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O Código de Hamurabi através de uma visão humanitária - Penal - Âmbito Jurídico

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21/03/2015 O Código de Hamurabi através de uma visão humanitária ­ Penal ­ Âmbito Jurídico
http://www.ambito­juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4113 1/5
Penal
 
O Código de Hamurabi através de uma visão humanitária
Vinicius Mendez Kersten
Sumário: 1. Introdução; 2. Breve histórico sobre os direitos humanos; 3. Alguns aspectos sobre o Código de Hamurabi; 3.1 Histórico; 3.2 Legislações Posteriores ao Código
de Hamurabi; 3.3 Aspectos Comuns sobre o Código de Hamurabi; 3.4 Divisão do Código de Hamurabi; 4. Sociedade vista através do Código de Hamurabi; 5. Conclusão.
Resumo: O presente trabalho busca mostrar o Código de Hamurabi de uma maneira humanitária, mostrando artigos que não tratam sobre o talião, aspecto mais conhecido
sobre a legislação. Mesmo buscando essa visão um pouco diferente, também são abordados o talião e o aspecto histórico. A análise mais humanitária é feita após um breve
retrospecto sobre o desenvolvimento dos direitos humanos. O aspecto taliônico é comparado com o existente na Bíblia, desmistificando um pouco o Código de Hamurabi. A
idéia do trabalho é mostrar os direitos humanos como eles são hoje e tentar enxergar um suposto humanitarismo existente na primeira legislação de que se tem
conhecimento e a partir desse contraste existente entre os direitos humanos que existem hoje, mostrar que naquela primeira legislação, embora fosse de um aspecto
bastante taliônico, também apresentava alguns aspectos humanos, podendo dizer‐se que ela não é somente um marco histórico, mas também um marco jurídico,
apresentando aspectos humanos.
Palavras‐chaves: Código de Hamurabi; Humanitarismo; Direitos Humanos.
1. Introdução:
Quando se busca a origem do Direito, volta‐se ao passado e lá se encontram entre as várias civilizações regras distintas, mas na civilização babilônica encontra‐se o Código
de Hamurabi. Esta legislação que é a mais antiga de que se tem conhecimento tem como grande marca a lei do talião. Entretanto, não é somente isso, o que o trabalho
tenta mostrar é o aspecto humanitário da legislação, sem deixar de apontar o talião, já que é uma marca do Código de Hamurabi. Além disso, o trabalho busca mostrar a
importância e o alto grau de importância de alguns artigos que estão presentes no Código de Hamurabi.
Busca‐se realizar um novo entendimento do aspecto humano que está expresso no Código, mas que fica em um segundo plano devido ao talião ser o ponto principal e
fundamental para o Código de Hamurabi.
2. Breve histórico sobre os direitos humanos:
Os direitos humanos estão intimamente ligados à evolução constitucional, pois nessas cartas é que esses direitos começaram a ser consolidados. A origem mais remota que
se encontra é a Magna Carta da Inglaterra de 1215. A Magna Carta desse país em seu artigo trinta e nove dispõe o seguinte em suas linhas: “Nenhum homem livre poderá
ser mantido preso, privado se seus bens, posto fora da lei ou banido, ou de qualquer maneira molestado, e não procederemos contra ele nem o faremos vir, a menos que
por julgamento legítimo de seus pares e pela lei da terra.” Mesmo contendo uma declaração como está contida no artigo trinta e nove da Magna Carta Inglesa, é no
século XVIII que começaram a aparecer inúmeras declarações de direitos humanos. Essas declarações de direitos humanos passam a ser absorvidas pelas constituições,
pois revelavam os direitos, os quais deveriam ser acolhidos e respeitados. Conforme nos diz Dallari (2001, p. 206): “Mas, pela própria circunstância de se atribuir às
Declarações uma autoridade que não depende de processos legais, verifica‐se que na sua base está a crença num Direito Natural, que nasce com o homem e é
inseparável  da sua natureza.” Mesmo existindo uma fase anterior, não podemos negar que o grande passo para a existência dos direitos humanos que nos chegam até os
dias de hoje foram: Declaração dos Direitos do Homem e Cidadão em 26 de agosto de 1789 e, anteriormente a da Virgínia em 1776. A cronologia não mente e, por isso,
sabemos que foi a Declaração da Virgínia a primeira, mas não podemos analisar simplesmente o aspecto cronológico, pois a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
foi mais importante, devido ter sido elaborada na Europa e não há como querer ir contra esta verdade, tendo em vista ser a Europa o centro do mundo na época e o
ponto de partida de toda idéia que pretendia espalhar‐se pelo mundo. Já os colonos da América do Norte não contavam com tal status. Os direitos que nessa fase foram
declarados chamam‐se direitos humanos de primeira geração, ou liberdades públicas. Essas liberdades como nos descreve Ferreira Filho (2005, p.30): “O objeto dos
mesmos é uma conduta. Agir ou não agir, fazer ou não fazer. Usar ou não usar. Ir, vir ou ficar.” Liberdade, eis o que era procurado em uma época de ascensão da
burguesia e por isso o primeiro passo para a consolidação dos direitos humanos foi promover essa liberdade. Isso era o que os burgueses procuravam para romper as
amarras a que estavam presos e poderem usufruir daquilo que produziam.
Após essa primeira geração que deu um passo importante, não é possível deixar de considerar o seu alto teor burguês, uma vez que dá a chance, a liberdade para que a
pessoa possa alcançar aquilo que almeja, vislumbra, todavia aqueles os quais não possuem condições para fazer aquilo desejado ficam simplesmente com a vontade e a
liberdade para realizar o que estão impedidos devido à conjuntura envolvida em todo o processo. O possuidor das condições financeiras pode ter uma posição social
elevada, ou seja, é uma liberdade para que os que detêm meios exerçam, mas aqueles que não detêm, sabem de sua existência, entretanto não estão socialmente
incluídos e não podem desfrutá‐la. Para preencher essa lacuna é que surgem os direitos humanos de segunda geração, ou direitos econômicos e sociais. Direitos esses
que se consolidam com a Constituição de Weimar, em 1919 (Constituição essa surgida após a I Guerra Mundial, guerra essa que deixou a Alemanha em destroços). A
segunda geração surgiu para amparar a classe trabalhadora, pois as condições de trabalho eram péssimas e o trabalhador era mais um insumo de produção, não
importando a sua condição como ser humano. Os antecedentes, mostrados por Ferreira Filho (2005, p. 45‐47), a Constituição de Weimar foram a Constituição francesa de
1848, a Constituição mexicana apresentando alguns direitos do trabalhador, a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado (1918) que traz princípios a serem
adotados e o Tratado de Versalles em 1919, no qual está presente a Constituição da Organização Internacional do Trabalho, garantindo os direitos sociais fundamentais
para os que assinaram o tratado.  A conquista desses direitos humanos aconteceu graças as lutas operárias ao longo de todo o século XIX; como conseqüência ocorreu que
eles começaram a ser escritos em tratados, constituições. Embora ainda no século XIX tenham ocorrido inúmeras lutas e posteriormente, no início do século XX, esses
direitos foram reconhecidos, o grande avanço na consolidação desses direitos foi no pós II Guerra Mundial, pois até então, embora fossem reconhecidos por cartas
constitucionais, esses direitos não tiveram tempo suficiente para se consolidarem, visto que o intervalo entre as duas Guerras Mundiais foi extremamente pequeno.
Dentre os vários movimentos operários em busca de direitos podemos destacar o cartismo (1837‐1848), movimento que ocorreu na Inglaterra, berço da Revolução
Industrial. Os trabalhadores buscavam um redução da jornada de trabalho e a busca de outros direitos. Também na Inglaterra no ano de 1864 foi fundada a Primeira
Internacional Operária. Em 1871 ocorreu a Comuna de Paris, de curta duração e que marcou as divergências entre Marx e Bakunin, sendo que para muitos foi a única
experiência socialista, mesmo tendo durado muito pouco. Depois temos a Segunda Internacional Operária, conforme Vincentino descreve:
“Numa nova ascensão trabalhista,foi fundada a Segunda Internacional Operária (1889), com um sentido mais reformista e menos revolucionário, adotando os ideais da
Social‐Democracia Alemã, primeiro partido político socialista. Agora defendia‐se que o socialismo seria alcançado lentamente, pelas reformas, pelo voto, pela via
parlamentar. Mas a união dos trabalhadores foi breve: no início do século XX os marxistas revolucionários, liderados pelo russo Vladimir Lênin e pela alemã Rosa
Luxemburgo, opuseram‐se aos moderados”.[1]
Como se nota os direitos humanos, excluindo as liberdades públicas, sempre foram conseguidos através de lutas da classe trabalhadora, pois os burgueses conseguiram o
status e as condições de liberdade para produzir e a partir desse momento não contribuíram em nada para uma humanização, pois depois que chegaram ao poder
mantiveram a estrutura de opressão à classe trabalhadora, isso fica bem claro que os direitos surgem por reivindicações da parte trabalhadora, e somente após inúmeras
batalhas é que os direitos são reconhecidos e solidificados por documentos legais.
Os direitos embora sejam um ensejo popular, eles precisam que a sociedade se habitue com eles, pois é primeiro necessário que sejam vigentes para depois tornarem‐se
eficazes. Nessa geração diferentemente da primeira, os direitos contidos nela não são os de fazer, mas sim os de exigir.
Após os direitos humanos de segunda geração surgem os de terceira geração, também chamados de direitos de solidariedade destacando‐se o direito à paz, o direito ao
desenvolvimento, o direito ao meio ambiente e o direito ao patrimônio comum da humanidade, o direito a autodeterminação dos povos, entre outros. Esses direitos, que
ainda estão sendo absorvidos pela consciência humana, não estão completamente consolidados. Também não há um marco definidor, ou seja, uma data para se dizer que
a partir dela ocorreu a formação dessa geração de direitos humanos. Na Constituição brasileira temos alguns artigos que tratam sobre os direitos humanos, o artigo quinto
sobre os direitos individuais, os artigos n. 6, 7, 193, 194, 196, 205 sobre os direitos sociais, o artigo quarto e o duzentos e vinte e cinco sobre o meio ambiente e também o
cento e oitenta e dois que trata sobre o zoneamento, ocupação do território urbano, o que não deixa de ser uma preocupação como o meio ambiente.
Há ainda alguns que consideram existir direitos humanos de quarta geração. Bonavides (2003, p. 571) define os direitos de quarta geração assim: “São direitos da quarta
geração o direito à democracia, o direito à informação, e o direito ao pluralismo.” Esse pluralismo é a globalização e todas as possibilidades surgidas devido a melhoria dos
diversos recursos disponíveis e bem definidos ficam na palavra pluralismo, porque é impossível definir precisamente algo como a globalização, devido ao fato de ela
assumir diversas formas em cada área que chega, ficando esse pluralismo uma palavra vaga, ampliando e muito o sentido a que se propõe.
Interessante é uma crítica feita por Bonavides (2003, p. 571‐572) a respeito da denominação em gerações: “Força é dirimir, a esta altura, um eventual equívoco de
linguagem: o vocábulo ‘dimensão’ substitui, com vantagem lógica e qualitativa, o termo ‘geração’, caso este último venha a induzir apenas sucessão cronológica e,
portanto, suposta caducidade dos direitos das gerações antecedentes, o que não é verdade.” A essa denominação dos direitos humanos em gerações, uma vez que com
perfeição ele destaca o fato de não se tratar de substâncias imiscíveis, pois cada vez em que surgem novos direitos humanos, eles não são colocados separados dos
outros, eles fazem parte de um todo e esse todo não está dividido, mas sim composto por todas as gerações, uma se soma a outra. A denominação mais correta é falar em
dimensões e não em gerações, porque elas não são coisas estanques.
Não é possível deixar de lembrar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, elaborada por pessoas conceituadas. Essa declaração data do ano de 1948, vale lembrar o
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motivo dessa data é que recém havia acabado a II Guerra Mundial e fazia‐se necessário resguardar os direitos humanos, pois esses viam‐se em um momento chave, pois
como respeitar‐se os direitos humanos após uma guerra tão sangrenta. Essa declaração que contêm trinta artigos, já no seu preâmbulo traz que os direitos humanos são:
“[...] o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, a fim de que todos os indivíduos e todos os órgãos da sociedade, tendo‐a constantemente no
espírito, se esforcem, pelo ensino e pela educação, em promover o respeito a esses direitos e liberdades e em assegurar, por medidas progressivas de ordem nacional e
internacional, o seu reconhecimento e a sua aplicação universais e efetivos, tanto entre a s populações dos Estados‐membros como entre as dos territórios colocados sob
a sua jurisdição”.[2]
O intuito dos direitos humano é bastante claro, conforme foi enunciado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, o objetivo é assegurar progressivamente e para
todos os direitos humanos. Acontece que o contexto dessa declaração já foi mencionado anteriormente e também a declaração pode ter vindo em uma época em que o
objetivo não era somente respeitar os direitos humanos, mas também procurar acalmar um possível ódio revanchista por parte dos derrotados na II Guerra Mundial.
Embora possa parecer fachada é importante ressaltar que essa previsão que ocorre no preâmbulo que medidas progressivas nacionais e internacionais venham a confirmar
os direitos humanos, isso está acontecendo:
“Além da Declaração Universal, outros instrumentos representam as lutas tradicionais pelos povos para livrarem‐se da opressão, do preconceito, da violência e do
arbítrio. Entre esses instrumentos estão: a Declaração de Tunis – Reunião regional para a África, de novembro de 1992; a Declaração de San José – Reunião regional para a
América Latina e o Caribe, de janeiro de 1993; a Declaração de Bancoc – Reunião regional para a Ásia, de março de 1993; todas reafirmando seu compromisso com os
princípios definidos na Declaração Universal de 1948; e a Declaração do Cairo sobre os direitos humanos no Islã, de 1990, que adota os direitos humanos como expressão da
vontade divina, declarando que a violação a qualquer direito fundamental constitui um pecado abominável (preâmbulo). Essas declarações serviram como documentos
preparatórios para a Conferência Mundial de Direitos Humanos, em Viena, no ano de 1993 [...]”[3] 
Embora essas declarações ao redor do mundo venham a ratificar o que pretende a Declaração Universal, fica um ponto de interrogação até onde isso é verdade, ou são
mais e mais compromissos que os Estados assumem, mas na prática nada acontece, um bom questionamento presente até os dias de hoje e que somente o desenrolar do
desenvolvimento humano poderá responder.
Após haver sido feita uma apreciação sobre os direitos humanos, dentre os vários quesitos, é possível tentar analisar o Código de Hamurabi e nele tentar enxergar pelo
menos um humanitarismo, uma vez que não se pode falar em direitos humanos.
3. Alguns aspectos sobre o Código de Hamurabi
3.1 Histórico
Para que possa ser compreendido pela maneira que o trabalho pretende, é necessário abordar a questão cronológica, histórica e também a respeito de onde encontra‐se
essa civilização em que o Código de Hamurabi surgiu. O Código de Hamurabi foi a primeira legislação escrita de que se tem notícia. O local de origem é a Mesopotâmia no
século XVIII antes de Cristo. Hamurabi foi o fundador do Primeiro Império Babilônico, (conseguindo unificar a região). Esse império formou‐se devido à invasão dos amoritas
que derrubaram os acádios. Essa regiãodo planeta possui dois rios importantíssimos que são eles o Tigre e o Eufrates, por isso o nome mesopotâmia que significa terra
entre rios. Devido a essa situação é que na legislação encontramos artigos que tratam sobre a irrigação, regulamentam a profissão de barqueiro, isso já mostra a
importância da água (não somente como a necessidade física que as pessoas têm) para essa civilização. Os artigos 53, 55 e 56 respectivamente mostram alguns aspectos
que envolvem a água:
‐ Se alguém é preguiçoso em ter em boa ordem o próprio dique e não o tem em ordem, e em conseqüência nele produziu‐se uma fenda e os campos da aldeia foram
inundados pela água, aquele em cujo dique produziu‐se a abertura deverá ressarcir o grão que fez perder
‐ Se alguém abre seu reservatório de água para irriga, mas é negligente, e a água inunda o campo do seu vizinho, deverá ressarcir o grão conforme o produzido pelo
vizinho.
‐ Se alguém deixa passar a água, e a água inundar o cultivo do vizinho, deverá indenizá‐lo pagando para cada dez ‘gan’ (medida de superfície) dez ‘gur’ (medida de
volume) de grão.[4]
Os artigos acima citados são aqueles que tratam sobre a questão da irrigação e delitos que poderiam surgir devido a qualquer deslize no uso da água, prevendo penas
para os negligentes ao não fazerem o uso correto A presença de três artigos para mostrar o que deveria ser feito quando ocorresse algum problema com a irrigação de
algum campo demonstra claramente que a água tinha uma importância muito acentuada, já que são apenas duzentos e oitenta e dois artigos, sendo assim, é um número
considerável de artigos para essa questão. O que importa não são as penas para os delitos que surgem a partir da irrigação, mas sim o fato da grande importância que têm
os rios, sendo que a atividade econômica desenvolvia‐se em torno da sua exploração.
Para enxergar a finalidade do surgimento dessa legislação é interessante ver o prólogo, no qual está escrito o seguinte: “[...] por esse tempo Anu e Bel me chamaram, a
mim Hamurabi, o excelso príncipe, o adorador dos deuses, para implantar justiça na terra, para destruir os maus e o mal, para prevenir a opressão do fraco pelo forte,
para iluminar o mundo e propiciar o bem‐estar do povo [...]” (Harper, apud Altavila, 2001, p. 38)
Com isso fica claro que pelo menos o objetivo aparente dessa legislação era trazer a justiça, muito embora a maioria dos seus duzentos e oitenta e dois artigos sejam
taliônicos. Na análise dessa suposta justiça é que há alguns direitos muito humanitários, ao contrário da pena de morte que está na maioria dos outros artigos. Entretanto
para efetivamente considerar esse humanitarismo é que se faz necessário uma interpretação um pouco subjetiva.
O Código é pequeno, tendo no original três mil e seiscentas linhas, sendo essas linhas ordenadas em duzentos e oitenta e dois artigos, dos quais não se tem
conhecimento completo de sua redação pois o que se encontra são cópias dos artigos perdidos, não o original, pois o Código  de Hamurabi foi escrito/ gravado em um
bloco, sendo que parte desses artigos foram apagados quando o bloco foi levado para Susa, confiscado depois de uma guerra. Sendo assim alguns artigos ficaram com a sua
compreensão comprometida completamente e outros parcialmente. Alguns artigos daqueles que foram apagados tem‐se o conhecimento devido existência de cópias.
Atualmente o bloco original em que foi escrito o Código encontra‐se no museu do Louvre, na cidade de Paris.
3.2 Legislações posteriores ao Código de Hamurabi
Embora o Código de Hamurabi seja o mais antigo, é valido lembrar a existência de outras legislações também bastante antigas, como é o caso do Código de Manu, que é
uma legislação surgida na Ásia, também é importante lembrar a Legislação Mosaica, esta que é o Antigo Testamento da Bíblia, ou seja, a maneira como os judeus
deveriam comportar‐se. Com relação à Legislação Mosaica é interessante o fato de algumas disposições do Antigo Testamento terem uma semelhança incrível com o
Código de Hamurabi, o que mostra que não existe uma conexão e que não pode ser discriminado o Código e adorado o Antigo Testamento, somente pelo fato de este ser
religioso. As semelhanças não ocorrem ao acaso, tudo o que é criado, seja na área do direito, seja em qualquer área do conhecimento necessita de subsídio, para que o
novo possa ser construído, é necessário estudar, conhecer o velho. Muito interessante é a comparação feita por Carletti (1986, p.22) entre alguns artigos do Código de
Hamurabi e a Bíblia, mostrando a semelhança existente pelo menos no espírito e a finalidade da existência das disposições tanto no Código quanto na Bíblia. Mostra uma
semelhança inimaginada, algo que não parece ser verdade.
O confrontamento entre o Código de Hamurabi e a Bíblia ajuda a quebrar o estigma da pena de morte no Código de Hamurabi e fica evidenciado que não era
exclusividade daquela legislação. Ambos possuem a pena de morte e o nível de crueldade é semelhante.
Essa semelhança entre ambas as legislações pode a princípio chocar um pouco, pois as religiões são vistas muitas vezes com o objetivo de promover o amor, a paz. Então
fica evidente que nem somente de doces palavras e atitudes bonitas está constituída uma religião.
O Código de Hamurabi contribui para a sua época e de alguma maneira não deixa de estar presente até hoje, pois há países em que até os dias de hoje prevalece a
máxima olho por olho dente por dente, isso quando é lembrado o aspecto penal que previa a pena de morte para compensar supostos crimes cometidos.
3.3 Aspectos Comuns Sobre o Código de Hamurabi
A abordagem sobre o talião é o que mais comum pode ser feito com essa legislação que tão estigmatizada está porque nela encontra‐se o talião, já que este é o assunto
mais conhecido sobre essa legislação. O talião está presente na maior parte dos duzentos e oitenta e dois artigos. É interessante mostrar através de alguns artigos a
maneira como funcionava o talião, pois pode parecer chocante a condenação à pena de morte, mas era uma condenação bastante usual pelo menos na legislação, já que
muitos delitos acabam tendo com sanção punitiva o talião, ou às vezes a pena de morte.
Antes mesmo de comentar alguma coisa a respeito do que enunciavam os artigos, vale lembrar o misticismo dessa civilização, pois para provar a inocência, às vezes o
indivíduo tinha que passar por provas místicas mesmo que não houvesse nenhum indício que levasse a acreditar que ele era culpado. Exemplo bem claro desse
misticismo e do aspecto sobre a pena de morte estão presentes no artigo 2 do Código de Hamurabi, estando escrito o seguinte:
“Se alguém apresenta uma imputação de encantamento contra um outro e não pode prová‐lo, e aquele ao qual a imputação de encantamento é apresentada, vai ao rio,
pula no rio, se o rio o agarra, aquele que acusou deverá receber como posse a sua casa. Mas se o rio demonstra sua inocência e ele fica ileso, aquele que apresentou a
imputação deverá ser morto, aquele que pulou no rio deverá receber como posse a casa do seu acusador”.[5] 
Já no segundo artigo do Código está presente a lei do talião e o aspecto místico somente vêm a confirmar o espelho da sociedade que é o Código, pois embora não esteja
escrito em lugar algum do Código, infere‐se que a população é politeísta. Com relação aos sistemas místicos de provas, também há de se lembrar dos ordálios que eram
formas de provas utilizadas durante a Idade Média. Sendo assim o sistema místico também não pode ser considerado um completo absurdo para a época, pois foi usado
durante toda a Idade Média, somente entrando em desuso com a introdução de provas racionais, as quais foram introduzidas pela Igreja Católica Apostólica Romana.
É bastante interessante o fato de o Código de Hamurabi receber a nomenclatura de código, mas na realidade como é a única legislação daquele povo, ele não deveria
receber a nomenclatura código, tendo em vista que não apresenta‐se da maneira de um código, noçãoesta de código que foi concebida após o Código Civil Napoleônico.
Vale lembrar que o Código de Hamurabi é uma legislação que está composta por vários fragmentos, sendo alguns civis, outro penais, alguns referentes ao direito do
trabalho. Surpreende no Código de Hamurabi a previsão de que poderiam ser elaborados contratos, prática essa que parece ser de origem burguesa, para que os
empregadores possam escolher quem e como querem contratar e os empregados possam negociar diretamente com o empregador as condições. A previsão e a liberdade
21/03/2015 O Código de Hamurabi através de uma visão humanitária ­ Penal ­ Âmbito Jurídico
http://www.ambito­juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4113 3/5
que é dada para redigirem contratos é mais um ponto que vêm colaborar com o pensamento de esta não ser uma legislação marginal. Voltando ao assunto sobre os
contratos, eles eram gravados em tábuas de argila. Outro ponto de grande evolução é que os contratos poderiam ser rescindidos, por motivos diversos. A rescisão
contratual era realizada da seguinte maneira, caso ela ocorresse, a tábua de argila em que o contrato estava gravado era umedecida, ficando então ilegível o que nele
estava escrito, ocorrendo então a rescisão.  
3.4 Divisão do Código de Hamurabi
O Código de Hamurabi como bem sabemos não apresenta a configuração de um codificação como conhecemos, pois a conformação como existe nos dias atuais somente
surgiu com o Código Civil Napoleônico. Então a legislação de Hamurabi não deveria receber essa denominação, mas não é essa a questão que se pretende abordar. Sendo
uma legislação que não apresenta a divisão como um código é interessantíssimo o trabalho de E. Bergmann o qual faz a divisão dos artigos da seguinte maneira:
I – Leis para punir possíveis delitos praticados durante um processo judicial (§ 1 – 5)
II – Leis que regulam o direito patrimonial (§§ 6 ‐ 126)
III – Leis que regulam o direito de família e as heranças (§§ 127 – 195)
IV – Leis para punir lesões corporais (§§ 196 – 214)
V – Leis que regulam os direitos e obrigações de classes especiais (§§ 215 – 240) a) Médicos (§§215 – 223) b) Veterinários (§§ 224 – 225) c) Barbeiros (§§ 226 – 227) d) Pedreiros
(§§ 228 ‐ 233) e) Barqueiros (§§ 234 – 240)
VI – Leis que regulam preços e salários (§§ 241 – 277)
VII – Leis adicionais que regulam a posse de escravos (§§ 278 – 282)[6]
Com esta divisão, mesmo sem ler o Código de Hamurabi, já nota‐se que é uma legislação cheia de imperfeições (lacunas), isso não quer dizer que as legislações de hoje
sejam completas, pois se fossem não ocorreria a necessidade de um juiz ter que julgar algo que não está escrito na lei. Não há legislação completa e perfeita, o máximo
que se pode tentar dizer é que hoje possuímos um ordenamento jurídico que aí está para que não ocorram casos que não estejam nele contidos. Embora o Código de
Hamurabi possua várias lacunas e por esse e outros motivos como o aspecto taliônico é que essa legislação não consegue uma boa projeção, pelo menos no lado do direito,
pois não há como negar que é muito bem lembrado quanto ao aspecto histórico, tendo em vista o fato de ter sido o primeiro. As lacunas existentes no Código não são
difíceis de serem encontradas, exemplo disso é o fato de somente as classes profissionais especiais é que tinham as suas atuações regulamentadas. As outras profissões
em qual dispositivo legal deveriam amparar‐se. Porque somente algumas classes eram previstas? Eis uma questão que fica no ar e sobre a qual podem ser feitas
suposições tentando encontrar o real motivo, mas a verdade é que mesmo na Antigüidade já existiam outras profissões, se não podemos chamar de profissões, com
certeza encaixam‐se como ocupações e aí notamos a omissão da Legislação de Hamurabi.
Ao contrário da classificação sugerida por Bergman que divide os duzentos e oitenta e dois artigos do Código em sete tipos diferentes, Hugo Winker faz a divisão em
quatorze partes que são as seguintes:
“I – Encancantamentos, juízos de Deus, falso testemunho, prevaricação dos juízes. (Do parágrafo 1 a 5)
II – Crime de furto e rapina, reivindicação de móveis. (Do parágrafo 6 a 25)
III – Direitos e deveres dos oficiais, dos gregários em geral.(Do parágrafo 26 a 41)
IV – Locação em regime geral dos fundos rústicos, mútuos, locação de casas, doações em pagamento. (Do parágrafo 42 a 65)
V – Relação entre comerciantes e comissionários. (Do parágrafo 100 a 107)
VI – Regulamento das tabernas (taberneiras prepostas, polícia, penas e tarifas). (Do parágrafo 108 a 111)
VII – Obrigações (contratos de transportes, mútuos), processo de execução e servidão por dívidas. (Do parágrafo 112 a 119)
VIII – Contratos de depósitos (Do parágrafo 120 a 126)
IX – Injuria e difamação (Parágrafo127)
X – Matrimônio e família, crimes contra a ordem da família, contribuições e doações nupciais, sucessão. (Do parágrafo 128 a 184)
XI – adoção, ofensa aos genitores. Substituição do recém‐nascidos. (Do parágrafo 185 a 195)
XII – Crimes e penas (lesões corporais) talião, indenização e composição. (Do parágrafo 196 a 214)
XIII – Médicos e veterinários, arquitetos e barqueiros (mercés, honorários e responsabilidade), choque de navios. (Do parágrafo 215 a 240)
XIV – Seqüestro, locações de animais, trabalhos nos campos, pastores, operários. Danos, furtos de utensílios para água, escravo (ação redibitória, responsabilidade por
evicção, disciplina). (Do parágrafo 241 a 282)”[7]
Este maior detalhamento feito nesta divisão nada mais é do que a ampliação do significado do primeiro. Entretanto há de se ressaltar que este último deixa bem claro
que o Código de Hamurabi não é somente morte e disposições penais como é divulgado por muitos. Também não chega a ser uma legislação completa e perfeita, até
porque isso não existe, mas sem a menor dúvida é uma legislação de grande valor e que traz alguns princípios que, com certeza, foram adotados por legislações
posteriores e que entraram no mundo do direito, não da maneira como no Código está exposto, mas de uma forma como a dos assuntos versados pelo Código que até hoje
existem legislações a respeito.
Algo muito interessante no Código de Hamurabi são as leis que regulam os salários e os preços das mercadorias. A princípio isso pode parecer simploriedade, mas nisso é
que entra algo que foge, em muito, das disposições penais e abrangem um aspecto social, um aspecto econômico, e aí podemos inferir a existência de direitos humanos
de segunda geração, algo que somente surgiu no século XX e que de uma maneira bem escondida, bem rudimentar já estava presente na primeira legislação que se tem
conhecimento, aí já é possível enxergar que essa legislação não merece ser marginalizada e apenas ser dado um valor histórico e não axiológico. Pela legislação de
Hamurabi as pessoas que detinham uma menor condição financeira pagavam menos por determinados produtos e serviços, ao passo que aqueles detentores de condições
financeiras boas pagavam mais. Vejamos o que diz o Código nos artigos 215, 216, 217 respectivamente:
‐ Se um médico fez em um awilum uma incisão difícil com uma placa de bronze e curou o awilum ou (se) abriu a nakkaptum de um awilum com uma fac de bronze e
curou o olho do awilum: ele tomará 10  siclos de prata.
‐ Se foi o filho de um muskênum: tomará 5 siclos de prata.
‐ Se foi um escravo de um awilum, o dono do escravo dará ao médico 2 siclos de prata.[8]
Esses três artigos podem ter inúmeras interpretações, a mais comum com certeza seria a de mostrar claramente a existência de uma discriminação. Entretanto o lado
escuro, ou seja, aquele não visto pelos olhos das pessoas mais apressadas, as quais não enxergam o grande lado social presente nesses artigos. O social é pelo fato de que
aqueles possuidores de riqueza pagavam mais pelo mesmo serviço do que aqueles com menos posses. A fim de esclarecer, awilum era a classe superior, muskênum era
uma intermediária e escravoera escravo.
Como negligenciar esse aspecto que se não pode ser considerado um direito humano, com certeza é uma humanização da legislação, pois se essa legislação fosse como é
divulgada, uma legislação que somente trata sobre assuntos penais e que não é uma evolução, tanto que é dado muito mais importância ao Direito de outros povos e o
babilônico fica com aquele estigma de ser um povo com uma legislação de relevância somente histórica. Por isso é necessário analisar o Código e nele tentar encontrar
artigos com fundamentação e que lá estão presentes e que ficam escondidos, pois somente são mostrados aqueles que tratam sobre o talião, já que é aquilo que mais se
mostra quando sobre o Código de Hamurabi se fala. Apesar de apresentar direitos que somente foram existir formalmente como direitos humanos, poderia chamar‐se uma
visão humanitária presente no Código. Não se pretende dizer que a Legislação de Hamurabi foi essencial para a construção dos direitos humanos, mas também não quer
dizer que como não se pode falar em direitos humanos, pelo menos e com certeza pode ser feita essa análise humanista. Para demonstrar que não se pretende “colocar”
direitos humanos no Código, basta lembrar que nele não há nada de direitos humanos de primeira geração, como as liberdades. Em liberdade não se pode falar, porque
nada havia de liberdade nessa legislação, também não é possível dizer igualdade, um símbolo dos direitos humanos de segunda dimensão, mas com certeza não há como
deixar de lembrar dos direitos econômicos que também fazem parte da segunda dimensão e estes com alguma rudimentaridade estão presentes e por isso, faz‐se
necessário considerar a existência de humanitarismo, o qual somente podemos depreender analisando situações posteriores, que vêm a ser os direitos humanos e assim
tentar consolidar uma visão um pouco mais crítica sobre o Código, pois além de seu aspecto histórico, não há como negar o valor de seu conteúdo.
Com a finalidade de complementar a questão dos direitos humanos de segunda geração, vale citar alguns artigos da Constituição alemã de Weimar de 1919 (mesmo tendo
sido uma Carta que propiciou o surgimento da liderança de Hitler e com ele o nazismo). Sobre essa constituição Ferreira Filho (2005, p. 49) mostra alguns artigos que
revelam o seu aspecto social e revelador de direitos humanos de segunda dimensão: “A propriedade acarreta obrigações. Seu uso deve visar o interesse geral (artigo
153), a repartição de terras (reforma agrária) (art. 155), a possibilidade da ‘socialização’ de empresas (art. 156), a proteção ao trabalho (art. 157), o direito da
sindicalização (art 159), a previdência social (art. 161), a co‐gestão de empresas (art. 165).” Esses artigos mostram que a realidade no que diz respeito a segunda dimensão
dos direitos humanos é bastante complexa e não tão simples como aparece no código de Hamurabi, mas retomando o ponto não há como negar que lá estejam presentes
alguns tópicos bastante simples e em um sentido muito mais humanista, mas lá estão. Esses artigos também vêm a comprovar que a segunda dimensão, são direitos que
aqueles que podem usufruir deles devem exigir e não simplesmente o fazer como seria na primeira, visto que muito mais da organização estatal do que do indivíduo é a
ligação, pois o Estado tem a obrigação de realizar alguns desses direitos e outros o Estado tem que fiscalizar para confirmarem se as entidades particulares estão
cumprindo. Na constituição Mexicana também estão presentes o direitos sociais, e os econômicos.
21/03/2015 O Código de Hamurabi através de uma visão humanitária ­ Penal ­ Âmbito Jurídico
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Já em relação ao meio ambiente também existia regulamentação, ou seja, existia uma preocupação com o meio ambiente, sendo assim vale destacar que a preocupação
com o ambiente somente surge com os direitos de terceira geração. Mais este aspecto somente confirma o fato de a Legislação de Hamurabi ser de grande valia, porque
somente no século passado é que organismos como a ONU, em sua Declaração Universal dos Direitos Humanos começaram a preocupar‐se com o ambiente, como negar a
existência de artigos que estão no Código de Hamurabi. O artigo 42 do Código de Hamurabi dispõe o seguinte: “Se um awilum arrendou um campo para cultivá‐lo e não
produziu grão no campo; comprovarão contra ele que não trabalhou o campo convenientemente e ele dará ao proprietário do campo grão correspondente (à produção)
de seu vizinho.”[9] Nesse artigo que trata sobre o meio ambiente está bem claro que o que se deseja é que a propriedade tenha função, poderá se dizer que era porque
o pagamento do arrendamento era feito com parte da produção, mas também não pode ser deixado de lado a função social que está presente nas linhas do artigo, pois a
preocupação com a improdutividade deixa claro que se somente o interesse fosse no pagamento não haveria a necessidade de enunciar a palavra improdutividade, uma
vez que esta está intimamente ligada à questão social. Essa questão do meio ambiente entra muito mais na preocupação social do que na questão do desenvolvimento
sustentável do meio ambiente. Mesmo não tratando sobre o desenvolvimento sustentável, de maneira bem clara e objetiva que o meio ambiente está envolvido, caso
contrário existiria um artigo que trataria genericamente sobre o recebimento de arrendamento, sem especificar sobre o que se tratava simplesmente de uma maneira
genérica e indistinta. O ambiente não é mero plano de fundo na Legislação de Hamurabi, pois caso fosse assim, conforme já foi mencionado não existiria a menor
necessidade de enunciar a palavra meio ambiente e ligá‐la a palavras de cunho social tão relevantes como é o caso da palavra improdutividade.
Uma questão bastante pertinente e que por si só faz com que necessite ser abordada é a respeito do Estado, se assim podemos dizer, pois no próprio Código, a
nomenclatura utilizada para designar aquela fonte emanadora de poder era o Palácio. Entretanto, para uma melhor compreensão a palavra Estado é mais fácil para ser
entendida, uma vez que entende‐se melhor assim, como o lugar de onde vem o poder do que a denominação Palácio. Mesmo sabendo que para muitos Estado somente
fica devidamente constituído quando estão presentes os três elementos essenciais, que são: povo, território e governo soberano. Como o assunto que está sendo debatido
não diz respeito à formação, mas várias correntes que dão significados diferentes para esta palavra, pode parecer que este breve esclarecimento seja inútil, mas não é,
já que é bom ficar esclarecido que não está sendo cometido um erro de nomenclatura pelo desconhecimento. O que occorre é a dificuldade de encontrar uma palavra
que defina com perfeição a situação encontrada naquele lugar.
Sendo assim, o que é interessante é o fato de o Estado assumir a responsabilidade de indenizar a pessoa que havia obtido ganho de causa e quem devia indenizar a
pessoa era o Estado. Em alguns casos o Estado mesmo sem ser o responsável em ressarcir determinada pessoa, ele assumia o ônus. O comportamento que o Palácio tinha
é de um enorme humanitarismo, pois caso a sociedade fosse uma sociedade sem direito e que as pessoas não tinham direitos a nada, somente obrigações, com certeza
essa legislação que previa isso com certeza deveria ser reconhecido o mero papel histórico, todavia não é isso que acontece com o Código de Hamurabi. O objetivo não é
considerar que o Código de Hamurabi é uma legislação com inúmeras virtudes e nenhum defeito, não é isso, o que se quer e está tentando ser feito é demonstrar
através de artigos presentes no Código é que ele transcende o aspecto histórico e que realmente é um início para o futuro das legislações que vieram após ele.
Os artigos 23 e 24 do Código de Hamurabi vêm a comprovar que o “Estado” se responsabilizava por atos que não haviam sido cometidos por ele, estando assim disposto:
‐ Se o assaltante não foipreso, o awilum assaltado declarará diante de todos os seus objetos perdidos; a cidade e o governador, em cuja terra e distrito foi cometido o
assalto, o compensarão por todos os objetos perdidos.
‐ Se uma vida (o que se perdeu), a cidade e o governador pesarão uma mina de prata para a sua família.[10]
Depois de haver lido esses dois artigos é impossível querer rotular o Código de Hamurabi como uma legislação que somente preconizava a pena da compensação fosse no
aspecto que fosse, não era somente talião. Foi uma legislação de grande importância para a época, seja em razão desses artigos igualitários, ou pelo fato do talião, pois
estava a abrir portas para um futuro tão rico que estava e ainda está por vir, visto o desenvolvimento humano não ter limites.
Pensando bem, que maravilha é o governo assumir a responsabilidade por um delito que não foi ele quem cometeu, somente para deixar bem assistidos aqueles a que
aconteceu alguma coisa. O artigo vinte e quatro trazendo para a realidade atual, é um tipo de previdência social, porque fornece a família do falecido um suporte
financeiro. Isso é realmente fantástico, tendo em vista que o “Estado” está a preocupar‐se com os membros da sociedade. Esse zelo para com as pessoas não acontece
nem hoje em dia, isso que estamos em uma sociedade com um alto grau de desenvolvimento, existindo inúmeras declarações de Direitos Humanos, que são ratificados
paulatinamente tanto nacionalmente como internacionalmente.
4. Sociedade vista através do Código de Hamurabi
Um fato que faz com que o Código de Hamurabi mereça uma avaliação, um exame mais aprofundado é o fato de nem todas as pessoas serem consideradas iguais, ou seja,
a sociedade era estratificada. As disposições contidas nele determinam qual comportamento é pertinente para cada classe e qual cabe a outra, também ocorre de a
classe social mais elevada, os awilum terem boas regalias, não sofrendo sanções tão severas quanto as outras, essa classe estava no topo da pirâmide social.
Embora seja uma legislação que não apresente nenhum ponto democrático, desde sua promulgação, ou melhor, desde quando entrou em vigor. É bastante interessante,
mesmo assim tentar fazer uma análise social partindo dos seus artigos, porque ainda que não seja legítima devido ao fato de nem todos terem participado de sua
elaboração, não era fruto da vontade geral, ela apresenta aqueles que faziam parte da sociedade. Torna‐se então interessante tentar compreender a organização a
partir dos artigos, que eram os que regiam os comportamentos, a sociedade deveria comportar‐se respeitando o Código de Hamurabi.
Com relação às disposições presentes no Código elas contemplam todas as classes, mas podemos observar claramente que a legislação é feita com total parcialidade em
favor da classe superior, ou seja, da classe awilum, pois a maior parte dos artigos dão a entender que somente os awilum têm direitos, pois em sua maioria aparecem a
palavra awilum e não qualquer expressão mais genérica que poderia demonstrar imparcialidade. A interpretação mais fácil de ser alcançada é que a classe awilum era a
superior, podendo até inferir que não existiam outras classes, somente não ocorre isso, pois em alguns artigos aparece o nome das outras classes. Pode ocorrer até que
quem lê alguns artigos possa pensar que a palavra awilum é um sinônimo para cidadão, pessoa. Fica claro que o Código não se importa com a população em geral, mas sim
com a classe awilum. Como é bastante óbvio a classe superior era a que detinha as melhores condições.
No artigo 271 está escrito o seguinte: “Se um awilum alugou animais, um carro e seu condutor, dará três parsiktum de grão por dia.”[11] No 272 está escrito o seguinte:
“Se um awilum alugou só o carro dará 4 uitum de grão por dia.”[12] Esses dois artigos demonstram claramente que o Código não considera a todos como iguais, pois se
assim fosse qual a necessidade de se especificar qual a classe, simplesmente seriam enunciado os artigos com as seguintes redações: Se um cidadão do reino alugou
animais, um carro e seu condutor, dará três parsiktum de grão por dia (artigo 271). Se um cidadão do reino alugou só o carro dará 4 uitum de grão por dia. A palavra
cidadão teria um sentido mais igualitário, caso cidadãos fossem considerados todas as pessoas que pertencessem ao reino, sem fazer distinção a respeito de classe social.
Entretanto, assim não é e por isso é que cada classe tem o seu nome especificado, pois as leis são específicas para cada classe social. Os artigos são dirigidos basicamente
a três classes sociais.
Justamente nesse ponto é dito que a classe awilum era a mais nobre, todavia tinha ela que arcar com maiores custos, muitas vezes tendo que pagar mais por
determinados serviços e nisso é que se infere um suposto humanitarismo, não direitos humanos porque isso é posterior e são de uma enorme complexidade, mas esse
humanitarismo, ou qual é o nome que pode ser dado para isso, com certeza está presente e não pode ser desconsiderado, visto a alta importância de uma visão assim em
uma época tão remota.
5. Conclusão
O Código de Hamurabi que tem uma grande importância histórica, pois foi a primeira legislação escrita de que se tem notícia, além desse aspecto histórico, apresenta
alguns artigos de uma incrível justiça. Não somente o talião está presente no Código de Hamurabi, mas também disposições de um alto valor humanitário, conforme o
trabalho tentou mostrar. Outro ponto faz com que essa legislação seja analisada de uma maneira menos preconceituosa é o fato de a Bíblia apresentar fragmentos que
são extremamente parecidos com o Código de Hamurabi.
A visão sobre essa legislação tem que deixar de ser apenas histórica e passar a considerar que, com certeza, essa foi uma fonte de Direito, ainda que com os seus
inúmeros defeitos, mas defeitos esses que não podem esconder as grandes previsões que lá estão contidas, pois como negar a existência de um direito contratual, a
previsão de artigos que regulavam profissões, entre outros pontos que vêm a confirmar a sua importância. Sobre o direito contratual, quão evoluído era para uma
primeira legislação a previsão de que poderia haver rescisão contratual.
Impossível também é negar que existia um certo humanitarismo, mesmo sendo em um pequeno número de artigos, mas lá está presente. O palácio real assumia
responsabilidades de indenizar as pessoas quando constatado que elas eram beneficiárias, existia uma indenização para a família da pessoa que viesse a falecer. Nisso
entra uma suposta previdência social, ou seja, direitos humanos de segunda dimensão. Também há o fato de a classe social mais privilegiada pagar mais por serviços do
que as outras classes.  A conclusão que o trabalho pretende alcançar é mostrar que O Código de Hamurabi apesar de ter na maior parte dos duzentos e oitenta e dois
artigos aspectos taliônicos, também existe um aspecto humanitário e que dá uma contribuição para o Direito. Não se quer inventar nada, apenas mostrar que o Código de
Hamurabi não é apenas o talião e que a partir disso não se tenha a visão de essa legislação ser a primeira e que todas as penas têm sua máxima no olho por olho dente
por dente.  
 
Bibliografia
ALTAVILA, Jayme de. Origem dos Direitos dos Povos. 9. ed. São Paulo: Cone, 2001.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil – 1988. 38. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
CARLETTI, Amilcare. Brocardos Jurídicos. São Paulo: Universitária de Direito, 1986.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos humanos e cidadania. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2004.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
21/03/2015 O Código de Hamurabi através de uma visão humanitária ­ Penal ­ Âmbito Jurídico
http://www.ambito­juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=41135/5
  
LOCHE, Adriana et al. Sociologia Jurídica. [s. l.]: [s.e.], [s.d.].
Notas:
[1] VICENTINO, Cláudio; DORIGO, Gianpaolo. História para o Ensino Médio: história geral e do Brasil,. 2001, p. 346.
[2] DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. In: DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos humanos e cidadania,2004, p. 105.
[3] LOCHE, Adriana et al. Sociologia Jurídica, [s. d.], p. 96.
[4] CÓDIGO DE HAMURABI. In: CARLETI, Amilcare. Brocardos Jurídicos, 1986, p. 169‐170. 
[5] CÓDIGO DE HAMURABI. In: CARLETI, Amilcare. Brocardos Jurídicos, 1986, p. 161.
[6] CARLETI, Amilcare. Brocardos Jurídicos, 1986, p. 69.
[7] CARLETI, Amilcare. Brocardos Jurídicos, 1986, p. 159.
[8] CÓDIGO DE HAMURABI. In: CARLETI, Amilcare. Brocardos Jurídicos, 1986, p. 142.
[9] CÓDIGO DE HAMURABI. In: CARLETI, Amilcare. Brocardos Jurídicos, 1986, p. 87.
[10] CÓDIGO DE HAMURABI. In: CARLETI, Amilcare. Brocardos Jurídicos, 1986, p. 81‐82
[11] CÓDIGO DE HAMURABI. In: CARLETI, Amilcare. Brocardos Jurídicos, 1986, p. 154.
[12] CÓDIGO DE HAMURABI. In: CARLETI, Amilcare. Brocardos Jurídicos, 1986, p. 154.
Vinicius Mendez Kersten
Informações Bibliográficas
 
MENDEZ KERSTEN, Vinicius. O Código de Hamurabi através de uma visão humanitária. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, X, n. 42, jun 2007. Disponível em: <
http://www.ambito‐juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4113
>. Acesso em mar 2015.
O Âmbito Jurídico não se responsabiliza, nem de forma individual, nem de forma solidária, pelas opiniões, idéias e conceitos emitidos nos textos, por serem de inteira responsabilidade de seu(s) autor(es).

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