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CONCEPÇÕES ONTOLÓGICAS DAS DROGAS

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INTRODUÇÃO
A percepção da sociedade e das instituições a respeito da utilização de substâncias psicotrópicas tem sido embalada por divergências ligadas a políticas de segurança pública, saúde pública e valores morais. Nos últimos anos, tem sido perceptível o surgimento de debates em diferentes esferas visando promover um entendimento mais eficiente a respeito da implicância do uso dessas drogas ao bem comum e acerca de medidas para controlar, liberar ou coibir determinadas práticas de consumo. As correntes ideológicas dividem-se em muitas frentes, contra e a favor, evidenciando o contraste entre o interesse subjetivo e o interesse objetivado para os indivíduos que compõem a sociedade. Por mais divergentes que os pensamentos possam se manifestar, a imprescindibilidade do enfrentamento ao assunto é unanime, independente do ponto de vista proibitivo ou liberativo.
Ao buscar o entendimento a respeito da origem do consumo de drogas psicoativas, percebe-se que de alguma forma ela sempre esteve presente nos relatos das civilizações mais antigas, podendo inclusive preceder a grupos nômades ou seminômades. Sua utilização sempre esteve ligada a busca pelo prazer, métodos alternativos de medicina ou até mesmo inspiração para práticas religiosas e espirituais. No entanto, na medida em que a sociedade passou a se organizar com indústrias, instituições reguladoras e operantes na finalidade de estabelecer paradigmas e hábitos de consumo, a droga se transformou em uma mercadoria. 
O presente trabalho através do estudo bibliográfico e exploratório tem o objetivo geral de evidenciar a importância histórica relacionada ao consumo de drogas psicoativas e seu impacto comportamental na sociedade, observando os fatores que influenciaram ou potencializaram seu desenvolvimento. A partir da comparação dos modelos sociais e da evolução das políticas relacionadas ao consumo de drogas, torna-se possível destacar as premissas penais relacionadas às atuais configurações legislativas, punitivas e comerciais relacionadas aos narcóticos.
A partir da avaliação e do estudo epistemológico das acepções primárias relacionadas ao uso de substancia psicoativas, observou-se que na medida em que a civilização se industrializava e se tornava mais comercial, a investigação e análise a respeito das drogas se distanciou do pressuposto religioso, científico e farmacológico e se popularizou pelas vias da marginalização social e enrijecimento penal no tratamento do Estado em relação ao assunto.
Na medida em que a concepção social a respeito da objetivação do conceito de droga se transforma em uma importante ferramenta na consolidação de políticas e legislações antidrogas, o Estado manifesta uma outra premissa na consideração dos valores que norteiam as intervenções e ações sociais, tornando-se um Estado Penal. A mudança do Estado de Bem Estar Social para um modelo de Estado Penal representa uma profunda e significativa alienação provocada pela preconização do Econômico ante o Social.
Em vista das mudanças providas pelo cenário capitalista, do estabelecimento de políticas antidrogas e do aumento da população carcerária relacionada ao consumo e tráfico de narcóticos, o presente trabalho destaca a função repressiva do Estado que através da sua legislação penalista marginaliza e pune os menos privilegiados e moradores de periferia com políticas sociais sem uma fundamentação farmacológica ou científica, utilizando-se da segurança pública para legitimar ações que deveriam ser associadas a saúde pública. Essa modificação sistemática na premissa do Estado reflete a influência e pressão manifestada pelo sistema econômico consumista e coisificação do social.
CONCEPÇÕES ONTOLÓGICAS DAS DROGAS
DISTINTAS CONCEPÇÕES DAS DROGAS 
A história das drogas surgiu com a história da humanidade. Os povos antigos sempre utilizavam as drogas para cura de doenças, ou para rituais sagrados. Escohotado (2007) afirma que desde a Antiguidadeos gregos utilizavam o vocábulo phármakon para significar remédio e veneno ao mesmo tempo. Há registros do termo nos poemas homéricos (Ilíada e Odisseia) como designativo de plantas ou preparados com funções medicinais ou mágicas. Neste períodophármakondefinia qualquer substância que pudesse causar efeitos, fossem benéficos, fossem prejudiciais, no organismo animal (CHANTRAINE, 1984). Escohotado (2007) acrescenta que os povos da Antiguidade não faziam diferenciação entre fármacos bons e fármacos maus.
Certo é que o consumo individual de drogas é prática que faz parte da cultura da humanidade desde a Pré-história. Há registros de hominídeos anteriores ao Período Neolítico (entre 12.000 e 4.000 anos a. C.) que utilizavam substâncias psicoativas em rituais religiosos e cerimônias místicas, com a finalidade de manter contato com as divindades e viabilizar o pagamento das dívidas que os mortais mantinham com os deuses. Afirma Escohotado (2007), neste sentido, que as comunidades humanas do Período Paleolítico já faziam uso sistemático de drogas com tais fins. O uso de drogas se associou, em tais culturas, a ritos purificatórios e a propósitos catárticos com particular desenvolvimento de elementos ritualísticos, muito antes do advento do uso com finalidades medicinais ou curativas.
Porém, foina Idade Média que surgiu o termo droga que passa a ser usado com maior recorrência para referir substâncias com efeitos psicoativos (ULLMANN, 1964). Há também outras hipóteses para a gênese da palavra, indicando-se o termo drogheda língua alemã antiga que era o termo usado para designar o recipiente em que se guardavam folhas secas (BLOCH, 1986) e existe o termo do neerlandês antigo droog que significa folha seca (SKINNER, 1961; OBSERVATÓRIO BRASILEIRO DE INFORMAÇÕES SOBRE DROGAS, 2014).
Centenas de anos mais tarde, já no início do século XX, o termo narcótico foi incorporado ao vocabulário das drogas. Oriundo do grego narkoun, que significa adormecer e sedar, a palavra era usada na Grécia Antiga sem conotações negativas definindo somente as substâncias capazes de induzir ao sono ou causar sedação (ESCOHOTADO, 2007). 
Já o conceito da Organização Mundial de Saúde – OMS destaca a existência da expressão substânciapsicoativa da mesma forma que seu sinônimo, psicotrópico. No Glossário da OMS, tais termos são os mais adequados e descritivos para referir-se às substâncias, legais ou ilegais, atualmente estudadas no âmbito do consumo individual e das políticas públicas estabelecidas sobre a matéria. De acordo com a OMS: 
Substância ou droga psicoativa (psychoactivedrugorsubstance) – Substância que, quando se ingere, afeta os processos mentais, p. ex., a cognição ou a afetividade. Este termo e seu equivalente, substância psicotrópica, são as expressões mais neutras e descritivas para referir-se a todo o grupo de substâncias, legais e ilegais, de interesse para a política em matéria de drogas. “Psicoativo” não implica necessariamente que produza dependência, embora na linguagem corrente esta característica está implícita nas expressões “consumo de drogas” ou “abuso de substâncias” (OMS, 1994, p. 58).
No campo das ciências da saúde, o estudo das drogas é feito com base nas formas de ação das substâncias sobre o funcionamento do organismo humano e, na outra mão, nos modos como o organismo reage a seus efeitos.
Ainda de acordo com o Glossário da Organização Mundial da Saúde (1994, p. 33), o conceito de droga:
Em medicina se refere a toda substância com potencial para prevenir ou curar uma enfermidade ou aumentar a saúde física ou mental e, em farmacologia, como toda substância química que modifica os processos fisiológicos e bioquímicos dos tecidos ou dos organismos. [...] Na linguagem coloquial, o termo costuma referir-se concretamente às substâncias psicoativas e, frequentemente, de forma ainda mais concreta às drogas ilegais.
Verifica-se que tais substâncias que podem causar o bem ou o mal do consumidor, conforme os graus e contextos de uso. Essa inferência é oriunda de uma observação química e farmacológica, de maneira que reflete tambémo senso comum e estabelece novos vieses relacionados a possibilidades de utilização recreativa dos psicotrópicos. Nesse contexto, porém, a observação a respeito dos graus de consumo ainda parece vaga, de maneira que a retomada desse debate é protelada por conta de uma nova acepção relacionada a droga.
Já o antropólogo inglês Andrew Sherratt (1995) traz concepção diversa sobre o que se entende por drogas. Alega que o conceito pode ser usado atualmente para categorizar as substâncias químicas que são introduzidas no organismo humano sem o propósito da nutrição, com finalidades essencialmente médicas ou hedônicas.
Antonio Escohotado (2007) discorre sobre a questão, sustentando que a natureza farmacológica das drogas foi posta de lado quando da tarefa de categorizá-las em lícitas e ilícitas. Como não foi possível encontrar critérios fisiológicos ou químicos sob os quais reunirem todas as substâncias que se queria proibir, então, invertendo-se a lógica, o caráter farmacológico foi utilizado em função do regime jurídico. Para ilustrar, Escohotado (2007, p. 22) menciona: 
Durante os anos vinte, a lei proibia nos Estados Unidos a difusão livre de ópio, de morfina, de cocaína e do álcool, sendo indiferentes para o direito penal as demais drogas psicoativas. Hoje está proibido um milhar de substâncias e, ainda que o álcool tenha deixado de ser uma delas, é evidente que não preocupam uns produtos ou outros [...]
Assim, o consumo de substâncias psicoativas ganhou conotações de condenação moral. As sensações experimentadas pelos usuários causavam-lhes estados de ânimo e comportamentos extravagantes em relação ao que a sociedade da época padronizou como adequado e exigível (SEDDON, 2010). Neste passo, não tardou até que o uso de drogas fosse alvo de censura moral e governamental, na tentativa de represar as manifestações humanas consideradas desviantes dos padrões estabelecidos (SHERRATT, 1995). Vale lembrar que, àquela época, não eram conhecidos ao certo as consequências e os efeitos fisiológicos e psíquicos derivados do uso de drogas. E isto criava uma áurea de mistério e insegurança quanto à prática, levando à sua estigmatização e condenação.
A condenação relacionada a droga se consolidava no desconhecimento a respeito dos efeitos e da origem das sensações provindas do consumo, no entanto o debate e investigação a seu respeito se mantinha objetivando o viés farmacológico e aprofundamento das questões psicoativas relacionadas a mente humana. A psicologia contribui para o cientificismo das investigações dos psicoativos e seus efeitos na mente humana. Embora os estudos não representassem posições unânimes e empiricamente válidas em todos os efeitos, o pressuposto utilizado no manejo do conceito de droga representava o desejo de estabelecer uma avaliação com base na relação subjetiva da droga com o seu usuário.
A avaliação subjetivista do conceito de droga se encontra na necessidade de se compreender os efeitos da substância na mente humana e as condições que influenciam a dependência, alucinação e danos potenciais ocasionados pelo uso da mesma. A esse respeito, atribui-se a investigação das substâncias narcóticas ao viés acadêmico e científico dentro das quais o objetivo da investigação era a promoção das descobertas dos aspectos negativos e positivos inerentes ao consumo. Com base na atual divergência das atuais políticas relacionadas as drogas de países signatários dos mesmos tratados, compreende-se que até o presente contexto, não existe unanimidade acerca dos efeitos promovidos pelas substâncias psicoativas.
A falta de uma investigação amplamente legitimada pelos vieses científicos a respeito do consumo de determinadas substâncias psicotrópicas se deve a tomada de frente do Estado em relação a sua associação penal relacionada às drogas, o investimento dos recursos públicos no enfrentamento da questão pelas vias repressivas e punitivas. 
 MODOS DE PRODUÇÃO PRECEDENTES AO CAPITALISMO E SUAS RELAÇÕES COM AS DROGAS
As drogas têm acompanhado o percurso da humanidade, sendo consumidas em diversos contextos, de variadas formas e com vários objetivos. De igual forma, também a visão das drogas foi assumindo diferentes contornos, sendo alvo de diversas interpretações. Tais interpretações, por outro lado, fecundaram-se pelo contexto social no qual se encontravam. O contexto social, pelo que se pode observar, observava o aspecto subjetivo, deliberado, se usada de forma recreativa ou religiosa, a droga e suas acepções derivavam das condições empíricas e culturais nas quais eram observadas.
Ao longo do tempo, as drogas foram sendo imbuídas de múltiplos significados, assumindo também varias dimensões e formas de consumo. Essa mudança, por outro lado, deve-se a mudança da cultura em relação ao modo de produção e comercialização, o consumo se tornou epicentro do comportamento capitalista, manifestando a máxima do exercício da vontade individual na supressão de necessidades, não necessariamente básicas. Entender a correlação da concepção de droga e de consumo manifesta importante aspecto da presente investigação a respeito da efetividade da alienação promovida pela ascensão da cultura capitalista e dos efeitos resultantes na função social da droga.
Entretanto, outros fins se foram desenhando através do consumo de drogas. Passaram-se milênios nos quais as drogas foram usadas com fins festivos, terapêuticos e sacramentais, tendo atravessado os tempos para se converterem em objeto de uma intensa empresa cientifica. 
O consumo de drogas foi, durante muito tempo, o instrumento pelo qual se procurou estabelecer contato com entidade divinas, funcionando como elo entre realidade conhecida e a vida prometida (ESCOHOTADO, 2004). 
A referência às substâncias que eram fonte de prazer e, simultaneamente, constituíam recursos de aplicação médica e farmacêutica provêm da Antiguidade. Na Antiga Grécia o ópio era aconselhado como remédio desde X a.C (POIARE, 1999). Infelizmente, muitos dos textos antigos que falaram do uso que se dava às substancia perderam-se no tempo, mas alguns códigos antigos, como o papiro de Ebers (1500 a.C), indicam que o Cannabis era usado pelos egípcios para esquecerem as preocupações e ludibriarem a fadiga e a fome, enquanto os assírios usavam a mesma substância durante seus rituais religiosos (ANGEL, RICHARD E VALLEUR, 2002), ou como anestésico (PÉREZ –CAJAVAVILLE, ABEJÓN, ORTIZ E PEREZ, 2005).
Em 5000 a.C os sumérios deixaram o registro de um ideograma do qual constava o ópio como representante da alegria e do regozijo (ANGEL, RICHARD E VALEUR, 2002). Persas e egípcios, por volta de 1550 a.C conheciam as propriedades terapêuticas do ópio que, entretanto, se propagaram pelo Império Romano. Algumas escavações e estudos arqueológicos desenvolvidos na América do Sul relatam a descoberta de folhas de coca no interior dos sarcófagos onde se acomodavam as múmias dos índios sul-americanos.
Na idade média, a farmacologia ocidental era pobre, e limitava-se praticamente aos jardins des simples, cultivados nos mosteiros. Também neste período algumas ordens religiosas começavam a produzir cerveja (ALDRIDGE, 2001). Mas algumas das substâncias retiradas diretamente das plantas eram associadas a exorcismos ou a práticas demoníacas. Por exemplo, a mandrágora era conhecida como anestésico e, simultaneamente, como afrodisíaco, enquanto o nenúfar era conhecido pelas suas propriedades sedativas e anti-afrodisíacas (ANGEL, RICHARD & VALLEUR, 2002). De notar que, na alta idade média as bruxas eram raras, passando mesmo despercebidas, enquanto que foi na baixa idade média quando se começou a suspeitar da existência de rituais pagãos coletivos com recurso às drogas. Em 1277, existiam já publicações nas quais se assegurava que um terço das mulheres francesas praticava bruxaria, havendo conhecimento de um uso considerável de certas substâncias com origem nas plantas (ESCOHOTADO, 2004a).
O mercantilismo expansionista, iniciado na idade média, e o posterior movimento dos Descobrimentos, conduziram a novas mudanças. Dasviagens realizadas à descoberta do novo mundo, novos produtos e costumes invadiram o velho continente. Do chá ao tabaco, passando por outras espécies botânicas, foram sendo conhecidas substâncias como o ópio, que chamou a atenção do vice-rei português, o qual sugeriu ao monarca a produção da substância com fins lucrativos. Garcia da Orta, no século XVI, referiu o bangue, à base de folhas e de resina de Cannabis, como possuidor de efeitos desinibidores. A substância provocava alterações nos comportamentos sexuais, sendo o seu consumo, por isso, socialmente reprovável. Garcia da Orta apresentou ainda reflexões sobre os potenciais usos terapêuticos do ópio no âmbito das diarreias, da fraqueza gástrica e dos problemas sexuais masculinos, nomeadamente da ejaculação precoce. De fato, a época dos descobrimentos constituiu um marco no conhecimento de novas substâncias, até então estranhas aos europeus (POIARES, 1999).
A verdade é que, se inicialmente, por volta dos séculos XVII e XVIII, o consumo de drogas era um privilégio de poucos, mais tarde verificar-se-ia um preocupante crescimento do número de consumidores. A excentricidade, aliada ao luxo e à busca de diferenciação por parte das elites mais cultas e preparadas, cativou escritores e intelectuais como Dumas, Balzac, Gautier (POIARES, 1999), ou Quincey, quem publicou “ConfessionsofanEnglishOpiumEater” (1822), obra na qual relata suas memórias como consumidor desta substância.
Nos dois últimos séculos, a droga, após atravessar os tempos mais remotos, acabou por assumir uma dupla dimensão: a dimensão lúdica terapêutica, como fonte de desinibição, favorecendo o convívio social e como instrumento do tratamento médico; e por último, as dimensões de objeto e de origem do crime, numa perspectiva emergente, sobretudo a partir de meados do século XX. (POAIRES,1999)
1.3 MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA (MPC) E AS DROGAS
No atual modo de produção capitalista, o trabalho volta-se para a produção de mercadorias, para a produção de valor-de-uso e de valor-de-troca. Segundo Marx, ao caracterizar esse modo de produção como uma imensa acumulação de mercadorias, onde a mercadoria é a sua “forma elementar”, a produção e reprodução destes produtos adquire em sua constituição um “caráter mistificador” onde as relações sociais entre pessoas se expressam na aparência de relações entre objetos materiais, entre coisas, denominado por ele de fetichismo. (MARX, 1988, p.81) 
Na análise marxiana, a mercadoria apresenta uma dupla dimensão no modo de produção capitalista, onde é produzida para a satisfação de uma necessidade social, enquanto valor-de-uso, e é também produzida para a troca, formando valor-de-troca. Nesse processo, as mercadorias não se distinguem por sua qualidade, mas pela quantidade de trabalho que têm incorporado, são valores que se medem pelo tempo de trabalho social necessário para sua produção.
Além disso, a alienação do trabalhador se expressa também em sua relação com os outros trabalhadores, que não se reconhecem enquanto produtores, não se identificam enquanto trabalhadores. Neste sentido, para Marx (1989), o trabalho se expressa como alienação de sua genericidade, a universalidade de seu trabalho é oculta, onde engendra-se um processo de estranhamento do trabalhador diante de sua atividade vital, que se expressa além de suas relações de trabalho, operando em todos os níveis de suas atividades cotidianas. 
Esse estranhamento encontra na estrutura da vida cotidiana um espaço propício para sua produção e reprodução, pois aliado à vinculação imediata entre teoria e prática típica do cotidiano, os indivíduos não conseguem perceber as mediações que operam na constituição dos fenômenos. Ou seja, a aparência imediata das coisas se torna sua essência constitutiva. 
Isto, porém, não significa a inexistência de mediações, mas que no âmbito do cotidiano, elas permanecem ocultas pela aparência imediata dos fatos, dadas a espontaneidade e a rapidez com que são apreendidas e a forma como se manifestam no âmbito da alienação. Os modos de comportamento, valores e motivações aparecem à consciência como elementos que existem e funcionam em si e por si mesmos, possibilitando que sejam tratados como uma soma de fenômenos, desconsiderando-se as suas relações e vínculos sociais. (BARROCO, 2005).
As contradições das relações sociais que se gestam a partir desses aspectos têm na sociedade capitalista um processo de aprofundamento, onde a ampliação do capital, ou seja, a acumulação e apropriação de riqueza por uma parcela da população, a classe burguesa, cria em seu antagonismo a crescente miséria e pauperização da classe trabalhadora.
Nesta perspectiva, o consumo de substâncias psicoativas também sofre os rebatimentos das contradições geradas nessa sociedade. Ainda que essa atividade seja anterior ao capitalismo, ela se modifica na medida em que o capital surge e se desenvolve, e consequentemente o homem modifica sua percepção diante dessa atividade. Ou seja, esse consumo é determinado e mediado pelas determinações mais gerais da totalidade social e do seu modo de produção.
Verificaremos então, que a constituição da “questão das drogas” ou do “problema das drogas” emerge a partir do estabelecimento do capitalismo, nas sociedades modernas e contemporâneas, onde irá assumir contornos mais dramáticos ligados ao fortalecimento dessas substâncias enquanto mercadorias, e especialmente devido ao caráter normatizado como ilegal dado a elas. E isso não corresponde somente ao surgimento de um possível uso indevido ou às questões geradas pelo crescimento do narcotráfico, sobretudo diz respeito às atuais respostas dadas a esta questão. 
Neste sentido, consideramos que a constituição do “problema das drogas” diz respeito ao fortalecimento de um modelo político-ideológico que sustenta a ilegalidade das drogas em uma simbiose com o sistema financeiro capitalista que denominamos proibicionismo (ZACCONE, 2012).
Consideramos que o fenômeno das drogas se estabelece não só pelos danos causados à saúde devido a um uso compulsivo ou indevido de algumas substâncias, mas conforme elementos econômicos, políticos e morais, que tem no atual modelo proibicionista um recrudescimento de muitas ações repressivas que criam ou reforçam os aspectos negativos das drogas enquanto mercadorias: as mortes e a violência diárias ligadas de maneira geral ao tráfico; o número de encarceramento em massa de uma parcela da população identificada como traficante, mas que se configura como usuário, e a consequente lotação das penitenciarias; uma crescente criminalização da pobreza.
O chamado “fenômeno” das drogas deve ser encarado dentro de suas diversas variáveis, onde encontramos atualmente sua constituição enquanto manifestação da questão social, sendo foco de políticas públicas de caráter também diverso, que buscam responder a ela.
CAPITULO – FIM DO ESTADO DE BEM- ESTAR SOCIAL E INÍCIO DO ESTADO PENAL E LIBERALISMO
O modelo do Estado de bem-estar social, também conhecido como WelfareState, Estado-providência ou Estado-social, se caracteriza pela premissa de assistência e proteção ao seu cidadão (LESSA, 2012). Tal proteção engloba a garantia de serviços de educação, seguridade, saúde e lazer. Através da regulação dos serviços e proteção dos interesses dos seus, o Estado de bem-estar social objetiva assegurar a qualidade de vida de seus cidadãos e lhes garantir a preservação de sua integridade por vias da organização política e econômica voltadas para essa finalidade. 
O surgimento do modelo de bem-estar social se deu após 1930, ano em que o colapso econômico do Estados Unidos afetou milhares de pessoas que se viram desempregadas, desamparadas e sem acesso a recursos mínimos por parte do Estado. Sua ascensão pôde ser observada em diferentes países através da criação de instituições que atuariam na proteção dos seus indivíduos tendo em vista a necessidade de se evitar o pior para eles. Manifestando o interesse do Estado em preservar a integridade de seus cidadãos por meio de ações políticas e econômicas quegarantissem acima de tudo a preservação à assistência e garantia de serviços básicos promovidos pelo Estado (LESSA, 2012). 
Embora o bem-estar social tivesse se consolidado em diferentes países, após os anos 30, sua centralização econômica foi observada por uma minoria como um empecilho às suas expansões comerciais e financeiras, pois implicavam no controle do Estado sobre suas atividades quando as mesmas se opusessem à premissa inicial do Estado-social. Promovendo uma alteração do modelo de Estado-Social para um modelo de risco à seguridade, promovido por ações que visavam descentralizar a interferência do Estado na manutenção das garantias básicas aos seus cidadãos. Assim, “[...] para proteger-se do risco natural ou criado a nova ordem é a segurança [...]” e, “[...] na dúvida, na ausência de um sistema de definição, controle e gestão dos riscos, erige-se a segurança como máxima. E, talvez, este seja apenas mais um risco [...]”. (BOLZAN DE MORAIS, 2008, p. 193).
No contexto dos modelos de atuação estatal, observou-se uma alternância para um Estado Penal, que se utilizava da premissa de controlar não as organizações comerciais e industrias, mas principalmente o cidadão. Tendo em vista o processo de globalização econômica, a política do bem-estar social foi substituída paulatinamente por ações de controle penal que se manifestariam principalmente em uma mudança radical da premissa do Estado protetivo para um Estado temeroso, que acuado por uma minoria, deixaria de intervir na assistência ao seu cidadão para a promoção do medo através de um rígido controle penal. De acordo com Sorensen (2010), a expansão do mercado internacional, a facilidade das empresas em mudarem de território e a celeridade dos impactos financeiros de forma global impuseram ao Estado uma nova prerrogativa de disciplina fiscal, a redução das proteções sociais promovidas por ele e a redução dos impostos que implicariam principalmente na falta de recursos para manutenção do Estado-social, mas por outro lado promoveriam o interesse das empresas na consecução das suas expansões e negociações, ainda que em detrimento a qualidade de vida do cidadão e do trabalhador. 
O Estado de bem-estar social foi se diluindo aos poucos e em ritmo cada vez mais acelerado, agregando novas modalidades de coibição e controle que seriam consonantes a uma austeridade penal e a penalização dos cidadãos através dos mecanismos institucionais criados originalmente para protegê-lo. O que se entrelaçou a uma conveniente política antidrogas que focava quase exclusivamente a população mais pobre. Nessa senda, Loïc Wacquant relata que esta política punitiva de controle às drogas marca o fim do Estado Social para o começo do Estado Penal. O Estado passa a adotar uma política neoliberal destrutora das redes coletivas de assistência do Estado de Bem Estar Social ao aumentarem o controle punitivo sobre os pobres no capitalismo contemporâneo (WACQUANT, 2007).
A ascensão do modelo de liberalismo econômico operou de forma incisiva na inversão das premissas do Estado e na intolerância cada vez maior de crimes cometidos pela população mais pobre. A droga, nesse sentido, ganhou notoriedade e passou a representar um inimigo do Estado comumente promovido em regiões desprovidas de assistência e políticas públicas, de maneira que a consolidação dessa prerrogativa institucional ofereceu ao Estado um suposto argumento para aplicação de leis cada vez mais duras para as classes mais pobres. O Estado de bem-estar social se foi alienando em ações que distanciavam o interesse do cidadão e em contraposição se aproximava dos interesses comerciais.
2.1 MERCANTILIZAÇÃO DAS DROGAS, FIM DO WELFARE STATE ECRIMINALIZAÇÃO.
A mercantilização das drogas se tornou uma prerrogativa justificadora de ações mais rígidas e controles mais incisivos sobre a população mais carente. Nesse sentido, uma vez que as empresas colocaram o Estado em risco diante da pressão e da instabilidade financeira da internacionalização comercial, o Estado passou a reintegrar seus interesses na criação de políticas que assegurassem às minorias comerciais a promoção de uma segurança em detrimento da insegurança promovida na população mais carente. Com isso, o Estado de bem-estar social deixou de existir em substituição a um Estado penalista e autoritário. 
O capitalismo nesse processo se manifesta como elemento combustível da desigualdade dos interesses e fomenta um conjunto de alienações que comprometem cada vez mais a possibilidade do cidadão mais pobre obter as garantias das condições básicas de segurança, educação e saúde promovidas por ele. Nesse âmbito, percebe-se a consumação das prerrogativas sociais marxistas a respeito da perpetuação dos interesses do empresário em detrimento do interesse do trabalhador. 
Segundo Marx (2006), o capitalismo gera a alienação do trabalho e, consequentemente, a alienação da vida social. O trabalhador não se integra na totalidade, não vê o objeto produzido como parte integrante do seu trabalho. O produto do seu trabalho transforma-se em mercadoria, assim como o próprio trabalhador que se vê refém do processo de exploração. Ao ingressar no mercado de trabalho, a força de trabalho passa a valer enquanto valor-de-troca e as relações de trabalho passam a ser consideradas enquanto mercadoria. Quanto mais riqueza produz ao capitalista, maior é o nível de exploração. Em qualquer ação humana, independente de ser individual ou coletiva, o trabalho humaniza o ser social, porém, no processo alienado e alienante, homens e mulheres não se reconhecem enquanto humano, num processo cada vez maior de desumanidade e emprobecimento dos sentidos. Por sua vez, a vida social é baseada na violência que possibilita que uma classe viva do trabalho da outra. A alienação nada mais é do que (des)humanização social produzida e reproduzida pelo próprio ser social. (LESSA, 1999, p. 28)
	A influência do capitalismo na formulação de mecanismos coibidores do Estado se dá pela sua natureza alienante, materialista e objetal. Nessa senda, as ações são mensuradas a partir da implicância econômica e social dos processos e coisificados em custos, prejuízos e perdas decorrente das situações avaliadas sob o pressuposto dos detentores do capital. (LESSA, 1999). 
	As políticas proibicionistas foram iniciadas com mais efetividade no Estados Unidos, de maneira que as ações institucionalizadas de repressão operavam sempre visando a promoção global dessas estratégias. A legitimidade da ação repressiva às drogas não correspondia a investigação científica ou letalidade associada ao seu consumo. No Brasil, a repressão da maconha ganhou embalo em 1930, segundo Carlini (2006) o fato se deve parcialmente a investida do delegado brasileiro Pernambuco Filho na II Conferência Internacional de Ópio, 1924, que aconteceu em Genegra.?? Apesar do foco da conferência ser o ópio e a cola, Pernambuco Filho defendia taxativamente a proibição do chamado “cigarro de índio”, a maconha, apesar de não apresentar qualquer estudo de natureza científica que demonstrasse a letalidade de tal consumo.
	O início das políticas proibicionistas no Brasil decorria da compreensão de que a regulação taxativa do consumo de drogas incidiria no empoderamento do Estado ante a legitimação das ações repressivas destinadas a classes marginalizadas e desprivilegiadas, principalmente os negros. Embora a maconha no Brasil pudesse tanto ser atribuída aos índios quanto aos negros, eram os negros quem a consumiam em maior número e nos centros urbanos. A política proibicionista e a perseguição ao consumo da maconha demonstra o interesse ante o abolicionismo forçado, de se legitimar o encarceramento em massa da população negra e as ações repressivas de uso de força contra essa classe.
2.2 POLITICAS DAS DROGAS
Na medida em que o Estado se posicionou em respeito ao objeto de repressão penal, a política das drogas, ou a política antidrogas ascendeu sob a inversão dos interesses sociais e se consolidou como um sistema perverso de objetivação dos indivíduos mais pobresatravés do antagonismo dos mesmos com as instituições do Estado. Tal prerrogativa fortaleceu-se na criação de leis cada vez mais austeras e punitivas cuja consequência não reduziu o consumo das drogas, mas fomentou cada vez mais o antagonismo às classes mais pobres e incentivou a promoção do medo como justificadora de tais políticas de segurança.
O distanciamento da droga do prisma da saúde e sua aproximação ao conceito de segurança se deu através de um processo de convencimento e articulação de políticas públicas. A fim de obter êxito no convencimento da legitimidade de determinadas políticas públicas, faz-se necessário a comoção moral e adesão da opinião pública. Para tal, especialistas são contratados e inicia-se um processo de reorganização da realidade, a partir da elaboração de teorias atribuidoras e causais e a responsabilização social no enfrentamento da questão, obtém-se o convencimento da opinião pública da imprescindibilidade da interferência do Estado para a consecução dos interesses da população. (GUSFIELD, 1981).
Embora o Estado, quando democrático, atue sob as égides da legitimidade representativa, suas ações e políticas públicas devem atender aos anseios e necessidades da população. Nesse sentido, o não convencimento da população em detrimento a implementação de medidas de segurança pública, implicaria em uma possível reprimenda da população em defesa do que considerassem abusivo ou despropositado. Portal motivo, o Estado compreende a interdependência das suas ações às práticas de convencimento social, tornando imprescindível a implementação de programas de marketing, comunicação e afins que atribuam as causas às insatisfações vivenciadas pelas populações. Nessa senda, observa-se que a política de combate às drogas e a ascensão do Estado Penal estão diretamente ligadas a uma resposta aos anseios da população, muito embora a lógica atributiva seja oriunda do Estado.
Na medida em que as políticas de segurança pública ligadas ao proibicionismo das drogas se consolida nas regiões mais periféricas e incidam em uma conveniente ação repressiva, recorrentemente encontra obstáculos na insatisfação e manifestação dessas minorias que buscam evidenciar o abuso do poder e perseguição do Estado, competindo ao mesmo novamente a confecção e divulgação dos motivos norteadores de tais ações. (OLMO, 1990)
2.3 POLÍTICAS DE SEGURANÇA: INTERESSES IMPLÍCITOS
As políticas voltadas para o proibicionismo das drogas se consolidou a partir do início do século 20. A partir de uma conferência promovida em Xangai, cuja pauta consistia na temática do ópio, foram estabelecidas duras críticas a respeito do consumo e comercialização do mesmo, o que em 1912 incidiu na proibição do consumo da substância. (PASSOS, 2002, p. 36). A esse respeito, observa-se que os Estados Unidos iniciavam políticas voltadas para o proibicionismo e o combate ao consumo de determinadas substâncias, sob a justificativa, a priori, da referida droga promover letalidade e riscos à saúde dos seus consumidores. 
A prerrogativa do combate ao ópio, promovida pelos Estados Unidos, objetivava uma preocupação com o que consideram um consumo epidêmico, sendo que tal justificativa mascarava um movimento de perseguição aos emigrantes chineses no Estados Unidos, que competiam nos empregos com os americanos. Tendo em vista que a cultura chinesa não observava o ópio como nocivo aos seus consumidores, sendo comum o consumo da mesma, as leis anti-ópio incentivaram e auxiliaram legalmente a expulsão de uma maioria de emigrantes chineses no país. (OLMO, 1990, p.26)
O consumo das drogas até a década de 50 não era observado como um problema social, de maneira que nem seu consumo era visto como elevado. Nesse sentido, os consumidores de tais substâncias eram em sua maioria pobres e residentes de áreas periféricas. Por tal razão, na medida em que se observou a adesão dos pobres ao consumo, os Estados Unidos passaram a engendrar estratégias para possibilitar às instituições públicas ferramentas de coibição e penalização desses grupos. (OLMO, 1990)
	A observância dos mecanismos públicos como instrumentos coibidores e penalistas começou a ganhar mais nitidez a partir de 1980, quando os Estados Unidos passou a observar uma enorme quantidade de capital sendo lavado por bancos da América Central e reintroduzidos no país. A esse respeito, estimou-se que o tráfico de drogas movimentava em torno de cem bilhões de dólares ao ano, cuja sonegação dos impostos devidos também era bilionária. Por essa razão, houve um acirramento das políticas proibicionistas que elegeu a América Latina, observada como a maior produtora e fornecedora das drogas, como uma inimiga a ser combatida, mais precisamente o traficante Colombiano. (OLMO, 1990).
	Na medida em que o Estado passou a adotar mecanismos financeiro-protetivos, a política antidrogas foi ganhando notoriedade e destaque político e midiático. Dessa forma, embora o problema da droga estivesse ligado à saúde pública, sob as prerrogativas iniciais e restrições de consumo, seu enfrentamento estava diretamente ligado a segurança pública. Para todos os efeitos, a promoção de uma política de segurança mais austera se emaranhava em argumentações fundamentadas em percepções morais, familiares e conservadoras, cujo antagonismo às drogas se alicerçava na percepção moral e nos supostos interesses da sociedade. Como aduz a criminóloga venezuelana Rosa Del Olmo (1990, p. 70):
A insistência no aspecto moral e criminal do fenômeno das drogas impediu a compreensão da natureza dinâmica do tráfico de drogas e, sobretudo, de suas dimensões como empresa transnacional dedicada à produção de bens e serviços ilegais. Reduz-se o fenômeno a uma questão delinqüencial-policial que considera o tráfico como uma categoria homogênea, o que oculta a complexidade da indústria das drogas ilícitas, assim como a diversidade dos autores que dela participam. Em sua verdadeira dimensão, é um problema econômico, social e político transnacionalizado, que desequilibra o Estado e a sociedade. E isso, apesar de existirem vários estudos que conseguiram sistematizar as principais características do tráfico e que demonstram não se tratar de uma forma ordinária de criminalidade, nem uma atividade parasitária e de pilhagem, mas de um processo produtivo, por mais ilícito que seja (Uprimny, 2000), que o economista canadense Tom Naylor qualificou de criminalidade econômica empresarial (Naylor, 1999). Em outras palavras, do ponto de vista estrutural, estamos diante de uma atividade produtiva mercantil de caráter internacional, e à margem da legalidade, desenvolvida por indivíduos e organizações interessados antes de mais nada na obtenção do lucro, como em qualquer empresacontemporânea.
Os interesses de dirimir e combater o consumo das drogas partiam da importância capital que a mesma apresentava, mas eram transfigurados em percepções estéticas e morais que se consolidavam em políticas penalistas e punitivas para a população mais pobre, principalmente os imigrantes que residiam no Estados Unidos. Dessa forma, o Estado de bem-estar social se alienava cada vez mais para um Estado Penal coibitivo e austero com razões expressamente dúbias, distanciando cada vez a percepção original do problema das drogas da saúde e aproximando cada vez mais o combate ao pobre, periférico, minoritário e geralmente negro.
3 PROCESSOS DE EUGENIA SOCIOECONÔMICA:
Na medida em que a sociedade desenvolve suas ações em consonância com determinações firmadas no suposto interesse coletivo, abre-se espaço para a utilização de terminologias com um sentido emprestado à guisa dos interesses suplantados que se desviem do sentido primário de tais conceitos. A esse respeito, observa-se que a concepção de droga alienou-se em prol de uma perversão penal e afastando-se do sentido original a qual a palavra se referia. Se a priori ‘droga’ possuía acepções relativa ao fármaco, a partir da instituição de novas diretrizes econômicas no estado penal, droga se associou diretamente a criminalidade, marginalizaçãoe pobreza. A esse respeito, observa-se a mudança das acepções como um processo inerente a alienação dos valores decorrente da manipulação das informações. Como demonstra Pêcheux:
As palavras, expressões, proposições etc., mudam de sentido segundo as posições sustentadas por aqueles que as empregam, o que quer dizer que elas adquirem seu sentido em referência a essas posições, isto é, em referência às formações ideológicas nas quais essas posições se inscrevem. Chamaremos, então, formaçãodiscursiva aquilo que, numa formação ideológica dada, isto é, a partir de uma posição dada numa conjuntura dada, determinada pelo estado da luta declasses,determinaoquepodeedeveserdito”(PÊCHEUX,2009,p.147, grifos do autor)
	As concepções relacionadas a utilização da palavra droga foram modificadas ao longo de campanhas focadas na marginalização moral da utilização dessas substâncias. Se inicialmente as drogas faziam parte de rituais religiosos, como observado em determinadas culturas, a posteriori tais rituais foram também marginalizados e a utilização dos psicotrópicos relacionada às práticas ditas imorais. Embora alguns autores reiterassem a importância de se aprofundar os debates relacionados ao uso de psicotrópicos, dentro do qual produziu-se uma literatura relacionada também à biologia e à medicina, a (marginalização) discriminação do conceito e sua implicância moral atuaram na propagação da implicância criminal sobrepondo todos os outros aspectos, ainda que sem uma fundamentação científica organizada e irrefutável. 
	Na medida em que se deliberava a respeito da criminalização da droga, a argumentação da utilização sempre se relacionava a distribuição do mesmo e insegurança resultante do enriquecimento ilícito desses traficantes, pois a implicância econômica preconizava as diretrizes e preocupações erigidas pelo Estado penal, pois a autopreservação do mesmo dependia da sua capacidade de controlar as ascensões econômicas e rivalizar com qualquer um que oferecesse um risco ou ameaça a sua centralização capital, dessa maneira, as políticas antidrogas encontraram escopo na promoção da insegurança e na imprescindível ação do Estado a fim de proteger o bem comum, embora fossem oriundas da sua própria preocupação econômica, demonstrando a subversão do bem aos interesses da engrenagem reguladora. 
É nesse tema das drogas qualificadas de ilícitas, que, hoje, mais fortemente atua a enganosa publicidade que consegue 'vender' o sistema penal como produto destinado a fornecer as almejadas proteção e segurança, fazendo desse instrumento – na realidade, estimulante de situações delitivas e criador de maiores e mais graves conflitos – o centro de uma política supostamente destinada a conter, ou até mesmo acabar, com a irracionalmente temida circulação daquelas mercadorias, ao mesmo tempo que ensejando uma intensificação do controle do Estado sobre a generalidade dos indivíduos (KARAM, 2005, p. 156). 
	A partir do início do distanciamento dos conceitos de droga do viés farmacológico e da sua aproximação ao viés econômico e penal, o Estado não cessou a deliberação de leis cada vez mais duras atreladas à repressão ostensiva nas regiões mais pobres e marginalizadas. A esse respeito, o Estado engendrou justificativas capazes de implicar na alienação de conceitos a fim de legitimar sua prática de perseguição e marginalização econômica, criando uma série de açõesabusivas e desniveladas com a premissa de se utilizar de todos os recursos a fim de obter mais controle sobre os pobres e marginalizados. Nessa senda, o Estado antagoniza os interesses sociais quando preconiza apenas os fatores econômicos resultantes do mesmo. A alienação passa a ser visível na alteração do pressuposto do Estado que demonstra o desinteresse pela vida das minorias, quando deveria protege-las, optando por marginaliza-la a fim de perpetuar sua estabilidade econômica. A luta contra o tráfico só se deu uma vez que o mesmo ameaçou economicamente o Estado, de forma que todas as pessoas entre o interesse econômico dos traficantes ou líderes políticos e suas possíveis baixas não implicariam em dano ao Estado. O Estado Penal e os traficantes ilicitamente ricos se assemelham na indiferença aos anseios sociais e princípios humanos.
	A sociedade se regulamenta a partir das suas determinações erigidas a partir de costumes e práticas culturais, no entanto, o capitalismo implica no estabelecimento de uma nova diretriz norteadora, que sobrepõe todos os demais fatores de incidência social. As práticas sociais e culturais passam a ser modeladas pela diretriz materialista, pois implicam diretamente na disposição de recursos e limitações provocadas pela ausência do mesmo. Nesse sentido, ocondicionamento da vida social é predeterminado pela premissa da vida material, tal como afirma Marx:
O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral (MARX, 2003a, p. 5). 
	A sociedade capitalista se caracteriza pela reorganização dos seus interesses em prol da máxima produtividade econômica, ainda que isso implique em perdas em outras esferas, constata-se que a organização dos valores capitalista orbita em prol dos interesses firmados por detentores do capital, que dominam o direcionamento dos valores e condenam potenciais concorrentes ou situações que possam implicar em perdas e prejuízos resultando no desnivelamento capital. 
	O consumo de drogas ameaça os detentores do capital quando os traficantes podem ficar mais ricos que eles, o argumento de dependência química promover o mal para a pessoa não apenas pelo resultado químico, uma vez que os estudos farmacológicos ainda se apresentam incapazes de atestar isso em todos os casos, também é explorado pelo aspecto de compulsão que ela promove entre seus consumidores. No entanto, tal consumo de produtos e substâncias não emergenciais ou necessárias se dá em diferentes abordagens, pois o capitalismo não se fundamenta na preservação dos valores do indivíduo, mas na comercialização material promovida por esse sujeito.
As empresas, dentro do capitalismo, promovem o consumo em diferentes níveis, demonstrando mais uma vez a capacidade de alienar os conceitos de necessidade e reformular a moral, explorando a natureza psicológica do processo de compra e venda, como se observa a respeito do conceito psicológico de consumo:
Além do mais, esta lógica nada tem de democrática, pois o acesso ao consumo no capitalismo é diferenciado e desigual. Do ponto de vista psicológico, o consumo pode ser entendido como um simples querer de coisas cujos atrativos são inerentes à sua natureza (utilidade); como um querer de coisas cujos atrativos dependam das aquisições feitas pelos outro (inveja), ou como um querer de coisas cujos atrativos são o reflexo da imagem do “eu” (desejo). Em todos os casos o consumo passa pela relação entre o querer e a possibilidade de possuir algo. (PADILHA, 2006, p. 85). 
A reassociação dos valores ligados à droga operou em harmonia com os interesses dos grandes produtores, o que originalmente estaria relacionado a conceitos científicos cuja etimologia demonstrava uma história complexa de necessária investigação, tendo em vista as contribuições obtidas no campo da medicina a partir da compreensão das reações químicas e seus efeitos psicotrópicos e curativos, desviou-se para uma depreciação moral manifestada em uma política combativa e inflamada contra as drogas e seus utilizadores. 
Embora essas modificações operassem no desvio original da palavra ao sentido atribuído, o conceito de consumo para o capitalismo permaneceria o mesmo e evidenciaria estreita similaridade entre a indústria do capitalismo e a indústria dos narcos. Como conclui PADILHA: 
 Do ponto de vista econômico, o consumo é considerado uma etapa final do processoprodutivo, ou seja, a produção é o ponto de partida, enquanto o consumo é a finalização desse processo aparentemente infindável (a produção só tem sentido porque haverá consumo e porque o consumo levará a mais produção). Assim, os mesmos homens que produzem são também os que consomem, dependendo, obviamente, das suas condições, uma vez que o consumo implica a relação econômica entre renda e preço (PADILHA, 2006, p. 85).
Embora houvesse um esforço em se atribuir novos sentidos ao conceito de droga a fim de criar a necessidade se intervir a essa prática, o conceito de consumo de drogas se aproximava diretamente ao conceito de consumo de produtos inerente à expansão do capitalismo e de suas produções industriais. O consumo não estaria relacionado apenas à necessidade, mas à compulsão. A esse respeito, o enfrentamento promovido contra as drogas que se iniciou a partir do enfrentamento moral, a prática demonstrava o esforço de autopreservação do próprio capitalismo que compreendeu a necessidade em coibir através da criminalização essa outra modalidade de consumo, desviando o sentido da necessidade para a marginalidade.
A criminalização das drogas então era justificada por comprometer a hegemonia do capitalismo, ainda que o enfrentamento fosse plausível, não se buscava combater o consumo, mas o consumidor e o fornecedor. Evidenciando nessas ações a semelhança do conceito de consumo e a necessária investida contra seus concorrentes. Com o estabelecimento do Estado Penal, as políticas antidrogas ganharam mais notoriedade e passaram a atuar através de diferentes instituições, que mascaravam uma finalidade social a fim de perverter as ações do Estado transformando-o em um mecanismo de perseguição aos pobres através da marginalização e combate às drogas, como demonstra o autor:
Em outro contexto, a análise do que LoïcWacquant (2001) denomina de política estatal de criminalização das consequências da miséria aponta que, nos Estados Unidos, os serviços sociais vão sendo transformados em instrumentos de vigilância e controle das novas “classes perigosas”, em especial da juventude. […] Por fim, a prisão estabelece-se como uma espécie de continuum destino da população negra e jovem proveniente dos guetos. Constitui-se o que o autor identifica como ditadura sobre os pobres caracterizada pela deslegitimação das instituições legais e judiciárias; a escalada da criminalidade violenta, dos abusos policiais (dirigidos à população jovem, negra e pobre), a criminalização dos pobres, a utilização de práticas ilegais de repressão, a obstrução generalizada ao princípio da legalidade e distribuição desigual e não equitativa dos direitos de cidadania. O Estado convertido à ideologia do mercado total diminui suas prerrogativas nas frentes social e econômica e reforça sua atuação na área de segurança e na justiça criminal. (MORAES e KULAITIS, 2013, p. 17)
A ascensão do Estado Penal e o fim do Estado de Bem Estar Social decorriam na medida em que os pressupostos eram invertidos e a preservação do capital e do patrimônio prevaleciam em vista dos direitos sociais e do compromisso com o individuo, independente de sua classificação econômica. O Estado Penal se consolidou em paralelo com o estabelecimento de leis cada vez mais duras direcionadas a classes mais desprivilegiadas, a manifestação do controle social a partir das instituições e as campanhas visando a harmonização dessas políticas com a moral suplantada na sociedade. 
O Estado Penal preconiza a política do encarceramento da massa, justificada através da rigorosidade penal a respeito de práticas de consumo de drogas. Dessa forma, embala-se o Estado de ações repressivas e cada vez menos tolerantes às classes pobres e marginalizadas, o Estado antes instituído para a preservação do bem comum, atua de forma perversa mitigando a truculência institucional e a austeridade corretiva, incidindo em uma política de encarceramento em massa, como bem analisa Gonçalves (2009): 
Antes da consolidação do Estado do bem-estar social está se verificando uma mudança na forma de atuação dos Poderes constituídos, sendo que estes, mesmo que de forma míope, vêm adotando uma estratégia de cunho neoliberal, circunstância que acarreta a consolidação das profundas desigualdades sociais entre os cidadãos e acentua a seletividade no campo de incidência dos mecanismos do sistema penal, atingindo principalmente os pobres e miseráveis.
	As políticas antidrogas promovidas pelo Estado Penal manifestam profundo desinteresse da resolução dos problemas relacionados ao consumo, operando de maneira perversa e abusiva, inflama cada vez mais os conflitos e assim desvia o prisma a respeito do real problema observado no consumo, a compulsão. Tendo em vista que a compulsão promovida pela dependência química se assemelha a compulsão promovida pela dependência psicológica fomentada pelo marketing de consumo capitalista. A esse respeito, observa-se o esforço em se associar a liberdade de consumo a disposição de produtos oferecidos pelas indústrias, independente do bem e da necessidade inerente ao consumo do mesmo, pois comprar configura o exercício do poder e de ser livre para tal. 
Na sociedade capitalista contemporânea, o valor central – ganhar dinheiro – caminha de mãos dadas com a exaltação do consumo material. Uma corrente infinita de mensagens publicitárias reforça a ilusão das pessoas de que a acumulação de bens materiais é o caminho que leva à felicidade, o próprio objetivo de nossa vida. (...) O livre fluxo de bens e de capital é identificado com o elevado ideal da liberdade humana, e o consumo material desenfreado é retratado como um direito humano básico – até mesmo, cada vez mais, como uma obrigação ou um dever. (CAPRA, 2002, p.269)
O consumo desenfreado não é o problema central do Estado Penal, independente do efeito subjetivo ou objetivo desse consumo, a licitude é determinada de acordo com o interesse regulador e a classe de consumo do produto. Portanto, a criminalização oriunda do Estado Penal acentuou as disparidades econômicas e a austeridade institucional de forma que a solução do suposto problema incidia na perseguição das classes desprivilegiadas e na fabricação de argumentos morais que não condiziam com as acepções originais e etimológicas do conceito de droga. 
O capitalismo por sua vez estimula a compra, empoderando o consumidor do exercício acumulativo inerente a manifestação da sua liberdade, as empresas passam a ser reguladas e seu marketing cuidadosamente avaliado, independente do resultado a longo prazo, da necessidade, comprar e consumir desenfreadamente são características do capitalismo, demonstrando que o objeto do consumo é quem determina sua nocividade, embora tal pensamento não seja condizente com a realidade psicológica do conceito de consumo desenfreado, como destaca Bittencourt:
 […] o ato de comprar seria uma espécie de novo ópio do povo; tal processo seria um método de se compensar a extenuação do trabalho fragmentado e incapaz de fornecer o esperado sentimento de realização pessoal, as ansiedades da mobilidade social, a infelicidade da solidão e o tédio de uma vida desprovida de sentido criativo; tais experiências negativas de insatisfação tendem a criar uma personalidade dependente da elevação constante do índice de consumo para que se venha assim a obter estados fugazes de prazer (BITTENCOURT, p. 106).
O fim do Estado de Bem-Estar Social e a ascensão do Estado Penal, o início das políticas antidrogas e a marginalização econômica que se utiliza das instituições de forma perversa a fim de mitigar a segregação econômica e demonstrar o controle sobre a massa demonstram uma série de ações do Estado a fim de promover a alienação como medida de controle da massa.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao enveredar na análise as diferentes concepções ontológicas das drogas, evidenciou-se a multiplicidade de acepções possíveis a respeito da mesma. Embora a droga e o relacionamento da sociedade com a mesma sejam antigos, remontando civilizações antigas e primitivas, percebeu-seque a ausência de consenso a respeito dos efeitos provocados pela droga coincidia com a falta de aprofundamento no assunto.
Para todos os efeitos, a droga pode ser positiva ou negativa de acordo com a circunstância ou efeito promovido por ela, relativizando pelas vias da moralidade o papel que a droga desempenha na sociedade. A esse respeito, entende-se que as interpretações morais são decorrentes do processo cultural relacionado à droga, configurados pelo imaginário social, cuja manutenção de pressupostos fica a cargo dos formadores de opinião. Nesse sentido, entende-se o imaginário social como “um conjunto coordenado de representações, com uma estrutura de sentidos, de significados que circulam entre seus membros, mediante diversas formas de linguagem” (FERREIRA, 1992, p. 17).
O presente estudo analisou as diferentes acepções que a droga veio adquirindo ao longo dos registros da humanidade e observou uma mudança brusca no direcionamento da abordagem a respeito do assunto e suas implicâncias. Apesar do objeto das investigações iniciar a partir de uma substância e seus efeitos químicos, psicológicos e orgânicos, o debate a respeito das acepções da droga atualmente se situa em três aspectos distintos, elencados pelo social, econômico e jurídico. 
O afastamento da representação inicial da droga e sua correlação com outros aspectos da sociedade perfazem-se enquanto resultados do interesse capital e preconização econômica em detrimento dos princípios do interesse do bem estar social. Nesse sentido, as ações políticas interagem diretamente com o norteamento dos debates e ações públicas relacionadas às drogas. Pode-se dizer que a abordagem sobre a implicância do consumo de droga na sociedade modificou-se na medida em que o Estado transacionava entre o modelo de Bem Estar Social e o modelo penalista.
	Ao procurar entender o efeito que a droga tem na sociedade, observa-se que o mesmo pode ser categorizado entre o efeito subjetivo e o objetivo. A subjetivação do consumo de drogas, diz respeito a voluntariedade do sujeito em experimentar as drogas por deliberação própria, seja pelas vias religiosas ou psicotrópicas. O debate a respeito dos efeitos subjetivos da droga e da possível dependência química é bastante controverso, havendo a necessidade de aprofundar as investigações a esse respeito para que seja possível a explanação de um ponto de vista objetivado através da metodologia científica. 
O efeito objetivo que a droga promove na sociedade é interdependente da representação promovida pelo Estado, que por sua vez preconiza a percepção econômica em detrimento da social. Nessa senda, o Estado Penal encontra nas drogas a oportunidade de promover o controle sobre os seus consumidores e utilizadores, podendo marginalizar e criminalizar as práticas das populações mais carentes e desprovidas de qualquer suporte. O efeito de polaridade econômica e social se potencializa a partir da marginalização e criminalização das drogas, de forma que o Estado Penal atua sob a falsa prerrogativa de extinguir a violência promovida pelo trafico de drogas em ações imediatistas e igualmente violentas não incidindo na dissolução do mesmo, mas numa política de espetáculos que perpetua cada vez mais a desigualdade social.
A partir do presente trabalho, constatou-se que as concepções e acepções que anteriormente precediam os hábitos e comportamentos sociais, tornaram-se cada vez mais relativas ao interesse de minorias expondo contradições entre o conceito apriorístico das drogas e as postulações consolidadas a respeito das mesmas. 
Em dado momento, as diferentes acepções e apreciações etimológicas contribuíram para uma abordagem mais ampla do assunto. Na medida em que se observou que as experiências subjetivas poderiam afetar ou comprometer o individual, o debate sobre as drogas se alargou, não consistindo apenas em abordar o ponto de vista químico e psicológico, mas também o ponto de vista social e econômico.
O Estado Penal se caracteriza por meio da utilização das leis e das instituições para controlar e discriminar as populações mais carentes. Nesses lugares, a ausência de suporte e oportunidade acaba por fornecer ao tráfico de drogas um ambiente ideal para seu desenvolvimento. Na medida em que o tráfico se estabelece inflamando o consumo descontrolado de substâncias e ofertando oportunidades para associados, o Estado cria legislações cada vez mais duras que penalizam sem distinção os usuários e dependentes químicos e traficantes. Tais medidas não visam combater unicamente a cultura do tráfico, mas todos os envolvidos no processo, principalmente os mais pobres.
O presente trabalho considera imprescindível que a sociedade observe a subversão da atual percepção de drogas em uma campanha que mascara os principais motivadores dessa perseguição às drogas, de maneira que a preocupação econômica e manutenção dos interesses neo-liberais e comerciais conflita com a promoção do bem para o social. 
Essa inversão de valores do Estado de bem estar social para o Estado penal resulta em danoso prejuízo para a sociedade, de maneira que além de não reduzir a violência relacionada ao tráfico de drogas e aumentar a população carcerária exponencialmente, prejudica a busca pelo bem comum dada a alienação promovida pelas estigmatização da cultura das drogas, ignorando seu vinculo histórico e antropológico e impedindo o aprofundamento das análises relacionadas aos efeitos da mesma na saúde e possíveis aspectos positivos oriundos do seu consumo.
 
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