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Emancipação politica do Brasil

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Crise do sistema colonial 
A descoberta e a exploração das colônias européias na América 
relacionam-se, de um lado, com a formação do Estado Moderno, centralizado e 
absoluto, e, de outro, com o desenvolvimento de uma poderosa classe de 
mercadores e armadores que se associaram à Coroa nos empreendimentos 
marítimos e colonizadores. A empresa colonial refletiu essa aliança. A Coroa 
estava interessada na expansão dos seus domínios e no usufruto das rendas 
coloniais. Não contava, no entanto, com os recursos materiais e humanos para 
lançar-se a essa obra sozinha. Por isso, recorreu aos mercadores e aos banqueiros 
que, dessa forma, se associaram à colonização. Estes, por sua vez, necessitavam 
do apoio da Coroa para assegurar o controle dos mercados, condição essencial de 
acumulação do capital. O caráter restrito do mercado – tanto internacional 
quanto colonial – nos primeiros séculos depois da descoberta e os riscos do 
comércio transatlântico tornavam imperativa a criação de um regime de 
monopólios e privilégios que limitasse a concorrência e assegurasse os lucros 
tanto dos mercadores quanto da Coroa. 
Em conseqüência, os domínios de além-mar foram impedidos de 
comerciar livremente, obrigando-se a exportar seus produtos através da 
metrópole, de onde importavam as manufaturas cuja fabricação era proibida 
nas colônias. 
O sistema colonial montado segundo a lógica do capitalismo comercial e 
em razão dos interesses do Estado absolutista entrou em crise quando a 
expansão dos mercados, o desenvolvimento crescente do capital industrial e a 
crise do Estado absolutista tornaram inoperantes os mecanismos restritivos de 
comércio e de produção. 
 O extraordinário aumento da produção proporcionado pela mecanização 
era pouco compatível com a persistência de mercados fechados e de áreas 
enclausuradas pelos monopólios e privilégios. Preconizava a adoção de um regime 
de livre-concorrência e afirmava a superioridade do trabalho livre sobre o 
escravo. 
Proscrito pela prática e pela teoria, o sistema que vigorava por três 
séculos estava prestes a ruir. Dois fatores retardariam o processo: os múltiplos 
interesses ligados à sua existência e a diferença de ritmo das transformações 
econômicas e sociais que ocorriam nas várias regiões da Europa e da América 
envolvidas no sistema colonial. 
A crise do sistema colonial coincidiu com a crise das formas absolutistas de 
governo. A crítica das instituições políticas e religiosas, as novas doutrinas sobre 
o contrato social, a crença na existência de direitos naturais do homem, as 
novas teses sobre as vantagens das formas representativas de governo, as idéias 
sobre a soberania da nação e a supremacia das leis, os princípios da igualdade de 
todos perante a lei, a valorização da liberdade em todas as suas manifestações – 
característicos do novo ideário burguês – faziam parte de um amplo movimento 
que contestava as formas tradicionais de poder e de organização social. 
Os fundamentos do sistema colonial tradicional estavam portanto 
abalados por vários tipos de pressão. No âmbito internacional, as bases da 
aliança burguesia comercial-Coroa, que havia dado origem ao sistema colonial 
tradicional, estavam minadas: de um lado, pela emergência de novos grupos 
burguese relacionados com o advento do capitalismo industrial e, de outro, pela 
perda da funcionalidade do Estado absolutista e pelo desenvolvimento de um 
instrumental crítico que procurava destruir suas bases teóricas. No âmbito das 
colônias, o aumento da população, o incremento da produção, a ampliação do 
mercado interno tinham tornado cada vez mais penosas as restrições impostas 
pela metrópole, tanto mais que cresciam as possibilidades de participação no 
mercado internacional. Não eram raros os conflitos entre produtores e 
comerciantes, entre comerciantes e burocratas ou entre os vários mercadores 
que disputavam entre si o usufruto dos monopólios e privilégios. Durante muito 
tempo, no entanto, os conflitos internos foram sentidos como conflitos de 
interesses entre os súditos de um mesmo reino. A Coroa aparecia sempre como 
a mediadora entre as partes. No decorrer do século XVIII esses conflitos 
ganharam nova dimensão. O Pacto Colonial passou a ser visto pelos colonos não 
mais como um contrato entre irmãos, mas como um contrato unilateral entre 
metrópole e colônia, no qual a primeira era a beneficiária: um contrato que por 
isso mesmo precisava ser desfeito. Rompera-se, no âmbito do sistema, a 
comunhão de interesses entre o produtor colonial, o comerciante e a Coroa, 
garantida pelos monopólios e privilégios. A Coroa deu-se conta dos descaminhos 
do ouro, das sonegações fiscais, dos prejuízos que o contrabando acarretava para 
os cofres reais, da queda da arrecadação dos impostos, do frequente desrespeito 
aos dispositivos legais. Os colonos, por sua 
vez, rebelaram-se contra o funcionamento de algumas instituições e 
contra determinadas medidas da Coroa que pareciam lesivas aos seus interesses, 
como, por exemplo, as restrições à livre circulação entre as províncias, o limite 
imposto à importação de escravos, o aumento das taxas, a lentidão da justiça, a 
venalidade, a corrupção e os desmandos dos oficiais da Coroa, as discriminações 
contra os naturais da colônia.mAos olhos dos colonos os interesses da Coroa 
identificaram-se com os da metrópole e, por isso, o anticolonialismo era 
também, para eles, crítica ao poder indiscriminado dos reis, afirmação do 
princípio de soberania dos povos, do direito dos povos se desenvolverem 
livremente, segundo seu arbítrio. Foi por essa razão que as populações coloniais se 
mostraram receptivas a ideologias revolucionárias que se difundiam na Europa 
no século XVIII. No Brasil, Ilustração foi, antes de mais nada, anticolonialismo. 
Criticar a realeza, o poder absoluto dos reis, significava lutar pela emancipação 
dos laços coloniais. Nas duas últimas décadas do século XVIII, as tensões entre 
colonos e metrópole se concretizaram em alguns movimentos conspiratórios os 
quais evidenciam a influência das revoluções Francesa e Americana e das idéias 
ilustradas. Nos autos dos processos de Devassa as idéias revolucionárias eram 
definidas como “os abomináveis princípios franceses”. A Devassa ordenada pelo 
vice-rei, conde de Rezende (1794), resume alguns desses pecaminosos conceitos 
divulgados não só em casos particulares, mas também em lugares públicos por 
alguns indivíduos que, com discursos “escandalosos e sacrílegos”,investiam contra 
a religião e a autoridade, o poder divino dos reis, “conversavam coisas de 
França”. Toda uma geração, no entanto, fora educada nos princípios 
revolucionários que os homens da Ilustração se tinham incumbido de divulgar e a 
Revolução Francesa de pôr em prática. Estes permaneceriam fiéis àqueles 
princípios. Constituíam, no entanto, uma elite reduzida, se bem que ativa. A 
grande maioria da população permaneceria alheia às especulações teóricas, 
embora pudesse, eventualmente, ser mobilizada em nome dos “princípios 
franceses”, ou em nome da Pátria e da Liberdade, palavras que passaram a ter 
um efeito mágico junto às multidões. A elite educada nos princípios da 
Ilustração, embora pouco numerosa, teria um papel importante a desempenhar 
por ocasião da Independência e, mais tarde, quando se tratou de organizar a 
nação. A abertura dos portos em 1808 a entrada de estrangeiros em número 
crescente a partir dessa data, intensificando os contatos entre Europa e Brasil, 
facilitaram mais ainda a divulgação de idéias revolucionárias. 
Limites do liberalismo no Brasil 
Embora seja evidente a influência das idéias liberais européias nos 
movimentos ocorridos no país desde os fins do séculoXVIII, não se deve 
superestimar sua importância. Analisando-se os movimentos de 1789 
(Inconfidência Mineira), 1798 (Conjura Baiana), 1817 (Revolução 
Pernambucana) percebe-se logo sua pobreza ideológica. A maioria da população 
inculta e atrasada não chegava a tomar conhecimento das novas doutrinas. Na 
Europa, o liberalismo era uma ideologia burguesa voltada contra as Instituições 
do Antigo Regime, os excessos do poder real, os privilégios da nobreza, os 
entraves do feudalismo ao desenvolvimento da economia. No Brasil, as idéias 
liberais teriam um significado mais restrito, não se apoiariam nas mesmas bases 
sociais, nem teriam exatamente a mesma função. Os princípios liberais não se 
forjaram, no Brasil, na luta da burguesia contra os privilégios da aristocracia e 
da realeza. Foram importados da Europa. Não existia no Brasil da época uma 
burguesia dinâmica e ativa que pudesse servir de suporte a essas idéias. Os 
adeptos das idéias liberais pertenciam às categorias rurais e sua clientela. As 
camadas senhoriais empenhadas em conquistar e garantir a liberdade de 
comércio e a autonomia administrativa e judiciária não estavam, no entanto, 
dispostas a renunciar ao latifúndio ou à propriedade escrava. A escravidão 
constituiria o limite do liberalismo no Brasil. A idéia de revolução esbarrava 
sempre no receio de uma revolta de escravos. O horror às multidões e o receio 
de um levante de negros levariam essas elites a repelir as formas mais 
democráticas de governo e a temer qualquer mobilização de massa, encarando 
com simpatia a ideia de conquistar a Independência com a ajuda do príncipe 
regente. Dentro dessas condições soariam falsos e vazios os manifestos em favor 
das fórmulas representativas de governo, os discursos afirmando a soberania do 
povo, pregando a igualdade e a liberdade como direitos inalienáveis e 
imprescritíveis do homem, quando, na realidade, se pretendia manter 
escravizada boa parte da população e alienada da vida política outra parte. 
Outra peculiaridade do liberalismo brasileiro nessa fase é sua conciliação com a 
Igreja e com a religião. 
 
Natureza e limites do nacionalismo 
Assim como o liberalismo, o nacionalismo, freqüentemente associado na 
Europa aos movimentos liberais, não teria condições de assumir seu significado 
pleno num país cuja economia baseava-se essencialmente na exportação, onde o 
mercado interno era extremamente limitado, as vias de comunicação escassas e, 
por isso mesmo, difíceis os contatos entre as várias regiões. A unidade territorial 
seria, no entanto, mantida depois da Independência, menos em virtude de um 
forte ideal nacionalista e mais pela necessidade de manter o território íntegro, a 
fim de assegurar a sobrevivência e a consolidação da Independência. O 
nacionalismo brasileiro manifestava-se sobretudo sob a forma de um 
antiportuguesismo generalizado. Não raro as hostilidades contra Portugal 
tomaram o aspecto de uma luta racial entre os “mestiços” e os “branquinhos do 
reino”. Aos olhos da população nativa mestiça, a Independência significava 
sobretudo a possibilidade de eliminar as restrições que afastavam as pessoas de 
cor das posições superiores, dos cargos administrativos, do acesso à Universidade 
de Coimbra e ao clero superior. Abolir as diferenças de cor branca, preta e 
parda, oferecer iguais oportunidades a todos sem nenhuma restrição era o 
principal ideal das massas mestiças que viam nos movimentos revolucionários a 
oportunidade de viverem em “igualdade e abundância”. Para estas, a 
Independência configurava-se como uma luta contra os brancos e seus 
privilégios. 
 
Bases sociais da revolução 
Sob o rótulo das idéias liberais ocultavam-se aspirações distintas, como 
distintos eram os grupos sociais que se associaram aos movimentos em prol da 
Independência. Embora as conspirações que antecederam a Independência 
tivessem envolvido principalmente representantes das camadas superiores da 
sociedade, elementos das populações urbanas mais desprivilegiadas aderiram com 
entusiasmo aos movimentos. 
No processo instaurado contra eles, alegaram em sua defesa que não 
podiam ter participado da conspiração pois desfrutavam a melhor situação 
econômica e social sendo “membros da primeira e maior nobreza de 
Pernambuco, educados na disciplina das diferentes classes e ordens da sociedade’’ 
Embora seja exagero concluir, como o fez Antônio Luiz de Brito Aragão de 
Vasconcelos, encarregado da defesa dos réus de 1817, que os representantes das 
categorias mais elevadas tinham sido obrigados a ceder à força irresistível da 
plebe, não há dúvida de que ele tinha razão quando afirmava que o povo aderira 
facilmente à revolução em que fosse necessário nenhum ato para persuadi-lo. O 
entusiasmo pela “maldita liberdade”, como rezavam os documentos da época 
que denunciavam a mobilização revolucionária, espalhara se entre as populações 
urbanas, compostas na sua maioria de pardos e pretos, empolgados pelas idéias 
de liberdade e igualdade que se propalavam simultaneamente. O comportamento 
dessas massas urbanas era visto com maior desgosto e apreensão por indivíduos 
das camadas superiores da sociedade que não se tinham deixado empolgar pelas 
idéias revolucionárias. 
 
As várias faces da revolução 
Para o povo composto de negros e mestiços a revolução da Independência 
configurava-se como uma luta contra os brancos e seus privilégios. Para os 
despossuídos, a revolução implicava a eliminação das barreiras de cor, na 
realização da igualdade econômica e social, na subversão da ordem. Para os 
representantes das categorias superiores da sociedade, fazendeiros ou 
comerciantes, a condição necessária da revolução, no entanto, era a manutenção 
da ordem e a garantia de seus privilégios. Para as elites que tiveram a iniciativa 
e o controle do movimento, liberalismo significava apenas liqüidação dos laços 
coloniais. Não pretendiam reformar a estrutura de produção nem a estrutura da 
sociedade. Por isso a escravidão seria mantida, assim como a economia de 
exportação. Por isso o movimento de independência seria menos antimonárquico 
do que anticolonial, menos nacionalista do que antimetropolitano. Por isso 
também a idéia de separação completa de Portugal só se configurou claramente 
quando se revelou impossível manter a dualidade das coroas e, ao mesmo tempo, 
preservar a liberdade de comércio. 
 
Balanço dos movimentos 
revolucionários do século XVIII. 
Transferência da Corte 
A maioria da população permanecia ignorante do que se tramara, 
participando das conspirações apenas alguns grupos representativos da elite 
colonial, elementos de sua clientela e alguns grupos pertencentes às camadas 
urbanas descontentes com a administração portuguesa e seduzidos pelas idéias 
revolucionárias que a França exportara e às quais a Independência Norte-
Americana conferira prestígio Até a transferência da Corte para o Brasil, o 
comércio internacional português realizava-se na sua maior parte com o Brasil. 
Portugal, além de consumidor, era o entreposto da distribuição de todo o 
comércio exterior da colônia. Ganhavam os navios portugueses com os fretes 
marítimos, as alfândegas com as importações dos produtos coloniais e a 
exportação das manufaturas estrangeiras para a colônia; ganhavam os 
comissários portugueses com o armazenamento e a revenda dos produtos. As 
rendas das alfândegas constituíam as rubricas principais das receitas. De outro 
modo, a renda dos capitais lusitanos investidos no comércio colonial oferecia 
ampla base de tributação. Todo esse esquema de lucro desmoronara com a 
abertura dos portos e os Tratados de Comércio com a Inglaterra, concedendo-
lhe uma tarifa preferencial,mais favorável do que a outorgada a Portugal. 
Pressionado por vários interesses contraditórios, D. João não conseguia satisfazer 
a nenhum grupo e sua política agravava os ressentimentos de todos. Para os 
portugueses, no entanto, todos os males pareciam advir da permanência da 
Corte no Brasil e da autonomia concedida à colônia. Esperavam eles que a volta 
de D. João VI a Portugal acarretasse a anulação das regalias concedidas ao Brasil 
e o restabelecimento do Pacto Colonial rompido. Não contavam ele com a 
oposição da colônia e da Inglaterra, ela própria beneficiária da nova situação 
criada pela transferência da Corte para o Brasil. 
 
O ponto de vista português e brasileiro 
Assim, enquanto em Portugal acumulavam-se os descontentamentos, no 
Brasil, as contradições da política de D. João VI, anulando monopólios e 
privilégios antigos, favorecendo liberalização da economia ao mesmo tempo em 
que criava outros privilégios na tentativa de garantir os interesses dos súditos 
portugueses, não provocavam menores ressentimentos. O impulso dado à 
economia a partir da abertura dos portos tornara mais aparente o caráter 
obsoleto das instituições coloniais remanescentes que entravavam a livre 
expansão da economia. Aos olhos da população brasileira o monopólio dos cargos 
administrativos pelos portugueses parecia cada vez mais odioso. Tudo isso 
multiplicava os pontos de atrito e aumentava os motivos de insatisfação de um e 
de outro lados. Escandalizavam-se com os absurdos entraves à circulação e ao 
comércio e com a ineficiência da burocracia. 
 
Revolução do Porto 
Em 24 de agosto de 1820, a cidade do Porto se sublevava. Constituíram-
se as Cortes exigindo a promulgação de uma Constituição nos moldes da 
Constituição espanhola. Reclamava-se, ainda, a volta de D. João VI a Portugal. D. 
João VI decidiu-se, enfim, muito a contragosto, a voltar a Portugal, onde sabia 
esperá-lo uma Assembléia hostil e reivindicadora. Partiu em 25 de abril, 
deixando como regente 
seu filho Pedro. Enquanto esses acontecimentos se sucediam no Rio de 
Janeiro e nas capitais das províncias, a população rural, composta na sua 
maioria de escravos e de agregados das fazendas, permanecia alheia ao que se 
passava. Um viajante francês que percorria São Paulo nessa época, Saint-Hilaire, 
estranhava que constituição do governo geral pela Junta Governativa em São 
Paulo não provocasse nenhuma reação de entusiasmo. A única coisa que os 
paulistas pareciam compreender era que o restabelecimento do sistema colonial 
lhes causaria dano, porque, se os portugueses fossem os únicos compradores de 
seu açúcar e café, não mais venderiam as mercadorias tão caro quanto o faziam 
desde que tinham podido comerciar livremente.38 As idéias liberais ou 
republicanas não pareciam comover as populações interioranas, em geral fiéis ao 
rei a quem consideravam ainda o árbitro supremo de suas existências e das de 
seus filhos. Isolada pelas dificuldades de comunicação e meios de transporte, a 
maioria da população parecia mal informada e indiferente aos acontecimentos. 
Na sua opinião, as agitações eram promovidas por estrangeiros e as revoluções 
nas províncias, obra de algumas famílias ricas e poderosas. Ao viajante francês 
parecia que a maioria dos brasileiros não tinha opinião formada sobre a 
dinâmica da dministração. Não divergiam entre si por motivos ideológicos, mas 
por rivalidades entre cidades, ódios de famílias, simpatias ou antipatias 
individuais ou “quejandos motivos mesquinhos quanto estes”. Ao arguto 
observador não escapava a razão profunda da indiferença das camadas inferiores 
da sociedade. A massa popular, dizia ele, a tudo ficava indiferente, parecendo 
perguntar como o burro da fábula: “não terei a vida toda de carregar 
aalabarda?” No interior do país, o que parecia valer era a atitude do chefe local 
e não as idéias políticas, em geral pouco conhecidas o mal assimiladas. A 
ignorância das populações do interior é retratada num fato ocorrido no Ceará, 
por ocasião do juramento das bases da Constituição portuguesa proclamada em 
14 de abril de 1821. Chegada a notícia ao sertão, a palavra constituição 
provocou as mais variadas e contraditórias interpretações – isso numa região 
que participara, em 1817, da revolução realizada em nome das idéias liberais e 
constitucionalistas. Diziam uns ser a constituição uma inovação da forma de 
governo em prejuízo do rei, portanto uma impiedade, um atentado contra a 
religião, segundo as afinidades que estabeleciam entre Deus e o rei. Outros 
consideravam a Constituição um atentado à liberdade dos pobres, aos quais se 
pretendia escravizar. Outros, finalmente, a tomavam por uma entidade palpável 
a que atribuíam uma perversidade de horripilar. As populações rurais, imersas 
na ignorância, seguiam os potentados locais de cuja clientela fazia parte. No 
Crato, a Constituição não seria jurada porque o líder político local, capitão-mor 
José Pereira Filgueiras, não o permitiu, enquanto no Jardim, vila próxima, onde 
o vigário Antônio Manuel era favorável à Constituição, esta foi jurada sem a 
menor hesitação. 
 
Conflito entre portugueses e brasileiros 
O conflito de pontos de vista entre os liberais portugueses e os brasileiros 
não tardou a emergir. A série de medidas tomadas pelas Cortes tornou patente 
a nova orientação assumida em relação ao Brasil, revelando as intenções de 
restringir a autonomia administrativa da colônia, limitar a liberdade de 
comércio, restabelecer monopólios e privilégios que os portugueses haviam 
usufruído anteriormente à transferência da Corte portuguesa para o Brasil. As 
decisões tomadas pelas Cortes repercutiram no Brasil como uma declaração de 
guerra, provocando tumultos e manifestações de desagrado. Ficava patente que 
os deputados brasileiros, em número inferior ao dos representantes portugueses 
(75, dos quais apenas 50 compareceram, num total de 205), nada poderiam 
fazer em Lisboa em defesa dos interesses brasileiros. Os propósitos 
recolonizadores das Cortes tinham agravado a tensão entre colônia e metrópole, 
pondo em risco a solução de compromisso almejada pela maioria dos que 
compunham a classe dominante do Brasil. Estes encaravam inicialmente com 
simpatia a instituição de uma monarquia dual, desde que fosse resguardada a 
autonomia do Brasil. Essa era a opinião, por exemplo, de José Bonifácio, figura 
de proa no movimento de Independência, o qual encarava com suspeição as 
situações revolucionárias que envolviam mobilização das massas. Mas não era ele 
o único a se declarar inimigo da democracia e a confessar sua aversão pelas 
massas em geral. A aversão às formas populares de governo, a desconfiança em 
relação à massa ignara que compunha a maioria da população, o receio da 
revolta de escravos que a situação revolucionária poderia propiciar levariam esses 
homens a contemporizar, enquanto puderam, com a monarquia portuguesa. 
Finalmente, romperam com esta quando perceberam a inviabilidade dessa união. 
O príncipe regente lhes apareceu então como o instrumento ideal para a 
conquista e consolidação da autonomia desejada, sem que para isso fosse preciso 
mobilizar a população. 
 
O “Fico” e a Proclamação da Independência 
Tentava-se ainda manter aberta a possibilidade de se constituir uma 
monarquia dual com sede simultânea em Portugal e no Brasil, visando manter o 
Brasil como Reino Unido a Portugal. Ao mesmo tempo, procurava-se preservar 
a autonomia administrativa e comercial alcançada. Convergiram para o príncipe 
aspirações as mais contraditórias. Para os portugueses, ele representava a 
possibilidade de manter o Brasil unido a Portugal. Acreditavam eles que só a 
permanência do príncipe no Brasilpoderia evitar um movimento separatista. Os 
brasileiros que almejavam a preservação das regalias obtidas e pretendiam a 
criação de uma monarquia dual consideravam também essencial a permanência 
do príncipe. O mesmo pensavam os que almejavam a Independência definitiva e 
total, mas temiam as agitações do povo. Para estes, o príncipe representava a 
possibilidade de realizar a Independência sem alteração da ordem. 
 
A idéia de monarquia dual 
Durante algum tempo, ainda se alimentou a esperança de manter unidas 
as duas Coroas. Em 23 de maio de 1822, pouco menos de quatro meses antes 
da Independência formal, o Senado da Câmara do Rio de Janeiro redigia uma 
solicitação para que fosse convocada uma Assembléia Geral das Províncias do 
Brasil, com o objetivo, entre outros, de deliberar sobre as justas condições com 
que o Brasil devia permanecer unido a Portugal. Monarquia dual, com dois 
congressos, regente e tribunais brasileiros foi a sugestão apresentada em 17 de 
junho de 1822 às Cortes portuguesas pela Comissão encarregada dos artigos 
adicionais à Constituição para o Brasil. Ainda às vésperas da Independência era 
essa a intenção dos conselheiros do príncipe, como revelam as Atas do Conselho. 
A intenção de manter unidos o Reino do Brasil e o de Portugal, respeitada a 
autonomia administrativa, cara a alguns brasileiros e portugueses, não 
encontraria, no entanto, possibilidades de se concretizar. O reconhecimento da 
autonomia da colônia significaria a perpetuação do regime de livre-comércio 
instituído em caráter provisório em 1808 e que as Cortes tinham como 
principal alvo abolir. Três partidos disputavam a liderança dos acontecimentos. 
Um partido predominantemente português, composto na maioria por 
comerciantes ansiosos por restabelecer antigos privilégios. O segundo partido 
compunha-se de brasileiros e portugueses recrutados entre as categorias 
dominantes.. Finalmente, o Partido Republicano,igualmente interessado na 
Independência, composto na sua maioria de elementos de tendências mais 
radicais e democratas,ligados a atividades urbanas. A liderança do príncipe 
permitiu a aglutinação dos grupos os mais diversos. A despeito de conflitos de 
ordem pessoal que freqüentemente se manifestavam em hostilização recíproca – 
como no caso de Ledo, perseguido por José Bonifácio e preso por sua ordem –, 
as divergências entre esses grupos não eram suficientemente fortes a ponto de 
impedir a união em torno do príncipe. Enquanto a adesão do Rio de Janeiro à 
causa do príncipe parecia inquestionável, as resistências apareciam em outros 
pontos do país, principalmente nas províncias do Norte, onde era grande a 
concentração de comerciantes portugueses ligados ao comércio de exportação e 
importação, e numeroso o efetivo das tropas portuguesas lá sediadas. Essas 
regiões hesitavam em aderir ao movimento ocorrido no Rio de Janeiro, 
preferindo conservar-se subordinadas às Cortes. D. Pedro decretou em junho de 
1822 a convocação de uma Assembléia Constituinte. Não era ainda uma 
proclamação formalde Independência, pois o texto da convocação ressalvava a 
união com “a grande família portuguesa”, na realidade difícil, de ser mantida 
depois de todos os atos de desrespeito às ordens das Cortes. Ao que parece, José 
Bonifácio não mostrara grande entusiasmo pela convocação da Constituinte. Não 
confiava na capacidade deliberativa de uma assembléia democraticamente eleita. 
Aspirava a um governo de “sábios e honrados” e não acreditava que o voto não-
qualificado desse bons resultados. Prevalecera, no entanto, a proposta de José 
Bonifácio em favor de um sistema de eleição indireta, mais de acordo com a 
opinião da maioria. Concedia direito de voto a todo cidadão casado ou solteiro, 
de vinte anos, que não fosse filho-família. Ficavam excluídos os que recebessem 
salários ou soldadas com exceção dos caixeiros de casas de comércio, os criados 
da Casa Real (que não fossem de galão branco), os administradores das fazendas 
rurais e fábricas. Impedidos de votar ficavam também os religiosos regulares, os 
estrangeiros não naturalizados e os criminosos. Já havia algum tempo vinha o 
ministro percebendo que a fórmula de uma monarquia dual, carinhosamente 
acalentada, era impossível. Convencera-se, afinal, da sua inviabilidade e não era 
dado a hesitações. Diante das disposições agressivas das Cortes nada mais havia a 
fazer senão proclamar o rompimento definitivo com Portugal. Para D. Pedro 
havia apenas duas alternativas: ou obedecer às Cortes e voltar degradado a 
Portugal ou romper definitivamente com elas proclamando a Independência. O 
príncipe preferiu esta solução. Tomando conhecimento das novas, proclamou 
oficialmente em 7 de setembro, em São Paulo, a Independência do Brasil. A 
atitude decidida da Inglaterra inibiria qualquer tentativa da parte de Portugal 
de usar o esquema montado pela Santa Aliança para recuperar sua colônia. 
 
A elite no poder 
Realizada a Independência, a diferença entre grupos radicais e 
conservadores tornou-se mais evidente. José Bonifácio, no “Apostolado”, 
sociedade secreta que reunia figuras de projeção e relevo da sociedade, procurava 
pôr em prática o princípio que orientava o juramento que os unia: “Procurar a 
integridade, independência e felicidade do Brasil como Império Constitucional, 
opondo-se tanto ao despotismo que o altera quanto à anarquia que o 
dissolve”.Pouco tempo depois, no entanto, a loja era temporariamente fechada. 
O governo da nação ficava nas mãos de um grupo de elite: fazendeiros, 
comerciantes, pessoas que ocupavam altos postos na administração e no governo, 
muitos dos quais foram mais tarde titulados por serviços prestados por ocasião 
da Independência. Com a Independência, haviam atingido o objetivo 
fundamental a que se propunham: libertar o país das restrições impostas pelo 
Estatuto Colonial, assegurar a liberdade de comércio e garantir a autonomia 
administrativa. A organização do país independente refletiria os anseios desses 
grupos sociais que assumiram o poder no Primeiro Império. Ficaram excluídas do 
poder as camadas populares, uma vez que escravos e índios foram excluídos do 
conceito de cidadão, tendo-se adotado ainda um sistema de eleição indireta, 
recrutando-se os votantes segundo critérios censitários. Não cuidavam senão em 
diminuir o poder do rei, aumentando o próprio, não pensando de modo algum 
nas classes inferiores”. A Constituição afirmava a igualdade de todos perante a 
lei, bem como garantia a liberdade individual. A maioria da população, no 
entanto, permanecia escravizada, não se definindo em termos jurídicos como 
cidadãos. A lei garantia a segurança individual, mas por alguns poucos mil-réis 
podia-se mandar matar, impunemente, um desafeto. A independência da 
Justiça era, teoricamente, assegurada pela Constituição, mas tanto a justiça 
quanto a administração transformaram-se num instrumento dos grandes 
proprietários. Aboliram-se as torturas, mas nas senzalas continuava- se a usar 
os troncos, os anginhos, os açoites, as gargalheiras, e o senhor decidia da vida e 
da morte dos seus escravos. A emancipação política realizada pelas categorias 
dominantes interessadas em assegurar a preservação da ordem estabelecida, e 
cujo único objetivo era combater o Sistema Colonial no que ele representava de 
restrição à liberdade de comércio e de autonomia administrativa, não 
ultrapassaria os limites definidos por aqueles grupos. A ordem econômica 
tradicional seria preservada, a escravidão mantida. A nação independente 
continuaria na dependência de uma estrutura colonial de produção, passando do 
domínio português à tutela britânica.A fachada liberal construída pela elite 
europeizada ocultavaa miséria, a escravidão em que vivia a maioria dos 
habitantes do país. Conquistar a emancipação definitiva e real da nação, ampliar 
o significado dos princípios constitucionais foram tarefa relegada aos pósteros.

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