma, conforme a teoria de Miguel Reale. 
Definição sintética. Diante do que foi visto, podemos definir sinteticamente a Constituição como “conjunto de normas jurídicas superiores num Estado, que estabelecem sua forma, estrutura e finalidade, bem como a origem, a divisão, o funcionamento e os limites do poder, o modelo econômico e os direitos e garantias fundamentais”.
Tipologia das Constituições. Os teóricos do Direito Constitucional costumam estabelecer uma tipologia das Constituições, classificando-as de diversas formas. Veremos, a título de exemplo, apenas as principais classificações, dado que esse tema é próprio da disciplina de Direito Constitucional. 
Quanto à Origem. Quanto à origem, ou o modo pelo qual a Constituição é criada, ela pode ser: 
Promulgada (ou democrática): quando é discutida, votada e aprovada por uma assembléia de representantes do povo eleitos livremente, normalmente denominada Assembléia Nacional Constituinte. Ex.: as Constituições brasileiras de 1891, 1934 e 1988.
Outorgada (ou autocrática): quando é imposta por um governo autoritário, sendo também chamada de Carta Constitucional. Ex.: a Constituição brasileira de 1937, outorgada por Getulio Vargas, e a Emenda Constitucional nº 1 de 1969, na verdade uma nova Constituição outorgada por uma junta militar ditatorial.
Cesarista (ou bonapartista): é a Constituição elaborada por um líder autoritário ou carismático (como César e Napoleão) e submetida a consulta popular (referendo) para entrar em vigor. A Constituição de tipo cesarista tem só a aparência de democrática, pois normalmente a opinião pública é manipulada ou mesmo pressionada pelo regime para aprová-la. Essa técnica está atualmente em moda na América Latina, por influência de Hugo Chávez e sua doutrina política “bolivariana”.
Quanto à Forma. Tradicionalmente, “constituição” era o modo pelo qual um Estado era organizado, sendo mais comum que essa organização derivasse de costumes políticos e declarações solenes do que de leis. Com exceção da Inglaterra, a partir do Constitucionalismo prevaleceu a idéia de que a Constituição deveria constar de uma lei escrita e solene. Daí deriva a classificação das Constituições quanto à forma: 
Escrita: reduzida a um documento formal e escrito, resumindo os princípios e idéias fundamentais das teorias política e jurídica vigentes numa determinada época (por isso também é chamada dogmática). Ex.: EUA (1787) e Brasil (1988) e a maioria dos Estados atuais.
Não-escrita (costumeira, consuetudinária, histórica): composta de um conjunto de costumes, declarações solenes, leis escritas e jurisprudência. Ex.: Inglaterra, Nova Zelândia e Israel. 
Quanto à Mutabilidade. O Constitucionalismo exigia que as Constituições escritas fossem estáveis, para ficarem imunes às alterações constantes do quadro político. Logo, porém, se percebeu que a imutabilidade levaria a crises institucionais, pois há a necessidade de atualização do conteúdo da Constituição conforme a alteraçãodas circunstâncias políticas e sociais do Estado, sem que seja preciso substituí-la inteiramente. Segundo a possibilidade de alteração, as Constituições são assim classificadas: 
Imutável: não admite alteração (não existem exemplos dignos de nota). 
Flexível: pode ser alterada pelo mesmo processo usado para as demais leis, o que transforma o Poder Legislativo em Assembléia Constituinte permanente. Ex.: Inglaterra. 
Rígida: É o tipo predominante atualmente, entendendo-se que a Constituição, por ser hierarquicamente superior, só pode ser alterada por um processo mais complicado do que o utilizado para as leis. Normalmente é exigido um quorum mais elevado do que a maioria simples ou absoluta, além de outras limitações. Contém, ainda, algumas partes que são imutáveis, as chamadas “cláusulas pétreas”. Ex.: EUA e Brasil. 
Semi-rígida (ou semiflexível): é rígida em alguns aspectos e flexível em outros. Ex.: Constituição Imperial do Brasil, que tratava como rígida apenas a matéria tipicamente constitucional. 
Quanto ao conteúdo. Nas Constituições não-escritas, só faz parte da Constituição o que for matéria constitucional. Nas Constituições escritas, porém, é comum constar, além da matéria constitucional, outras matérias que não têm essa natureza, mas que, por estarem na constituição, são formalmente constitucionais. O conteúdo das Constituições pode ser assim classificado: 
Material: matéria tipicamente constitucional, como a organização do Estado, forma e sistema de governo e direitos e garantias fundamentais 
Formal: assuntos que constam da Constituição, mas não são materialmente constitucionais. Ex,: Colégio D. Pedro II (art. 242, § 2o. da Constituição de 1988)
Quanto à Extensão. Quanto à extensão, a Constituição pode ser: 
Sintética: contém somente princípios e normas fundamentais. Ex.: EUA 
Analítica: trata analiticamente da matéria constitucional e freqüentemente abrange matéria formalmente constitucional. Ex.: Brasil e Portugal. 
Outras classificações. Há ainda outras classificações, podendo ser destacadas as seguintes: 
Constituição-garantia (liberal, clássica)
Constituição-balanço (típica do socialismo, devendo refletir o estágio de evolução da sociedade. Influência de Lassalle)
Constituição Dirigente (categoria identificada pelo célebre autor português Canotilho, estabelece programas e metas a serem cumpridos pelo Estado. Ex.: Portugal)
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 José Gomes Cantotilho
Bibliografia (Leituras recomendadas): 
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo, Primeira Parte, Título I, Cap. II. 
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, Cap. 2º. 
TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional, Cap. I. 
� Lassalle foi um jurista, filósofo e agitador político alemão. Essa conferência deu origem a um livro muito citado pelos autores de Direito Constitucional, editado e traduzido para o português com nome "A Essência da Constituição" ou “O que é uma Constituição”. Disponível na internet em: � HYPERLINK "http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/constituicaol.html" �http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/constituicaol.html�

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