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SÁ, Camila Franchi de Souza; VIECILI, Mariza. As Novas Famílias: Relações Poliafetivas. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 137-156, 1º Trimestre de 2014. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044. 137 AS NOVAS FAMÍLIAS: relações poliafetivas Camila Franchi de Souza Sá1 Mariza Viecili2 SUMÁRIO Introdução; 1 Breve síntese acerca do Direito de Família: características e princípios; 1.1 Princípios do Direito de Família; 1.1.1 Princípio da dignidade da pessoa humana; 1.1.2 Princípio da afetividade; 1.1.3 Princípio da não intervenção ou liberdade; 1.1.4 Princípio da igualdade e respeito à diferença; 1.1.5 Princípio do pluralismo das entidades familiares; 2 Família e sociedade; 2.1 Noções acerca do casamento; 2.2 Noções acerca da união estável; 2.3 Noções acerca da união livre; 2.4 As relações poliafetivas: o poliamorismo; 3 As relações poliafetivas e os institutos jurídicos; 3.1 Relações poliafetivas: o que expressa a Constituição brasileira?; 3.2 O Código Civil e o poliamorismo; 3.3 A bigamia no Código Penal; Considerações finais; Referência das fontes citadas. RESUMO A finalidade do presente artigo é discorrer acerca da evolução do Direito de Família, tendo seu foco no reconhecimento das relações poliafetivas como unidades familiares. Para alcançar os objetivos propostos, a abordagem do tema se inicia a partir do estudo do Direito de Família, seguindo-se para uma análise de seus princípios norteadores, trazendo breves considerações acerca do casamento, da união estável e da união livre, sendo as relações poliafetivas o objeto desta pesquisa. Foram elencados argumentos e respaldos legais ao reconhecimento destas uniões, chegando-se a conclusão de que deve a relação poliafetiva ser protegida pelo Estado, elevada assim ao status de unidade familiar. O trabalho foi concebido segundo o método indutivo, acionado à técnica da pesquisa bibliográfica. Palavras-chave: Afetividade. Novas famílias. Poliamor. Relações poliafetivas. INTRODUÇÃO Nos tempos atuais, observa-se constantes mudanças nos mais variados campos do Direito, com a busca cada vez maior pela realização pessoal, garantida principalmente pelo avanço nos direitos humanos. 1 Camila Franchi de Souza Sá. a) Acadêmica do 9º período do Curso de Direito da UNIVALI. b) Estagiária do Ministério Público de Santa Catarina. c) E-mail: camilafrachi_@hotmail.com. d) Telefone: (47) 9962-8767. 2 Graduada em Direito. Mestre em Ciência Jurídica do Programa de Mestrado em Direito da Universidade do Vale do Itajaí. Especialista em Direito Constitucional e em Metodologia da Pesquisa, pela Univali. Professora do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI (SC). Advogada e Conselheira da OAB Subseção de Balneário Camboriú/SC. E-mail: mariza@univali.br. SÁ, Camila Franchi de Souza; VIECILI, Mariza. As Novas Famílias: Relações Poliafetivas. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 137-156, 1º Trimestre de 2014. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044. 138 Nesse contexto, a família tradicional dá lugar também a outros tipos de relações afetivas, as quais não se pode desprezar como novo valor histórico-cultural para as gerações futuras. Assim, o que se busca no presente artigo é indagar se essas novas relações afetivas, especialmente as poliafetivas, devem ser abordadas pela legislação pátria, bem como se encontram amparo legal no ordenamento jurídico brasileiro, ocasionando a regulamentação e garantia dos direitos das pessoas envolvidas. Embora seja o assunto ainda muito recente, entende-se que, na ausência de normas que proíbam tal situação, importante é o papel do Estado na proteção dos indivíduos que fazem parte desta relação, elevando-a ao status de entidade familiar, uma vez que são relações que geram efeitos, principalmente quando existem filhos ou aquisição de patrimônio. Destaca-se ainda que o trabalho foi concebido segundo o método indutivo, acionado à técnica da pesquisa bibliográfica. 1 BREVE SÍNTESE ACERCA DO DIREITO DE FAMÍLIA: características e princípios O Direito de Família, um dos diversos ramos do Direito Civil, tem como objetivo o estudo dos seguintes institutos jurídicos: a) casamento; b) união estável; c) relações de parentesco; d) filiação; e) alimentos; f) bem de família; g) tutela, curatela e guarda. Além desses institutos, é importante acrescentar a investigação contemporânea das novas manifestações familiares ou novas famílias3. A principal característica deste direito é a sua finalidade cautelar, pois se direciona a proteger a família, os bens que lhe são próprios, a prole e muitos outros interesses afins4. Segundo tal característica, eleva-se o Direito de Família como um direito público – ou quase público -, eis que a função do Estado é sua integral proteção. Ainda nesse mesmo pensamento, observa-se a limitação no poder de disponibilidade dos direitos, não cabendo às partes pactuar ou decidir diferentemente do que está estabelecido na lei5. 3 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 2. 4 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. p. 4. 5 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. p. 5. SÁ, Camila Franchi de Souza; VIECILI, Mariza. As Novas Famílias: Relações Poliafetivas. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 137-156, 1º Trimestre de 2014. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044. 139 Outra característica presente nos direitos de família, quando examinados sob o prisma individual e subjetivo, é sua natureza personalíssima, ressaltando-se que, em sua maioria, são esses direitos intransferíveis, intransmissíveis por herança e irrenunciáveis6. Importante se faz, então, analisar brevemente alguns princípios do Direito de Família. 1.1 Princípios do Direito de Família Modernamente, foram os antigos princípios do Direito de Família aniquilados, ocasionando o surgimento de novos princípios, tais como o princípio da proteção da dignidade da pessoa humana, da solidariedade familiar, da igualdade entre filhos, da igualdade entre cônjuges e companheiros, da igualdade na chefia familiar, da não intervenção ou da liberdade, do maior interesse da criança e do adolescente, da afetividade e da função social da família7. Tais alterações foram surgindo conjuntamente com a esperança de encontrar soluções adequadas aos problemas surgidos na seara do Direito de Família, marcado por grandes mudanças e inovações, dando à família contemporânea um tratamento mais consentâneo à realidade social, atendendo-se às necessidades da prole e do diálogo entre os cônjuges ou companheiros8. Assim, importante destacar e analisar melhor alguns destes princípios que norteiam modernamente o Direito de Família. 1.1.1 Princípio da dignidade da pessoa humana Segundo a Constituição da República Federativa do Brasil de 19889, em seu artigo 1°, inciso III, o Estado Democrático de Direito prevê como um de seus fundamentos máximos a dignidade da pessoa humana. 6 VENOSA, Sílvio de Salvo Venosa. Direito Civil: Direito de Família. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2009. p.14. 7 TARTUCE, Flávio e SIMÃO, José Fernando. Direito de Família. 7 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. 8 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 22 ed. São Paulo, Saraiva, 2007. p. 22 9 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acessoem: 22 maio de 2013. SÁ, Camila Franchi de Souza; VIECILI, Mariza. As Novas Famílias: Relações Poliafetivas. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 137-156, 1º Trimestre de 2014. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044. 140 O princípio da dignidade da pessoa humana constitui base da comunidade familiar, seja ela biológica ou socioafetiva, garantindo a afetividade, o pleno desenvolvimento e a realização de todos os seus membros10. Esse princípio máximo encontra-se cada dia mais relacionado com a afeição mútua que estabelece plena comunhão de vida, posto que a tendência seja tornar o grupo familiar cada vez menos organizado e hierarquizado, baseando-se principalmente no bem-estar de seus integrantes11. Sua essência é difícil de ser capturada com palavras, estando intimamente ligada a preocupação com a promoção dos direitos humanos e da justiça social, sendo o mais universal de todos os princípios12. Importante frisar que o princípio da dignidade da pessoa humana não apresenta apenas um limite à atuação do Estado, mas também um norte para sua atuação positiva. Deve o Estado não só abster-se de praticar atos que atentem contra essa dignidade como também promover essa dignidade por meio de condutas ativas13. Como se pode perceber, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, conjuntamente com o princípio da afetividade são pontos centrais da discussão atual do Direito de Família, sendo este de suma importância para a elaboração do presente artigo, merecendo destaque ao longo de seu desenvolvimento. 1.1.2 Princípio da afetividade O afeto, atualmente apontado como o principal fundamento das relações familiares, embora não esteja expresso no texto da CRFB/88, decorre diretamente da valorização da dignidade da pessoa humana, sendo considerado também um direito fundamental14. 10 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. p. 22 11 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. p. 22 12 DIAS, Maria Berenice Dias. Manual de Direito das Famílias. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 52. 13 DIAS, Maria Berenice Dias. Manual de Direito das Famílias. p. 52. 14 TARTUCE, Flávio. Novos Princípios do Direito de Família Brasileiro. Disponível em: <http://www.faimi.edu.br/v8/RevistaJuridica/Edicao1/Arquivos/Novos%20princ%C3%ADpios%20do%20direito% 20de%20fam%C3%ADlia%20brasileiro%20-%20Flavio%20Tartuce.pdf>. Acesso em: 17 maio 2013. SÁ, Camila Franchi de Souza; VIECILI, Mariza. As Novas Famílias: Relações Poliafetivas. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 137-156, 1º Trimestre de 2014. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044. 141 O Código Civil15 também não faz menção à palavra afeto, ainda que, em alguns dispositivos, possa-se entrever esse elemento para caracterizar situação merecedora de tutela16. Para melhor se compreender o princípio da afetividade, é importante frisar que o afeto é mais um vínculo de convivência familiar do que um vínculo apenas biológico, sendo que, decorrente deste entendimento surge então uma nova forma de parentesco civil: a parentalidade socioafetiva17. Constitui-se, deste modo, a afeição entre os cônjuges ou conviventes, bem como a necessidade de que perdure completa comunhão de vida, como fundamento básico do casamento, da vida conjugal e do companheirismo, sendo que a sua extinção torna insuportável a convivência18. Acerca da importância do afeto no Direito de Família, leciona Maria Berenice Dias19: A família transforma-se na medida em que se acentuam as relações de sentimentos entre seus membros: valorizam-se as funções afetivas da família. Despontam novos modelos de família, mais igualitárias nas relações de sexo e idade, mais flexíveis em suas temporalidades e em seus componentes, menos sujeitas à regra e mais ao desejo. Deste modo, percebe-se que, atualmente, o princípio norteador do Direito de Família é o princípio da afetividade20. Destaca-se que, não é à-toa que cada vez mais os Tribunais brasileiros venham embasando suas decisões no afeto entre os membros da família, sendo, em muitos casos, fator predominante ao vínculo biológico. 1.1.3 Princípio da não-intervenção ou liberdade 15 Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em 22 de maio de 2013 16 DIAS, Maria Berenice Dias. Manual de Direito de Famílias. p. 60. 17 TARTUCE, Flávio. Novos Princípios do Direito de Família Brasileiro. Disponível em: <http://www.faimi.edu.br/v8/RevistaJuridica/Edicao1/Arquivos/Novos%20princ%C3%ADpios%20do%20direito% 20de%20fam%C3%ADlia%20brasileiro%20-%20Flavio%20Tartuce.pdf>. Acesso em: 17 maio 2013. 18 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. p. 18. 19 DIAS, Maria Berenice Dias. Manual de Direito de Famílias. p. 61. 20 DIAS, Maria Berenice Dias. Manual de Direito de Famílias. p. 61. SÁ, Camila Franchi de Souza; VIECILI, Mariza. As Novas Famílias: Relações Poliafetivas. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 137-156, 1º Trimestre de 2014. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044. 142 Dispõe o artigo 1.513 do Código Civil que “é defeso a qualquer pessoa de direito público ou direito privado interferir na comunhão de vida instituída pela família”. Funda-se, assim, na consagração do princípio da liberdade ou da não- intervenção na esfera do Direito de Família. A liberdade e a igualdade, conjuntamente, foram os primeiros a serem reconhecidos como direitos humanos fundamentais, integrando a primeira geração de direitos a garantir o respeito à dignidade da pessoa humana21. O princípio da liberdade ou da não-intervenção foi consagrado em sede constitucional, assegurando a todos a liberdade de escolher o seu par, seja do sexo que for, para poder constituir uma comunhão de vida familiar, seja pelo casamento ou por união estável, sem qualquer imposição ou restrição de pessoa jurídica de direito público ou privado, intervindo o Estado somente em sua competência de propiciar recursos para a garantia dos direitos das famílias22. Destarte, importante é ressaltar que, para sua melhor compreensão, este princípio deve ser analisado conjuntamente com outros princípios norteadores do Direito de Família. 1.1.4 Princípio da igualdade e respeito à diferença Encontra-se no princípio da igualdade um dos sustentáculos do Estado Democrático de Direito, sendo imprescindível que a lei em si considere todos igualmente, ressalvadas as desigualdades que devem ser sopesadas para prevalecer a igualdade material em detrimento da obtusa igualdade formal, estando intimamente ligada a ideia de Justiça23. Expresso no preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, tal princípio foi reafirmado em seu artigo 5º, quando enunciado que todos são iguais perante a lei, e também em seu artigo 226, § 5º, com o estabelecimento da igualdade no exercício dos direitos e deveres do homem e da mulher na sociedade conjugal24. 21 DIAS, Maria Berenice Dias. Manual de Direito de Famílias. p. 53. 22 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. p. 18. 23 DIAS, Maria Berenice Dias. Manual de Direito de Famílias. p. 54. 24 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. p. 20. SÁ, Camila Franchi de Souza; VIECILI, Mariza. As Novas Famílias: Relações Poliafetivas. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centrode Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 137-156, 1º Trimestre de 2014. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044. 143 Atendendo à ordem constitucional, o vigente Código Civil brasileiro consagrou o princípio da igualdade no âmbito do Direito de Família. A relação de igualdade entre os membros das relações familiares deve ser pautada pela solidariedade entre os mesmos, caracterizada pelo afeto e pelo amor25. Desta feita, encontrando respaldo neste princípio, é necessário reconhecer direitos àqueles que a lei ignora, ausentes de preconceitos e posturas discriminatórias, vinculando não apenas o legislador como também seu intérprete26. Assim, hoje não há mais que se falar em patriarcalismo ou hegemonia do poder marital e paterno, não havendo qualquer desigualdade de direitos e deveres entre os cônjuges, companheiros ou conviventes na direção da família. 1.1.5 Princípio do pluralismo das entidades familiares Desde a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil em 1988, as estruturas familiares adquiriram novas faces. Nas codificações anteriores, apenas o casamento merecia reconhecimento e proteção, sendo que os demais vínculos eram condenados à invisibilidade27. O princípio do pluralismo das entidades familiares surge a partir do momento em que o Estado passa a reconhecer a existência de várias possibilidades de arranjos familiares além das uniões matrimonializadas, as quais deixam de ser a única base da sociedade, aumentando-se, assim, o espectro da família28. Nessa senda, tem-se a explanação de Francisco José Ferreira Muniz29: A família à margem do casamento é uma formação social merecedora de tutela Constitucional porque apresenta as condições de sentimento da personalidade de seus membros e à execução da tarefa de educação dos filhos. As formas de vida familiar à margem dos quadros legais revelam não ser essencial o nexo família- matrimônio: a família não se funda necessariamente no casamento, o que significa que casamento e família são para a Constituição realidades distintas, a Constituição apreende família por seu aspecto social (família sociológica). E do ponto de vista sociológico inexiste um conceito unitário de família 25 DIAS, Maria Berenice Dias. Manual de Direito de Famílias. p. 55. 26 DIAS, Maria Berenice Dias. Manual de Direito de Famílias. p. 55. 27 DIAS, Maria Berenice Dias. Manual de Direito de Famílias. p. 57. 28 DIAS, Maria Berenice Dias. Manual de Direito de Famílias. p. 57. 29 MUNIZ, Francisco José Ferreira. In: Teixeira, 1993:77. Apud. VENOSA, Sílvio de Salvo Venosa. Direito Civil: Direito de Família. p. 16. SÁ, Camila Franchi de Souza; VIECILI, Mariza. As Novas Famílias: Relações Poliafetivas. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 137-156, 1º Trimestre de 2014. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044. 144 Apesar do reconhecimento dessa múltipla existência, esses novos arranjos, como a família monoparental, ainda não estão disciplinados em nosso ordenamento, em que pese o novo Código Civil contemplar, em alguns artigos, a união estável30. Entretanto, mesmo que todas as novas formas de entidades familiares não estejam ainda previstas em nosso ordenamento jurídico, negar-lhes reconhecimento seria fechar os olhos às exigências da constante mudança social da humanidade. 2 FAMÍLIA E SOCIEDADE No Direito romano, o termo “família” exprimia a reunião de pessoas colocadas sob o poder familiar ou o mando de um único chefe – o pater famílias -, que era o chefe sob cujas ordens se encontravam os descendentes e a mulher, a qual era considerada em condição análoga a uma filha31. No sentido estrito atual, a família apresenta-se constituída pelos pais e filhos, dotada de certa unidade de relações jurídicas, com idêntico nome e o mesmo domicílio ou residência, formando-se uma junção de interesses materiais e morais. 32 Já no sentido amplo, a família diz respeito aos membros unidos pelo laço sanguíneo, constituída pelos pais e filhos, neste incluídos os ilegítimos ou naturais e os adotados, bem como os parentes colaterais até determinado grau, como tios, sobrinhos, primos; e os parentes por afinidade, sogros, genro, nora e cunhados.33 Tentando conceituar a família atual, expõe Maria Berenice Dias34 o seu entendimento: “O novo modelo de família funda-se sobre os pilares da repersonalização, da afetividade, da pluralidade e do eudemonismo, impingindo nova roupagem axiológica ao Direito de Família”. No curso do tempo, a família, como instituição, tem sofrido modificações e adotado diferentes formas de organização social e jurídica. No Brasil, atualmente, há 30 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. p. 20. 31 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. p. 10. 32 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. p. 10. 33 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. p. 10. 34 DIAS, Maria Berenice Dias. Manual de Direito de Famílias. p. 39. SÁ, Camila Franchi de Souza; VIECILI, Mariza. As Novas Famílias: Relações Poliafetivas. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 137-156, 1º Trimestre de 2014. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044. 145 duas formas de estabelecimento de família do ponto de vista jurídico: o casamento e a união estável. Isso, sem considerar as demais formas de entidade familiar.35 Não há como negar as profundas modificações que vem sofrendo o seio familiar, afastando o conceito e a visão de família adotada pelos direitos romano, canônico e luso-espanhol.36 No atual ordenamento jurídico brasileiro, a família é tão importante para o Direito que, tanto o Código Civil de 191637 trazia, quanto o Código de 200238 traz, na Parte Especial, um Livro destinado a normatização do Direito de Família.39 Deste modo, destaca-se a importância do estudo de algumas formas de constituição das unidades familiares. 2.1 Noções acerca do casamento Entendem a maioria dos doutrinadores e juristas ser o casamento a mais importante das instituições de Direito Privado, vez que o Livro do Código Civil que trata do Direito das Famílias menciona que esta só pode começar pelo casamento, evidenciando a preocupação do legislador com a família matrimonializada.40 Para alguns, seria o casamento o fundamento da sociedade, a base da moralidade pública e privada. Para outros, o casamento seria uma relação ética.41 Acerca do conceito do casamento, leciona Maria Helena Diniz42: “O casamento é o vínculo jurídico entre o homem e a mulher que visa a auxílio mútuo material e espiritual, de modo que haja uma integração fisiopsíquica e a constituição de uma família.” Sabe-se que, recentemente, a Corregedoria Geral de Justiça de Santa Catarina autorizou a formalização da união civil entre pessoas do mesmo sexo. 35 CEZAR-FERREIRA, Verônica A. da Motta. Família, separação e mediação: uma visão psicojurídica. 2. ed. São Paulo: Editora Método, 2007. p. 52. 36 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. p. 14. 37 Lei 3.071 de 1º de janeiro de 1916. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm. Acesso em: 22 de maio de 2013. 38 Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em 22 de maio de 2013. 39 CEZAR-FERREIRA, Verônica A. da Motta. Família, separação e mediação: uma visão psicojurídica. p. 52. 40 DIAS, Maria Berenice Dias. Manual de Direito de Famílias. p. 128. 41 DIAS, Maria Berenice Dias. Manual de Direito de Famílias. p. 128. 42 DINIZ,Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. p. 36. SÁ, Camila Franchi de Souza; VIECILI, Mariza. As Novas Famílias: Relações Poliafetivas. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 137-156, 1º Trimestre de 2014. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044. 146 Nesse mesmo sentido, importante ressaltar ainda que o Conselho Nacional de Justiça corroborou esse entendimento, consoante a edição da Resolução 175, de 14 de maio de 2013, a qual dispõe em seu artigo 1º, in verbis: “é vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo”.43 Assim, não há mais que se falar em vínculo jurídico entre homem e mulher, e sim entre pessoas do mesmo sexo ou de sexos opostos. Como fins do matrimônio, tem-se a instituição da família matrimonial, a procriação dos filhos, a legalização das relações sexuais entre os cônjuges, a prestação do auxílio mútuo, o estabelecimento de deveres patrimoniais entre os cônjuges, a educação da prole, a atribuição do nome ao cônjuge, entre outros.44 Quanto sua natureza jurídica, vasta é a discussão acerca do tema. Seria o casamento um contrato, uma instituição ou um ato complexo, concomitantemente um contrato em sua formação e uma instituição em seu conteúdo? Para a construção do presente artigo, importante é seu reconhecimento como instituição social, sendo oposto à ideia de mero contrato, pois considerá-lo como tal seria equipará-lo a uma venda ou uma sociedade, colocando sem segundo plano seus nobres fins.45 Ainda, ressalta-se que, embora o Estado admita duas formas de casamento - o civil e o religioso -, ainda que haja duplicidade de formas, será regido apenas pelo Código Civil, o qual irá regular os requisitos de validade, os efeitos do casamento e sua dissolução46. Para finalizar essa breve explicação acerca do casamento, importante é destacar que possui o casamento civil requisitos rígidos a serem observados como condições necessárias a sua existência, validade e regularidade, tais como celebração na forma prevista em lei, consentimento dos nubentes, condições 43 BUENO, Octávio Ginez de Almeida. O casamento homoafetivo e a Resolução nº 175/2013 do Conselho Nacional de Justiça: efetivação dos direitos da pessoa humana. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/24504/o-casamento-homoafetivo-e-a-resolucao-no-175-2013-do-conselho-nacional-de- justica-efetivacao-dos-direitos-da-pessoa-humana/1. Acesso em 22 de maio de 2013. 44 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. p. 36-38. 45 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. p. 40 46 DIAS, Maria Berenice Dias. Manual de Direito de Famílias. p. 131. SÁ, Camila Franchi de Souza; VIECILI, Mariza. As Novas Famílias: Relações Poliafetivas. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 137-156, 1º Trimestre de 2014. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044. 147 naturais de aptidão física e intelectual, condições de ordem moral e social, celebração por autoridade competente e observância de formalidades legais47. Pela análise de todo o contexto, certo é que a figura do matrimônio teve e tem suma importância na regulação das uniões conjugais, principalmente na questão dos direitos e deveres dos cônjuges. 2.2 Noções acerca da união estável Ao matrimônio contrapõe-se o companheirismo, sendo este uma união livre e estável de pessoas de sexos diferentes ou de mesmo sexo, as quais não estão ligadas entre si por casamento civil.48 Acerca da definição de união estável, doutrina Rizzardo49: É uma união sem maiores solenidades ou oficialização pelo Estado, não se submetendo a um compromisso ritual e nem se registrando em órgão próprio. Está-se diante do que se convencionou denominar união estável, ou união livre, ou estado de casado, ou concubinato, expressões que envolvem a convivência, a participação de esforços, a vida em comum, a recíproca entrega de um para o outro, ou seja, a exclusividade não oficializada entre homem e a mulher. Importante destacar que suas características estão descritas no Código Civil, quais sejam: convivência pública, contínua e duradoura estabelecida com o objetivo de constituição de família.50 Desta feita, corroborando com o exposto acima, poder-se-ia destacar cinco requisitos para sua caracterização: a) objetivo de constituir família; b) convivência duradoura; c) convivência contínua; d) convivência pública e, e) desimpedimento.51 Apesar de a lei não exigir decurso de lapso temporal mínimo para a caracterização da união estável, a relação não deve ser efêmera, circunstancial, mas sim prolongada no tempo, residindo, assim, a durabilidade e a continuidade.52 47 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. p. 51-63. 48 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. p. 354. 49 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. p. 813. 50 Art. 1.723 do Código Civil. 51 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil, família, sucessões. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 143. 52 DIAS, Maria Berenice Dias. Manual de Direito de Famílias. p. 131. SÁ, Camila Franchi de Souza; VIECILI, Mariza. As Novas Famílias: Relações Poliafetivas. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 137-156, 1º Trimestre de 2014. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044. 148 Com seguridade, pode-se afirmar que a união estável inicia de um vínculo afetivo, cujo objetivo principal é a constituição da família, criando deveres e direitos entre os companheiros.53 Enquanto no casamento são impostos os deveres de fidelidade recíproca, vida em comum no domicílio conjugal e mútua assistência, na união estável são estabelecidos deveres de lealdade, respeito e assistência, tendo em comum a obrigação de guarda, sustento e educação dos filhos.54 A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 não pôde desconhecer a criação desta nova entidade familiar, tendo, inclusive, assegurado sua proteção pelo Estado em seu art. 226, §3º, demonstrando a clara necessidade do legislador em regulamentar as novas famílias que surgem com o decorrer do tempo. 2.3 Noções acerca da união livre A união livre caracteriza-se por possuir um alcance maior, compreendendo todo relacionamento sexual e afetivo de pessoas, sem interessar se estão ou não impedidas de casar.55 Nas palavras de Fábio Ulhoa Coelho56: As uniões livres correspondem aos vínculos de conjugalidade destinados à formação de família, estabelecidos entre sujeitos que não podem casar-se, nem constituir união estável. Compreendem, por exemplo, as relações não exclusivas e as vinculantes de parentes afins em linha reta. A união livre é uma espécie de concubinato. A união livre distingue-se do concubinato em geral porque nela encontra-se sempre o affectio maritalis, ou seja, a vontade de constituir família, característica esta ausente nas relações concubinárias. 57 Os compromissos nessas relações por vezes são menores, vez que os parceiros não dão à exclusividade sexual a mesma importância que a maioria das pessoas. Mesmo nesse caso, todavia, a união livre não pode ser considerada uma 53 DIAS, Maria Berenice Dias. Manual de Direito de Famílias. p. 150. 54 DIAS, Maria Berenice Dias. Manual de Direito de Famílias. p. 153. 55 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. p. 822. 56 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil, família, sucessões. 4 ed. São Paulo:Saraiva, 2011. p. 151- 152. 57 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil, família, sucessões. p. 152. SÁ, Camila Franchi de Souza; VIECILI, Mariza. As Novas Famílias: Relações Poliafetivas. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 137-156, 1º Trimestre de 2014. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044. 149 relação descompromissada, pois assim como em qualquer outra família, estão presentes o afeto, os cuidados, a atenção, a mútua ajuda e companheirismo.58 Vislumbra-se assim a tendência que, cedo ou tarde, sejam as uniões livres regulamentadas e protegidas pelo Estado, haja vista a quantidade de famílias que dela nascem. 2.4 As relações poliafetivas: o poliamorismo No segundo semestre do ano de 2012, na cidade de Tupã, no Estado de São Paulo, foi registrada uma união de um trio formado por um homem e duas mulheres, os quais já viviam juntos há mais de três anos. A tabeliã de Notas e Protestos, Cláudia do Nascimento Rodrigues, realizou o que se pode considerar como a primeira escritura que trata acerca de uniões poliafetivas no Brasil.59 Embora essa notícia tenha chocado boa parte da população brasileira, vale salientar que não é apenas o trio de Tupã que vive o que se chama atualmente de poliamorismo, como também muitas outras famílias vivem a mesma situação na clandestinidade. O conceito de poliamorismo é trazido pelo juiz e professor Pablo Stolze Gagliano60: O poliamorismo ou poliamor, teoria psicológica que começa a descortinar-se para o Direito, admite a possibilidade de coexistirem duas ou mais relações afetivas paralelas, em que os seus partícipes conhecem e aceitam uns aos outros, em uma relação múltipla e aberta. Denota-se que a sociedade brasileira, apesar do influxo cultural poligâmico histórico que possui em sua bagagem, não optou pela forma poligâmica de família, sendo a monogamia um valor socialmente consolidado e historicamente construído.61 58 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil, família, sucessões. p. 152. 59 TARTUCE, Flávio. Escritura reconhece união afetiva a três. Disponível em: <http://professorflaviotartuce.blogspot.com.br/2012/08/escritura-publica-de-tupa-reconhece.html>. Acesso em: 21 maio 2013. 60 PIOLI, Roberta Raphaelli. O poliamorismo e a possibilidade de união poliafetiva. Disponível em: <http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/artigos/58182/o+poliamorismo+e+a+possibilidade+de+uniao+poliaf etiva.shtml>. Acesso em: 22 maio 2013. 61 SIMÃO, José Fernando. Poligamia, Casamento Homoafetivo Escritura Pública e Dano Social: Uma Reflexão Necessária. Disponível em: <http://www.idb-fdul.com/uploaded/files/2013_01_00821_00836.pdf>. Acesso em: 22 maio 2013. SÁ, Camila Franchi de Souza; VIECILI, Mariza. As Novas Famílias: Relações Poliafetivas. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 137-156, 1º Trimestre de 2014. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044. 150 Acerca da monogamia, discorre a psicóloga Noely Montes Moraes62: A etologia (estudo do comportamento animal), a biologia e a genética não confirmam a monogamia como padrão dominante nas espécies, incluindo a humana. E, apesar de não ser uma realidade bem recebida por grande parte da sociedade ocidental, as pessoas podem amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo. As opiniões dos juristas divergem quanto à aceitação dessas novas uniões, principalmente quanto ao seu alcance jurídico e seus efeitos, chegando ao ponto de classificarem a expressão poliamorismo como um estelionato jurídico.63 Como já discorrido acima, após a promulgação da Constituição de 1988, o Direito de Família vem passando por inúmeras mudanças de paradigmas, trazendo como princípio norteador das unidades familiares o afeto. Para melhor compreender as relações poliafetivas, fundadas principalmente no princípio da afetividade, pode-se fazer uma comparação com outras famílias introduzidas em nossa sociedade, como a família monoparental, a família anaparental, a família mosaico, a família unipessoal e a união estável, e agora sem distinção entre relações de pessoas do mesmo sexo ou de sexos diferentes.64 Todas essas novas famílias, as quais possuem sua base no afeto entre os companheiros, encontram respaldo nos princípios da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da igualdade e da pluralidade das entidades familiares. Ressaltando os princípios supramencionados, ao se tratar de relações poliafetivas, cumpre destacar que os mesmos fundamentos utilizados pelo Supremo Tribunal Federal para conceder às uniões homoafetivas o status de entidades familiares encontram-se presentes nestas relações, quais sejam: a) proibição da discriminação; b) direitos fundamentais do indivíduo e autonomia da vontade; c) proibição do preconceito; d) silêncio normativo; e) princípio da dignidade da pessoa humana; f) interpretação não 62 GAGLIANO, Pablo Stolze. Direitos da(o) amante – na teoria e na prática (dos Tribunais). Disponível em: <http://ww3.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20080715091906969&mode=print>. Acesso em: 22 maio 2013. 63 SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Tentativa inútil de institucionalizar a Poligamia no Brasil. Disponível em: <http://www.reginabeatriz.com.br/escritorio/noticias/noticia.aspx?id=340>. Acesso em: 22 maio 2013. 64 LEITÃO, Fernanda de Freitas. União poliafetiva. Por que não? Disponível em: <http://www.anoregrj.com.br/noticias/111-uniao-poliafetiva-por-que-nao>. Acesso em: 22 maio 2013. SÁ, Camila Franchi de Souza; VIECILI, Mariza. As Novas Famílias: Relações Poliafetivas. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 137-156, 1º Trimestre de 2014. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044. 151 reducionista ou ortodoxa do conceito de família e; g) interpretação do artigo 1.723, do Código Civil, conforme a Constituição da República. 65 Por ora, chega-se a uma breve e clarividente conclusão: o conceito de família, em seu contexto atual, não pode mais ser considerado como algo estático, estando em constante modificação. 3 AS RELAÇÕES POLIAFETIVAS E OS INSTITUTOS JURÍDICOS De suma importância é o estudo das relações poliafetivas á luz da Constituição da República Federativa do Brasil, do Código Civil e do Código Penal66, discorrendo os ‘porquês’ das divergências de opiniões acerca do tema e compreendendo o motivo de serem elas novas famílias, as quais devem receber a proteção do Estado. 3.1 Relações poliafetivas: o que expressa a Constituição brasileira? Primeiramente, cumpre salientar que não há proibição ou sanção expressa na Constituição Federal no tocante a união de três ou mais pessoas, tratando-se de um silêncio normativo. Logo, não há que se falar em vedação constitucional ou possível inconstitucionalidade, vez que a relação poliafetiva não se confunde com a união paralela, haja vista ser celebrada diante da vontade plúrima de suas partes.67 Importante, novamente, é fazer menção ao artigo 226, §3º da Constituição Federal, o qual dispõe: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.” Embora o texto constitucional fale em diversidade de sexo e monogamia, já se tem, recentemente, inúmeros reconhecimentos de uniões estáveis e casamentos civis de pessoas do mesmo sexo, o que leva a crer que, futuramente, também 65 LEITÃO, Fernanda de Freitas. União poliafetiva. Porque não? Disponível em: <http://www.anoregrj.com.br/noticias/111-uniao-poliafetiva-por-que-nao>.Acesso em: 22 maio 2013. 66 Decreto-Lei n. 2.848 de 7 de dezembro de 1949. Disponível em: http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=102343. Acesso em: 22 de maio de 2013. 67 OLIVEIRA, Samuel Menezes. Seria constitucional a “novíssima” União Poliafetiva? Disponível em: <http://www.sumarissimo.com/2012/09/seria-constitucional-novissima-uniao.html>. Acesso em: 22 maio 2013. SÁ, Camila Franchi de Souza; VIECILI, Mariza. As Novas Famílias: Relações Poliafetivas. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 137-156, 1º Trimestre de 2014. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044. 152 haverá uma decisão acerca das famílias que adotaram o poliamorismo como forma de entidade familiar. Destaca-se que essas unidades familiares possuem fins idênticos aos estabelecidos no casamento e na união estável, visando à constituição da família, à obtenção de direitos e deveres recíprocos, mútua assistência, lealdade, respeito, fidelidade, vida em comum no domicílio conjugal e obrigação de guarda, sustento e educação dos filhos.68 Entretanto, quando o assunto é o dever de fidelidade entre os companheiros, encontra-se uma imensa polêmica. Pois bem, podem os companheiros, sejam eles três, quatro ou cinco, serem fiéis uns aos outros, enquanto pode haver uma unidade familiar, socialmente aceita, composta pelo homem e a mulher, em que um deles, ou mesmo os dois não retratam o dever de fidelidade. Não obstante toda a discussão que o tema traz, quem decidirá se as relações poliafetivas serão ou não amparadas pelo Estado e elevadas a status de unidades familiares, será provavelmente, e muito em breve, o Supremo Tribunal Federal. 3.2 O Código Civil e o poliamorismo Sustentam alguns juristas que o vigente Código Civil prevê a mais dura sanção reconhecida pelo ordenamento em ocorrendo o casamento bígamo: a nulidade absoluta do segundo casamento contraído (arts. 1521,VI e 1548 do CC).69 Assim, seria nula a união matrimonial de mais de duas pessoas, visto que somente a primeira união é reconhecida pela legislação. A grande questão, no tocante as relações poliafetivas e o vigente Código Civil, a qual faz com que tal argumento caia por terra, é que a relação poliamorosa não se trata de casamento bígamo, mas de uma união estável de mais de duas pessoas, em que todas elas possuem o mesmo animus: criar uma unidade familiar. 68 OLIVEIRA, Samuel Menezes. Seria constitucional a “novíssima” União Poliafetiva? Disponível em: <http://www.sumarissimo.com/2012/09/seria-constitucional-novissima-uniao.html>. Acesso em: 22 maio 2013. 69 SIMÃO, José Fernando. Poligamia, Casamento Homoafetivo Escritura Pública e Dano Social: Uma Reflexão Necessária. Disponível em: <http://www.idb-fdul.com/uploaded/files/2013_01_00821_00836.pdf>. Acesso em: 22 maio 2013. SÁ, Camila Franchi de Souza; VIECILI, Mariza. As Novas Famílias: Relações Poliafetivas. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 137-156, 1º Trimestre de 2014. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044. 153 Nesta linha de raciocínio, qualquer grupo pode fazer uma união como esta (um homem e duas mulheres, uma mulher e dois homens, três homens, três mulheres, etc.), desde que respeitados alguns pressupostos contidos no art. 1.723, do nosso Código Civil, como, por exemplo: ser pública, ser contínua, ser duradoura, apresentar objetivo de constituir família e não apresentar impedimentos matrimoniais.70 Quanto à validade da escritura que reconhece esse tipo de união, caberá aos magistrados analisar todo seu contexto fático, a fim de assegurar os direitos de todos os companheiros, caso sejam comprovados os pressupostos acima. Agora, pode-se afastar de primeiro plano a hipótese de que tal escritura seria nula nos moldes do artigo 166 do Código Civil, por motivo ilícito e por fraudar norma imperativa que proíbe uniões formais ou informais poligâmicas.71 Novamente, não há que se confundir as relações poliafetivas com o concubinato, com as relações paralelas ou até mesmo com a bigamia, pois, frisa-se, não existe proibição legal alguma instituída no ordenamento jurídico brasileiro. 3.3 A bigamia no Código Penal O crime de bigamia, previsto no Título VII, Capítulo I do Código Penal, é considerado como um crime contra o casamento, haja vista o que dispõe o artigo 235 do Código Penal, in verbis: Art. 225 - Contrair alguém, sendo casado, novo casamento: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. § 1º - Aquele que, não sendo casado, contrai casamento com pessoa casada, conhecendo essa circunstância, é punido com reclusão ou detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos. § 2º - Anulado por qualquer motivo o primeiro casamento, ou o outro por motivo que não a bigamia, considera-se inexistente o crime. São elementos que integram o tipo penal do delito supramencionado: a) a conduta de contrair novo casamento; b) ser o agente já casado.72 70 LEITÃO, Fernanda de Freitas. União poliafetiva. Por que não? Disponível em: <http://www.anoregrj.com.br/noticias/111-uniao-poliafetiva-por-que-nao>. Acesso em: 22 maio 2013. 71 SIMÃO, José Fernando. Poligamia, Casamento Homoafetivo Escritura Pública e Dano Social: Uma Reflexão Necessária. Disponível em: <http://www.idb-fdul.com/uploaded/files/2013_01_00821_00836.pdf>. Acesso em: 22 maio 2013. 72 GRECO, Rogério. Código Penal: comentado. 5 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011.p. 715. SÁ, Camila Franchi de Souza; VIECILI, Mariza. As Novas Famílias: Relações Poliafetivas. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 137-156, 1º Trimestre de 2014. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044. 154 Nota-se, assim, que o núcleo ‘contrair’ tem significado de formalizar oficialmente um novo casamento, sendo o agente já casado. 73 Acerca do tema, leciona Nucci74: “Por isso, não se pode falar em bigamia quando o agente, por exemplo, mantinha anteriormente com alguém união estável, mesmo que dessa relação tenha advindo filhos.” Para a consumação do crime de bigamia, o bem juridicamente protegido é a instituição do matrimônio, relativa ao casamento monogâmico, buscando-se também proteger a família.75 Ora, se o agente deve ser casado para que sofra as sanções trazidas pela lei penal, afasta-se de vez, a alegação que as relações poliafetivas constituem afronta a monogamia e consequente crime de bigamia. CONSIDERAÇÕES FINAIS Por ora, é certo que a evolução do Direito de Família encontra-se intimamente relacionada à evolução da sociedade e consequentemente das entidades familiares. Com o reconhecimento da união estável entre três pessoas, na cidade de Tupã, localizada no Estado de São Paulo, a notícia repercutiu pelos meios de comunicação e redes sociais como uma afronta à moral e aos bons costumes, sendo então apelidada carinhosamente de relação poliafetiva. Como o próprio nome traz, as relações poliafetivas possuem sua base no afeto entre os companheiros, no respeito às diferenças e na efetivação da dignidade da pessoa humana. Neste momento encontra-se o mundo jurídico dividido quanto ao assunto: alguns consideram as relações poliafetivas como um estelionato jurídico, um concubinato adulterino, enquanto para outros seria a manifestação de vontade firmada por indivíduos buscando sua realização pessoal. A grande questão levantada é: as relações poliafetivas confrontam a legislação pátria? Percebe-se que,no atual ordenamento jurídico brasileiro não existe norma que regulamente esse tipo de relação, tampouco existem normas proibindo a criação dessas novas famílias. Argumentar que os indivíduos que 73 GRECO, Rogério. Código Penal: comentado. p. 715. 74 GRECO, Rogério. Código Penal: comentado. p. 715. 75 GRECO, Rogério. Código Penal: comentado. p. 716. SÁ, Camila Franchi de Souza; VIECILI, Mariza. As Novas Famílias: Relações Poliafetivas. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 137-156, 1º Trimestre de 2014. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044. 155 mantêm uma relação poliafetiva estariam afrontando a Constituição, o Código Civil e o Código Penal, por si só, não basta. Assim como no reconhecimento das uniões estáveis e na possibilidade de casamento civil para pessoas do mesmo sexo, certo é que a diferença tem de ser respeitada, devendo o Estado proteger e acautelar os indivíduos que escolheram oficializar uma união poliafetiva, devido a seus efeitos - como qualquer outra instituição familiar - no âmbito jurídico. REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS BUENO, Octávio Ginez de Almeida. O casamento homoafetivo e a Resolução nº 175/2013 do Conselho Nacional de Justiça: efetivação dos direitos da pessoa humana. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/24504/o-casamento-homoafetivo-e- a-resolucao-no-175-2013-do-conselho-nacional-de-justica-efetivacao-dos-direitos- da-pessoa-humana/1. Acesso em 22 de maio de 2013. CEZAR-FERREIRA, Verônica A. da Motta. Família, separação e mediação: uma visão psicojurídica. São Paulo: Método, 2007. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil, família, sucessões. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 22 de maio de 2013. Decreto-Lei n. 2.848 de 7 de dezembro de 1949. Disponível em: http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=102343. Acesso em: 22 de maio de 2013. DIAS, Maria Berenice Dias. Manual de Direito das Famílias. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 22. ed. São Paulo, Saraiva, 2007. GAGLIANO, Pablo Stolze. Direitos da(o) amante – na teoria e na prática (dos Tribunais). Disponível em: <http://ww3.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20080715091906969&mode=pri nt>. Acesso em: 22 maio 2013. GRECO, Rogério. Código Penal: comentado. 5 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011. Lei 3.071 de 1º de janeiro de 1916. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm. Acesso em: 22 de maio de 2013. SÁ, Camila Franchi de Souza; VIECILI, Mariza. As Novas Famílias: Relações Poliafetivas. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 5, n.1, p. 137-156, 1º Trimestre de 2014. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044. 156 Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em 22 de maio de 2013. LEITÃO, Fernanda de Freitas. União poliafetiva. Por que não? Disponível em: <http://www.anoregrj.com.br/noticias/111-uniao-poliafetiva-por-que-nao>. Acesso em: 22 maio 2013. OLIVEIRA, Samuel Menezes. Seria constitucional a “novíssima” União Poliafetiva? Disponível em: <http://www.sumarissimo.com/2012/09/seria- constitucional-novissima-uniao.html>. Acesso em: 22 maio 2013. PIOLI, Roberta Raphaelli. O poliamorismo e a possibilidade de união poliafetiva. 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