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Prévia do material em texto

A MULHER EM 
SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Direção Editorial 
 
Lucas Fontella Margoni 
 
 
 
Comitê Científico 
 
 
Prof.ª Dr.ª Raquel Fabiana Lopes Sparemberger 
Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP) 
 
Prof.ª Dr.ª Daniela Pires de Oliveira 
Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP) 
 
Prof.ª Me.ª Thaís Teixeira Rodrigues 
Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A MULHER EM 
SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
Uma análise à luz da criminologia feminista ao 
papel social da mulher condicionado pelo 
patriarcado 
 
 
 
Camila Belinaso de Oliveira 
 
φ 
Diagramação e capa: Lucas Fontella Margoni 
Arte de capa: Graça Craidy 
 
O padrão ortográfico, o sistema de citações e referências bibliográficas são 
prerrogativas do autor. Da mesma forma, o conteúdo da obra é de inteira e 
exclusiva responsabilidade de seu autor. 
 
 
Todos os livros publicados pela Editora Fi 
estão sob os direitos da Creative Commons 4.0 
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR 
 
 
http://www.abecbrasil.org.br 
 
 
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) 
OLIVEIRA, Camila Belinaso de. 
 
A mulher em situação de cárcere: uma análise à luz da criminologia feminista ao papel 
social da mulher condicionado pelo patriarcado [recurso eletrônico] / Camila Belinaso de 
Oliveira - Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2017. 
 
147 p. 
 
ISBN - 978-85-5696-219-5 
 
Disponível em: http://www.editorafi.org 
 
1. patriarcado; 2. mulher; 3. criminologia; 4. feminismo; 5. cárcere. I. Título. 
 
CDD-340 
Índices para catálogo sistemático: 
1. Direito 340 
 
AGRADECIMENTOS 
 
De início, quero agradecer à minha mãe e ao meu pai pelo 
cuidado, pelo amor e pela oportunidade de estudo – privilégio de 
poucos na sociedade brasileira, já que uma ínfima parcela da 
população consegue acessar e concluir o ensino superior. Agradeço 
por estarem presentes nos bons, mas, principalmente, nos maus 
momentos, quando tanto precisei. Obrigada pelos abraços, pelo 
apoio e pelo carinho imensurável. Nesse sentido, expresso eterna 
gratidão à minha madrinha-tia-mãe-irmã e amiga, Ângela, e aos 
meus tios-irmãos, Ana e Paulo. 
O curso de graduação em direito propicia, a meu ver, duas 
possibilidades: a de se enclausurar entre papéis e reproduzir um 
sistema falho de justiça, ou a de compreender que justiça é, na 
realidade, um sofisma, que necessita de resistência e envolvimento 
dos/as profissionais na sociedade, nos movimentos e na cidade, a 
fim de encontrar resoluções coletivas. Assim, obrigada às 
professoras e aos professores que, no decorrer de suas vidas de 
ensino, apresentaram incansavelmente seus conhecimentos. Em 
especial às/aos que permitiram diálogos, mudanças e divergências; 
agradeço às/aos que amam ensinar e o fazem nunca de maneira 
neutra. Betânia de Moraes Alfonsin, Daniela Pires, Raquel Lopes 
Sparemberger, Renata Dotta e Thais Rodrigues: agradeço à 
Fundação Escola do Ministério Público e a cada uma em especial, 
por ensinarem a refletir sobre a sociedade e a aplicar o direito 
como método de transformação social. Ainda, à Thais e à Raquel 
como incentivadoras deste trabalho. 
 Ao Coletivo de Mulheres Maria Lacerda, que luta por uma 
sociedade equitativa, por ensinar outra face da amizade entre 
mulheres através de laços fortes e (des)construtivos. Dafne 
Nogueira e Sophie Dall’Olmo: registro a minha admiração, minha 
sororidade e meu orgulho por todas vocês. 
 Às minhas amigas e colegas de graduação, por todo apoio e 
cumplicidade, pelos estudos, pelo incentivo. À Ana Julia Saraiva e à 
Caroline Rocha de Abreu: muito obrigada, nada termina aqui. 
Às amigas e aos amigos, pelas aventuras em Direito 
Internacional, cujos aprendizados permitem uma outra forma de 
perceber e trabalhar o direito e os direitos humanos. Em nome da 
amiga Marina Rosa, pela sensibilidade e certeza de que nuestro 
norte es el sur, toda minha admiração por vocês. 
Às amigas e aos amigos de longa data, que desde muito 
anos estão presentes na minha vida e, consequentemente, na 
minha graduação, dando seus conselhos, compartindo experiências 
e, principalmente, compartilhando dos mais sinceros abraços. 
Ao Tiago, companheiro, por todo amor, cuidado e respeito. 
Acredite sempre na minha admiração pela pessoa que és. 
Às colegas de trabalho, por todos os ensinamentos e pela 
paciência, pelo ambiente compreensivo. Que venha mais um ano 
juntas e com novos projetos. 
 Por fim, dedico este trabalho às mulheres da minha vida, 
em especial à minha querida avó materna, que há pouco nos 
deixou e dividiu comigo tantas histórias e tantos momentos felizes, 
e que sempre questionou sua condição de ser mulher, em silêncio. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“Nunca se esqueça de que basta uma crise política, 
econômica ou religiosa para que os direitos das 
mulheres sejam questionados. Esses direitos não são 
permanentes. Você terá que manter-se vigilante 
durante toda a sua vida. ” 
 
Simone de Beauvoir 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
INTRODUÇÃO ................................................................................... 13 
 
CAPÍTULO I: .................................................................................... 21 
O OUTRO: O QUE SIGNIFICA SER MULHER NA SOCIEDADE PATRIARCAL? 
 
2.1 A Gênese do Patriarcado .................................................................... 21 
2.2 Os tempos, suas manifestações e suas exclusões ............................ 31 
2.3 As estruturas de poder e as suas opressões ..................................... 43 
 
CAPÍTULO 2 ...................................................................................... 53 
UM OLHAR FEMINISTA À CRIMINOLOGIA 
 
3.1 As faces do pensamento criminológico ............................................. 53 
3.2 A criminalidade e as inter-relações com o discurso criminológico: o 
controle social (formal e informal) do papel da mulher ....................... 65 
3.3 Da criminologia crítica à criminologia feminista ........................... 86 
 
CAPÍTULO 3 ...................................................................................... 99 
EL EXTREMO DEL ENCIERRO CAUTIVO 
 
4.1 A presa e a presidiária ........................................................................99 
4.2 A situação da mulher no cárcere .................................................... 107 
4.3 Um eco das vozes silenciadas ........................................................... 114 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................. 133 
PARA QUE(M) SERVE SEU CONHECIMENTO? 
 
REFERÊNCIAS ................................................................................. 139 
 
INTRODUÇÃO 
 
 Refletir a mulher no extremo de sua privação decorre da 
minha condição de mulher, estudante e futura profissional do 
direito, campo conservador e permeado de desconfiança. Observar 
e indignar-se são fundamentais para a problematização do sistema 
patriarcal, que insere a mulher na situação de cárcere através da 
aplicação de tipos penais construídos de forma seletiva, e 
duplamente seletiva quando aplicados à mulher, sendo 
questionáveis, portanto, os motivos determinantes que 
criminalizam certos comportamentos e quais as raízes dessas 
condenações. As violências estruturais contra as mulheres ocorrem 
em todas as áreas sociais e em todos os períodos históricos, sendo 
que o âmbito penal representa o grau máximo de violência, pois 
priva de liberdade mulheres cujas condutas sãoidentificadas como 
desviantes por um sistema machista, punitivista e inquisitorial. 
 A privação de liberdade é um eufemismo, pois pretende 
silenciar uma série de violações já sofridas pelas mulheres, 
consequentes de sua socialização impetuosa e condicionante ao 
papel social de inferioridade, que tem como regra o controle de sua 
sexualidade pelas instituições de poder. As características comuns 
entre as mulheres presas não são coincidências, apenas 
representam a perseguição instituída pelos controles formais e 
informais a todas as mulheres que questionam sua condição, que 
rompem com as expectativas da sociedade patriarcal, bem como a 
todas que ousam desvirtuar-se por amor. Atenta-se que, para toda 
e qualquer análise da condição e da situação das mulheres, deve-se 
considerar, para além do esperado comportamento natural – dócil 
e maternal – da mulher, os recortes de classe e cor, que são 
condicionantes da seletividade do sistema penal, caracterizado pela 
discriminação a certos padrões de mulheres conduzidas ao cárcere 
e, assim, ao esquecimento. 
Ir à raiz dos problemas e pretender uma mudança é o que 
o movimento feminista tem pautado desde os primórdios, tendo 
extrema relevância a partir das décadas de 60 e 70 do século XX, 
14 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
quando as mulheres obtiveram, após muita resistência, a ocupação 
de representatividades antes limitadas apenas aos homens. No 
entanto, uma das estratégias do patriarcado é incluir mulheres nos 
espaços públicos, legislando – a título de exemplo, temos as 
parcelas determinadas que cabem às mulheres para cargos 
eletivos. Ou seja, se destina às mulheres uma representação de 
poder a partir de índices e porcentagens estabelecidas em lei, com 
o fim único de mascarar uma mudança. Assim, é cada vez mais 
necessário nomear o patriarcado e propulsionar novos espaços de 
discussão para novas estratégias, com ênfase para a libertação das 
mulheres, o que é diferente do “empoderamento”, pois representa 
uma luta coletiva da mulher pela mulher a partir do entendimento 
de que o Estado é um homem, de que a história é narrada e 
interpretada pelo olhar da dominação masculina e das opressões 
patriarcais, que condicionam e naturalizam a inferioridade das 
mulheres. 
Por conseguinte, o objeto desta pesquisa é compreender a 
relação entre o papel social da mulher e os fatores estruturantes da 
criminalidade feminina. Pretende-se um diálogo entre o 
patriarcado e o extremo da violência estrutural contra a mulher: a 
situação de cárcere. Dessa forma, a partir de uma metodologia 
dialética e indutiva, serão identificados, no pensamento 
criminológico, alguns pontos significativos para a construção de 
uma lógica persecutória da mulher, pela presença de 
comportamentos entendidos como desviantes e anormais. Ainda, 
considerando os dados particulares dos diálogos realizados com 
mulheres em situação de cárcere na Penitenciaria Estadual 
Modulada de Ijuí, propõe-se observar o que dizem as vozes 
silenciadas dessas mulheres, os motivos que as levaram a estar 
encarceradas, quais suas violências, suas dores e suas pretensões. 
O trabalho está dividido em três capítulos, que versam, 
respectivamente, sobre o patriarcado, a criminologia e a mulher 
em situação de cárcere. Em um primeiro momento, analisa-se a 
gênese do patriarcado e o alcance desse sistema, que configurou a 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 15 
 
visão sobre o feminino de forma violenta, e que desde os 
aprendizados da infância começa a se instalar na consciência de 
ambos os sexos para delinear seu futuro, moldando a mente dos 
indivíduos de tal forma que a desconstrução do modelo assimilado 
se torna difícil, já que ele passa a ser um traço cultural da 
sociedade na qual se insere. 
O segundo capítulo destina-se ao entendimento da 
criminologia e as etapas de construção da criminologia crítica, em 
que se estabelece a discussão sobre a recente criminologia 
feminista. Assim, uma leitura das principais escolas da 
criminologia e a construção das criminologias antecede a análise 
do controle social formal e informal e suas inter-relações com o 
papel social da mulher, para, então, discorrer sobre a criminologia 
crítica e os contrapontos da criminologia feminista. A relação entre 
criminologia e feminismo apresenta várias fases de atração e 
repulsão; na década de setenta, por exemplo, Carol Smart, 
socióloga e feminista, acreditava que a criminologia feminista 
estava ao lado de outras existentes, como a radical e da classe 
trabalhadora, uma vez que a tradicional ignorava as mulheres. 
Assim, as feministas e as/os estudiosas/os sugeriram o repúdio 
total à criminologia atuante, sugerindo a quebra de um paradigma 
e uma nova perspectiva, a ser construída a partir da experiência 
das mulheres (feminist standpoint ou apenas standpoint). 
Entretanto, a resistência iniciada nos anos 90 do século XX 
apresentou uma série de novos estudos e divergências quanto ao 
objetivo do campo de pesquisa, indagando a pretensão à formação 
de uma criminologia transgressora ou de uma ciência sucessora. 
Então, o surgimento de novas criminologias, como a multiétnica e 
queer, além de acrescer à ambiguidade dos estudos, fragmentou a 
realidade do campo, o que torna razoável o questionamento em 
relação à existência de uma criminologia feminista, uma vez que 
presentes as condições necessárias para o desenvolvimento dessa 
perspectiva em criminologia. 
16 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
Cabe ressaltar que tanto as teorias feministas como a 
criminologia estão marcadas por referências estrangeiras e, como 
salienta Raul Zaffaroni, todo o processo de recepção e tradução das 
teorias estrangeiras ao contexto local não escapou do colonialismo, 
o que faz importante conhecer o sujeito que as recepciona e 
perceber como estão entrelaçadas as estruturas de poder. A 
realidade brasileira configurou o feminismo de modo diferente aos 
países centrais, sendo a luta pela redemocratização do país, nas 
décadas de sessenta a oitenta, uma condicionante para que o 
feminismo pautasse liberdades democráticas e direitos humanos, 
especialmente introduzindo questões das mulheres na discussão, 
enquanto que, ao mesmo tempo, o feminismo estadunidense 
aprofundava o debate quanto à subordinação e ao direito das 
mulheres. 
O feminismo segue problematizando categorias que 
sustentam suas políticas e avança para novas fronteiras de 
conhecimento, apresentando novos contrapontos, como o do 
feminismo pós-moderno, que defende que as narrativas 
explicativas das opressões das mulheres já não se sustentam mais, 
o que, infelizmente, leva à tentativa de desconstrução de 
pensamentos fundantes do movimento que ainda não foram 
esgotados. Assim, as atuais problematizações e novos 
contrapontos, quando levados ao encontro da criminologia, não 
prosperam, não rompem paradigmas, pois a ausência da inclusão 
de gênero em todo o discurso criminológico, mesmo na 
criminologia crítica, torna impermeáveis tais aproximações. A 
omissão do gênero e das opressões das mulheres é verificada 
também nas teorias percursoras da chamada virada criminológica, 
ou seja, desde a recepção do paradigma da reação social, dado pela 
teoria do etiquetamento, (labeling approach), até a construção de 
uma criminologia crítica, estruturada através de um controle 
social. 
As formulações de inquietações na análise do discurso 
criminológico orientam a ideia primordial de um novo paradigma, 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 17 
 
pois esse campo de estudo está vinculado a muitas outras áreas do 
saber e, por isso, tem grande influência na determinação e na 
construção de padrões de infratores e de condutas desviantes. O 
capítulo propõe uma análise temporal para tentar (re)conhecer as 
origens das opressões e consequências das socializaçõesna 
determinação da seletividade e do condicionamento da mulher à 
vulnerabilidade do cárcere, com a intenção de problematizar que 
não há possibilidade de recuperar-nos do sistema patriarcal sem 
desmistificar a imagem da mulher, traço cultural comum a muitas 
sociedades. 
O terceiro e último capítulo expõe a pesquisa de campo ou 
o resultado das entrevistas semiestruturadas realizadas na 
Penitenciária Estadual Modulada de Ijuí (PMEI). O modelo de 
entrevista semiestruturada é uma técnica de pesquisa mais 
espontânea do que a estruturada, pois, mesmo que parta de um 
conjunto de questões predefinidas, dá liberdade para adicionar 
outras que surjam no decorrer das entrevistas. As questões 
predefinidas funcionam como uma diretriz, mas não ditam a 
forma como decorre a entrevista, não estipulando ordem, nem 
mesmo forma. Na PMEI, foram entrevistadas seis (6) mulheres 
acerca de sua condição de cárcere, através de questionamentos 
quanto às suas motivações, suas vidas antes do envolvimento com 
o crime, mudanças, dificuldades e consequências do cárcere, bem 
como aspirações para uma vida depois do cumprimento da pena, 
que passará a ser sinalada como de uma ex-presidiária. Os dados 
colhidos durante a pesquisa serão apreciados com sigilo e com o 
intuito de identificar, nos discursos das mulheres, a abrangência do 
sistema patriarcal; verificar, nas situações particulares e comuns 
de cada, uma a transformação do patriarcado e sua atual e 
operante opressão; e identificar as mulheres que hoje são 
perseguidas e castigadas pelas instituições de poder. 
Os dados da PMEI serão comparados e analisados a partir 
do relatório prévio da atual pesquisa idealizada pela Fundação de 
Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul, Edital PPSUS 2013-2015, 
18 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
vencido pelo projeto A situação das mulheres privadas de liberdade 
e o Apoio Matricial em Saúde Mental a Equipes de Atenção Básica 
inseridas no Sistema Prisional e realizado pela coordenação da 
Professora Doutora Renata Dotta. O projeto foi constituído por 
uma Instituição Executora – a Secretaria Estadual de Saúde do Rio 
Grande do Sul; uma Co-executora – a Fundação Escola do Superior 
do Ministério Público; e por Instituições Participantes do Projeto – 
o Instituto de Criminologia da Universidade de Sevilla/Espanha e o 
Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade 
Federal do Rio Grande do Sul. 
Assim, pede-se à leitora e ao leitor que considere se despir 
de pré-conceitos ao escutar as vozes silenciadas das mulheres em 
situação de cárcere, das mulheres que atingiram o ápice da 
violência, a fim de que seja possível um diálogo entre os dados 
apresentados e a situação atual do nosso sistema de justiça 
criminal, construído pelo patriarcado e que tem confirmado a sua 
falência em todos os aspectos. Apela-se, principalmente, às 
mulheres, que passem a observar e questionar as qualidades 
positivas atribuídas aos homens e as negativas atribuídas às 
mulheres, pois apenas o (re)conhecimento e a problematização dos 
questionamentos quanto à situação de inferioridade motivarão as 
buscas de soluções e câmbios de socializações, impedindo a 
legitimação e a perpetuação das violências enfrentadas pelas 
mulheres. 
Um dos principais pontos a serem pleiteados para uma 
mudança de paradigma é que o machismo compromete 
negativamente o resultado das lutas pela democracia, pois suas 
relevâncias dizem respeito apenas à elaboração de uma democracia 
pela metade e para a metade privilegiada da humanidade. 
Portanto, é impensável mudar comportamentos de mulheres sem 
também buscar redefinir os papéis dos homens, ressignificar as 
condições e as oportunidades de cada sexo e de cada gênero 
socialmente construído, para obter igualdade social e, 
principalmente, equidade, compreendendo a situação do oprimido 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 19 
 
e, também, a situação do opressor. No entanto, é primordial que as 
redefinições de papéis aconteçam com o anterior conhecimento e 
real debate quanto às condições de opressão naturalizadas e 
impostas às mulheres, para que, a partir daí, da libertação do 
padrão social de inferioridade de cada mulher, seja dada sequência 
à ressignificação de papéis. 
 Uma nova leitura dos chamados “paradigmas 
criminológicos” dá base para a discussão acerca das mulheres neles 
identificadas. Uma vez que a análise histórica e comparativa 
resgata, além das escolas criminológicas sistematizadas (clássica, 
positivista e crítica), os sistemas punitivos da antiguidade, 
pertencentes a uma criminologia etnológica que apresenta os 
momentos anteriores necessários para situar o papel da mulher 
em relação à transgressão das regras sociais. Trata-se de uma 
seletividade e de um poder estigmatizante que, no decorrer do 
tempo e das transformações sociais, permanecem controladas 
informal e formalmente, a fim de manter todas as relações de 
domínio que se entrelaçam e se sustentam tanto no espaço público 
quanto no espaço privado. 
 
CAPÍTULO I 
O OUTRO: O QUE SIGNIFICA SER MULHER NA 
SOCIEDADE PATRIARCAL? 
 
Hacemos al pasado las preguntas que queremos ver respondidas en el presente. 
(Gerda Lerner, 1990) 
 
2.1 A Gênese do Patriarcado 
 
O patriarcado1 condicionou as mulheres através de 
características e comportamentos que definem quais são dignas de 
terem seus direitos reconhecidos, e também quais são merecedoras 
de proteção e sensibilização social. Carole Pateman (1993) assegura 
que o patriarcado se refere especificamente à sujeição da mulher e 
reafirma o direito político que todos os homens exercem pelo fato 
de serem homens. O patriarcado, portanto, pode ser entendido 
como uma forma de organização social favorável à metade 
masculina da espécie humana, caracterizado pela dominância dos 
homens e a subordinação das mulheres, que se manifesta a partir 
do domínio do homem sobre os interesses e as concepções de 
mundo. 
Registros históricos apontam que teóricos políticos 
travaram longas discussões a respeito da legitimidade e dos 
fundamentos das formas de poder político e, assim, do direito 
patriarcal. A interpretação tradicional da história do pensamento 
político se posiciona no sentido de o patriarcado ter sido superado 
há mais de 300 anos, devido também à considerável influência do 
século XX, quando o modelo patriarcal foi quase totalmente 
ignorado (LAGARDE, 2005). Os registros também mostram que as 
feministas têm questionado sua condição de mulher e, desde o final 
 
1O termo patriarcado vem da combinação das palavras gregas pater (pai) e arkhe (origem e 
comando), raiz de duplo sentido também explícita em acarco e monarquia. Para o grego antigo, a 
primazia no tempo e a autoridade são uma só e a mesma coisa (HIRATA, 2009). 
22 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
do século XVII2, afirmam que, na realidade, os teóricos políticos 
modernos perpetuam a instituição do direito patriarcal. 
As reinvindicações das mulheres construíram a dialética da 
história3, que consiste em uma série de questionamentos a diversas 
áreas do saber, quanto às interpretações das experiências reais das 
mulheres e quanto à sua exclusão do processo histórico. Assim, a 
procura por preencher essas lacunas de representação levou à 
construção de uma história compensatória, que permitiu a 
compreensão de que o homem não é a medida de tudo que é 
humano, mas sim os homens e as mulheres (LERNER, 1990). O 
ordenamento e a interpretação do passado da humanidade 
impediram a participação das mulheres, o que dá sentido a um 
processo de perpetuação da civilização patriarcal, em que as 
mulheres são uma maioria populacional estruturada pelas 
instituições sociais para representar uma minoria. 
Uma história das mulheres pretendeum novo marco 
teórico, não androcêntrico4, em que as mulheres sejam 
protagonistas de suas vidas, erradicando as opressões a partir de 
novos enfoques antropológicos, constituintes de uma antropologia 
da mulher5, cuja perspectiva incorpora seus conhecimentos e 
experiências em qualquer disciplina. No entanto, uma 
 
2O feminismo identifica a obra de Mary Wollstonecraft, publicada em 1792 e intitulada “A 
Vindication of the Rights of Woman”, como percussora da defesa das mulheres. Segundo a autora, as 
mulheres deveriam ser tratadas de forma racional como eram tratados os homens. 
3Dialética é a teoria das leis gerais do movimento, do desenvolvimento do mundo e do conhecimento 
da humanidade; é tese e antítese, cuja modalidade original é o diálogo. Inicia com os pensamentos de 
Heráclito no século VII e, posteriormente, no século XIX, Hegel afirma um terceiro tempo da 
dialética, a síntese, com o pensamento de que não se poderia restringir a dialética entre 
afirmação/negação; para ele, a dialética é consenso, integração do que há de bom na tese e na 
antítese, o que deu origem à dialética moderna, seguida por Marx, Gramsci, Sartre, entre outros 
(SOUZA, 2003). 
4 “Androcentrismo é a visão do mundo que situa o homem como centro de todas as coisas. Parte da 
ideia de que uma visão masculina é a única possível e, portanto, universal para toda a humanidade, o 
que conduz a uma invisibilidade das mulheres, inclusive na ciência.” (HIRATA, 2009, p.58). 
5 “(…) distante de conformarem um corpo de leis e um modelo fechado e acabado, a antropologia da 
mulher é uma perspectiva filosófica que tem incorporado conhecimentos da economia, biologia, 
sociologia, psicanálise e qualquer outra disciplina.” (LAGARDE, 2005, p 60). 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 23 
 
continuidade patriarcal se revela a partir das características 
comuns às diversidades culturais e às sucessivas formações sociais, 
que não são alteradas mesmo após as mulheres terem formado 
parte dessas transformações, o que se identifica na transcrição de 
registros históricos (LERNER, 1990). A exclusão das mulheres da 
construção dos registros reforça, portanto, a sua aceitação da 
ideologia patriarcal, consequência dos mais de 2.500 anos em que 
as mulheres estiveram privadas de aceder conhecimentos e 
conviver em espaços de construção e intercâmbio cultural. 
O (re)conhecimento dessas opressões e o avanço da 
história e dos métodos de trabalho e pesquisa devem ser utilizados 
para que erros sejam citados: as parcialidades, a falta de 
objetividade dos estudos que foram feitos sem o enfoque de 
gênero. Trata-se não de desvalorizar o pesquisado, mas de não 
aceitar que as constatações são inquestionáveis, universais. Quer-
se demonstrar que as evidências constituem uma das variáveis da 
realidade humana, e que todos os paradigmas extraídos do mundo 
masculino das ciências sociais nascem a partir da negação da 
humanidade da mulher. Há, aqui, uma oportunidade para homens 
e mulheres criarem e aceitarem novos modelos, parâmetros e 
paradigmas que correspondam a uma concepção de mundo que 
inclua interpretações de mulheres (FACIO e CAMACHO, 1995). 
Há grande urgência de que o patriarcado seja nomeado e 
estudado6, pois seu esquecimento ou substituição por termos 
relacionados às violências contra a mulher não aprofundarão os 
estudos de forma suficiente para que ocorra a quebra de um 
paradigma (PATEMAN, 1993). O sistema patriarcal se mantém 
também graças à cooperação das mulheres, que, condicionadas à 
inferioridade, são privadas da representação e interpretação de 
suas vidas, abstendo-se de questionamentos e naturalizando o 
 
6“Porque o uso exclusivo de ‘patriarcado’ parece conter já, de uma só vez, todo conjunto de relações: 
como são e porque são. Trata-se de um sistema ou forma de dominação que, ao ser (re)conhecido já 
(tudo) explica: a desigualdade de gênero.” (MACHADO, 2000, p.3). 
24 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
sistema opressor. Simone de Beauvoir, a partir de uma perspectiva 
de esvaziamento de valores e do direito de poder se consubstanciar 
em um tema de relevo, expressa que a cultura insere as mulheres 
na dimensão de simples alteridade, como o outro. Nesse sentido, a 
autora afirma e indaga que 
 
[t]odo indivíduo que se preocupa em justificar sua existência a 
sente como uma necessidade indefinida de se transcender. Ora, o 
que define de maneira singular a situação da mulher é que, 
sendo, como todo ser humano, uma liberdade autônoma, 
descobre-se e escolhe-se num mundo em que os homens lhe 
impõem a condição do Outro. Pretende-se torná-la objeto, votá-la 
à imanência, porquanto sua transcendência será perpetuamente 
transcendida por outra consciência essencial e soberana. O drama 
da mulher é esse conflito entre a reivindicação fundamental de 
todo sujeito, que se põe sempre como o essencial, e as exigências 
de uma situação que a constitui como inessencial. Como pode 
realizar-se um ser humano dentro da condição feminina? 
(BEAUVOIR, DS I, 1980, p. 23). 
 
 A condição de ser mulher é resultado do conjunto 
articulado da civilização, que elabora o que se qualifica e, de forma 
ainda mais pejorativa, como deve se expressar o feminino na 
sociedade7. As atribuições de papéis sociais distintos a homens e 
mulheres, constituídos a partir de dados etnográficos e feitos 
históricos, permitem a perpetuação de uma assimetria sexual 
(LERNER, 1990), cujo complexo de fenômenos opressivos articula 
a inferioridade, a discriminação, a dependência e a subordinação 
das mulheres, tornando-as cativas8 em decorrência de sua 
condição genérica e de sua situação particular9. 
 
7 O mito da feminilidade, conforme Beauvoir, é usado na tentativa de estereotipar o comportamento 
da mulher. A autora se dedica a discutir como se inicia essa construção, o que, para ela, acontece na 
infância. O mito da feminilidade se instaura silenciosamente nesta idade; desde os primeiros anos, os 
adultos passam a incentivar diferenças; ao menino, por exemplo, é dada a liberdade de brincar, de 
usar da violência para enfrentar outros meninos, enquanto a menina é confinada aos brincados, 
principalmente às bonecas, que espelham sua própria passividade (BEAUVOIR, 1980). 
8 Existem poucas e reduzidas formas de ser mulher. A sociedade está definida para encerrar e 
estimular as mulheres para que representem um número reduzido de conhecimento cultural e, 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 25 
 
Nesse sentido, O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir, 
revelou que a opressão está articulada em todos os aspectos do 
problema das relações entre os sexos, nas modalidades 
sociológicas, econômicas e psicológicas, pois elas estão criadas 
dentro da mesma estrutura, organizada por uma relação de 
dominação masculina evidenciada de forma reinante nas 
civilizações conhecidas e que, de forma desleal, é apresentada como 
passível de ser superada. Afirma o texto fundador do feminismo do 
século XX que as diferenças físicas entre os sexos não mais 
poderiam ser a justificação de uma hierarquia social e política. A 
obra tende a defender a teoria universalista, mas em nenhum 
momento exclui a persistência de uma diferença de sexos, que não 
poderia ser usada, portanto, para impedir o acesso social e político 
das mulheres. 
A concepção da relação entre os sexos é variável, devido à 
existência de particularidades em cada cultura. No feminismo, há 
três linhas sobre a percepção dessas diferenças; cito-as de forma 
breve: a linha universalista, que se baseia na ideia de que todos os 
seres humanos são iguais, independente das características físicas, 
pois sua estrutura é consequência da socializaçãoe das relações de 
poder, tratando-se, portanto, de querer dissolver as categorias 
homem e mulher, no sentido de que a especificidade das mulheres 
é uma produção social destinada a justificar sua subordinação; a 
linha diferencialista, que compreende que há dois sexos e que o 
 
principalmente, que estejam afastadas da possibilidade de compreender os motivos das opiniões 
dominantes na sociedade, uma vez que são os condicionantes de suas vidas particulares. Esses 
grupos e esses modos de vida são conhecidos porque são especificidades sociais e culturais das 
mulheres, que se configuram por alguma característica subjetiva decorrente da condição de ser 
mulher (LAGARDE, 2005). 
9 A situação das mulheres é um conjunto de características que todas as mulheres possuem a partir 
de sua condição genérica em circunstâncias históricas particulares. A situação expressa a existência 
concreta das mulheres particulares a partir de suas condições reais de vida: a formação social em 
que nasce, vive e more cada uma, as relações de produção-reprodução e, junto com isso, a classe 
social, o grupo de classe, o tipo de trabalho, a atividade vital, os níveis de vida e o acesso a bens 
materiais e simbólicos, a língua, a religião, os conhecimentos, as definições políticas, o grupo de 
idade, as relações com outras mulheres, com os homens e com o poder, assim como as preferências 
eróticas, os costumes, as tradições próprias e a subjetividade pessoal (LAGARDE, 2005). 
26 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
acesso à igualdade não equivale ao acesso à identidade, foi 
defendida pela psicanálise por muito tempo, e enxerga as 
diferenças morfológicas10 como fundamentos que determinam 
uma variante da humanidade, a mulher; já a teoria do pós- 
modernismo e a queer se desenvolveram a partir dos anos setenta, 
compreendendo que o sexo não pode ser substantificado, pois é 
entendido como performático (HIRATA, 2009). 
Ser mulher e ser homem11 são fatos socioculturais e 
históricos e, além das características biológicas de cada um, há um 
complexo de determinações e características econômicas e sociais 
que constituem o gênero12, produto de uma relação entre biologia, 
sociedade e cultura. Ser mulher é consequência de uma construção 
histórica, que a define como ser social e cultural genérico 
(SAFFIOTI, 1987). O processo histórico sob o qual surgiram as 
classes13 e os gêneros é representando, inicialmente, por uma cisão 
 
10Sabendo, assim, que o homem e a mulher são vistos como duas variantes, superior e inferior, da 
mesma fisiologia, compreendemos por que, até o Renascimento, não se dispusesse de terminologia 
anatômica para descrever em detalhes o sexo da mulher, que é representado como composto dos 
mesmos órgãos que o do homem, apenas dispostos de maneira diversa. Por isso, como demonstra 
Yvonne Knibiehler, os anatomistas do princípio do século XIX (sobretudo Virey), ampliando o 
discurso dos moralistas, tentam encontrar no corpo da mulher a justificativa do estatuto social que 
lhes é imposto, apelando para oposições tradicionais entre o interior e o exterior, a sensibilidade e a 
razão, a passividade e a atividade. Bastaria seguir a história da “descoberta” do clitóris, tal como a 
relata Thomas Laqueur, prolongando-a até a teoria freudiana da ligação da sexualidade feminina do 
clitóris para a vagina, para acabar de demonstrar que, longe de desempenharem o papel fundador 
que lhes é atribuído, as diferenças visíveis entre os órgãos sexuais masculinos e femininos são uma 
construção social que se iniciou com os princípios de divisão da razão androcêntrica, ela própria 
fundamentada na divisão dos estatutos sociais atribuídos ao homem e à mulher (BOURDIEU, 2016). 
11A divisão entre sexos parece estar “na ordem das coisas”, como se diz por vezes para falar do que é 
normal, natural, a ponto de ser inevitável: ela está presente, ao mesmo tempo, em estado objetivado 
das coisas (na casa, por exemplo, cujas partes são todas ‘sexuadas’), em todo o mundo social e, em 
estado incorporado, nos corpos e nos habitus de agentes, funcionando como sistemas de esquemas 
de percepção de pensamento e de ação (BOURDIEU, 2016). 
12Minha definição de gênero tem duas partes e várias subpartes. Elas são ligadas entre si, mas são 
analiticamente distintas. O núcleo essencial da definição baseia-se na conexão integral entre duas 
proposições: o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças 
percebidas entre os sexos; e o sexo é uma forma primeira de significar as relações de poder (SCOTT, 
1989). 
13Do ponto de vista das classes sociais, podem-se distinguir, basicamente, dois sentidos da história: o 
das classes dominantes e o das classes subalternas. Do ângulo das categorias de sexo, as mulheres, 
ainda que façam a história, têm constituído sua face oculta (SAFFIOTI, 1987). 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 27 
 
entre os seres humanos, fundamentada pela diferenciação 
excludente e compulsória entre homens e mulheres (LAGARDE, 
2005). Dessa forma, o aporte de uma antropologia da mulher14 
permitiu a retomada de conceitos que sustentam a disciplina, como 
a cultura, suas origens e suas evoluções, a partir da determinação 
de diferenças genéricas entre os sexos e a investigação da forma 
em que as mulheres interferiam para a construção de temas 
pontuais, como a religião, o poder e as relações econômicas. 
Neste trabalho, considera-se sexo e gênero uma unidade, 
uma vez que não existe sexualidade biológica independente do 
contexto social em que é exercida; por isso, o confinamento 
atribuído exclusivamente ao gênero feminino deve ser 
compreendido como um processo duplo, permanente e inconcluso, 
em que a mulher é reduzida à sua sexualidade, definida 
historicamente como produto de suas qualidades naturais e 
biológicas, representadas por um número escasso de reais 
diferenças entre os dois sexos e pelo desproporcional ao valor dado 
a essas diferenças (LAGARDE, 2005). Compreende-se, então, o 
sexo como uma realidade, uma condição biológica distinta entre 
homens e mulheres15, enquanto que o gênero é a definição cultural 
dos papéis sociais atribuídos aos sexos em uma sociedade e em um 
determinado momento histórico. 
Portanto, este trabalho acompanha as feministas que 
recusam o uso exclusivo do conceito de gênero, pois a rápida, 
ampla e profunda aceitação do termo está intimamente 
relacionada à omissão e ao silenciamento do fato de que é 
necessário alterar as relações sociais desiguais entre homens e 
mulheres. O uso exclusivo do conceito gênero como neutro e 
 
14 A perspectiva antropológica é dialética: não encontra causas únicas nem últimas; por isso, é 
necessária para entender um fenômeno multideterminado, complexo e diverso como é a mulher. A 
antropologia é uma possibilidade para criação de novas perspectivas (LAGARDE, 2005). 
15A diferença biológica entre os sexos, isto é, entre o corpo feminino e o masculino, e, 
especificamente, a diferença anatômica entre os órgãos sexuais, pode assim ser vista como 
justificativa natural da diferença socialmente construída entre os gêneros e, principalmente, da 
divisão social do trabalho (BOURDIEU, 2016). 
28 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
equivalente a qualquer relação de violência, dá a ideia de que ele 
nada tem a ver com a biologia do corpo humano, sendo que, na 
verdade, ele depende do sexo, pois está construído socialmente, e 
os papéis sociais de homens e mulheres lhe são atribuídos de 
acordo com a sua genitália, o seu sexo. Dessa forma, tratar esta 
realidade em termos que seguem exclusivamenteo conceito de 
gênero distrai a atenção do patriarca, neutralizando a dominação 
masculina (SAFFIOTI, 2015) ao não nomear a parte oprimida da 
sociedade – mulheres, pessoas que têm vaginas – e a parte 
opressora – homens, pessoas que têm pênis. 
Então, são as definições estereotipadas das mulheres que 
resignam seus círculos de vida particulares, e, a partir disso, cada 
círculo passa a constituir um determinado confinamento, 
construído pelo entorno de definições essencialistas do que seria 
“ser mulher”, geralmente relacionadas à sua sexualidade. Segundo 
Marcela Lagarde: 
 
Todas las mujeres están cautivas de su cuerpo-para-otros, 
procreador o erótico, y de su ser de los otros, vivido como 
necesidad de establecer relaciones de dependencia vital y de 
sometimiento al poder y a los otros. Todas las mujeres, en el bien 
o en el mal, definidas por la norma, son políticamente inferiores a 
los hombres y entre ellas. Por su ser-de y para-otros, se definen 
filosóficamente como entes incompletos, como territorios, 
dispuestas a ser ocupadas y dominadas por los otros en el mundo 
patriarcal. Los grados y las formas concretas en que esto ocurre 
varían de acuerdo con la situación de las mujeres, con los 
espacios sociales y culturales en que se desenvuelven, con la 
mayor o la menor cantidad y calidad de bienes reales y simbólicos 
que poseen, y con su capacidad creadora para elaborar su vida y 
sobrevivir al cautiverio. (LAGARDE, 2005, p.41)16 
 
16 Tradução: Todas as mulheres estão cativas de seu corpo-para-outros, procriador e erótico, e de seu 
ser para os outros, vivido como necessidade de estabelecer relações de dependência vital e de 
submissão ao poder e aos outros. Todas as mulheres, bem ou mal, definidas por normas, são 
politicamente inferiores aos homens e entre elas. Por seu ser-de e para-outros, se definem 
filosoficamente como entes incompletos, como territórios, dispostas a ser ocupadas e dominadas por 
outros no mundo patriarcal. Os graus e as formas concretas em que isso ocorre variam de acordo 
com a situação das mulheres, com os espaços sociais e culturais em que se desenvolvem, com a 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 29 
 
Depreende-se que cada mulher é parte de um conjunto de 
determinações e características universais, que sustentam a 
existência de ciclos particulares, que, por sua vez, estão expressos 
em um ciclo cultural, conformado pela sua sexualidade e sua 
relação com os outros (poder), estruturantes de sua condição 
perante a sociedade (LAGARDE, 2005). Nesse sentido, desde o 
nascimento até a morte, a mulher é representada pela sociedade 
patriarcal como ser incompleto e em constante transformação, pois 
nascer mulher implica um futuro pré-moldado, que estará 
reforçado por opressões determinadas a partir da forma de vida e 
classe que ocupa cada mulher, e que arquitetam os cativeiros a que 
estão submetidas. 
A cultura patriarcal organiza a vida da mulher a partir da 
vivência de uma sexualidade destinada para o outro, como cidadã, 
como fiel, como mãe ou como prostituta, categorias aprofundadas 
de acordo com os necessários recortes culturais, que permitem a 
contextualização das opressões patriarcais – ou seja, permite a 
compreensão de quais os círculos e quais os cativeiros nos quais 
mulher está inserida. Nesse sentido, a história de qualquer 
sociedade conhecida e tradicional demonstra que os primeiros 
escravos foram as mulheres de grupos conquistados, o que precede 
a formação e a opressão de classe, e permite, por exemplo, 
compreender a múltipla exploração das mulheres negras, como 
trabalhadoras, como prestadoras de serviços sexuais e como 
reprodutoras. 
Os defensores científicos do patriarcado justificavam as 
mulheres seriam definidas pelo seu dom maternal, e que a sua 
exclusão de oportunidades econômicas e educativas se justificava 
por serem detentoras da causa mais nobre: a sobrevivência da 
espécie. Nota-se que a constituição biológica e o valor dado às suas 
relações limitou as mulheres a certas atividades profissionais, pois 
 
maior ou a menor quantidade e qualidade de bens reais e simbólicos que possuem, e com sua 
capacidade criadora para elaborar sua vida e sobreviver ao cativeiro. 
30 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
eram dependentes de suas necessidades biológicas, de proteção, de 
recato. Consequentemente, o patriarcado gerou tensões nos 
relacionamentos entre homens e mulheres, visto que ambos estão 
condicionados a seus papéis sociais: o homem com o dever de 
preservar o domínio e a mulher de ser submissa (LERNER, 1990). 
Diante disso, o surgimento de codificações no decorrer da 
história demonstra a instituição de mecanismos de controle 
comportamentais para que a mulher não cogite outro papel que 
não o de reprodutora, fiel, amorosa e julgada pela lealdade devida 
ao marido. É fato que as mulheres estão subordinadas ao domínio, 
ao controle e à dependência do outro. Portanto, sua opressão se 
manifesta a partir da discriminação que sofrem, pois o paradigma 
social e cultural da humanidade é androcêntrico17 e define todas as 
construções mentais da civilização. Destaca-se, assim, a falácia do 
androcentrismo, pois a mudança de paradigma não pode ser 
alcançada simplesmente com o acréscimo de mulheres na 
formação de teorias e nos espaços públicos; é apenas a com a 
aceitação de que a humanidade é formada por homens e mulheres 
igualmente, e a reestruturação das crenças e realidades sociais, que 
esta mudança será alcançada (LERNER, 1990). 
 A gênese do patriarcado, pelo exposto, é que as mulheres 
são oprimidas pelo fato de serem mulheres, independente de sua 
posição de classe, língua, idade, nacionalidade ou ocupação, porque 
o mundo patriarcal ensina que ser mulher é sinônimo de ser 
oprimido. Suas opressões se expressam e se fundamentam na 
desigualdade econômica, política, social e cultural e pela sua 
 
17“A força da ordem masculina dispensa justificação: a visão androcêntrica impõe-se como neutra e 
não tem necessidade de se enunciar em discursos que visem a legitimá-la. A ordem social funciona 
como uma imensa máquina simbólica que tende a ratificar a dominação masculina sobre a qual se 
alicerça: é a divisão sexual do trabalho, distribuição bastante estrita das atividades atribuídas a cada 
um dos dois sexos, de seu local, seu momento, seus instrumentos; é a estrutura do espaço, opondo o 
lugar de assembleia ou de mercado, reservado aos homens, à casa, reservada às mulheres; ou, no 
próprio lar, entre a parte masculina, com o salão, e a parte feminina, com o estábulo, a água e os 
vegetais; é a estrutura do tempo, as atividades do dia, o ano agrário, ou o ciclo de vida, com 
momentos de ruptura, masculinos, e longos períodos de gestação, femininos” (BOURDIEU, 2016, p. 
18). 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 31 
 
posição submissa ao domínio do homem que, como veremos, são 
naturalizadas historicamente. 
 
2.2 Os tempos, suas manifestações e suas exclusões 
 
A história demonstra a relevância do quarto milênio a.C., 
momento em que as sociedades começaram a se organizar e 
passaram a ser reconhecidas como civilizações, com seus métodos 
de domínio relacionados à terra e ao sexo. Nesse período, a maior 
parte das sociedades agrícolas tinha desenvolvido novas formas de 
desigualdades entre homens e mulheres, num sistema chamado de 
patriarcal, com o domínio de maridos e pais. As civilizações, de 
uma forma geral, aprofundaram o patriarcado, pois uniram 
aspectos culturais e institucionais amplos, perpassando suas 
particularidades e criando padrões de estrutura para avida 
humana, que combinam as crenças e instituições mais amplas de 
cada civilização em particular (STEARNS, 2015). 
O deslocamento da caça e da coleta para a agricultura pôs 
fim, gradualmente, a um sistema de sociedade com uma 
considerável igualdade entre homes e mulheres, pois, por exemplo, 
na cultura de caça e coleta, as taxas de natalidade eram 
relativamente baixas e aumentaram a partir do momento em que 
os suprimentos de alimentos se tornaram mais seguros, em parte 
porque havia mais condições e possibilidades de aproveitar o 
trabalho das crianças para aumento da produção e dos excedentes 
(STEARNS, 2015). O desenvolvimento da agricultura, já no período 
neolítico (8.000 a.C.), impulsionou o intercâmbio de mulheres, não 
só como uma maneira de evitar guerras incessantes mediante a 
consolidação de alianças matrimoniais, mas também porque as 
sociedades com mais mulheres poderiam produzir mais crianças, 
já que uma das diferenças primordiais entre as sociedades 
coletoras e agrícolas foi o emprego da mão de obra infantil 
(LERNER, 1990). 
32 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
A fixação de grupos em determinados espaços e o 
estabelecimento de moradias mais estáveis mudou radicalmente a 
estrutura da vida humana nessas regiões. A partir da geração de 
excedentes de produção, as pessoas passaram a realizar outras 
atividades, como o artesanato, a religião e o governo, em 
decorrência do tempo disponível (STEARNS, 2015). Houve uma 
drástica mudança nas relações familiares, principalmente em 
relação ao cuidado da mãe com a criança, com a impossibilidade 
dela ser criada por outra pessoa. A função de reprodução imposta à 
mulher ocasionou um aumento nos índices de mortalidade infantil, 
uma vez que as mulheres estavam condicionadas a ter muitas 
gestações e a ser responsáveis pela sobrevivência dos filhos 
(LERNER, 1990). 
Cada civilização desenvolveu características próprias, 
determinadas pelos seus interesses e alcances naturais, pela sua 
localização e pelo seu tempo histórico, e pelas suas preocupações, 
reconhecidas através de suas religiões, produções científicas e seu 
modo de governo. As alterações nas relações de poder entre 
homens e mulheres são consequências e reflexos de importantes 
mudanças econômicas, tecnológicas e militares, pois o período de 
formação do patriarcado não ocorreu de repente, mas foi um 
processo que se desenvolveu e se aprofundou no transcurso de 
quase 2.500 anos, desde aproximadamente 3.100 a 600 a.C. (do 
quarto ao segundo milênio) (STEARNS, 2015). 
 A necessidade dessas civilizações se identificarem umas 
com as outras está relacionada com a abrangência do comércio 
interno, consequência dos excedentes de produção da agricultura, 
que proporcionou uma integração entre os povos e a construção de 
unidade, mantendo populações que até então eram diferentes, 
juntas. As classes altas, privilegiadas quanto ao acesso e 
conhecimento de outras línguas e culturas, fomentaram debates 
sobre o sistema filosófico, construindo tradições culturais e 
padronizando estruturas, delimitadas a partir do sexo, em 
diferentes graus e intensidades (STEARNS, 2015). 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 33 
 
O papel social dos sexos na criação das civilizações reflete a 
assimetria sexual que situa as causas de subordinação feminina. 
Biologicamente, o homem tem estrutura de caçador, o que o 
capacita para ser reconhecido como guerreiro protetor das 
mulheres vulneráveis, cujas habilidades eram restritas à função 
estrutural de reprodução, amor materno e dever de cuidado dos 
filhos (LERNER, 1990). Então, o tema do controle da sexualidade 
feminina e da procriação está inserido nas relações econômicas, 
restringindo o papel da mulher, que, ao perceber as diferenças e 
reconhecer suas opressões, manifesta-se por igualdade. Ocorre que 
tal reconhecimento é demorado, já que, como vimos, as 
representações femininas são constituídas pelo androcentrismo18, 
contestado pelas mulheres após o seu acesso à alfabetização, um 
dos desafiantes do protagonismo da história. 
As sociedades seguem a se modificar com os avanços 
culturais, principalmente pela industrialização, inerente a 
civilizações ocidentais ao final do século XIX. Os câmbios culturais 
permitiram que homens se libertassem de suas necessidades 
biológicas e que as mulheres acessassem uma possiblidade de 
igualdade formal; porém, as liberdades destinadas às mulheres só 
são compreendidas como aceitáveis porque ainda as mantêm 
destinadas ao mesmo serviço, principalmente pelo fundamento de 
sua estrutura biológica (LERNER, 1990). A mudança radical nas 
relações humanas ocorrida com o advento da agricultura e, 
principalmente, com o acesso aos excedentes de produção e 
câmbios culturais, permitiu que as civilizações se organizassem e 
se expandissem, mantendo domínios a partir de relações de poder 
 
18 Tem-se androcentrismo quando um estudo, análise ou investigação tem como enfoque 
preponderante a perspectiva masculina, apresentando-a como central para a experiência humana de 
maneira que o estudo da população feminina, quando existente, se dá unicamente em relação às 
necessidades, experiências e preocupações dos homens. O androcentrismo pode se manifestar de 
duas formas, que são a misoginia e a ginopia. A misoginia consiste no repúdio ao feminino e ginopia 
na impossibilidade de ver o feminino ou na invisibilidade da experiência feminina. Estamos 
acostumados/as a ler e escutar explicações do humano que deixam as mulheres de fora, entretanto, 
nos sentimos incomodados/as quando se esquece do homem (FACIO, 1991). 
34 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
entre sociedades e entre os sexos. A necessidade de garantir que 
esses excedentes e lucros ficassem sob o domínio masculino, para 
então se perpetuarem, criou novas formas e possibilidades de 
assegurar a propriedade privada nas mãos dos homens. 
Cabe observar a divergência histórica sobre as sociedades 
matriarcais, manifestada a partir de teorias que sustentam ou 
negam a universalidade da subordinação feminina. A existência ou 
não de um estágio de dominação feminina e de igualdade entre 
mulheres e homens, estão observadas pelas teorias marxista, 
estruturalista e materialista. É conveniente, então, que sejam 
apresentadas essas teorias. A teoria marxista trata de maneira 
mais específica quanto à mulher a obra A origem da família, da 
propriedade privada e do estado, de Engels, baseada em dados do 
trabalho de teóricos do século XIX19, que defendiam a existência de 
sociedades comunistas sem classes prévias antes da formação da 
propriedade privada; tais sociedades poderiam ser matriarcais ou 
não, mas o autor considera-as como igualitárias. Toda a divisão 
primitiva do trabalho descrita na teoria marxista está baseada na 
diferença entre os sexos, que condiciona a divisão em 
características biológicas e no alcance delas para medir força de 
produtividade. 
Essa divisão de trabalho perpetuou a ideia primitiva do 
determinismo biológico dos sexos20, estando os homens 
responsáveis por lutar na guerra, caçar e pescar, procurar 
alimentos e ferramentas necessárias para o trabalho, enquanto as 
mulheres estavam responsáveis por atender a casa, preparar os 
 
19 Um dos doutrinadores utilizado por Engels foi J. J. Bachofen, jurista e antropólogo, cuja obra 
principal foi O direito materno, publicada em 1861, que tratou sobre o matriarcado, apresentando 
uma investigação sobre o caráter religioso e jurídico do matriarcado no mundo antigo. 
20 “Em sociedades de tecnologia rudimentar, ser detentor de força física constitui, inegavelmente, 
uma vantagem. Em sociedades onde as máquinas desempenham funções mais brutas, que requerem 
força, a relativaincapacidade de levantar peso e realizar movimentos violentos não impede qualquer 
ser humano de ganhar seu sustento. Rigorosamente, portanto, a menor força física da mulher em 
relação ao homem não deveria ser motivo de discriminação. Todavia, recorre-se, com frequência, a 
este tipo de argumento, a fim de se justificarem as discriminações praticadas contra as mulheres. ” 
(SAFFIOTI, 1987, p. 12). 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 35 
 
alimentos e confeccionar as roupas. Engels entende que o 
surgimento da propriedade privada foi a derrota do sexo 
feminino21 e, portanto, somente as sociedades comunistas 
poderiam tratá-las como iguais. Entretanto, o modelo de divisão de 
trabalho de Engels é em certo ponto equivocado e profundamente 
criticado, pois já restou demonstrado que a definição do trabalho 
realizado por homens e mulheres difere de acordo com a cultura e 
o entorno ecológico em que vivem as pessoas. A teoria marxista22 
entende que, nas sociedades tribais, o desenvolvimento da 
domesticação animal condicionou o comércio e as propriedades às 
mãos dos homens de diferentes famílias, mas não foi capaz de 
explicar o porquê. Não foi demonstrado e explicado como se deu o 
domínio masculino sobre os excedentes de produção e a conversão 
deles em propriedade privada, institucionalizada em uma família 
monogâmica e no desenvolvimento da domesticação animal 
(LERNER, 1990). 
 Consequentemente, assegurar a propriedade privada 
requereu a constituição e institucionalização da família 
monogâmica23 e do controle da sexualidade feminina. Com a 
 
21“A reversão do direito materno foi a grande derrota do sexo feminino. O homem passou a governar 
também na casa, a mulher foi degradada, escravizada, tornou-se escrava do prazer do homem, e um 
simples instrumento de reprodução. Essa condição humilhante para a mulher, tal qual como 
aparece, notadamente, entre os Gregos nos tempos heroicos, e mais ainda dos templos clássicos, foi 
gradualmente camuflada e dissimulada, e também, em certos lugares, revestida de forma mais 
amenas, mas não foi absolutamente suprimida” (ENGELS, 2012, p.42). 
22 Para a teoria marxista, a ideologia da classe dominante é a ideologia dominante do conjunto da 
sociedade. Constata-se que a classe dominante é, entre outras coisas, identificada pela capacidade de 
elaborar visões sociais, da cultura e da história segundo seus próprios interesses. Lagarde se 
contrapõe ao entendimento de Marx e Engels, afirmando que as teorias dominantes incorporam, 
além dos interesses classistas, outros, que se expressam em grupos determinados, cujo domínio é 
essencialmente advindo da divisão de classes. A autora entende que as ideologias são determinadas 
como dominantes porque expressam as concepções e as normas e porque contribuem para a criação 
de necessidades surgidas aos grupos dominados (LAGARDE, 2005). 
23 “A monogamia não foi, de forma alguma, fruto do amor sexual individual, com a qual nada tinha 
que ver já os casamentos permaneciam, antes como depois, feitos de conveniências. Ela foi a 
primeira forma de família fundada sob condições não naturais, mas econômicas, a saber, o triunfo 
da propriedade individual sobre o comunismo espontâneo primitivo. Soberania do homem na 
família e procriação de filhos que só podiam ser dele e destinados a tornarem-se herdeiros da sua 
fortuna. ” (ENGELS, 2012, p. 50). 
36 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
exigência de castidade pré-conjugal e o estabelecimento do um 
duplo padrão sexual dentro do matrimônio, os homens 
asseguraram a legitimidade de sua descendência e garantiram, 
assim, seus interesses de propriedade (LERNER, 1990). A família 
monogâmica se transforma em uma família patriarcal, 
perpetuando a inferioridade da mulher, cujo trabalho ficou 
confinado à esfera privada, excluindo-a da participação na 
produção social (ENGELS, 2012). A teoria marxista expressa que, a 
partir do momento que o homem toma el mando de la casa, a 
mulher é inferiorizada e reduzida à serventia, a uma escrava das 
luxúrias masculinas e a um mero instrumento de reprodução 
(LAGARDE, 2005). 
As atribuições do marxismo são reconhecidas como aportes 
da teoria feminista para o reconhecimento das mulheres sobre 
suas posições na sociedade e na história24, já que, mesmo que seus 
pressupostos não tenham sido comprovados, foram os que 
definiram as principais questões teóricas dos cem anos seguintes 
(LERNER, 1990). A teoria marxista denunciou a conexão entre as 
mudanças estruturais nas relações de parentesco e mudanças na 
divisão do trabalho, por um lado, e a posição que ocupam as 
mulheres, por outro; demonstrou uma conexão entre o 
estabelecimento da propriedade privada, o matrimônio 
monogâmico e a prostituição; e, ainda, a conexão entre o domínio 
econômico e político25 dos homens e seu controle sobre a 
sexualidade feminina. 
 A definição do matrimônio monogâmico, para Engels, é a 
mesma da primeira sociedade estatal26, como a sujeição de um 
 
24 O primeiro a afirmar que o desenvolvimento de uma sociedade se mede pela condição da mulher 
foi o socialista utópico Charles Fourier, encapado posteriormente por Marx e, sobretudo, por Engels. 
25 “Não se pode assegurar a verdadeira liberdade, não se pode edificar a democracia – sem falar de 
socialismo – se não chamamos as mulheres ao serviço cívico, na milícia, na vida política, se não a 
tirarmos da atmosfera brutal do lar e da cozinha” (MARX, ENGELS, LENIN, 1979, p.12). 
26 “Vimos o quanto Bachofen tinha razão ao considerar o progresso constituído pela passagem do 
casamento por grupos ao casamento tribal como obra da mulher; somente a passagem do último a 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 37 
 
sexo ao outro, entendendo que a primeira oposição de classes que 
aparece na história coincide com o desenvolvimento do 
antagonismo entre homem e mulher no matrimônio monogâmico, 
reconhecendo-o como a primeira opressão de classes – a do sexo 
masculino sobre o feminino27. As afirmações de Engels sobre a 
relação entre os sexos e o antagonismo de classe fez com que os 
teóricos não compreendessem, realmente, as diferenças entre as 
relações de sexo e as relações de classe (LERNER, 1990). 
 Cabe ressaltar que, paralelamente à teoria marxista, surge 
a psicanálise de Freud28, sendo que ambas dialogaram 
profundamente, e seus discursos continuam persistentes até hoje. 
A diferença entre as duas teorias, além de seus objetos de pesquisa, 
foi que o questionamento das categorias marxistas de gênero 
ocorreu no campo epistemológico29, enquanto que a psicanálise 
tratou da filogênese, no caso, do desenvolvimento do ser humano e 
não da busca da compreensão da natureza e da gênese, da origem, 
do ser social e da sociedade (ontogênese), da qual se ocupou Marx. 
 
monogamia pode ser posto em conta do homem; sua única razão na história foi tornar pior a 
situação das mulheres e facilitar a infidelidade dos homens” (ENGELS, 2012, p. 61 a 63). 
27 Tanto Engels como Bachofen afirmam que o patriarcado surgiu ligado à passagem de uma vida 
sexual comunitária para a adoção de certas formas de associação sexual, primeiramente com a 
família sindiásmica (o homem pode ter outras ligações, mas a mulher não; ainda, o casamento pode 
ser dissolvido por divórcio), e depois com o casamento monogâmico. As duas últimas formas 
asseguram ao marido a posse sexual exclusiva da mulher. “[...] as suposições dos autores, segundo 
as quais o patriarcado tem origem unicamente, ou em grande parte, na adoção de certas formas de 
associação sexual são insustentáveis; outras modificações de ordem social, ideológica,tecnológica e 
econômica parecem mais plausíveis. Em contrapartida, a afirmação de Engels de as mulheres 
constituírem a primeira propriedade é verdadeira. Mas quando ele sustenta que as mulheres são 
reduzidas à condição de objeto pelo casamento, que dá ao homem a posse sexual exclusiva (posse 
não recíproca), isto pressupõe já condições patriarcais. ” (MILLETT, 1970, p.80). 
28 “[...] a fundação da Psicanálise por Freud, no final do século XIX, que vai fazer a diferença dos 
sexos o motivo central da reflexão. Aqui, pode-se também observar oscilações complexas entre a 
afirmação de um e dos dois sexos, o horizonte do mais e do menos: a centralidade do falo força 
ambos os sexos à experiência de castração, mas de maneira mais difícil para as mulheres devido, por 
um lado, à sua primeira relação desejante da mãe que, em seguida, deve ser voltar para um homem, 
e, por outro lado, à falta de pênis traduzida como ‘inveja do pênis’. ” (HIRATA, 2015, p.61). 
29 Compreende-se por epistemologia toda a noção ou ideia, refletida ou não, sobre as condições vitais 
para a constituição do conhecimento válido. É por via deste conhecimento válido que uma dada 
experiência social se torna intencional ou inteligível (SOUZA, 2013). 
38 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
Assim, o pensamento psicanalítico foi subversivo e conservador30, 
ao passo que ao marxista não se aplica o segundo termo 
(SAFFIOTI, 2015). 
 Outra teoria acerca da subordinação das mulheres é a 
estruturalista, baseada na obra do antropólogo Claude Lévi-Strauss 
(1973), que defende que os homens construíram a cultura a partir 
de um só componente histórico. Há o reconhecimento do tabu do 
incesto como um mecanismo universal humano, enraizado em 
qualquer organização social, sendo sua proibição compreendida 
não só como uma norma que proíbe o matrimônio com a mãe, a 
irmã e a filha, mas uma norma que obriga a dar a mãe, a irmã ou a 
filha a outros, como gratificações. Para a teoria, o intercâmbio de 
mulheres foi a primeira forma de comércio, que as converteu em 
mercadoria, considerando-as coisas antes de seres humanos 
(LERNER, 1990). 
 Com relação ao entendimento do intercâmbio de mulheres 
como a primeira forma de comércio e em relação à teoria, a 
antropóloga e feminista Gayle Rubin31 apresenta as consequências 
e extensões desse sistema para o pleno exercício do direito das 
mulheres sobre si mesmas. As relações sociais do sistema familiar, 
segundo a antropóloga, decretam aos homens direitos sobre as 
mulheres da família, sem considerar os motivos que deram início a 
um intercâmbio de mulheres e não de crianças e sem lograr 
responder, também, o que levava as mulheres a estarem de acordo. 
 
30 “Ao considerar as teorias de Freud sobre as mulheres, devemos atentar não só para as conclusões 
que tirou dos fatos que dispunha como também para as hipóteses sobre as quais se baseou. Para 
Freud, os sintomas das suas pacientes não traduziam uma insatisfação justificada perante a situação 
restritiva que lhes impunha a sociedade, mas uma tendência independente e universal do caráter 
feminino. Batizou esta tendência de ‘inveja ao pênis’, descobriu as origens na experiência de infância, 
e sobre ela fundou a psicologia da mulher, organizando o que considerava como os três corolários da 
psicologia feminina- passividade, masoquismo, narcisismo-, de forma que cada um destes aspectos 
dependia de ou estava em relação com a inveja do pênis.” (MILLETT, 1970, p. 177). 
31 A antropóloga, em 1975, afirmou que o sistema sexo/gênero consiste numa gramática, segundo a 
qual a sexualidade biológica é transformada pela atividade humana, tornando disponíveis os 
mecanismos de satisfação das necessidades sexuais transformadoras. Sua principal obra é 
“Deviations: A Gayle Rubin Reader”, publicada em 2011. 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 39 
 
Assim, “a teoria estruturalista reconhece o sistema sexo/gênero 
como um conjunto de arranjos através dos quais uma sociedade 
transforma a sexualidade biológica em produto da atividade 
humanas. ” (RUBIN, 1993, p.3). 
Esses questionamentos provocaram uma mudança nas 
teorias feministas, que passaram a buscar desde as origens 
econômicas até os sistemas de símbolos e significados das 
sociedades conhecidas, identificando as mulheres como inferiores, 
como forma de intermédio entre seres. Cabe salientar que os 
estudiosos de gênero pós-modernos32 apresentaram críticas à 
Gayle Rubin, devido ao fato de que ela trabalhava com oposições 
como natureza e cultura e separação entre os sexos; contudo, a 
antropóloga e professora Sherry Ortner,33 em 1974, apresentou um 
breve ensaio que defende a universalidade da subordinação 
feminina, afirmando que em qualquer sociedade conhecida as 
mulheres estão identificadas como mais próximas da natureza do 
que da cultura, tendo sido convertidas em um símbolo de 
inferioridade. 
Ao lado de Ortner, feministas defendem a universalidade 
da subordinação feminina, se não nas condições sociais atuais, ao 
menos nos sistemas de significado da sociedade. Os que se 
opuseram a essa visão foram criticados por desconsiderarem 
processos históricos, momento em que se coloca em dúvida a 
aceitação implícita do feminismo estruturalista na dicotomia 
imutável entre homens e mulheres (LERNER, 1990). O 
aprofundamento do debate evidenciou que nem a ideia de que um 
único e específico feito seria a causa responsável de certo 
problema, nem a ideia de universalidade, vão responder 
corretamente a questão das causas de subordinação. As explicações 
 
32 Ao contrário do sentido adotado por este trabalho para sexo e gênero, podemos citar, a nível de 
informação, os estudos de Judith Butler, a partir dos quais o sexo passa a ser visto como 
culturalmente construído e gênero como meio de discurso para a construção do sexo. 
33 Uma de suas principais obras foi publicada em 1974, intitulada Is female to male as nature is to 
culture?. 
40 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
econômicas, realçadas a partir de considerações biológicas, 
passaram a ter que tratar com o poder dos sistemas de crenças, 
símbolos e construções mentais. 
 A teoria materialista, portanto, tem sido considerada como 
uma teoria feminista na prática e nas intenções, e também como 
uma teoria representante da tradição histórica ao pensar sobre as 
mulheres, construída, portanto, a partir da aceitação de diferenças 
biológicas entre sexos e do reconhecimento de uma divisão de 
trabalho condicionada por essas diferenças. Uma das obras que 
impulsionou os debates feministas foi a de J.J. Bachofen, quando o 
antropólogo descreveu várias etapas da evolução da sociedade, 
desde a barbárie até o moderno patriarcado, afirmando que nas 
sociedades primitivas existiram culturas matriarcais. No entanto, 
as feministas norte-americanas desenvolveram a teoria 
materialista, dando origem a uma doutrina patriarcal redefinida 
quanto à esfera da mulher, que passou a relacionar as privações 
das mulheres com a imposição de fragilidade ao seu sexo, já que 
frequentemente os registros históricos colocam as mulheres como 
responsáveis por resgatar a sobrevivência da sociedade da 
destruição, da competitividade e das violências criadas por 
homens, possuidores de um poder absoluto, como portadoras de 
uma missão para sobrevivência humana. 
O acesso a uma educação igual e a participação na vida 
pública em igualdade com os homens foi, e ainda tem sido, um dos 
maiores obstáculos enfrentados pelas mulheres, que, mesmo após 
a instituição de novos modos de governo, mantiveram seus papéis 
de subordinação e de responsabilidade para com a educação dos 
filhos34, futuros condutores sociais (LERNER, 1990). Elizabeth34 “[...] o pai pode omitir-se em tudo, mas resguarda sua autoridade. Mesmo quando cabe à mulher 
total responsabilidade pela educação dos filhos, é ela mesma que, diante de uma traquinagem dele, 
ao invés de aplicar-lhe o castigo devido, omite-se, ameaçando-o com o famoso ‘contarei tudo a seu 
pai quando ele chegar’. A autoridade, assim, permanece nas mãos daquele que não educa. A 
responsabilidade cabe àquela que não detém autoridade. Desta forma, fica extremamente difícil, 
senão impossível, mostrar às crianças os limites de atuação, os limites do permissível. ” (SAFFIOTI, 
1987, p.37). 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 41 
 
Stanton35, feminista e ativista estadunidense, desenvolveu o 
argumento considerado materialista-feminista quando afirmou 
que as mulheres tinham direito a igualdade porque eram cidadãs. 
Posteriormente, com base no mesmo fundamento, as feministas 
organizaram o movimento sufragista e passaram a questionar o 
trabalho da mulher, além de reivindicar participação social e 
política através do voto. 
 As feministas materialistas afirmam que a busca pela 
existência de sociedades matriarcais foi essencial para afirmar a 
teoria e reivindicar igualdade. Nessa busca se identificou que as 
mulheres são vistas em muitas civilizações como deusas, 
afirmando a existência de poder feminino, de uma idolatria; 
contudo, esses entendimentos são constituídos de uma combinação 
de pesquisas em diversas áreas, consideradas duvidosas e ligadas 
por presunções. Os antropólogos modernos têm refutado 
evidências etnográficas que embasaram os argumentos de 
Bachofen e Engels para a existência de uma civilização matriarcal, 
reconstituindo as evidências e fundamentando a existência de uma 
sociedade matrilinear, que, em regra, tinha sua economia e 
relações parentais controladas pelo parente-homem. 
 Nota-se que são diversas as concepções acerca da existência 
de sociedades matriarcais (SAFFIOTI, 2015), e o espaço destinado à 
pesquisa não permite um aprofundamento da construção dessas 
sociedades. Contudo, as interpretações históricas demonstram que 
nas sociedades caçadoras e coletoras, independente do status social 
e econômico, as mulheres eram subordinadas, em alguns aspectos, 
aos homens, já que em nenhuma sociedade conhecida as mulheres, 
coletivamente, tiveram o poder de tomar decisões sobre os homens 
ou de definir as normas sobre suas condutas sexuais ou variar 
matrimônios (LERNER, 1990). Assim, aqueles que definem o 
 
35 Stanton, ativista feminista e abolicionista, dedicou-se aos direitos políticos das mulheres, 
abordando questões para além do sufrágio feminino. Suas principais obras são History of Woman 
Suffrage, publicada em 1881, e The Woman’s Bible, publicada em 1972. 
42 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
matriarcado como uma sociedade em que as mulheres dominam 
os homens, como o inverso do patriarcado36, sustentam seus 
argumentos em evidências extraídas da mitologia e da religião, e 
não de dados antropológicos e históricos. 
 Dessa forma, a intepretação feminista de diversas áreas 
através da teoria materialista refuta, atualmente, uma série de 
definições a partir da releitura dos dados e nova interpretação das 
habilidades femininas como tão variadas quanto as dos homens e 
em igualdade de essencialidade para a sobrevivência humana. As 
descrições das interpretações feministas de Nancy Chodorow37 são 
apresentadas por Lerner (1990) e Pateman (1993), e evidenciaram 
discrepâncias sexuais universais na organização social dos gêneros, 
geradas pelo condicionamento das mulheres ao dever de cuidado 
dos filhos. Assim, cabe ressaltar que nada que aparece na história 
como eterno é mais que o produto de um trabalho de eternização, 
realizado por instituições como a família, a igreja e a escola. 
Portanto, uma história feminista deve apresentar outras visões que 
não a naturalista e essencialista. 
 Sublinha-se que este trabalho baseia-se na teoria 
materialista-feminista, que compreende a subordinação da mulher 
como universal e que pretende a disseminação das diferenças e 
categorias entre homens e mulheres, a partir do questionamento 
da subordinação feminina e de todas as violências relacionadas a 
esse fenômeno patriarcal. Dessa forma, analisaremos o controle da 
sexualidade das mulheres e quais os motivos que ainda as mantêm 
em situação de inferioridade, buscando compreender os 
entrelaçamentos dos registros históricos e das atuais e perpetuadas 
opressões estruturais instituídas pelo patriarcado. 
 
36 “Só se poderá seguir essa definição quando as mulheres possuírem poder sobre os homens e não 
poder ao lado deles, o que inclui a esfera pública e as relações om o exterior, bem como a tomada de 
decisões importantes por parte das mulheres no âmbito familiar e social. ” (LERNER, 1990, p.30). 
37 Socióloga e psicanalista, é considerada uma das principais teóricas da psicanalítica feminista. Entre 
suas obras estão The Reproduction of Mothering: Psychoanalysis and the Sociology of Gender, 
publicada em 1978, e considerada um dos dez livros mais influentes dos últimos 25 anos, de acordo 
com a revista de sociologia americana Contemporary Sociology. 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 43 
 
2.3 As estruturas de poder e as suas opressões 
 
 As estruturas de poder não só dividem a sociedade em 
homens dominadores, de um lado, e mulheres subordinadas, de 
outro, mas também criam homens que dominam outros homens, 
bem como mulheres que dominam outras mulheres, o que permite 
o reconhecimento de que o patriarcado, articulado com as demais 
estruturas de poder (como o capitalismo e o racismo38), representa 
um sistema de relações sociais que mantém a subordinação da 
mulher. A supremacia masculina se faz presente em todas as 
classes sociais, desde as subalternas até as dominantes e, mesmo 
que uma mulher, em razão de sua classe, assuma posição social 
superior à de homens e outras mulheres de classes mais baixas, ela 
não será eximida de ser sujeitada ao julgamento do homem, seja 
 
38 “Sexismo e racismo são irmãos gêmeos. Na gênese do escravismo constava um tratamento distinto 
dispensado a homens e a mulheres. Eis por que o racismo, base do escravismo, independente das 
características físicas ou culturais do povo conquistado, nasceu no mesmo momento histórico em 
que nasceu o sexismo. Quando um povo conquistava outro, submetia-o a seus desejos e a suas 
necessidades. Os homens eram temidos, em virtude de representarem grande risco de revolta, já que 
dispõem, em média, de mais força física que as mulheres, sendo, ainda, treinados para enfrentar 
perigos. Assim, eram sumariamente eliminados, assassinados. As mulheres eram preservadas, pois 
serviam a três propósitos: constituíam forca de trabalho, eram reprodutoras de força de trabalho e 
prestavam (cediam) serviços sexuais aos homens do povo vitorioso. Constitui-se uma prova cabal de 
que o gênero não e tão somente social, dele participando também o corpo, quer como mão de obra, 
quer como objeto sexual, quer ainda como reprodutor de seres humanos, cujo destino, se fossem 
homens, seria participar ativamente da produção e, quando mulheres entrar na engrenagem das 
funções descritas. Convém lembrar que o patriarcado serve a interesses dos grupos/classes 
dominantes e que o sexismo não é meramente um preconceito, sendo também o poder de agir de 
acordo com ele. No que tange ao sexismo, o portador de preconceito está, pois, investido de poder, 
ou seja, habilitado pela sociedade a tratar legitimamente as pessoas sobre quem recai o preconceito 
de maneira como este as retrata. Em outras palavras, os preconceituosos – e este fenômeno não é 
individual, mas

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