Buscar

Ilegalidade da condução coercitiva

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 5 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

ILEGALIDADE DA CONDUÇÃO COERCITIVA
A condução coercitiva está prevista no art. 260 Código de Processo Penal, in verbis:
Art. 260. Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença.
Parágrafo único. O mandado conterá, além da ordem de condução, os requisitos mencionados no art. 352, no que lhe for aplicável. (grifos nossos)
Note-se, de plano, analisando tão somente o texto legal, que a ordem de condução coercitiva de investigados ou acusado à presença das autoridades públicas está condicionada, de forma inexorável, ao não atendimento à intimação para comparecimento e realização do ato então determinado. São, pois, premissas da condução coercitiva: (i) primeiro, que haja prévia intimação do investigado ou acusado para comparecimento perante a autoridade emissora da ordem; (ii) segundo, que o destinatário dessa intimação a tenha descumprido sem qualquer justificativa idônea.
Nada mais lógico. Qualquer ato de coerção tem como escopo forçar alguém a cumprir alguma obrigação em razão do fato de ele ter apresentado um comportamento anterior de insubordinação, desinteresse ou indiferença quanto ao cumprimento da ordem lhe fora imposta. Mas, se ao sujeito não é dada a oportunidade de cumprir espontaneamente o que lhe fora determinado, sendo-lhe, ao contrário, imposto imediatamente um ato coercitivo, a hipótese será de manifesto exercício arbitrário do poder.
Portanto, sob uma ótica legalista, para se aferir a justeza e conveniência de qualquer determinação de condução forçada, há que se verificar se o sujeito a ser conduzido, de fato, deixou de atender a algum chamado prévio da autoridade competente.
Aprofundando-se na análise, com um enfoque constitucional, a condução coercitiva mostra-se ainda mais problemática, por se mostrar contrária às garantias do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, da liberdade e da presunção de inocência.
O processo penal radicado na ordem democrática deve prezar pelo respeito aos direitos e garantias fundamentais durante todo o seu curso. A proteção desses direitos e garantias é, pois, mais que uma finalidade a ser alcançada ao fim do processo, é verdadeira condição de legitimidade e de procedibilidade do ato de processar. Se assim não o fosse, o procedimento tornar-se ia instrumento desregrado, sem qualquer garantia de tratamento equilibrado, imparcial e isonômico ao indivíduo processado.
Assim, o fato de o indivíduo estar implicado numa persecução penal não o torna sujeito aos mais diversos abusos decorrentes do uso arbitrário dos poderes pelas autoridades públicas. A Constituição Federal garante que o imputado penal (ou o investigado) não será transformado num inimigo do Estado, alijado do grupo social, da civilidade e de todos os seus direitos individuais, sujeito a toda forma de intervenção em sua esfera individual.
O processo penal como instrumento limitador dos poderes de investigar, acusar e julgar impõe que os atos determinados em seu curso, mormente aqueles de cunho coercitivo e de restrição a direitos fundamentais, tenham a respectiva justificação legal e constitucional. Não se pode ordenar restrições a direitos sem a demonstração de sua necessidade e de sua conformidade com a ordem jurídica. Do contrário, estar-se-á diante do mais irracional, abusivo e antidemocrático exercício do poder de punir.
Dito isso, vislumbra-se uma absoluta falta de justificação constitucional à forma sistemática que a condução coercitiva fora determinada nesse processo e em tantos outros, mormente naqueles relativos a grandes operações policiais, de intensa repercussão midiática. A medida tornou-se ato arbitrário dos órgãos estatais, violadora dos direitos fundamentais: (i) ao devido processo legal; (ii) à ampla defesa e ao contraditório, (iii) à liberdade; e (iv) à presunção de inocência.
A ordem de condução coercitiva é associada ao exercício de um famigerado “poder geral de cautela” da autoridade judicial. Alega-se que se o juiz pode o mais – decretar a prisão preventiva ou temporária – pode o menos – ordenar a condução coercitiva, a pretexto de preservar as investigações e as provas. No entanto, no processo penal, não há um “poder geral de cautela”; se existe a necessidade de se preservar os fins do processo, ante um suposto receio de obstrução às investigações e de desfazimento de provas, que isso seja demonstrado e que sejam decretadas as medidas legalmente previstas para essa finalidade (busca e apreensão, prisão temporária, prisão preventiva).
Ora, o processo não é outra coisa senão instrumento de controle e limite do exercício do poder punitivo e as medidas restritivas de direitos fundamentais só podem ser nele determinadas nos estritos termos da lei.
Nesse sentido, só se pode cogitar na conveniência da condução forçada dos acusados e investigados se ordenada nos moldes do art. 260 do CPP, isto é, somente depois de haver descumprimento de intimação pelo indivíduo a ser conduzido. Em outros termos, a condução forçada só pode ser ordenada como forma de coerção ao sujeito que desobedece, injustificadamente, prévia intimação da autoridade competente. Do contrário, a medida será manifestamente contrária à garantia do devido processo legal (art. 5º, LIV, da CRFB/1988), violadora, inclusive, da letra da lei.
Resta violado, ainda, a garantia à ampla defesa e ao contraditório (art. 5º, LV, da CF), uma vez que a condução forçada impede o acusado de conhecer suficientemente os fatos que são imputados contra ele. Surpreendido com a ordem de condução coercitiva, sem qualquer intimação prévia, o investigado ou o réu não possuirá condições necessárias nem tempo hábil para elaborar a sua versão dos fatos e apresentar suas razões e justificativas. Sendo o interrogatório verdadeiro ato de autodefesa, evidente que a condução forçada obsta que o interrogando exerça efetivamente o seu direito.
Além disso, o direito à liberdade (art. 5º, caput, da CF) é inegavelmente restringido à medida que o indivíduo é conduzido à força até a autoridade sem haver necessidade para isso. Se o interrogatório é um momento para investigado ou réu se autodefender, não há justificativa para forçar o interrogando a comparecer a tal ato. Até porque a ele é garantido o direito ao silêncio, não sendo obrigado a produzir provas contra si. Tanto o é, que o art. 367 do CPP estabelece que o processo seguirá à revelia do acusado que, citado ou intimado, deixar de comparecer ao ato, sem motivo justificado.
Nessa linha, consignou o Min. Gilmar Mendes (ADPF 444 MC / DF,), ao deferir a liminar para vedar a condução coercitiva de investigados para interrogatório:
Como se verá com mais vagar, a condução coercitiva no curso da ação penal tornou-se obsoleta. A partir da Constituição de 1.988, foi consagrado o direito do réu de deixar de responder às perguntas, sem ser prejudicado – direito ao silêncio. A condução coercitiva para o interrogatório foi substituída pelo simples prosseguimento da marcha processual, à revelia do acusado – art. 367 do CPP, com redação dada pela Lei 9.271/96.
[...]
A condução coercitiva representa uma supressão absoluta, ainda que temporária, da liberdade de locomoção. O investigado ou réu é capturado e levado sob custódia ao local da inquirição. 
Há uma clara interferência na liberdade de locomoção, ainda que por um período breve. (grifos nossos)
Não suficiente, a condução coercitiva viola também a presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF), por ensejar o tratamento do conduzido como culpado ainda no curso da investigação. A presunção de que o indivíduo, caso não compareça perante a autoridade pública, irá atrapalhar as investigações, destruir provas ou combinar versões com os demais envolvidos, representa tratamento não condizente com a aludida garantia constitucional.
Nessa linha, registrou o Min. Gilmar Mendes, na ADPF 444:
A restrição temporária da liberdade mediante condução sobcustódia por forças policiais em vias públicas não são tratamentos que normalmente possam ser aplicados a pessoas inocentes. O investigado conduzido é claramente tratado como culpado. (grifos nossos)
Por tudo isso, num primeiro plano, é de se ver que a condução coercitiva determinada sem que o indivíduo conduzido tenha descumprido, injustificadamente, prévia intimação trata-se de medida manifestamente contrária ao disposto no art. 260 do CPP, bem assim à garantia do devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF).
Num segundo plano, verifica-se a contrariedade à Constituição da condução forçada de investigados ou acusados para interrogatório, visto que esta impossibilita o interrogando de elaborar sua versão dos fatos e suas razões (violação à ampla defesa e ao contraditório); impele-o a comparecer a um ato que é destinado precipuamente ao exercício de sua autodefesa e no qual ele poderá manter-se em silêncio (violação à liberdade de locomoção); e, por fim, impõe-lhe tratamento como se culpado fosse, antes do término do processo penal, presumindo-se seu intento de obstruir a persecução penal (violação à presunção de inocência).

Outros materiais