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A origem do conceito de Teologia (1)
O termo teologia não é de origem cristã.
O termo teologia, hoje tão popularizado, não é de origem cristã. Seu uso, na Igreja, só ocorre a partir do século V, na patrística grega. 
Embora Agostinho se refira à "vera theologia", contrapondo-a à teologia pagã, seu emprego na patrística latina será raro. 
Somente através de Pedro Abelardo, no século XII, o termo ganhará espaço na Igreja latina.
1. NO MUNDO GRECO-ROMANO.
Q. Mucio Scaevola, nos começos do século I antes de Cristo, propôs uma repartição pessoal dos deuses em três categorias: a) os deuses que foram introduzidos pelos poetas; b) os deuses introduzidos pelos filósofos; c) os deuses introduzidos pelos homens de Estado, isto é, pelos políticos.
Um pouco mais tarde, a divisão de Varrão entre teologia fabulosa, natural e civil, apenas adota e explicita este quadro. 
Ora, essa divisão revela, de fato, um estado de consciência histórica da religião romana, armadura antes de tudo social e política do Estado-Império.
Mais tarde, Proclo, ao elaborar a teologia platônica, designará por teologia o ensino concernente aos deuses, seja ele de origem filosófica, seja dos poemas órficos, seja ainda dos oráculos caldaicos. 
Mas Proclo indica também sua origem: "Toda teologia é filha da mistagogia de Orfeu“.
Tomás de Aquino e a definição da teologia.
Tomás de Aquino, respondendo à questão se a idolatria é uma espécie de superstição, diz: 
"Estas duas últimas opiniões (a existência de Deus sumo, causa de tudo e das almas dos corpos celestes) diziam constituir a teologia fisica, que os filósofos estudavam no mundo e ensinavam nas escolas. — 
Quanto à outra, a do culto dos homens, diziam pertencer à teologia mitológica, representada nos teatros pelas ficções dos poetas. — 
E, enfim, a outra, — a das imagens consideradas como pertencentes à teologia civil, celebrada pelos pontífices nos tempos“.
“A sagrada doutrina tudo trata com referência a Deus ou das coisas que lhe digam respeito, como princípio e fim. Pelo que, é Deus verdadeiramente objeto desta ciência... Todos os demais assuntos tratados na doutrina sagrada estão incluídos em Deus, não como partes, espécies ou acidentes, mas como a ele de certo modo ordenados” (S. Th. I, q. 1, a. 7).
A teologia pagã do mundo greco-romano.
Conforme este texto, a teologia pagã do mundo greco-romano estava dividida em três classes ou gêneros: a mitológica, a fisica e a civil. 
Esta classificação não é tomista. Santo Tomás a encontrou, certamente, em Agostinho, na obra A cidade de Deus VI, 5. 
Por sua vez, Agostinho não fez senão reproduzir a definição clássica de Varrão, que se encontra em seu tratado De rebus divinis. Varrão escreveu no século I a.C. 
Ele quis fazer um compêndio da religião romana. Nela, distingue três aspectos: filosófico, mítico e civil. 
Esta divisão, contudo, não lhe é original, pois, segundo testemunho de Agostinho, remontaria ao sumo pontífice Scaevola, da época de Varrão. 
Já anteriormente a Agostinho, a esta classificação alude Tertuliano em Adversus naturam II, 1 e 2.
Os três gêneros da teologia pagã.
Os três gêneros da teologia pagã encontram-se referidos por Agostinho, conforme a citação acima, do seguinte modo: 
"Que significa o que diz sobre os três gêneros de teologia, quer dizer, da ciência dos deuses, cujos nomes são: um mítico, outro fisico e outro civil? 
Em latim, se o uso permitisse, ao primeiro gênero chamaríamos fabular, mas chamemo-lo fabuloso. 
Chamou-se mítico, de fábula, porque em grego mitos significa fábula. 
A linguagem costumeira já permite dar-se ao segundo o nome natural. 
O terceiro foi ele mesmo que o expressou em latim, chamando-o civil. 
Logo a seguir, declara: "Chamam-no mítico porque usado principalmente pelos poetas, fisico, porque o manu­seiam os filósofos, e civil, porque o empregam os povos".
Teólogos eram poetas, como Homero, Orfeu, Hesíodo.
Teólogos eram, portanto, poetas, como Homero, Orfeu, Hesíodo, enquanto explicavam o mundo como atividade dos deuses. 
Compunham, propriamente, teogonias. Davam explicação mitológica do mundo, fornecendo material abundante para os prosadores das praças, os montadores de peças de teatro. 
Poderíamos dizer que esta era uma teologia das ruas, das praças, dos teatros. Tratava-se da teologia da credibilidade ou superstição popular. 
É, talvez, por essa razão que Platão empregou o termo teologia para designar a mitologia em seu valor educativo. Assim, Platão pretende fazer servir o mito à educação da juventude. 
Ora, o mito é particularmente eloqüente sobre a vida imoral dos deuses e se compreende as conseqüências desastrosas que acarretaria sua apresentação. 
Os poetas devem, pois, produzir um discurso sobre os deuses que seja edificante. O logos sobre os deuses nasce assim de propósito político, de objetivo educacional, da preocupação de obter bons exemplos. A teologia é a correção necessária do mito. 
Que os deuses sejam bons, não compete ao mito decidir, mas ao político, que tem necessidade, para assegurar o sucesso do Estado, que os deuses sejam bons. Que o poeta-teólogo sirva, pois, a razão de Estado ou que se cale.
Para Aristósteles a teologia era parte da Metafísica.
Oposta à teologia dos poetas, isto é, à fábula, à mitologia, está a meteorologia. Esta trata de maneira mais científica os corpos celestes. 
Para Aristóteles, por exemplo, a teologia é a parte da metafisica que trata da causa primeira, da divindade. Dessa maneira, Aristóteles emprega o vocábulo em sentido novo. 
Dividindo a ciência em três partes, em fisica, matemática e teológica, consigna à teologia novo campo de aplicação, identificando-a com a filosofia primeiras. 
Ela torna-se o vértice da filosofia. Para ele, "a filosofia primeira ou teologia" considera as causas supremas do mundo astral divino e visível. Mas é no livro XII da Metafísica que Aristóteles apresenta uma doutrina filosófica sobre Deus.
Com a obra pseudo-aristotélica De mundo, a teologia passa a ser propriamente uma meteorologia. Visto que os deuses já não são os do Olimpo, e sim o próprio cosmo, opera-se a passagem para uma religião cósmica.
Ocupava-se da teologia do ponto de vista dos costumes e da conduta humana.
Como a religião sempre foi a mola-mestra do Estado, o legislador e o educador devem se ocupar da teologia do ponto de vista dos costumes e da conduta humana. 
Por isso, Platão tenta extrair e apresentar cientificamente o núcleo dessas narrativas do seu invólucro mitológico. Não fora assim, Sócrates, seu mestre, não teria morrido vítima desta necessidade imperiosa e deste esquema. 
Assim, na vida religiosa do povo, fazer teologia significava prestar homenagem com canto de louvor em honra ao deus da cidade, aos deuses da nação, prestar reverência e não desacatar jamais seus desígnios. 
Nos regimes onde os imperadores e reis se faziam passar por divindades, fazer teologia era honrar o imperador-rei como a um deus. Por isso, a teologia pagã, especialmente a civil, tinha o exercício público e privado da vontade dos cidadãos por função especial. 
A teologia civil era fundada pelos legisladores do Estado. Sob o império romano, teologia se refere praticamente ao culto público, de cunho político, dirigido ao imperador. 
Ela significava, então, atribuir qualidades divinas ao imperador; reconhecê-lo como deus; louvá-lo e honrá-lo como um deus. Por aí se compreende por que os judeus e cristãos foram perseguidos no império romano como ateus. Eles se recusavam a prestar este culto. Não faziam teologia.
2. No Cristianismo.
A palavra teologia passou, como tantas outras, da linguagem eclesiástica, pela transposição do grego e do latim, para as línguas modernas. 
Rejeitando a concepção pagã da divindade, os primeiros escritores cristãos viam o termo com muita suspeita, ao ponto de se fazer distinção entre a teologia verdadeira (a cristã) e a falsa (a pagã).
Orígenes fala de teologia como o "discurso sobre Deus e sobre Cristo" (sermo de Deo et Christo), embora continue empregando o termo também no sentido
pagão.
O fazer teologia política-civil é cristianizado: significa confessar Jesus Cristo como o verdadeiro Senhor-Deus.
Eusébio de Cesaréia e a adoção do termo teologia.
Parece ter sido Eusébio de Cesaréia quem mais contribuiu para que a Igreja do oriente adotasse o termo. 
São dele estas expressões: "a teologia segundo Cristo" ou "discurso sobre o Cristo Deus". Em sua obra Preparação evangélica VII, 1.2, a "teologia mentirosa" designa as crenças e os cultos dos pagãos. 
Por outro lado, chama Moisés de "teólogo" e de "teologia" a doutrina do Deus único e criador. 
Na História eclesiástica I, 1.7, Eusébio distingue a teologia da "economia". Este termo passará a indicar a salvação operada por e em Jesus Cristo.
A teologia como discurso sobre o Deus verdadeiro.
A partir do século IV, teologia significa, na patrística grega, "discurso sobre o Deus verdadeiro". Ocorre, no entanto, sob influên­cia da teologia bizantina do século IV, especialização importante. 
Começam os "teólogos" a distinguir entre teologia e economia (oikonomia), isto é, a teologia do mistério de Cristo. 
Teologia significa, então, a doutrina da Trindade, aquela doutrina que concerne propriamente à doutrina da divindade em si, distinguindo-a do discurso sobre a economia cristã da salvação. 
Esta distinção entre teologia e economia tornou-se clássica, posteriormente, também nas igrejas latinas. 
Contudo, em autores como Tertuliano, Taciano, oikonomia significa o sentido da comunicação das pessoas divinas entre si (questões trinitárias). A oikonomia assegura a monarquia, a unidade das três pessoas divinas.
No início o termo teologia não encontrou acolhida fácil.
Como observamos de início, o termo teologia não encontrou acolhida fácil, especialmente nas igrejas latinas. De fato, é só no século XII, com Abelardo, que a teologia começará a ser concebida como ciência a ser empregada habitualmente.
Para Abelardo, teologia designa propriamente o tratado "sobre Deus", e a teologia de Cristo é chamada beneficia. Mas definições abelardianas não conseguem vingar e a teologia medieval permane­ceu fiel à expressão agostiniana de "doctrina christiana" para indicar a "sacra doctrina".
Nem mesmo Tomás de Aquino emprega o termo teologia com freqüência. Sob influência de Aristóteles, emprega-o em sentido totalmente diverso do atual. 
Fala da metafisica como de "ciência divina" ou teologia, opondo-a à "teologia que os filósofos elaboram". 
Igualmente, na Suma teológica I, q. i a i, santo Tomás fala da "teologia atinente à sagrada doutrina", opondo-a à "teologia que integra a filosofia"". Trata-se da distinção entre o ensino da filosofia pagã sobre Deus e do ensino cristão.
Os termos “sacra doctrina” e “teologia”.
Em santo Tomás, elaboração teológica é aquela que considera as coisas a partir da "causa primeira", Deus, enquanto a consideração "filosófica" as encara no seu valor próprio, natural.
Tudo isto indica que sequer na alta idade média, a teologia possui ainda o sentido que lhe damos hoje. 
Foi sobretudo a teologia especulativa que provocou a substituição do termo "sacra doctrina" pelo termo "teologia". 
O apelativo "magister in sacra pagina" foi substituído pelo de "magister in Summa Theologica". 
O termo, hoje clássico, teologia nasceu, portanto, sob o signo exclusivo da teologia especulativa.
Na teologia clássica, tradicional, o termo teologia designa o estudo, a ciência sobre Deus.
Na teologia clássica, tradicional, o termo teologia designa o estudo, a ciência sobre Deus. Contudo, este "estudo ou ciência sobre Deus" é abrangente. 
A única "sacra doctrina" da idade média irrompeu, na época moderna, em toda uma série de disciplinas independentes. Antes de tudo, como "teologia não escolástica", apareceu a "teologia ascética", "teologia mística", "teologia espiritual", "teologia moral", "teologia apologética".
Na escolástica moderna, dá-se uma degradação do conceito tomista de teologia, reduzindo-se seu caráter científico à sistemati­zação clara e à exposição didática das teses já estabelecidas, seja pelos autores reconhecidos, os "doutores da Igreja", seja pelo próprio magistério eclesiástico. 
A partir daí, a reflexão teológica empregou como objetivo o esclarecer e defender a verdade já adquirida e formulada pelo magistério. O método teológico perde sua radicalidade questionante, e as respostas dadas são, antes, formula­ções claras de verdade já sabida que considera supérfluxo e perigoso abrir-se à confrontação crítica.
Concepção um tanto positivista da teologia foi superada aos poucos pelas concepções progressistas.
Esta concepção um tanto positivista da teologia, enquanto hermenêutica e didática de dogmas e textos já estabelecidos pre-dominantemente na base de argumentos de autoridade, começa a ser superada definitivamente com as teologias progressistas, de fundo antropológico, que prepararam o concilio Vaticano II.
Atualmente, a reflexão teológica recuperou, parece-nos, seu caráter crítico questionante. 
Embora os teólogos dos países ricos estejam condicionados normalmente em seu fazer teologia pela posição social e acadêmica que ocupam e que torna difícil um questionamento global e radical dos próprios pressupostos na aproximação da teologia à realidade histórica, há entre eles inquietações, dissonâncias quanto a este fazer teológico. 
Talvez, a definição mais aberta e avançada que a teologia progressista européia tenha elaborado seja esta: "A teologia é ‘ciência da fé’, quer dizer, o aclarar e explicar reflexiva e metodicamente a revelação de Deus compreendida e aceita na fé.
A teologia no contexto da América Latina.
No contexto latino-americano, no âmbito da teologia da libertação, a teologia é definida como "reflexão crítica da práxis histórica à luz da Palavra". 
Dado que a fé não é crença intelectual em determinadas verdades já reveladas uma vez por todas, mas resposta total do homem a Deus, ela implica a conversão real em solidarie­dade com os oprimidos. 
Esta solidariedade se traduz na práxis libertadora. Assim, a vida na fé é tanto o ponto de partida como também o ponto de chegada do fazer teológico. Crer e compreender estão em relação circular. 
"Neste contexto, a teologia será reflexão crítica desde e sobre a práxis histórica em confrontação com a palavra do Senhor vivida e aceita na fé (...). Será reflexão sobre a fé como práxis libertadora". 
Deve-se, também, levar em conta a obra de Hugo Assmann, Teología desde la praxis de la libertaciónl', cujo título, com a preposição desde, quer indicar a mudança de perspectiva significada pela teologia da libertação, diante das outras correntes teológicas modernas e diante das tentações dos cristãos, especialmente eclesiásticos, de adotarem a linguagem da libertação sem opção comprometida pelo processo real da libertação e com o conseqüente esvaziamento desta teologia.
A teologia como estudo da relação Deus-homem na história.
Assim, a teologia da libertação não busca cultivar uma ciência do divino, ou uma ciência do Deus-em-si, mas centra seu interesse reflexivo sobre a relação Deus-homem na história. 
A novidade radical desta teologia, que certamente erradica o caráter mitológico, fabuloso, poético e politico, no sentido empregado pelos greco-romanos, isto é, enquanto se recusa a estar a serviço das ideologias dominantes, opressoras, provém, a nosso parecer, da identificação da fé com a práxis libertadora enquanto ponto de partida e de chegada da reflexão teológica.
Bibliografia:
FRANGIOTTI, R. História da teologia. Período Patrístico. São Paulo: Paulinas, 1992.
___________. História da teologia. Período Medieval. São Paulo: Paulinas, 1992.
___________. História das heresias (Séculos I-VII). São Paulo: Paulus, 1995.

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