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Administração – fundamentos e evolução

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PARTE I
Administração – fundamentos e evolução
Cláudio Gurgel, DSc.*
	Neste capítulo, situaremos a evolução do estudo das relações sociais de produção e identificaremos as principais fontes de conhecimento que, posteriormente, foram usadas como referenciais para a racionalização do trabalho produtivo, as teorias da administração. A seguir, concentraremos nossa atenção nos principais objetivos do estudo moderno e contemporâneo do trabalho e da gestão. 
1. Um objeto de estudo contemporâneo
	O estudo sobre o trabalho e as teorias dele decorrentes são produtos da nossa época. Diferentemente da física, da matemática, da química, da biologia, da economia e da política, a sociologia do trabalho e as teorias sobre a produção da riqueza foram sistematizadas no século XIX e XX. 
Esta é a razão que faz das teorias de gestão teorias tardias. 
Seu marco inicial data dos últimos anos do século XIX. Não é possível dizer qual o primeiro estudo rigorosamente destinado à administração de empresas. As Notas Sobre Correias, apresentadas, em 1895, por Frederick Taylor, (1856-1915), na Sociedade Americana dos Engenheiros Mecânicos, talvez seja uma das primeiras obras das teorias da administração.
	Para uma ligeira ilustração da juventude destas teorias, basta lembrar que Lilian Gilbreth, companheira de Frank Gilbreth e parceira dos estudos de Taylor, faleceu nos anos 1970. Foi, portanto, contemporânea de muitos de nós que falamos e escrevemos sobre o seu pensamento e seus trabalhos teóricos.
	O que terá retardado o estudo do trabalho humano e o seu tratamento como objeto relevante da ciência social ?
	Há um histórico de desvalorização do trabalho, que remonta desde os povos primitivos. Na antiguidade, Aristóteles dizia, na Política, que nenhum artesão será cidadão, e na Idade Média, o nobre se orgulhava de não trabalhar.� 
	De certo modo relacionado com este estigma, que chegou aos tempos modernos, com a versão do trabalho manual versus trabalho intelectual, podemos alinhar especificamente os seguintes motivos:
o pequeno desenvolvimento do mercado e das empresas nas sociedades, quando prevaleciam atividades artesanais e de subsistência, cabendo os grandes empreendimentos aos governos.
a desqualificação da atividade empresarial, considerada pelos ilustres pensadores do passado como uma atividade inferior. O próprio Adam Smith, na sua célebre obra Investigação sobre a natureza da Riqueza das Nações, descreve o empresário como um indivíduo sem escrúpulo, cuja atividade se aproxima do estelionato.� Vale lembrar que Smith é um dos principais pensadores do capitalismo liberal e que, embora fazendo este julgamento, valoriza a livre iniciativa e o empreendimento.
a predominância da preocupação com a macroeconomia. Em grande medida, pelos motivos anteriores, os principais pensadores do passado voltavam suas atenções para questões tais como a origem da riqueza, da acumulação e/ou a circulação e distribuição dos bens. São assuntos como estes que ocuparam o já citado Smith, assim como Karl Marx, David Ricardo e Stuart-Mill.
a política e a filosofia centradas sobre as relações sociais e entre as nações. O alcance do poder e sua manutenção, a distribuição da justiça, a liberdade e a relação entre os homens, assuntos que no máximo tocam à gestão pública, foram objetos da atenção de estudiosos como Nicolo Maquiavel, Montesquieu, Hobbes, Locke, Rousseau, Montaigne, Mill, Bentham, Fourier, Saint-Simon e outros pensadores. Eles tinham olhos para a grande organização social e apenas subsidiariamente para o papel que a organização empreendedora de fins específicos - a empresa - poderia representar no conjunto da sociedade. Pela mesma razão, a guerra também ocupa grande espaço na literatura da antigüidade e do medievo. A constância com que se recorria à guerra para a tomada e/ou manutenção do poder fizeram das armadas e da organização militar objetos de estudo. Afinal, como diria Karl Clausewitz, influente general prussiano, em sua obra Princípios da Guerra, "a guerra é a continuação da política, pelas armas".�
a idéia da gestão, da liderança, do comando e da dominação dos homens sobre os homens como arte ou dom inato, foi durante muitos anos uma concepção corrente que tornou o estudo e o ensino destas qualidades algo secundário e até mesmo impertinente. 
	O reduzido mercado, a desvalorização da atividade empresarial, a suposição de que administrar é um dom e as questões relativas à tomada e manutenção do poder, que ocuparam a atenção dos principais pensadores dos séculos passados, retardaram o estudo do trabalho produtivo e a construção de estruturas teóricas sobre a gestão da produção.
	Em contrapartida, a chamada Revolução Industrial proporcionou o ambiente necessário para a emergência do trabalho como uma categoria importante da vida social. Exatamente porque:
estimulou o capitalismo e o crescimento das cidades, onde surgiu um mercado interessado em inúmeros produtos e assim incentivando o surgimento de novas e muitas empresas produtoras de bens e serviços. 
Tendo necessidade de atender à demanda crescente, promoveu-se o desenvolvimento da especialização, substituindo-se o processo artesanal de produção, pela divisão horizontal do trabalho. O produtor passou a executar apenas uma parte do produto - a tarefa - operando no que se chama linha de produção. 
A divisão de trabalho ganha créditos como grande descoberta do sistema de produção de riqueza e a especialização do trabalhador, em uma dada função, a acompanha nesta valorização.
	No capítulo I do seu livro já citado, Adam Smith se dedica a estudar este novo processo, dizendo que "0 maior aprimoramento das forças produtivas do trabalho e a maior parte da habilidade, destreza e bom senso com os quais o trabalho é em toda parte dirigido ou executado, parecem ter sido resultados da divisão do trabalho".�
	Ele cita um exemplo que se tomou célebre: o caso da produção de um fábrica de alfinetes em que se aplicava a divisão do trabalho. Segundo Smith, "As pessoas conseguiam produzir entre elas mais do que 48 mil alfinetes por dia (..) cada uma produzia 4.800 alfinetes por dia. Se, porém, tivessem trabalhado independentemente um do outro, e sem que nenhum deles tivesse sido treinado para esse ramo de atividade, certamente cada um deles não teria conseguido fabricar 20 alfinetes por dia".�
Como se percebe, pelo que diz Smith, a divisão horizontal do trabalho criou a necessidade da prática regular do treinamento para a execução da tarefa. Os trabalhadores, agora voltados exclusivamente para uma parte do produto, passaram se adestrar ao máximo, imprimindo um ritmo cada vez mais acelerado ao seu trabalho Para isto também contribuiu a criação e utilização crescente de novas máquinas e utensílios de trabalho, adequados à cada tarefa, facilitando as operações e auxiliando a intensificar a atividade produtiva.
	Observem que, ao lado desta transformação metodológica e tecnológica, uma nova relação social de trabalho se instituiu entre os homens. Surge o trabalho assalariado, uma vez que agora não se tratava do artesão vendendo o trabalho concreto, cristalizado, final, pelo qual recebia um valor em dinheiro correspondente ao valor de troca do produto. Tratava-se agora de um trabalhador vendendo sua força de trabalho, em troca de um pagamento, o salário, correspondente ao que se supunha necessário para sua sobrevivência.
	Isto consolidou a separação entre a propriedade dos meios de produção e a atividade produtiva. Os que estão diretamente ligados à produção - possuindo apenas a força de trabalho, mas não os meios de produzir, e muito menos possuindo o produto final – passaram a ter objetivos freqüentemente diferentes daqueles objetivos do proprietário dos meios de produção e dos bens produzidos.
	Como já se pode observar, ainda que de modo simplista, mas no essencial inegável, há um “problema dos salários”, como diziam os antigos teóricos. Isto é, para o empregador, salário é custo, maspara o trabalhador, salário é renda. Não é uma contradição pequena, no mundo de muitos conflitos.
	Este é apenas um aspecto, das novas bases de relação social de trabalho.
	Estas novas condições, por seu turno, criaram novas exigências para a vida social e empresarial, razão do surgimento do sindicalismo, da expansão da atividade regulatória do Estado e da crescente disputa em torno da legislação civilizatória e protecionista.
	O crescimento do tamanho das empresas, agora com novos setores, novos níveis de supervisão/controle, e a expansão geográfica dos negócios ensejando novas unidades, filiais, ou a descentralização geográfica de setores, introduziram uma nova divisão: a separação entre a propriedade e a gestão dos negócios, onde se processa a gradativa substituição do dono da empresa por pessoas contratadas e designadas para funções antes executadas por ele mesmo ou seus familiares.
	Todas estas mudanças passaram a exigir muito mais daqueles que tinham a função de conduzir ao sucesso o empreendimento, seja no plano privado, seja no plano público.
	No plano privado, dispensa novos comentários. No plano público, por que a expansão dos negócios privados não só trazia novas obrigações ao Estado, deveres regulatórios, repressivos, protecionistas, etc., como exigia crescente ação fomentadora nos transportes, na educação e na saúde públicas, além da infra-estrutura produtiva e urbana.
	Vale ainda destacar que um novo pensamento religioso, baseado na reação protestante fundada por Lutero, Calvino e outros destacados religiosos europeus, invertu a escala de valores de grande parte da sociedade. Nesta mudança, colocou-se o trabalho, a poupança, a acumulação e a riqueza no topo das virtudes humanas. 
	O tamanho da influência deste fator religioso é discutível. Mas Max Weber, em seu clássico A ética protestante e o espírito do capitalismo, chega a atribuir papel fundamental no desenvolvimento do capitalismo ao pensamento religioso surgido na Reforma.� O trabalho e a acumulação perderiam respectivamente seu caráter punitivo (ganharás o pão com o suor do teu rosto) e condenável (é mais fácil um camelo passar por uma agulha, que um rico entrar no reino dos céus) e passariam a ser vistos como uma dignificação e uma graça de Deus.
O crescimento da demanda industrial exigiu volumes crescentes de produto, o que instituiu a divisão horizontal do trabalho, ponto de partida de muitas mudanças metodológicas e tecnológicas, assim como sociais. Além disto, a passagem do produtor artesanal ao produtor fabril trouxe uma tensão nova ao ambiente produtivo. Estas novas condições tornaram complexa e contraditória a relação trabalho/capital e criaram a necessidade de teorias capazes de dar resposta aos novos problemas e desafios.
	2. Referenciais teóricos para entender e intervir no mundo do trabalho
	A fase que sucede o chamado capitalismo mercantil, este vivido aproximadamente entre o século XV e o XVIII, é a fase industrial do capital. Uma importante fase iniciada com a Revolução Industrial, a que já fizemos referência.
	A Revolução Industrial consistiu essencialmente da introdução de máquinas, movidas a energia não-humana. Começou com as fábricas inglesas de fiação e tecelagem, estendendo-se gradativamente a outras indústrias. Primeiro, por toda a Europa Ocidental e rapidamente alcançando a América do Norte, para posteriormente universalizar-se. Multiplicaram-se os inventos associados ao trabalho: máquina de fiar, tear hidráulico, tear mecânico, descaroçador de algodão, locomotiva a vapor, dínamo, motor a combustão.
	Toda essa transformação tecnológica e metodológica levou a mudanças nas relações sociais de produção, e o conjunto destes fatos e situações exigiu um tratamento mais atencioso para com o trabalho e suas condições de existência e reprodução.
		A emergência do trabalho como objeto de estudo encontra ampla produção filosófica, econômica e política de que se nutrem os teóricos. Ao lado disto, a experiência dos que trabalham e dos que lidam com o trabalho também foi uma fonte de conhecimento.
		O século XIX , portanto, acumulava uma massa de pensamento sobre a vida social e as relações trabalho\capital que permitia o salto racionalizador, que marcou o século XX.
		Podemos identificar um conjunto de fatos e contribuições, a começar do próprio movimento racionalista, iniciado por Descartes, que serviram de referenciais teóricos para melhor compreender e melhor intervir no mundo do trabalho, a saber:
O pensamento racionalista e empirista. 
	Entre os séculos XVI e XVII, o pensamento Europeu, fonte do pensamento dominante de então, voltava-se para a descoberta da verdade. Não mais as verdades admitidas pelos céticos, para quem, como Michel de Montaigne, as idéias são sempre influenciadas por fatores pessoais, sociais e culturais. Para eles, porque não dizer, para todos da época, nada se podia afirmar, sem que ao mesmo tempo se deixe em suspenso, sob a dúvida, aquilo que é a nossa verdade.
	O novo movimento, que agora busca um único caminho, acredita na possibilidade da descoberta de uma verdade única, para todos. Ou melhor, na possibilidade da razão responder de modo definitivo às indagações para as quais os céticos não admitiam nenhuma resposta indubitável.
	Nasce assim o pensamento moderno. Este pensamento segue, sumariamente, duas grandes linhas: "(...) de um lado, a perspectiva empirista proposta por Francis Bacon ( 1561-1626), a preconizar uma ciência sustentada pela observação e pela experimentação, e que formularia indutivamente as suas leis, partindo da consideração dos casos ou eventos particulares para chegar a generalizações; por outro lado, inaugurando o racionalismo moderno, Descartes busca na razão - que as matemáticas encamavam de maneira exemplar - os recursos para a recuperação da certeza científica".�
	No Discurso do Método, sua obra mais célebre, René Descartes (1596-1650) institui, com os seus 4 preceitos, o que veio a ser a metodologia científica moderna, grosso modo:
dúvida: nada aceitar como verdadeiro, uma vez ainda não evidenciado;
análise: dividir e examinar o problema em seus detalhes;
síntese: ordenar o pensamento análise;
enumeração: verificar se tudo respondido e evidenciado.�
	É o racionalismo de Descartes e o empirismo de Francis Bacon, principalmente, que dão as bases da ciência moderna e, como tal, das teorias da administração.
	No século XVIII, o Iluminismo consolida e expande estas idéias, elevando a confiança na ciência e estendendo esta confiança a todos os planos científicos. É quando pontifica o Positivismo, corrente filosófica que julgava possível obter a mesma precisão das ciências naturais nas pesquisas e afirmações das ciências sociais. Não é apenas coincidência que o século XVIII seja também o século das invenções e da Revolução Industrial.
	2.2 O pensamento econômico clássico
	Já fizemos referência a Adam Smith (1723-1790) e a grande atenção que deu à divisão de trabalho, observada na citada fábrica de alfinetes. De fato, Smith foi um dos mais empenhados autores da economia clássica no esforço para criar uma teoria para os empreendimentos produtivos. Tanto assim que ele abre a sua grande obra Investigação sobre a natureza da riqueza das Nações com um capítulo intitulado A Divisão do Trabalho. Além disto, outros capítulos do livro são dedicados a discutir os efeitos da divisão do trabalho, processo a que ele atribui a expansão dos negócios e o crescimento da produção: "É a grande multiplicação das produções de todos os diversos oficias - multiplicação essa decorrente da divisão do trabalho - que gera, em uma sociedade bem dirigida, aquela riqueza universal que se estende até às camadas mais baixas".�
	Por este caminho, ele chega à especialização, ao estudo de tempos e movimentos, ao planejamento das tarefas, à organização da produção e a outros aspectos que seriam mais tarde recuperados pelos teóricos clássicos da gestão.
	Idéias semelhantes são defendidas por outros clássicos daeconomia, tais como David Ricardo (1772-1823), que, em sua obra Princípios de Economia Política e Taxação, estende sua atenção a outros ângulos, tratando de salário e preços, além de revelar preocupação com os efeitos sociais do capitalismo liberal de então. A Smith e Ricardo, de fato os principais clássicos, podemos ainda acrescer James Mill (1773-1836), autor de Elementos de Economia Política, e seu filho John Stuart-Mill (1806​-1873), cujo papel na política foi tão relevante como na economia, principalmente por sua obra Utilitarismo, em que desenvolve importantes e atuais idéias sobre liberdade, representatividade e participação.
	2.3 A prática das organizações do Estado, das Forças Armadas e da Igreja.
	Os teóricos do mundo do trabalho e da produção devem ao Estado, entre outras coisas, os primeiros ensinamentos práticos que mais tarde puderam se converter em teoria. Foi o Estado que se obrigou a construir as grandes obras da antiguidade - templos, pirâmides, muralhas, sistemas fluviais, estradas, silos, e a definir os códigos de conduta social que continham preceitos administrativos - o Código de Hamurabi, os Dez Mandamentos, as Leis de Manu, o Direito Romano. As monarquias dos séculos mais recentes continuaram a responder pelas grandes necessidades das populações. Isto explica porque o sociólogo francês Alain Touraine, em sua Historia general del trabajo, afirma que o maior desenvolvimento do teórico sobre a produção humana da se deu no âmbito do Estado.�
	Integrando o Estado, mas com características especiais, as forças militares - exércitos e armadas - também foram modelo teórico. Na Antigüidade, como na Idade Média, os povos viviam essencialmente para a guerra e a conquista. É uma grande passagem poética de Fernando Pessoa, mas também a exata verdade daquela época, sua afirmação de que "navegar é preciso, viver não é preciso".
	A organização e o empreendimento militares exerceram grande influência sobre a vida de um modo geral e, em particular, sobre as demais formas de organização social. As forças armadas não inventaram a disciplina, a ordem, a hierarquia, a organização das atividades e o esforço de previsão. Mas valorizaram-nas e dignificaram-nas, certamente.
	Pela força da necessidade de quem tinha que realizar operações em variados e distantes lugares, as organizações militares provaram a eficiência da descentralização. Além disso, atribui-se a elas a criação daquilo que mais tarde se chamaria, nas organizações de um modo geral, o staff; grupo que auxilia o alto comando em suas decisões e implementações. O staff seria uma forma de Estado-Maior, inicialmente experimentado com sucesso pelos exércitos do Imperador Frederico II, também no século XVIII, na Prussia.
	Finalmente, as igrejas foram um importante referencial prático. Em particular, a Igreja Católica, cuja verticalidade hierárquica, rápida expansão geográfica e enorme enriquecimento admiraram o mundo. Novamente a disciplina, a ordem, a hierarquia e a descentralização são ressaltadas com o exemplo da Igreja Católica.
	Mas as igrejas protestantes e outras correntes religiosas tiveram seus exemplos considerados. Não só em seus aspectos funcionais, mas também ideológicos, o poder de influência das igrejas sobre os negócios e o trabalho pode ser observado. Segundo Max Weber (1864-1920), como já foi dito anteriormente, os protestantes tiveram relevante papel no desenvolvimento do capitalismo, particularmente os calvinistas. Eles levaram para as organizações empresariais a sua ética de poupança, disciplina e dedicação ao trabalho; virtudes religiosas, segundo suas doutrinas. Em seu referido livro A ética protestante e o espírito do capitalismo, Weber faz uma análise de como, ao se expandir nos Estados Unidos, a igreja protestante ajudou a consolidar a economia de mercado naquele país, convertendo-o na maior nação industrial do mundo.
	2.4 O exemplo dos primeiros empreendedores
	Como é comum a todos os campos da vida, os primeiros empreendedores privados tiveram seus passos iniciais marcados pelo ensaio-e-erro. Ou seja, experimentaram, erraram, adaptaram, acertaram e foram, ao longo do tempo, descobrindo, nos exemplos e nos próprios passos, o modo de andar. Os empreendimentos do século XIX foram um grande laboratório para a observação do mundo do trabalho e da produção.
	Rockfeller fundou a Standard Oil em 1865, Gustavus Swift, em 1890, criou os Frigoríficos Swift, e, entre este ano e 1900, inúmeras outras empresas, como a Westinghouse, a American Tobacco, a United Fruit, para não falar nos impérios do ferro, do aço, do cobre e do alumínio, foram criadas ou ampliadas, algumas se fundindo a outras tantas. Promovia-se um notável boom empresarial. Na Inglaterra e nos Estados Unidos, este processo foi acompanhado por inovações metodológicas e tecnológicas destinadas a reduzir custos, aumentar a produção, obter cooperação dos trabalhadores e conquistar o mercado em expansão. Tudo isto foi fonte de experiência e de novos conhecimentos, além de enorme pressão por novos padrões de produção e melhor organização para o trabalho.
	2.5 O surgimento da crítica humanista e dos ideais de um mundo justo e solidário 
	As condições de vida e de trabalho dos operários fabris, submetidos a 10, 12, 14 horas de esforços quase contínuos, nas empresas, despertaram indignações e formulações críticas, de toda natureza. Obras como Os miseráveis, de Victor Hugo, ou Germinal, de Emile Zola, denunciavam a pobreza e o sofrimento a que estavam sujeitos os trabalhadores e suas famílias. Pensadores sociais e empreendedores entraram em cena propondo outros modelos de vida e de trabalho. Foi o caso de Charles Fourier, com os seus Falanstérios, ou Robert Owen, industrial inglês, com sua comunidade de New Lanark, ou, ainda, Saint-Simon e Sismondi – com suas construções teóricas, todos buscavam uma saída para as condições impostas pela relação trabalho\capital.
	Em sentido mais profundo e radical, autores como Ferdinand Lassale, Emmanuel Prudhom, Michel Bakunin e finalmente Karl Marx e seu companheiro Frederic Engels ocuparam a cena do pensamento europeu, criticando o modo de produção capitalista. 
	Portanto, correntes do chamado socialismo utópico, correntes anarquistas e comunistas trouxeram o trabalho e as relações sociais de produção para o primeiro plano do estudo, da formulação e da teoria.
	A intervenção destas vertentes do pensamento, em principal medida, tem o objetivo de negar o sistema e contrapor a ele um outro mundo possível, como se anuncia hoje nos Fóruns Sociais Mundiais. Mas é também verdade que a sociologia do trabalho e as teorias de gestão se apropriaram de parte deste pensamento para incorporar mudanças ao próprio modo de produção capitalista. 
	2.6 As condições políticas e a luta por interesses materiais
	As condições que inspiravam pensamentos contraditórios e críticos, inspiravam utópicos e não-utópicos a formulações e projetos de mundo, criavam também uma atmosfera de conflito social. 
	Na Europa, o último quartil do século XIX foi marcado pelo impacto da Comuna de Paris (1871), movimento revolucionário, inspirado no anarquismo e no comunismo. Outros levantes, imediatamente anteriores e posteriores à Comuna, explodiram em vários países europeus. No final do século, surgiram os primeiros partidos populares, que disputaram eleições sob bandeiras radicais e reformistas.
Neste mesmo final do século XIX, o movimento dos trabalhadores na América do Norte também se difundia no campo e na cidade. O Partido do Povo, aliança reformista criada nos EUA, chegou a disputar a presidência da República em 1892 e fazer boa bancada no Congresso, em 1894. No início do século XX, havia um clima febril de crescimento econômico, com insatisfação dos trabalhadores, e muitas pressões por um tributação que pudesse reverter parte dos lucros para o bem comum. De outra lado, idêntica pressão para obter-se mais eficiência, menores custos e maior capacidade de competição. A despeito dos elevados índices de crescimentoindustrial, os capitães de indústria faziam uma avaliação de que havia muito desperdício e vadiagem
	Também estas condições criadas pela dinâmica do mundo real forçavam a que a questão do trabalho, da produção, da empresa e da gestão dos negócios, antes desprezada pelos pensadores, passassem a ocupá-los.
3. Elevar a produtividade e obter a cooperação
	Estes referenciais, de variadas fontes do conhecimento, seja fonte teórica, seja fonte empírica, são reunidos para responder a dois objetivos integrados, que se impuseram na relação trabalho\capital:
		. Elevar a produtividade e
		. Obter a cooperação dos trabalhadores.
 Elevar a produtividade e obter a cooperação constituem, há mais de um século, a obsessão de todo gerente. Até porque o terceiro objetivo que se apresentou posteriormente, a busca da qualidade, em grande medida depende da cooperação dos auxiliares de trabalho.
	O objetivo da Qualidade não havia ocupado, até duas décadas passadas, um espaço relevante, como nos dias de hoje. Qualidade se reduzia ao preenchimento de 4 condições mínimas:
		. Resistência, que garantisse durabilidade
		. Funcionalidade, que assegurasse o atendimento à necessidade
		. Baixo preço, que permitisse aquisição sem maiores sacrifícios financeiros 
		. Baixo custo de manutenção.
	Tratava-se de um objetivo capaz de ser alcançado com o padrão estabelecido. O padrão se fazia com estes 4 itens. Uma vez cumprido, respondia pela necessidade de qualidade do produto. Inclusive a qualidade de ser um produto durável. Contrário, portanto, a descartabilidade que caracteriza a obsolescência planejada e acelerada da gestão da qualidade contemporânea.
	O conceito de Qualidade como melhoria contínua, agregação de valor, encantamento do cliente, somente se colocou nos anos 1980, com a emergência do consumo de substituição. Isto é, quando a oferta encontrou o mercado saturado e com capacidade aquisitiva restrita. A produção, predominantemente, passou a se destinar aos consumidores que estão substituindo seus estoques domésticos. Portanto, a produção voltou-se para os consumidores que estão exigindo algo novo, diferente, com algum valor agregado que justifique substituir seu carro, seu telefone celular ou seu aparelho de som.
Nos primórdios da administração, o perfil do consumidor era diferente do perfil do consumidor de substituição. O consumidor dos primeiros grandes mercados estava no limiar da satisfação de suas necessidades. Tudo era novo e duradouro. Por isto, os teóricos estavam em busca de respostas para a produtividade. Ou seja, um quociente de produção/recursos o mais alto possível. 
	Era a produtividade, a quantidade, o volume de bens produzidos ao menor custo financeiro, que atraia e ocupava a atenção dos estudiosos da administração. 
3.1 Elevar a Produtividade
	O processo de crescimento urbano, no século XX, foi muito acelerado. Principalmente entre os países líderes, como os Estados Unidos. De um modo geral, a mudança na distribuição territorial da população foi de fato uma inversão. Se no início do século XX, a cidade possuía apenas 20% da população, e o campo 80%, rapidamente o quadro populacional foi mudando, em favor da rápida urbanização.
A população, entre os séculos XIII e XX, chegou a triplicar nos grandes centros econômicos. Era o beneficio oferecido pelas melhores condições de nascimento e pelo controle dos grandes males infantis (varíola, escorbuto, cólera, etc). Mas era também a atratividade de melhores empregos, impulsionando o êxodo rural.
	O que isto tem a ver com produtividade ?
	Ora, o mercado consumidor cresce em correlação com a população. Além disto, o homem urbano não conta mais com as facilidades familiares. Móveis, roupas, utensílios diversos eram feitos por familiares ou pelo próprio consumidor, em produção de auto-subsistência. Segundo Victor Clark, havia lugares, como o Tennesse, em que “quase a totalidade da população rural, especialmente os moradores das regiões montanhosas, vestia roupas fabricadas em casa”.� Isto já não estava à disposição do homem urbano. Ele não tinha mais quem lhe fizesse a roupa ou o calçado ou os móveis e muito menos tinha condições de ele mesmo fazer. Este homem urbano precisava de quem lhe atendesse as necessidades. Com o detalhe de que agora precisava pagar por isto.
	Seja por este aspecto antropológico, seja meramente pela grande quantidade de novos habitantes urbanos, a migração do campo para a cidade foi criando um amplo mercado consumidor.
	Mas este mercado consumidor tinha uma característica: ele não dispunha de muita capacidade aquisitiva. Era constituído de trabalhadores rurais que estavam ao mesmo tempo sendo expulsos da terra e da área rural, como sendo atraídos pelas notícias vindas das cidades. Eram notícias de emprego, do febril crescimento, seja da indústria de produção de bens de consumo e de capital, como da indústria da construção civil, para não falar do comércio e dos serviços. Em seu conhecido estudo sobre este período, Theodore Schultz informa que entre 1895 e 1915, a produção industrial americana cresceu 156%.� 
	Por isto é justo dizer que, por exemplo, Henry Ford teve como principal mérito a sensibilidade para perceber que se construía um mercado de massas na América do Norte, impulsionado por um círculo virtuoso de produção-emprego-consumo-produção..	 Percebeu mais ainda: que o futuro da indústria estava na produção para esta massa de consumidores potenciais.
	A questão residia em como obter preços baixos. Melhor dizendo, como obter custos baixos, para oferecer preços baixos.
	Esta questão já tinha sido colocada por Taylor e ele julgava que havia resolvido o problema. Várias vezes em seu livro Princípios da administração científica, Taylor anunciou que seu método atendia a todos: empresários, trabalhadores e consumidores. Agradava aos consumidores porque ao elevar a produtividade, ao tornar o mais alto possível a relação produção/recursos, estava obtendo custo unitário baixo e podendo praticar preços de mercado baixo.
	Mas Taylor jamais teria idéia de como, após a sua morte, as cidades cresceriam com uma população de baixo poder de compra. Cidades industriais, como Detroit e sua Filadélfia duplicavam a população em apenas um ano. Grande parte destes migrantes eram, como frequentemente ocorre aos migrantes, pobres. Tornava-se portanto necessário elevar mais ainda a produtividade e obter custos unitários bem mais baixos. 
	Isto, só a linha de montagem e as formas de moldar peças e componentes, desenvolvidas por Ford, a partir de 1913, poderiam fazer.
	Portanto, os primeiros teóricos e formuladores da administração, como Taylor, Gilbreth, Gantt, Ford e Fayol, este na França, voltaram seus estudos para elevar a produtividade. Grande parte das suas pesquisas se concentrava no estudo dos tempos e dos movimentos da produção. É possível dizer que os primeiros estudos da administração se realizaram com balança, fita métrica e cronômetro. Depois, principalmente com Ford, estes estudos se deram através de um esforço criativo de organização e sistemas. A organizaçao da produção e a introdução de novos sistemas, onde a linha de montagem pontificava, intensificaram a produção, garantiram economicidade nas operações e muita produtividade, principalmente na relação produto/homem/hora.
	Um mercado muito comprador garantia a realização da mercadoria. O que se produzia, se vendia. A Lei de Say, segundo a qual a oferta cria a sua própria procura, parecia estar mais uma vez se comprovando. Além daquele fenômeno de crescimento acelerado de suas grandes cidades, os EEUU foram beneficiados pela demanda de produtos, armas, roupas e alimentos, de uma Europa em guerra. Era o sucesso do fordismo e o sucesso do fordismo foi a afirmação da importância da produção em massa. A grande escala da produção em massa permitia diluir os custos totais nos milhares de unidades produzidas. O custo unitário baixo fazia a alegria dos consumidores.
	A elevação da produtividade, semprevista como um dos grandes objetivos da gerência, ganhava a condição de um dos dois principais objetos de estudo da administração. Praticamente, todas as teorias da administração, do já referido taylorismo, até o toyotismo dos tempos presentes, todas concentram grande parte de suas atenções na busca de métodos, sistemas e formas de organização que sejam capazes de elevar a produtividade.
	Vale ainda considerar que é no trabalho que se realiza a criação de valor. Assim ocorre quando, pela habilidade ou esforço físico, uma peça de madeira por exemplo, é transformada, pelo trabalho, em uma mesa ou uma janela. Ou quando um novo hardware é criado, a partir de peças e componentes básicos, com a integração sistêmica produzida pela habilidade mental do trabalhador. Em ambas situações, dá-se uma agregação de valor sobre a base material da produção, seja na peça de madeira que é transformada em mesa, seja nos componentes e peças que são transformados em novo hardware. Estas agregações, se refletem no preço – expressão monetária do valor. Não se compra uma mesa pelo preço de uma peça de madeira com que ela será fabricada. Estas agregações de valor são realizadas pelo trabalho.
	Neste sentido, elevar a produtividade significa produzir uma massa de valor alta ao menor custo financeiro possível. Do ponto de vista do capital, é certamente um objetivo primordial.
3.2 Obter Cooperação	
3.2.1 Causas 
O segundo objetivo primordial é a obtenção da cooperação dos trabalhadores. Trata-se de um objetivo integrado com o objetivo da produtividade, porque sem dúvida o empenho ou a falta de empenho no processo produtivo afeta a produtividade. 
	Mas a cooperação tem sua autonomia e substantividade. É possível obter produtividade sem cooperação. O escravagismo demonstra isto. Mas até uma certa medida. A partir de mínimas condições de liberdade, o recurso ao trabalho forçado é uma violência contra todos os valores civilizatórios, que custa desgastes subjetivos os mais diversos, além de custar formas adicionalmente onerosas de controle. Por isto, a busca da cooperação constitui um objetivo à parte e é certamente mais que um objetivo, é um desafio.
	Este desafio se colocou para os administradores na passagem do trabalho artesanal para o trabalho fabril. Esta passagem é socialmente traumática, porque transforma o produtor em operário, e isto vai fazer uma diferença crucial.
	O artesão se define como o trabalhador ou trabalhadora que executa todas as etapas da produção de um bem e o comercializa. Sua produção é frequentemente destinada à satisfação de suas necessidades familiares, com um excedente que ele oferece aos seus compradores. Esta atividade era desenvolvida em sua casa, onde parentes e aderentes ajudavam. Dentre os aderentes, os aprendizes do ofício, seus auxiliares mais constantes.
	Esta condição de artesão, portanto, era suficientemente motivadora. O homem trabalhava para si, seja na parte da jornada destinada a produzir para o seu próprio consumo e o consumo de sua família, seja na parte em que produzia o excedente que ele vendia. Este excedente também era seu. Sua venda lhe rendia dinheiro, que por seu turno lhe proporcionava o acesso a outros bens.
	O trabalho, materialmente falando, aquele trabalho concreto, o produto do seu empenho transformador, lhe pertencia integralmente. Nada o obrigava a trabalhar, senão seu próprio interesse em ter aquilo de que necessitava. Por isto, a jornada de um artesão tinha certa flexibilidade, além de ser em sua totalidade uma jornada curta que alguns historiadores calculam em 4 horas, em média. Como disse David Landes, em The unbound Prometheu, “o artesão domiciliar era senhor do seu tempo, começando e parando quando desejasse”.�
	Sua passagem ao interior de uma oficina de produção, como se dizia à época, foi para ele uma violência, em vários aspectos. 
	Primeiro, porque significava o seu fracasso em manter a condição de produtor livre. A competição do incipiente mercado, onde novos produtores, principalmente seus antigos aprendizes, elevavam a oferta, e os acidentes de toda a natureza, para os quais não existia ainda seguro de lucros cessantes, o haviam levado à falência. Isto era muito pesado para carregar. Segundo o pai Grandet, da famosa passagem de Balzac, Eugenie Grandet, a falência é a pior desonra que pode ocorrer a um homem. A classe emergente, a burguesia, podia conviver com tudo e todas as desonras. A corrupção, a usura, até o assassinato. Mas não aceitava a falência. 
	Em segundo lugar, o artesão que ia à falência geralmente perdia seus meios de produção, porque os vendia para se manter. Portanto, não lhe restava nada, senão sua força, sua habilidade física e/ou mental.
	Em terceiro lugar, ele agora tinha que se submeter ao regime da oficina, com um capataz, geralmente mais rude do que ele, a lhe dar ordem e controlá-lo em todos os seus movimentos.
	Em quarto lugar, a jornada de trabalho não era mais feita por ele mesmo. Agora, era o proprietário da oficina, que possuindo as instalações e os equipamentos, definia a jornada de trabalho. Os registros da época, tanto nos EEUU, como na Europa, apontam para jornadas de 12, 14, 16 horas diárias.�	
Em quinto, o excedente de produção, ou seja, aquilo que o artesão produzia além da sua necessidade familiar e vendia, agora pertencia aos proprietários dos meios de produção. Significa dizer que, em uma jornada de 14 horas, aproximadamente 10 horas produziam excedente, apropriado pelo dono do negócio. 
	Em sexto lugar, o antigo artesão, agora reduzido a operário, recebia um pagamento relativo a um número de horas bem inferior ao total de horas trabalhado. Portanto, grande parte do tempo de trabalho não era remunerada.
	Tudo isto retirava do trabalhador a auto-motivação anteriormente existente. Sua disposição para cooperar se tornou mínima, apenas o necessário para manter o emprego que garantia sua sobrevivência, enquanto não encontrasse outra saída.
	Ainda que nos dias de hoje não se tenha o choque da mudança que marcou os artesãos na Revolução Industrial, alguns aspectos acompanharam no tempo esta grande transformação de produtor livre em operário. Vender trabalho e vender força de trabalho são reconhecidamente duas coisas muito diferentes. Os que vendem sua força de trabalho, física e/ou mental, sabem que não são remunerados plenamente pelo seu esforço e que melhor seria vender o próprio trabalho. Não é à toa que milhões de trabalhadores sonham em montar o seu próprio negócio. Ainda que não se deva comparar o que pretendem os trabalhadores de hoje, sonhando com seu próprio negócio, e aquilo que faziam os artesãos, há muitos pontos em comum entre eles. De um modo geral, eles querem se livrar de grande parte destes 6 itens negativos da passagem do artesão à condição de operário.
	Considerando estes aspectos relatados, não é difícil compreender porque a obtenção da cooperação dos trabalhadores tornou-se um dos objetivos primordiais da teoria administrativa.
	Trata-se de criar incentivos e despertar motivações que possam compensar a auto-motivação que possuía o artesão e possui o trabalhador que produz para si mesmo, o livre produtor.
	Esta é a razão da extensa discussão dos teóricos da administração em torno da remuneração do trabalho, de formas de remuneração, de incentivos à produção e de fatores motivacionais. O debate vem deste Taylor, com seu longo texto Administração de Oficinas, passa por Fayol, em seu Administração Geral e Industrial e pelos humanistas da administração. Não para aí, ao contrário. Continua, com todo entusiasmo, nos atuais defensores da gestão participativa, do empowerment e da participação nos lucros.
	Para Taylor, a cooperação dos trabalhadores se obtém com incentivo material. A remuneração por peça e o adicional por desempenho superior à produção esperada, no tempo padrão, são o suficiente para despertar o interesse do trabalhador. Veremos em item adiante outros detalhes sobre o taylorismo. 
	3.2.2 Os humanistas
Para os humanistas,cujos modelos de motivação são ricos e variados, o incentivo material é uma forma, mas talvez nem seja a mais atraente. Principalmente para trabalhadores que já têm preenchidas suas necessidades básicas. Os humanistas da administração, divididos em dois grupos, a Escola das Relações Humanas e a abordagem Comportamentalista, surgidos nos anos 1920/30 e 1940, respectivamente, os elementos da emoção, da sociabilidade e das relações humanas são determinantes. 
Sob os efeitos da concentração de renda dos anos 1920, e sob o impacto da Grande Depressão dos anos 1930, eles vão procurar novos métodos capazes de incentivar e motivar. É aí onde a psicologia, a sociologia, a ciência política e a antropologia vão exercer um papel teórico relevante, na busca das formas que possam abrandar tensões e gratificar emocionalmente os trabalhadores.
Teorias comportamentalistas, como a Pirâmide das Necessidades, de Maslouw, ou a Teoria dos dois Fatores, de Herzberg, ou ainda Douglas McGregor, com a idéia da dicotomia a que ele denominou Teoria X e Y, ou mais recentemente o Grid Gerencial, de Robert Blake e Jane Mouton, todos procuram destacar expectativas que devem ser estimuladas ou modelos de comportamento que devem ser explorados.
São formas e recursos usados, mais sutis e menos materiais, cuja finalidade é a mesma: obter cooperação.
Para os teóricos contemporâneos, a questão que se coloca é fazer com que os trabalhadores vistam a camisa da empresa. Neste sentido, a motivação virá por este envolvimento, seja pela participação nos lucros (PL), seja pelo compartilhamento das decisões, com a participação, o empoderamento (empowerment) ou o empreendedorismo interno (intrapreneuring). 
	Tratando do empowerment, Quinn Mills explica: “não queremos mais que os funcionários obedeçam; pelo contrário, nós lhe pedimos para internalizar os objetivos...”. �No início de seu livro, ele já caracteriza bem o que pretende o empoderamento: “uma nova relação entre as pessoas e a organização. Eles são parceiros. Cada um não se sente apenas responsável pelo seu trabalho, mas têm um sentimento de propriedade em relação ao todo...o empregado é um tomador de decisão, não um seguidor”.�
	De um modo geral, não existe uma opinião definitiva de como obter cooperação. Os teóricos e gerentes se dividem entre os pontos de vista mais tradicionais, onde se destaca a idéia do incentivo material, e os incentivos ditos subjetivos, onde se inclui o referido empowerment e outras formas de atrair o trabalhador para um comportamento mais cooperativo.
	Comum a todos é a consciência da necessidade de obter cooperação.
4. Taylorismo: um paradigma sociológico clássico
	A melhor ilustração da proeminência destes dois objetivos no estudo do trabalho, é a construção teórica de Taylor. Trata-se do paradigma sociológico clássico deste fenômeno de racionalização da produção, que ocorre no final do século XIX., início do século XX.
Frederick Taylor, foi operador de máquinas da Midvale Steel Company, na Filadélfia, e mais tarde seu engenheiro-chefe. Ele acreditava, como escreveu em seus Princípios de Administração Científica, que "afastando este hábito de fazer cera (soldering) em todas as suas formas e encaminhando as relações entre empregados e patrões, a fim de que o operário trabalhe do melhor modo e mais rapidamente possível em íntima cooperação com a gerência e por ela ajudado, advirá, em média, aumento de cerca do dobro da produção de cada homem e de cada máquina".� Observem que nesta formulação sintetizam-se os dois objetivos centrais das teorias administrativas.
	No clima da época, fortemente influenciado pelo pensamento positivista a que já fizemos referência, Taylor acreditava que o caminho para o sucesso seria a substituição dos métodos empíricos por métodos científicos. Tomando o exemplo para si mesmo, Taylor segue o caminho cartesiano e baconiano, do racionalismo e do empiricismo. Seu método é observar o procedimento dos operários na execução de uma tarefa. Analisá-los em seus detalhes, medindo, contando e calculando, com fita métrica, balança e cronômetro. Seu objeto de estudo é a tarefa, unidade menor de um trabalho. Significa dizer que novamente a base do desenvolvimento dos processos de produção é a divisão do trabalho e a especialização do operário.
	Escrevendo sobre a Direção científica das empresas, Taylor diz que a primeira das obrigações de uma direção científica
"é a coleta deliberada, feita por aqueles que fazem parte da direção, da grande massa de conhecimentos tradicionais que, no passado, estava na cabeça dos operários e que se exteriorizava pela habilidade fisica que eles tinham conseguido pelos anos de experiência".� 
	E continua: 
" (deve-se) registrá-Ia, classificá-Ia e, em numerosos casos, reduzi-Ia finalmente a leis e regras, até mesmo expressas por fórmulas matemáticas" *. Para ele, "isto pode ser considerado como o desenvolvimento de uma ciência que substitui o velho sistema de conhecimentos empíricos".�
	Este método ficou conhecido como estudo de tempo e movimentos. Para muitos historiadores, como Harold Kootz e Cyril O'Donnell, o estudo de tempo e movimentos é a "pedra angular da administração científica".�
	Através deste método, Taylor conseguiu revelar o modo de fazer as tarefas, antes sob domínio dos operários qualificados,. aperfeiçoá-lo e precisar o tempo necessário para a execução de cada tarefa. Pode igualmente fixar a produção esperada de cada trabalhador e por extensão a produção total.
	Tratando da aplicação da administração científica à construção civil, Taylor enumera o que seriam "Os 4 elementos que constituem a essência da administração científica:
Primeiro - o desenvolvimento (pela direção e não pelo operário) da ciência de assentar tijolos, com normas rígidas para o movimento de cada homem, aperfeiçoamento e padronização de todas as ferramentas e condições de trabalho.
Segundo - a seleção cuidadosa e subsequente treinamento dos pedreiros, entre os trabalhadores de primeira ordem, com a eliminação de todos os homens que se recusarem a adotar os novos métodos ou são incapazes de segui-los.
Terceiro - adaptação dos pedreiros de primeira ordem à ciência de assentar tijolos, pela constante ajuda e vigilância da direção, que pagará, a cada homem, bonificações diárias pelo trabalho de fazer depressa e de acordo com as instruções.
Quarto - divisão equitativa do trabalho e responsabilidade entre o operário e a direção. No curso do dia, a direção trabalha lado a lado com os operários, a fim de ajudá-Ios, encorajá-Ios e aplainar-Ihes o caminho (..)".� 
	Esta prescrição, experimentalmente dirigida à construção civil, universalizou-se para todos os ramos da produção. Surgem daí os conceitos que ficaram mais conhecidos, na literatura sobre o taylorismo, como: Planejamento, Preparo ou Treinamento, Controle e Execução ou Distribuição das tarefas. Como se percebe, Taylor separava, com rigor, as funções de Planejar e Executar.
	Mas Taylor não pensava estar criando apenas uma técnica ou, como ele próprio dizia "um mecanismo". Em sua concepção da administração científica, havia o mecanismo e havia a filosofia: "o modo de funcionamento da administração científica não deve ser confundido com sua filosofia fundamental".�
	Propunha uma filosofia, um modo completo de ver, um posicionamento diante da administração. Nesta filosofia, o marcante é a abordagem científica total, em todos os sentidos e aspectos da organização e execução das tarefas. A esta marca, ele acrescia a aspiração de quase todos os teóricos da administração: o ideal de cooperação entre dirigentes e trabalhadores.
	Os verdadeiros e profundos pontos, a filosofia, ele expõe nas páginas finais de seu livro, em forma de 4 "(...) princípios fundamentais de administração científica:
	Primeiro - desenvolvimento de uma verdadeira ciência.
	Segundo - seleção científica do trabalhador.
	Terceiro - sua instrução e treinamento científico.
	Quarto - cooperação íntima e cordial entre a direçãoe os trabalhadores".�
	O taylorismo ou organização racional do trabalho consiste na aplicação do rigor cientifico, cartesiano, à administração, usando-se o estudo de tempos e movimentos para dar aos dirigentes da empresa o pleno domínio sobre o modo e o ritmo de fazer as tarefas, antes parcialmente controlados pelos próprios trabalhadores.
	Mas era também a busca de formas, basicamente materiais, de incentivar a, conforme seus próprios termos, “cooperação intima e cordial entre a direção e os trabalhadores”
	Neste mesmo sentido da cooperação, um detalhe adicional pode-se perceber no taylorismo: o discurso ideológico. 
	Ainda que o discurso ideológico seja uma característica comum a todas as teorias sociológicas e administrativas em torno da relação trabalho\capital, Taylor é seguramente o mais explícito.
	Ele tem consciência de que, à sua época, a invocação do conflito de intereses e luta de classes encontra receptividade entre os trabalhadores, seus familiares e setores expressivos da sociedade:
“ a maioria desses homens crê que os interesses dos empregadores e empregados sejam necessariamente antagônicos. A administração científica tem, por seu fundamento, a certeza de que os verdadeiros interesses de ambos são um, único e mesmo: de que a prosperidade do empregador não pode existir...se não for acompanhada da prosperidade do empregado”�.
Seu método, como já se observou, não pretende ser apenas um mecanismo, isto é, um sistema mecânico. Ele concebeu uma filosofia, cujo objetivo é enfrentar o discurso da luta de classes com outro discurso, o da colaboração de classes.
Mas sua idéia, tão prática como tudo que lhe diz respeito, não é desprovida de objetividade. Não é apenas um discurso. Tal qual o seu mecanismo tem uma filosofia, sua filosofia tem um mecanismo.
Este mecanismo é exatamente o incentivo material que se verifica a cada unidade de bem produzida, a remuneração por peça. E mais: o adicional por peça, percentual a mais sobre o valor da peça, uma vez ultrapassada a produção esperada no tempo padrão.
Com isto, ele procurava desarmar a denúncia, absolutamente verdadeira, de que o sistema de remuneração por peça era burlado pelos empregadores, quando a produtividade aumentava. Os empregadores alteravam a regra e diminuíam o valor da peça produzida, à medida em que os trabalhadores elevavam a produção\hora.
Taylor queria enfrentar o “problema dos salários” no seu ponto de discórdia fundamental, a negação de que a elevação da produtividade pudesse ser compatível com a cooperação de classes.
Por isto, é possível reafirmar, sem receio, que Taylor construiu o paradigma moderno da relação trabalho\capital. Sem dúvida, ele procurou contemplar, com rara precisão, as dimensões da produtividade e da cooperação.
Como ele disse ao Presidente da Comissão Parlamentar do Congresso Americano, em 1913, que o inquiriu sobre o seu método, “infelizmente, aplicaram o mecanismo e não minha filosofia”.�
Resta responder porque não foi aplicada a filosofia “de que a prosperidade do empregador não pode existir se não for acompanhada da prosperidade do empregado”.
Sinopse
( O reduzido mercado, a desvalorização da atividade empresarial, a suposição de que administrar é um dom e as questões relativas à tomada e manutenção do poder, que ocuparam a atenção dos principais pensadores dos séculos passados, retardaram o estudo do trabalho produtivo e a construção de estruturas teóricas sobre a gestão da produção.
( A Revolução Industrial consistiu essencialmente da introdução de máquinas movidas a energia não-humana. Começou com as fábricas inglesas de fiação e tecelagem, estendendo-se gradativamente a outras indústrias. Primeiro, por toda a Europa Ocidental e rapidamente alcançando a América do Norte, para posteriormente universalizar-se. Multiplicaram-se os inventos associados ao trabalho: máquina de fiar, tear hidráulico, tear mecânico, descaroçador de algodão, locomotiva a vapor, dínamo, motor a combustão. Toda essa transformação tecnológica e metodológica levou a mudanças nas relações sociais de produção, e o conjunto destes fatos e situações exigiu um tratamento mais atencioso para com o trabalho e suas condições de existência e reprodução.
( Referenciais, de variadas fontes do conhecimento, seja fonte teórica, seja fonte empírica, são reunidos para responder a dois objetivos integrados, que se impuseram na relação trabalho\capital:
		. Elevar a produtividade e
		. Obter cooperação dos trabalhadores.
( O homem urbano não tinha mais quem lhe fizesse a roupa ou o calçado ou os móveis e muito menos tinha condições de ele mesmo fazer. Este homem urbano precisava de quem lhe atendesse as necessidades. Com o detalhe de que agora precisava pagar por isto. Seja por este aspecto antropológico, seja meramente pela grande quantidade de novos habitantes urbanos, a migração do campo para a cidade foi criando um amplo mercado consumidor. Assim se afirma o objetivo da produtividade.
( O desafio de obter cooperação dos trabalhadores se colocou para os administradores na passagem do trabalho artesanal para o trabalho fabril. Esta passagem é sociologicamente traumática, porque transforma o produtor em operário, e isto vai fazer uma diferença crucial quanto à sua auto-motivação.
( O taylorismo é o mais consistente paradigma da administração. Seu método, como já se observou, não pretende ser apenas um mecanismo, isto é, um sistema mecânico. Ele concebeu uma filosofia, cujo objetivo é enfrentar o discurso da luta de classes com outro discurso, o da colaboração de classes.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
* Cláudio Gurgel é economista, Mestre em Administração Pública, Mestre em Ciência Política, Doutor em Educação, professor efetivo da Universidade Federal Fluminense-UFF e palestrante convidado de outras universidades e organizações do Brasil e do exterior. É autor de artigos sobre administração, administração pública, educação e política e tem três livros publicados: Estrelas e Borboletas – origens e questões de um partido a caminho do poder, Evolução do Pensamento Administrativo e A gerência do Pensamento – gestão contemporânea e consciência neoliberal.
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� TAYLOR, Frederick. Princípios da administração científica. São Paulo: Atlas, 1980, p. 33.
� Ibid., p. 49.
� Ibid., p. 80.
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� TAYLOR, Frederick. Ibid., p. 83. 
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	racional do trabalho, Rio de Janeiro, Departamento de Imprensa Nacional,
	1950, p. 65.

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