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Teorias na psicologia social

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Teorias na psicologia social
	Uma vez que aderimos ao argumento sistematista, temos alguma clareza não só acerca do que existe, como também sobre como estes entes podem ser estudados. Entretanto, estaríamos em uma situação bem mais confortável se contássemos na psicologia social com uma posição teórica unificadora ou paradigmática. Existiria este modelo teórico unificador na psicologia social ? Acreditamos que não, sobretudo porque nesta disciplina, assim como nas demais áreas da psicologia, encontramos modelos distintos de ciências, que por sua vez, oferecem perspectivas absolutamente diferentes a respeito do estudo do comportamento social humano. Isto nos obriga a discorrer brevemente sobre dois destes modelos, o naturalista e o hermenêutico, para que possamos colocar em evidência as relações que eles estabelecem com dois conceitos decisivos em duas concepções teóricas das mais significativas da psicologia social deste final de milênio.
Abordagens naturalista e hermenêutica 
	Procurar imitar as ciências mais desenvolvidas parece ter sido uma característica predominante, pelo menos durante os passos iniciais, de muitas disciplinas científicas. O caso da psicologia não foi muito diferente, o que pode ser explicado pela forte influência nela exercida pelo positivismo lógico. A idéia central desse movimento se assentava na procura de uma ciência unificada, idéia essa que se sustentava na suposição da existência de três planos distintos, o cultural, o psicológico e o físico, bem como a aceitação concomitante da suposição de que os objetos científicos situados no plano cultural poderiam ser reduzidos ao plano psicológico, enquanto estes, em última instância, deveriam ser explicados através dos princípios provenientes das ciências físicas. Assim concebido, este movimento deveria ser caracterizado como monista (pois defende a idéia de uma ciência unificada), reducionista (uma vez que admite o pressuposto de que qualquer consideração científica deve ser efetuada de acordo com conceitos apropriados para o tratamento de níveis elementares de análise) e fisicalista (quando admite o ponto de vista de que os objetos culturais e psicológicos devem ser analiticamente reduzidos a conceitos oriundos das ciências físicas). Se, afinal, a física deveria servir como modelo inspirador para o desenvolvimento da psicologia, a esta disciplina não restaria outra alternativa a não ser enfatizar as definições operacionais, os procedimentos analíticos, a busca de relações antecedente-conseqüente como base para a inferência de causalidade e a descoberta das leis universais que regem o comportamento (Altman, 1987).
	A orientação naturalística ou nomotética da psicologia, derivada do positivismo lógico, ostenta como preocupação central a enunciação de proposições genéricas, expressas sob a forma de leis, capazes de afirmar a existência de relações não-contingenciais entre dois tipos de variáveis: as independentes e as dependentes. Ao contrário de uma afirmação bastante comum, não se trata da simples constatação de fatos empíricos, mas de identificar as relações necessárias que se estabelecem entre as condições antecedentes e os efeitos manifestos. Para o psicólogo alemão Klaus Holzkamp (1977), pode-se entender a metodologia da pesquisa empírica, realizada de acordo com a orientação naturalista, desde que esta seja compreendida como uma espécie de análise das condições, onde o objetivo essencial deve ser - excluídas ou controladas as variáveis intervenientes ou espúrias capazes de interferir na resposta esperada - o de estabelecer os vínculos entre os eventos antecedentes e os conseqüentes, vínculos estes expressos sob uma forma condicional, em que se deve procurar determinar as condições consideradas responsáveis pela produção dos eventos. Assim, a suposição básica da orientação naturalista sugere que se forem eliminadas ou controladas as variáveis estranhas capazes de interferir nos resultados esperados e se for possível estabelecer o controle das condições iniciais de pesquisa, através dos delineamentos corretos, dos procedimentos estatísticos apropriados e da aleatorização, pode-se esperar alguma validade dos argumentos nomotéticos.
	Convém assinalar que muitos autores demonstram insatisfação com essa concepção de que as ciências menos desenvolvidas deveriam adotar os métodos daquelas que apresentam melhores resultados. A história da psicologia, desde a sua origem, parece indicar a aceitação dessa hipótese, embora atualmente os psicólogos com muita freqüência se perguntem se de fato os métodos das ciências naturais, mesmo que modificados e adaptados para atender às exigências particulares de outras ciências, podem ser adotados em disciplinas tão diferentes como a psicologia ou a sociologia. Muitos consideram que essa hipótese deva ser rejeitada em definitivo, pois a concepção unitária de ciência que ela supõe teria muito pouco espaço em uma disciplina como a psicologia, na medida em que parece irreal, ou mesmo indesejável, a procura de qualquer unidade, seja nos métodos, nos sistemas teóricos ou nas condições de formação dos psicólogos. Esta dificuldade torna-se ainda mais evidente quando se considera a presença na psicologia de conceitos tão diferentes entre si, tais como os de consciência, comportamento, inconsciente, intenção, mente ou auto-atualização (Koch, 1977).
	Para Holzkamp (op. cit.), a principal dificuldade do modelo naturalista reside no pressuposto antropológico implicitamente adotado pelos seus defensores, incompatível com o entendimento de que o ser humano possa ser livre e responsável. Ele observa que nas pesquisas experimentais realizadas com seres humanos, o sujeito experimental deve restringir as suas respostas estritamente às instruções apresentadas pelo experimentador. Entretanto, na medida em cada sujeito possui uma história de vida que lhe é própria e uma subjetividade que lhe é particular, ele se encontra perfeitamente em condições de estabelecer um diálogo em condições de igualdade com o pesquisador. Porém, isso não ocorre, pois o sujeito experimental, concebido como um simples organismo, é convidado a se comportar como tal, anulando tanto a sua história de vida quanto a sua subjetividade, não lhe restando outra alternativa a não ser a de se comportar de acordo com o prescrito pelo investigador. Decorre daí a suposição de que a concepção de homem adotada pela abordagem naturalista seja insuficiente e restrita, pois mesmo se comportando no mundo como homem e tendo amplas condições de fazê-lo no ambiente do laboratório, ao sujeito experimental não resta outra alternativa a não ser se comportar no ambiente experimental como um organismo. Dessa forma, qualquer psicólogo com uma orientação metacientífica distinta sentirá muita dificuldade em aceitar a generalização dos resultados obtidos no estudo do comportamento animal para o comportamento humano, pois os ratos são de fato organismos, enquanto o homem, apenas na situação experimental, pode assim ser considerado. Antropologicamente falando, ele argumenta que o homem não poderia ser assimilado a um organismo e, ao considerá-lo assim, a orientação naturalista cometeria um vício de raciocínio, pois ao levar em consideração apenas os dados organísmicos, inevitavelmente só consegue obter dados comportamentais dessa ordem. A crítica à psicologia experimental exige que esta abandone em definitivo qualquer pretensão em fazer afirmações sobre eventos que seriam válidos "sempre e em qualquer lugar" como fazem as ciências naturais e se limite ao enunciado de afirmações restritas a respeito de grupos de pessoas que vivem em determinadas condições históricas.
	Parece aceitável, portanto, a afirmação de que parte dos problemas da psicologia reside na adoção de dois modelos distintos de ciência, um naturalista, que há muito tem apresentado bons resultados nas ciências naturais e um outro, considerado adequado às ciências sociais e humanas, e que se pretende qualitativamente distinto do modelo adotado nas ciências físicas. A transposição pura e simples
da abordagem naturalista para as ciências humanas não parece contar com o apoio de muitos especialistas em metaciência, que não vêem como compatibilizar um modelo no qual o objeto só pode ser observado e descrito a partir de uma instância externa, com um outro em que mais do que se descrever e explicar o objeto, procura-se estabelecer com este uma relação que pode ser considerada como intersubjetiva. Nesse caso, parece razoável estabelecer uma distinção entre os objetos de pesquisa científica com os quais o investigador pode dialogar e aqueles com os quais o diálogo não parece possível. Essa abordagem constitui a segunda escola de metaciência caracterizada por Radnitzky (op. cit.) e cujo interesse está mais voltado para as ciências sociais e humanas. 
	A neutralidade da ciência frente aos valores, embora defendida no contexto das ciências naturais, passa a ser fortemente atacada quando se penetra nos domínios das ciências humanas. Nesse caso, questões como a das relações entre a teoria e a prática, a do sentido e a das diretrizes de pesquisa, revelam-se com um renovado vigor, de modo que o espaço para a defesa de uma ciência axiologicamente neutra praticamente desaparece, favorecendo o surgimento de uma concepção metacientífica radicalmente distinta, onde a presença de componentes externos de natureza social, econômica, política etc, passam a ser levados em consideração, enquanto a idéia de neutralidade cede espaço para um ponto de vista que defende a busca de uma ciência crítica, voltada para a emancipação do indivíduo e da sociedade e na qual, em última instância, o interesse pela explicação e predição é suplantado pela procura do aperfeiçoamento, da autocompreensão e da compreensão do outro.
	A abordagem hermenêutica deriva-se da ciência da hermenêutica. Esta surge como a disciplina dedicada à elucidação dos textos, embora tal definição tenha se ampliado ao ponto de incluir a interpretação das ações humanas, desde que estas sejam concebidas como possuidoras de um significado oculto que é possível desvendar. Os defensores da abordagem hermenêutica defendem o ponto de vista de que a psicologia deve se dedicar à elucidação das ações significativas humanas em termos de seus propósitos e motivações subjacentes e não à formulação de leis gerais sobre o comportamento. As diferenças entre as abordagens naturalista e hermenêutica encontra uma formulação bastante clara no trabalho dos psicólogos ingleses Gauld e Shotter (1977). A abordagem naturalista seria determinista, utilizaria conceitos próximos aos das ciências físicas, tais como os de causa, previsão, controle, variáveis etc, suporia uma irredutibilidade absoluta entre sujeito e objeto, faria apelo a uma lei geral de cobertura para explicar as relações entre antecedentes e conseqüentes e buscaria enunciar proposições universais generalizáveis. A abordagem hermenêutica, por sua vez, consideraria o comportamento humano como uma ação produzida por um agente autônomo, faria o uso de conceitos como os de intenções, razões, motivos, propósitos etc, admitiria a possibilidade de se compreender a intenção de um agente mesmo na ausência de qualquer referência a uma lei geral e negaria a possibilidade de se enunciar leis universais na psicologia.
 	De acordo com o discutido anteriormente, parece evidente que a ciência idealizada pela tradição hermenêutica não corresponde claramente a uma ciência empírica, mas sim a uma ciência social compreensiva. Assim caracterizada, essa ciência deve estabelecer relações com uma filosofia política voltada para a emancipação do homem e da sociedade. Se na ciência natural o investigador, ao procurar verificar as suas hipóteses de trabalho, volta-se apenas para a comunidade de pesquisadores da qual faz parte, nas ciências humanas e sociais o investigador, o objeto de estudo e o público pertencem a uma mesma comunidade, para a qual o cientista deve contribuir no sentido de tornar o diálogo permanente, sendo o seu objetivo final contribuir para tornar a opinião pública esclarecida das condições em que vive. Ao contrário dos naturalistas, preocupados sobretudo com a precisão e a clareza, os autores vinculados à tradição hermenêutica voltam-se principalmente para o esclarecimento das relações entre a ciência e a sociedade, considerando principalmente o pressuposto de que as ciências humanas e sociais devem engendrar esforços no sentido de contribuir para a libertação dos indivíduos e para a emancipação da sociedade.	
	Apresentados os dois modelos de ciências que dispomos na psicologia social, acreditamos nos encontrar em condições de discutir duas concepções teóricas básicas atuais da psicologia social. Inicialmente, discutiremos a cognição social, a orientação teórica predominante na psicologia social norte-americana, e posteriormente discutiremos a representação social, um dos conceitos mais destacados da psicologia social européia.
A abordagem da cognição social
	Em certo sentido, parece razoável afirmar que a trajetória da psicologia social foi cercada por modismos. A década de 60 foi dominada pelas teorias da consonância cognitiva, a década de 70 pelas teorias atribuicionais da causalidade e as décadas de 80 e 90 pela teoria da cognição social. Mas como podemos caracterizar a cognição social ? As teorias da cognição social inserem-se dentro de uma perspectiva teórica que pode ser chamada de cognitivismo. O cognitivismo, por sua vez, depende da assunção de algumas premissas antropológicas, de forma que só seremos capazes de compreender rigorosamente o sentido da psicologia cognitivista se alcançarmos algum entendimento acerca da imagem de ser humano subjacente a esta matriz teórica. Penna (1993) sugere que a imagem de homem adotada pelos cognitivistas está assentada em algumas premissas básicas. Em primeiro lugar, parece aceitável supor que os cognitivistas valorizem o conceito de regra, supondo a existência, portanto, de crenças que orientem o comportamento. As regras devem ser situadas dentro de um contexto prospectivo, já que elas nos fornecem os indicadores para que possamos alcançar os objetivos e metas que planejamos. E, finalmente, os cognitivistas supõem que o ser humano, mais do que meramente reagir a estímulos presentes no ambiente físico e social, age de uma forma ativa e deliberada na busca daquilo que planejou. Em resumo, ao aceitarmos a matriz teórica cognitivista passamos a admitir que somos regidos por regras, que traçamos planos acerca dos nossos atos futuros e que agimos ativamente no sentido de vir a realizar tais planos. Além disso, os cognitivistas aceitam a premissa que o ser humano pode ser considerado racional, mas não sujeito de uma racionalidade plena, mas sim de uma forma de racionalidade que pode ser denominada de bounded ou mitigada.
	Partindo destas premissas antropológicos, poder-se-ia caracterizar a abordagem da cognição social a partir de alguns elementos decisivos (Hamilton, Devine e Ostrom, 1994). Em primeiro lugar, podemos dizer que a abordagem da cognição social centra os seus esforços na investigação direta das estruturas e processos cognitivos subjacentes aos vários fenômenos sociais. Em segundo lugar, os fenômenos que ocorrem no mundo social são interpretados seguindo-se uma estrutura conceitual centrada no modelo do processamento da informação. Em terceiro lugar, os teóricos da cognição social sustentam que os mesmos princípios que regem o processamento de informações aplicam-se tanto aos fenômenos do mundo físico quanto aos fenômenos do mundo social. Em quarto lugar, a cognição social deveria ser entendida como uma abordagem, e não como uma área de investigação voltada para o estudo de conteúdos específicos.
A representação social
	Na apresentação que fazem dos cenários e das tendências da psicologia social na atualidade, Collier, Minton e Reynolds (1996) apresentam a teoria da representação social como um dos marcos da orientação pós-modernista na psicologia social. A teoria da representação social encontra-se vinculada ao nome do psicólogo social francês
Serge Moscovici que definiu esta teoria como um “conjunto de conceitos, enunciados e explicações originados na vida cotidiana , durante o desenvolvimento das comunicações interindividuais” (Moscovici, 1981). Neste sentido, as representações sociais seriam o equivalente na sociedade moderna dos mitos e dos sistemas de crenças das sociedades tradicionais e seriam compostas por imagens e conceitos, onde as imagens refletiriam os objetos concretos do mundo exterior enquanto os conceitos representariam o pensamento e o raciocínio abstrato. As representações sociais constituir-se-iam a partir de dois processos: a fixação e a objetivização. Uma nova idéia seria fixada desde que fosse possível integrá-la em imagens familiares ou conceitos previamente existentes. Uma vez fixada, representação transformar-se-ia, através do processo de objetivização, em um objeto visual concreto, tornando-se algo tangível. 
	Denise Jodelet, procurando especificar melhor as representações sociais acaba por defini-las de acordo com um critério mais emancipatório que a definição apresentada por Moscovici. Ela concebe as representações sociais como “uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e compartilhada” (Jodelet, 1989), não sem enfatizar que neste conceito estariam envolvidos considerações de natureza prática, no sentido em que ela concorreria para a construção da realidade social. As representações sociais poderiam ser caracterizadas a partir de cinco critérios fundamentais: elas representariam sempre um objeto; envolveria uma imagem; teria uma caráter simbólico ou significante; teria um poder ativo e construtivo; teria um caráter autônomo e generativo (Oliveira e Werba, 1998) 
	As principais críticas levantadas contra o conceito de representação social se referem ao plano metodológico, centrando-se especialmente na suposição de que elas deveriam ser tratadas como uma espécie de conhecimento comunitário ou compartilhado, sem que se apresente qualquer indicação a respeito de como poder-se-ia definir este critério consensual.

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