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Maria_Eugenia_Duarte-O Papel da Socio

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O PAPEL DA SOCIOLINGUÍSTICA NO (RE)CONHECIMENTO DO
PORTUGUÊS BRASILEIRO E SUAS IMPLICAÇÕES PARA O ENSINO1
Maria Eugenia Lammoglia Duarte*
Resumo: este artigo apresenta algumas evidências de que as diferenças
entre fala e escrita no Brasil não se devem à natural distância que em geral
distingue as duas modalidades no que se refere ao maior ou menor grau de
planejamento. Essas diferenças caracterizam duas gramáticas: a da fala, fruto
do processo de aquisição da linguagem, com formas conservadoras e
inovadoras, consequência de mudanças naturais na história das línguas,
enquanto a da escrita é uma mistura de traços da gramática lusitana de fins
do século XIX, que serviu à codificação da norma escrita no Brasil, somada a
traços do português brasileiro que se implementam aos poucos na escrita,
substituindo ou competindo com formas conservadoras, e, finalmente,
algumas estruturas estranhas a ambas, certamente um subproduto da
contradição entre a gramática da fala e um modelo anacrônico de escrita.
Palavras-chave: gramática da fala; gramática da escrita; normas
anacrônicas; Sociolinguística e ensino.
Introdução
A chegada de Anthony Naro ao Brasil em inícios dos anos 1970 constitui
marco na introdução da Sociolinguística entre nós. Com sólida formação em
Linguística, particularmente Teoria Gerativa e Línguas em Contato, Naro foi
convencido por seus alunos de pós-graduação na Pontifícia Universidade do Rio de
Janeiro a dar um curso de Sociolinguística, tarefa que ele desempenhou com tanta
habilidade que muitos alunos foram imediatamente atraídos para a tarefa de
descrever o português brasileiro à luz do programa proposto por Weinreich, Labov
e Herzog (2006 [1968]), que além de oferecer um modelo teórico para o estudo da
mudança à luz de evidências empíricas, viria a desenvolver uma metodologia
apropriada para o tratamento estatístico da grandes amostras de dados. As primeiras
dissertações orientadas por Naro focalizaram alguns dos fenômenos morfossin-
táticos e fonético-fonológicos que viriam a abrir caminho para futuras pesquisas
que conduziriam a um melhor conhecimento do português brasileiro.
1 Este artigo reúne os principais pontos da aula inaugural do primeiro semestre de 2013 da
Faculdade de Letras da UFRJ.
* Professor Titular da Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro.
16 n Revista LETRA – Rio de Janeiro • 2013
Entre os primeiros trabalhos estão a cópia nas orações relativas (Mollica,
1977), a representação do acusativo anafórico (Omena, 1978) e o uso variável de
marcas de concordância nominal (Braga, 1977 e Scherre, 1978). Se fizermos um
acompanhamento de estudos que se seguiram, veremos que esses estudos
pioneiros revelaram uma visão perspicaz de alguns dos traços mais notáveis do
português brasileiro. O uso variável de marcas de concordância nominal, por
exemplo, que viria a ser estendido por Scherre (1988) em sua tese de doutorado,
ainda sob a orientação de Naro, já atuando na Faculdade de Letras da UFRJ,
levou ao estudo variável das marcas de concordância verbal, que envolveu
orientador e orientanda numa parceria que continua e que tem contribuído para
o estudo desse fenômeno por todo o país. Hoje podemos dizer que este é um
dos mais bem descritos processos variáveis no português falado no Brasil e os
resultados obtidos mostram a absoluta falta de lógica/consistência do injustifi-
cável preconceito linguístico que tem como alvo principal exatamente a ausência
de marcas de concordância.
Passados tantos anos, podemos dizer que os estudos sobre a variação
floresceram no Brasil e nos permitiram pôr em prática um modelo de estudo da
mudança, que consiste em levantar as restrições ao uso de formas em variação
no sistema, acompanhar a implementação de formas inovadoras, observar os
diferentes estágios num processo de mudança em curso, descobrir evidências ou
subprodutos de uma mudança e, finalmente, verificar como uma comunidade de
fala avalia uma nova forma que se instala no sistema. Aprendemos também que a
realização dessa empreitada pressupõe a utilização de uma teoria linguística (seja
ela formalista seja ela funcionalista) que orientará a pesquisa, desde o levantamento
de hipóteses e das possíveis restrições (ou fatores condicionantes) até a
interpretação dos resultados. (cf. Paiva e Duarte, 2006, sobre alguns dos principais
fenômenos variáveis estudados).
Podemos ainda afirmar que o conjunto de estudos realizados no âmbito da
variação nos revela que a sintaxe do português brasileiro, na modalidade oral, tem
distribuição bastante regular, o que não significa homogeneidade. Significa que a
distribuição das formas variantes da maioria dos fenômenos variáveis estudados
não está condicionada regional ou socialmente, como será mostrado na seção 3.
Podemos afirmar que o único traço sujeito a estigma nos centros urbanos e em
certos contextos estruturais é a maior ou menor frequência de uso de marcas de
concordância verbal e nominal, uma avaliação absolutamente injusta, que deve
ser fortemente combatida. Além disso, a pesquisa variacionista já se estendeu à
escrita brasileira, com resultados que clamam por uma revisão das normas que
ainda servem de modelo aos manuais didáticos.
Linguagem & Preconceito – Maria Eugenia Lammoglia Duarte n 17
A partir de tais resultados, este artigo tem por objetivos:
a) discutir alguns resultados de pesquisas sociolinguísticas com base em
amostras de fala e escrita e refletir sobre alguns aspectos relativos à distância
entre as duas modalidades no Brasil, que resulta não apenas da natural diferença
entre fala e escrita, mas se funda no modelo de gramática adotado em fins do
século XIX, a partir do Português Europeu;
b) mostrar que a gramática que emerge em nossa escrita é resultado desse
conflito entre o que se fala e o que se aprende na escola (Kato, 2005): recupera
formas em extinção, mas, ao mesmo tempo já incorpora formas inovadoras da
nossa fala, além de produzir formas não esperadas, tornando essa distância bem
menor do que supõem aqueles que escrevem gramáticas normativas e livros
didáticos, que ignoram a escrita contemporânea amplamente descrita;
c) mostrar ainda que nem a fala nem a escrita são homogêneas e que o
(re)conhecimento dessa heterogeneidade nas duas modalidades é indispensável
aos professores, o que torna urgente sistematizar os achados relativos à fala e,
principalmente, à escrita;
d) reafirmar que as mudanças empreendidas pela gramática do PB não
significam “tropeços” nem descaso com o idioma nacional e que os resultados
encontrados pela pesquisa sociolinguística, tanto para a fala quanto para a escrita,
não podem ficar longe das nossas salas de aula.
Sobre o modelo de norma escrita no Brasil
Iniciemos esta seção, reconhecendo que é um erro colocar a fala num
polo e a escrita noutro. Embora geralmente a escrita seja associada a um discurso
planejado e a fala, a um discurso não planejado, sabemos que uma e outra
modalidade podem inverter essas características – um texto falado pode ser
fortemente monitorado, desde que o falante tenha tal habilidade, enquanto um
texto escrito pode se caracterizar como fortemente informal. Nesse sentido,
podemos dizer que maior monitoramento se relaciona a maior formalidade, mas
isso nada tem a ver com o que tem sido usado para exemplificar a oposição
formal vs informal. Em geral, os autores ilustram tal diferença com um indivíduo,
num contexto informal, usando formas como ‘eu vi ele saindo de campo; o juiz
expulsou ele do campo’ e numa situação formal, usando formas como ‘eu o vi
saindo de campo; o juiz expulsou-o do campo’.
Está aí uma grave confusão que mesmo entre os sociolinguistas é notada.
Confundimos formalidade com mudança de gramática. Não nos perguntamos se
um falante do português europeu, independentemente do nívelde escolaridade,
18 n Revista LETRA – Rio de Janeiro • 2013
usaria a primeira forma num discurso informal e a segunda num discurso formal.
Se nos perguntássemos, a resposta seria não. O português europeu não usa o
pronome nominativo (caso reto) em função acusativa, não porque tenha ouvido a
vida inteira que isso é um erro só aceitável na fala informal; ele não se utiliza desse
pronome porque ele não está disponível na sua gramática internalizada, ou seja,
aquela que adquirimos desde a infância, a partir dos dados a que somos expostos.
O discurso informal se distingue do formal em qualquer língua porque é menos
planejado (e, em geral a fala é menos planejada do que a escrita) e, assim, contém
hesitações, marcadores discursivos, gírias, períodos mais curtos por limitações de
processamento, entre outros traços. A escrita é mais planejada (embora possa ser
menos planejada, a depender do tipo de texto) e, portanto, pode ser revista, não
contém hesitações, marcadores discursivos, gírias, e, em geral, apresenta períodos
de estrutura mais complexa, entre outros aspectos.
 Por que então confundimos formalidade com mudança de gramática? A
razão está na codificação da norma culta escrita no Brasil, em fins do século XIX,
a partir do modelo europeu. Esta não é uma situação inédita nos casos de línguas
resultantes de processos de colonização, que mantêm laços muito estreitos com
os colonizadores. Ocorre que, ao longo dos quase quatrocentos anos que tinham
se passado entre o descobrimento e a Proclamação da República, a variedade
lusitana tinha seguido um curso de mudanças diferente do seguido pelo português
do Brasil e a gramática do português brasileiro, embora também tivesse seguido
seu curso de mudanças, ainda apresentava traços sintáticos conservadores da
gramática portuguesa do século XVI, que a variedade lusitana perdera (cf. Pagotto,
1998). Acrescente-se ainda o fato de que essa distância seria ainda agravada por
mudanças posteriores, ao longo do século XX, ligadas particularmente ao nosso
sistema pronominal, com notáveis consequências para a sintaxe do PB.
Assim, mantivemos um modelo que não retratava o português escrito
da primeira metade do século XIX, repetido ao longo do século XX, sem qualquer
complacência, sempre nos convencendo de que usávamos ele acusativo ou
próclise em início absoluto de oração porque éramos mais informais/mais dóceis
do que os europeus, tidos como mais autoritários2. Naturalmente, os autores
brasileiros mantiveram na escrita alguns usos brasileiros e, ao mesmo tempo,
foram incorporando formas da fala, inovadoras mas não sujeitas a estigma, à
escrita mais padronizada. De tal forma que a escrita que se nos apresenta hoje
revela uma gramática muito peculiar: apresenta traços da gramática-alvo baseada
2 Encaminho os interessados nesta visão impressionista de língua ao texto de Pagotto (1998) e
neste volume, para que conheçam um pouco mais sobre o pensamento acerca da gramática do
português brasileiro até o início dos estudos linguísticos entre nós.
Linguagem & Preconceito – Maria Eugenia Lammoglia Duarte n 19
no português europeu, incorpora traços da escrita e revela aspectos que não se
encontram nem numa nem noutra gramática (cf. Kato, 2005). Trata-se, pois, de
uma terceira gramática, cuja descrição é imperiosa para que se tenha um
parâmetro para a orientação pedagógica e para que se conheça mais sobre o
resultado da exposição pelo aluno a regras que constituem a sua gramática
nuclear e aquelas que se encontram numa parte periférica do cérebro, formas
arcaizantes ou de ocorrência pouco expressiva em termos de frequência na fala,
mas que a escola consegue até certo ponto recuperar3.
Podemos concluir esta seção afirmando que a distância entre fala e as normas
seguidas pela escola no ensino da escrita padrão no Brasil ultrapassa tanto o caráter
naturalmente mais conservador da escrita quanto questões relativas à maior ou
menor formalidade ou ao grau de planejamento do texto escrito. Na seção que
segue, procuro ilustrar essa distância com o quadro pronominal da fala brasileira,
comparando-o com o português europeu oral. Na seção seguinte, mostro até que
ponto a escrita recupera formas em extinção e implementa formas da língua oral.
Aspectos da sintaxe do português brasileiro e europeu na modalidade oral
Comecemos a examinar alguns aspectos da nossa sintaxe, relacionando
alguns aspectos do quadro pronominal atual do Português Brasileiro falado:
a) nosso quadro de pronomes nominativos ganha os pronomes você e a
gente, o primeiro se gramaticaliza a partir da forma de tratamento Vossa Mercê e
o segundo a partir da gramaticalização do SN a gente (como em ‘a gente dessas
terra/as gentes dessa terra’); os pronomes tu e você concorrem para referência à
segunda pessoa em grande parte do país, sendo poucos os estados que se
restringem a tu e os que se restringem a você. O que parece prevalecer é a variação
entre os dois usos, com o predomínio de tu em alguns estados e o de você em
outros.4 O pronome vós, bem como todas as formas a ele associadas (átonas e
tônicas), desaparece. Todos esses pronomes nominativos tendem a ser
foneticamente realizados (ou seja, a fala perdeu o sujeito “oculto”);
b) o quadro de oblíquos átonos (clíticos) está bastante reduzido na fala:
perdemos o lhe para referência à terceira pessoa (‘Quando [o João]
i
 fez aniversário
a Maria lhe
i
 deu um presente’); temos índices inexpressivos do acusativo o, a para
representar o objeto anafórico (‘Se ele
i
 passou por mim eu não o
i
 vi’) e de se para
3 Um exemplo de forma recuperada pela escrita é o uso que a autora deste artigo fez neste parágrafo,
usando dois clíticos (pronomes oblíquos átonos) em sequência: "De tal forma que a escrita que se
nos apresenta hoje...", um uso lusitano, aprendido via escolarização e contato com a escrita.
4 Quando me refiro a estados, é preciso deixar claro que, nas fronteiras a distribuição é sempre
irregular. Sobre os subsistemas pronominais do Brasil, ver Sherre et al. (não publicado).
20 n Revista LETRA – Rio de Janeiro • 2013
indeterminar o agente (‘Precisa-se de empregados’; ‘Procura(m)-se empregados’);
introduzimos o dativo lhe, em algumas regiões, para cumprir as funções acusativa
e dativa na segunda pessoa, em variação te (eu não te vi/eu não lhe vi); apenas o
quadro de clíticos reflexivos parece mais sujeito à variação regional (ou diatópica):
em algumas regiões eles continuam robustos enquanto em outras, estão em
extinção (sejam eles não argumentais, como em ‘A Maria ajoelhou’, ‘A Maria casou”,
seja eles argumentais, como em ’Ela formou em 1970’, ‘Nós encontramos ontem’.
Alguns estudos apontam o aparecimento de construções com verbos leves em
substituição aos clíticos reflexivos (‘Ele ficou magoado’ em vez de ‘Ele se magoou’;
‘Ele fez a barba’ em vez de ‘Ele se barbeou’) (cf. Duarte e Ramos, no prelo);
c) o quadro de oblíquos tônicos perde algumas formas, especialmente as
reflexivas si, consigo, enquanto quase todos os pronomes nominativos passam
a integrar o paradigma dos oblíquos em função acusativa (‘Eu vi você’), dativa
(Eu comprei um presente pra você’, em vez de ‘Eu comprei um presente para si’)
e oblíqua (‘Eu penso em você’ em vez de ‘Eu penso em si’) e nessas mesmas
funções, mas com valor reflexivo: ‘Ele comprou um presente pra ele mesmo’,
‘Ele só pensa nele mesmo’, ‘E ele dizia pra ele mesmo...’.
Para que tenhamos uma ideia da distância entre a fala brasileira e a
europeia no que diz respeito aos clíticos, referidos em (b) acima, examinemos
os três clíticos em extinção, a partir de análises variacionistas da fala de indivíduos
com curso universitário completo, começando pelo clítico dativo lhe:
5 Esses resultados foram confirmados para a fala popular (indivíduos com curso fundamental e médio
da amostra PEUL - Programa de Estudos sobre oUso da Língua) por Gomes (2003). Resultados
semelhantes são encontrados para outras regiões do país (cf. Duarte e Ramos, no prelo)
Tabela 1. Uso do clítico dativo de terceira pessoa e suas formas variantes na fala culta
espontânea (Freire, 2000)
Como mostra a tabela, o clítico dativo, ilustrado em (1), alcança 88% de ocorrên-
cias na fala lusitana e se encontra completamente ausente na amostra analisada
para o português brasileiro, aqui representado pela fala culta carioca, amostra NURC
– anos 1990 5:
(1)[O magistrado]
i
 tem que julgar com os elementos que lhe
i
 dão (PE - oral)
0/14 (0%)
9/14 (64%)
5/14 (36%)
Clítico dativo
SP anafórico
Dativo nulo
29/33 (88%)
01/33 (3%)
03/33 (9%)
PBVariedade PE
Linguagem & Preconceito – Maria Eugenia Lammoglia Duarte n 21
As duas outras estratégias, o uso de um SP anafórico e de uma categoria vazia
(ou um complemento dativo nulo), têm uso moderado no PE, com 3% e 9%,
respectivamente, como mostram os exemplos em (2):
(2)a. Depois [a gaiata]
i
 começou a espreitar, a querer meter conversa, e
nós demos logo trela à miúda
i
. (PE - oral)
b. Foi lá uma vez [um frade]
i
 perguntar se eu queria assinar a revista e eu não
tive lata de dizer [Ø]
i
 que não, e a revista passou a ir lá para casa.(PE - oral)
O PB, por outro lado, revela ampla preferência pelo SP anafórico, com
64% de ocorrências e uso expressivo do dativo nulo (36%):
(3)a. [Meu filho]
i
 é uma pessoa que curte roupas, às vezes eu peço a ele
i
 para ir
comprar o jornal pra mim no jornaleiro. (PB - oral)
b. [O menino]
i
 deve ser louco pra comer açúcar. O dia que ele
i
 pegar um saco
de bala, né, mas não sou eu que vou dar [Ø]
i 
, né. (PB - oral)
Passemos ao uso do clítico acusativo, ainda com base nos resultados de
Freire (2000):
Tabela 2. Uso do clítico acusativo de terceira pessoa e suas formas variantes na fala culta
espontânea (Freire, 2000)
Os resultados apontam que no PE o clítico não é a única alternativa para representar
a função acusativa, mas é a mais frequente, com 44%, sendo seguida pelo SN
anafórico e pelo acusativo nulo. Fica, porém, claro que o uso do pronome
nominativo está ausente da fala lusitana. As três estratégias são ilustradas a seguir:
(4) a. E [a bola]
i
… nunca conseguiu vir ter comigo, porque eu procurava-a
i
,
mas nunca me tocou (PE - oral)
b. [A religião]
i
 é uma coisa simples, pá, simples, portanto... temos de tornar a
religião
i
 cada vez mais fácil, mais compreensível, mais acessível (PE - oral)
c. Eu só li [o primeiro número (do jornal)]
i
 e achei [Ø]
i
 de tal maneira mau,
que agora vai sem abrir para a cozinha (PE - oral)
Variedade
Clítico acusativo
Pronome Nominativo
SN anafórico
Acusativo nulo
PE
40/109 (44%)
0
27/109 (25%)
34/109 (31%)
PB
04/117 (03%)
05/117 (04%)
40/117 (34%)
68/117 (59%)
22 n Revista LETRA – Rio de Janeiro • 2013
Quanto ao PB, constatamos a quase extinção do clítico acusativo, com apenas
3% de ocorrências, ao mesmo tempo em que desmitificamos a ‘impressão’ que os
gramáticos têm de que o brasileiro usa muito o pronome nominativo ele/ela em função
acusativa. Se na fala culta esse índice gira em torno de 4%, na fala popular, representada
pela amostra PEUL-RJ, ele está em torno de 13% (cf. Marafoni, 2004), muito distante,
portanto, do objeto nulo, cuja ocorrência é atestada nas mais diferentes amostras em
todas as regiões do Brasil.6 Os exemplos do PB se encontram em (5) a seguir:
(5) a. Você conversa, você tem um contato diário com [o professor]
i
, não
é? você sabe onde o professor tá, entendeu? você pode procurá-[lo]
i
, tirar
dúvida. (PB - oral)
b. Eu não tive coragem nem de deixar [a babá]
i
 ficar do lado de fora, tinha
medo que acontecesse alguma coisa a ela. Trouxe ela
i
 pra dormir dentro
de casa (PB - oral)
c. Você vê às vezes numa olimpíada [o orgulho]
i
 que os caras carregam a
bandeira americana, não sei o quê. Os atletas brasileiros também têm
esse orgulho
i
. (PB - oral)
d. Então [os meus primos]
i
 por parte de pai são todos muito mais velhos do
que eu, eles têm idade, assim, de, eu chamo até de tio alguns, porque eu conheço
[Ø]
i
 desde pequenininha (PB - oral)
Vejamos, finalmente, o uso do clítico indefinido se na fala lusitana e na
brasileira e suas formas variantes:
Tabela 3. Uso do clítico indefinido se e suas variantes na fala culta espontânea (Duarte, 2000)
O exame da tabela nos mostra resultados diametralmente opostos: enquanto o
clítico se se revela como a variante preferida no PE para expressar o sujeito de
6 Ao trabalho pioneiro de Nelize Omena (1978), que atestou a absoluta ausência do clítico acusativo na
fala de adultos não escolarizados, seguiu-se o de Duarte (1986; 1989), que atestou o baixo índice de
clíticos na fala culta, o uso inexpressivo do pronome nominativo, a preferência pelo objeto nulo e introduziu
na sua análise a variante com o SN anafórico, que tem sido utilizada nas pesquisas que se seguiriam.
Variedade
Clítico indefinido se
(eles)
(a gente)
(nós)
(você)
([Ø])
PE
36/91 (38%)
20/91 (22%)
18/91 (20%)
13/91 (14%)
05/91 (06%)
--
PB
18/231 (8%)
37/231 (16%)
30/231 (13%)
05/231 (02%)
102/231 (44%)
39/231 (17%)
Linguagem & Preconceito – Maria Eugenia Lammoglia Duarte n 23
referência indeterminada (ou arbitrária), com (38%) de ocorrências, esta é uma
das menos frequentes no PB, com apenas (8%), que se concentram na fala dos
indivíduos mais velhos. Na amostra NURC-anos 90, analisada em Duarte 1995;
2000, não há uma só ocorrência de se indefinido na fala do grupo mais jovem:
graduados com idade entre 25 e 35 anos. Os exemplos a seguir ilustram o uso de
se e suas formas variantes no PE. Observe-se que as estratégias com formas
pronominais nominativas apresentam o pronome geralmente apagado, um
comportamento prototípico de língua de sujeito nulo:
(6) a. Acho que não se deve voltar aos sítios onde se foi feliz (PE - oral)7
b. [Ø
arb
] Não falavam em tapeçaria nessa altura; [Ø] só se referem a uns
leves trabalhos, [Ø
arb
] nem sequer dizem a palavra bordado. (PE - oral)
c. Mas a gente
i
 pode ter a sua formação política, até séria e consciente.
Agora, quando em atividade artística [Ø
arb
]
i
 quer criar e quer erguer
problemas humanos com certa profundidade, [Ø
arb
]
i 
tem que erguer
aqueles que [Ø
arb
]
i
 conhece. (PE - oral)
d. Outras vezes até [Ø
arb
]
i
 vamos reajustar o nosso gosto. Às vezes até falta
de conhecimentos. Depois [Ø
arb
]
i
 contactamos com pessoas que têm até
melhor gosto do que nós, que são indivíduos sensíveis (...) e [Ø
arb
]
i
aprendemos. (PE - oral)
e. Você
i
 é um encarregado. [Ø
arb
]
i
 É um indivíduo que pretende que o
serviço se faça. Tudo aquilo que travar a sua atividade e a prejudicar
incomoda-o se for responsável, se [Ø
arb
]
i
 tiver brio profissional. Claro, [Ø
arb
]
i
podia perfeitamente não ligar peva. (PE - oral)
Em relação ao PB, encontramos no uso do pronome você a estratégia
preferencial para veicular a indeterminação do agente, com 44%, geralmente
foneticamente realizada, tal como ocorre com as demais estratégias que utilizam
pronomes nominativos, uma clara repercussão da mudança na representação
dos sujeitos pronominais – de nulos para expressos. Entre as variantes menos
frequentes estão a primeira pessoa do plural, igualmente em extinção para a
referência definida (eu + você/ele), e o clítico indefinido, que, como dissemos
acima, só é atestado na fala dos mais velhos.
(7) a. Você, quando você viaja, você passa a ser turista, então você passa a
fazer coisas que você nunca faria se você estivesse no Brasil (PB - oral)
b. Quando eles querem eles fazem. Quandoeles querem eles acham dinheiro.
(PB (PE - oral)
7 São frequentes na fala lusitana as ocorrências de se indefinido em construções classificadas
como passivas pronominais pela tradição gramatical:
(i) Tive assim aquelas coisas miúdas que se oferecem sempre, copos, copos, sim só copos (PE).
24 n Revista LETRA – Rio de Janeiro • 2013
c. Hoje em dia, quando a gente levanta as coisas, é que a gente vê tudo o que
aconteceu. Mas na época a gente não podia acreditar; a gente não acreditava
nisso, primeiro porque a gente era novo (PB - oral)
d. Agora mesmo nós estamos em época de festividades...(PB - oral)
e. Antigamente jogava-se futebol na rua Visconde Silva. Quando passava um
carro, alguém gritava: “Para a bola!” Aí, parava-se a bola, o carro passava e o
futebol depois começava novamente. (PB - oral)
Além das estratégias ilustradas em (7), vemos no PB uma inovação: trata-
se do uso do verbo na terceira pessoa do singular, sem qualquer marca de
indeterminação, como mostram os exemplos em (8):
(8) a. Antigamente [Ø
arb
] punha a mesa pra tomar lanche. (PB – oral)
b. Não [Ø
arb
] vê mais amolador de faca. (PB - oral)
c. [Ø
arb
] Não pode entrar de sapato; [Ø
arb
] fica de meia. (PB - oral)
d. [Ø
arb
] Desce até Florianópolis. [Ø
arb
] Vai pro sul... [Ø
arb
] Vai chegar até a
cidade de Laguna. (PB - oral)
Uma leitura atenta dos dados permite observar que essas construções sem qualquer
índice de indeterminação veiculam a noção de aspecto durativo (a,b), modalidade:
proibição, obrigação (c) ou ainda procedimento, instrução (d). A estratégia é
apontada em Kato e Tarallo (1986); Duarte (1995) e analisada especialmente em
Cavalcante (2007). Galves (1987) chama a atenção para o fato de que é justamente
a redução dos sujeitos nulos referenciais de terceira pessoa que permite ao PB
atribuir uma interpretação arbitrária/indeterminada a uma posição vazia associada
a um verbo de terceira pessoa do singular, uma possibilidade que não existe no PE.
Em resumo, o que esta seção nos permite atestar é que há uma significativa
distância entre PB e PE na modalidade oral no que se refere à representação dos clíticos
dativo, acusativo e indefinido. Embora esses clíticos tenham formas variantes na fala,
eles se mostram muito robustos no PE, enquanto exibem índices nulos ou inexpressivos
no PB. Isso sinaliza que tais clíticos não fazem parte da gramática adquirida pela criança
brasileira. Somente dados robustos (ou seja, frequentes) são computados nesse processo
de aquisição da linguagem. Como vimos no início deste artigo que o modelo de escrita
no Brasil continua a seguir normas lusitanas, vejamos, na seção seguinte, como se dá a
“aprendizagem” desses clíticos através da escolarização.
Como a escola recupera os clíticos dativo, acusativo e indefinido e incorpora
formas variantes da fala
Vamos examinar, agora numa mesma tabela, as ocorrências dos clíticos
examinados na seção precedente. Os dados vêm de textos de jornais de ampla circulação
veiculados pela imprensa de Lisboa e pela imprensa carioca em fins de 2000.
Linguagem & Preconceito – Maria Eugenia Lammoglia Duarte n 25
Tabela 4. Uso dos clíticos dativo, acusativo e indefinido na escrita jornalística do PE e PB
(Freire, 2005; Duarte, 2007)
Em relação ao dativo, o PE mantém os altos índices da fala, enquanto o PB faz
renascer um clítico que já não é usado na fala. As demais variantes, entretanto, o uso
de SPs e o dativo nulo, continuam a responder pela maior parte das ocorrências.
Quanto ao clítico acusativo, igualmente robusto na escrita lusitana (84%), podemos
dizer que a escolarização e certamente o contato com a escrita consegue a marca de
57% na nossa amostra do PB, o que significa que estamos distribuídos entre o clítico,
recuperado principalmente em estruturas simples (SVO) e os SNs anafóricos e o
acusativo nulo. O exemplo em (9) nos mostra a implementação de formas da fala na
escrita, com três complementos nulos - dois acusativos e um dativo:
(9) (Sobre o ator José Lewgoy) Quem já o
i
 conhecia sabia que aquilo fazia
parte do seu número e quem não conhecia [Ø]
i
 admirava [Ø]
i
 tanto que
perdoava [Ø]
i
 tudo (PB-crônica)
Juntamente com o clítico indefinido, cuja ocorrência alcança 69% no PE, e 36%
no PB, vemos, na esteira de seu crescimento no PB (de 8% na fala para 36% na
escrita), o renascimento do agonizante uso da primeira pessoa do plural, com o
pronome nós nulo ou expresso, compondo, juntamente com a terceira pessoa
do plural, o conjunto das estratégias de indeterminação. Os exemplos em (10) e
(11) nos mostram como o PB consegue se assemelhar ao PE na escrita:
(9) a. Neste tempo onde se anuncia a morte das utopias, parece-me evidente
que Santana é bastante mais utópico do que Sócrates (PE – opinião)
b. [Ø
arb
] Vivíamos, portanto, atrasados ou adiantados, dependendo do saber
de quem lia o relógio ou das vontades incontroláveis da natureza. (PE – opinião).
(10) a. Em nenhum outro país se dá mais importância ao IDH do que no
Brasil. (PB – opinião).
b. Realmente não existe mais ética neste país, nenhum princípio moral,
nenhum caráter, [Ø
arb
] vivemos numa total inversão de valores. (PB – opinião).
Curiosamente, os manuais normativos sequer mencionam o uso da primeira
pessoa do plural como forma de indeterminação. Entretanto, esta já era uma
variante bastante expressiva na escrita do século XIX (cf. Duarte e Lopes, 2002).
Variedade
Clítico dativo
Clítico acusativo
Clítico indefinido
PE
72/81 (89%)
196/234 (84%)
181/264 (69%)
PB
40/127 (31%)
174/303 (57%)
97/268 (36%)
26 n Revista LETRA – Rio de Janeiro • 2013
E não há dúvida de que seus índices na escrita contemporânea, superiores aos
de se, indicam que é mais fácil recuperar um pronome nominativo do que um
clítico. Quanto às formas preferidas na modalidade oral do PB, o uso de você, a
gente e o sujeito nulo ilustrado em (8), estas revelam um uso muito parcimonioso,
atestado em algumas crônicas, consideradas um gênero mais leve, e, portanto,
mais permeável à gramática brasileira.
Não há dúvida de que a implementação do acusativo e dativo nulos na
escrita está relacionada a sua pouca saliência. Quanto ao uso de SPs para
substituir o dativo, não existe qualquer restrição a tal estrutura. É o uso do
pronome nominativo que constitui alvo de proibição. Mais uma vez, a saliência
é um fator atuante. Há, entretanto um contexto, em que o pronome se mostra
menos saliente e, consequentemente, é menos percebido. Trata-se de estruturas
em que sua função é a de sujeito, como em (11):
(11) a. [O analista de comunicação N.C.J.]
i
 foi contemplado com a carta de
crédito de seu consórcio imobiliário. Imediatamente começou a procurar
um dois-quartos. Os preços altos fizeram [ele
i
 voltar os olhos para a “Barra
Olímpica”], onde a oferta é maior. (PB – reportagem)
b. (Sobre a exposição de figuras de vacas pela cidade) Não à ditadura cow!
Quero ver [elas
i
 entrarem em Nova Délhi], onde as vacas paradas são
patrimônio inalienável da civilização. (PB – crônica)
O pronome nominativo nas sentenças destacadas, que são complementos dos
verbos grifados, deveria vir, segundo as normas tradicionais, na forma de um
clítico acusativo, como no PE (“fizeram-no voltar...”, “vê-las entrar em Nova
Délhi”), uma tarefa dificilmente recuperada pela maioria dos letrados,
particularmente os mais jovens.
O mesmo se pode notar em relação às formas pronominais tônicas,
mencionadas na seção 3 deste artigo, de modo especial as reflexivas tônicas, já
plenamente inseridas na escrita jornalística:
(12) a. Vocês são mais interessantes quando falam de vocês mesmos”, escreve
a leitora, liberando o nosso narcisismo. (Jornal – crônica)
b. A sua Maja nua era mesmo um escândalo sem precedentes.(...) Sua nudez
não representava nada além dela mesma. (Jornal – crônica)
c. A primeira (...) reúne textos que ele escreveu sobre ele mesmo. (Jornal
– crônica)
Não posso aqui me deter em outras formas da gramática brasileira, que
vão, aos poucos encontrando espaço na escrita, entre as quais se encontram a
preferência pelos pronomes-sujeito expressos, o uso irrestrito da colocação
Linguagem & Preconceito – Maria Eugenia Lammoglia Duarte n 27
pronominal proclítica ao verbo principal (quer com formas verbais simples, quer
complexas), com clíticos já aparecendo em início absoluto de oração, a forte
concorrência das sentenças ativas com as passivas pronominais, entre tantas outras.
Como não é possível apontar todas essas estruturas, finalizo esta seção
falando brevemente de algumas consequências do embate entre a fala de todos
e a escrita decidida por alguns, que revelam com absoluta nitidez a falta de
familiaridade com esses elementos em extinção na nossa gramática (ou na nossa
L-1), ou mesmo que a contrariam. Entre tais evidências, destaco três pontos:
a) o uso do clítico acusativo pelo dativo e vice-versa, justamente pela falta de
familiaridade com eles, já que não fazem parte da nossa aquisição:
(13) a. Só no ano passado, com a divulgação de seu diário, ficou-se sabendo
que, entre abril de 1937 e maio de 1938, o presidente Getúlio Vargas teve um
amor que lhe levou a fazer loucuras. (Jornal - reportagem) (uso de lhe por o)
b. Não viram neles nem Deus, nem o Diabo, nem nada que os interessasse.
(Jornal – crônica) (uso de os por lhes)
b) o uso da ênclise pela próclise, quando esta coincidiria nas duas gramáticas
(no PE, pela ocorrência de um “atrator”, e, no PB, pela conhecida preferência
pelo clítico em posição pré-verbal). Embora mais frequente com o clítico se, que
é recuperado via escola e aparece, em geral, em posição enclítica, outros clíticos
atestam igualmente o fenômeno:
(14) a. Maria Rita não limitou-se aos sucessos de sua mãe. (Jornal – resenha)
b. O resto, vamos combinar, será notícia de jornal. Não interessar-me-á
deveras. (Jornal – crônica)
c. Eu odiava o canalha César, que tinha-a nas mãos quando queria. (Jornal
– crônica)
d. ...ACM repetiu o mesmo crime que custou-lhe o mandato. (Jornal – crônica)
Para concluir: Afinal, que gramática ensinar na escola?
Os resultados descritos na seção precedente não deixam dúvida de que a
distância entre fala e escrita é grande, se levarmos em conta o que está há décadas
sendo repetido nas nossas gramáticas, justamente por conta do modelo que as
guiou; mostram também que a gramática da escrita não segue exatamente essas
normas há tanto tempo repetidas pela tradição gramatical. As análises
sociolinguísticas nos revelam que a escrita contemporânea não só recupera formas
em extinção na fala, mas também implementa formas conservadoras e inovadoras
do português brasileiro, além de produzir outras que não se encontram nem numa
28 n Revista LETRA – Rio de Janeiro • 2013
nem noutra gramática. E o mais interessante nesse processo é que o falante culto
não leva para sua fala as formas dessa segunda gramática; ele se limita a usá-las na
escrita e, eventualmente, na fala muito monitorada (a depender da sua prática
com esse monitoramento e do reconhecimento dessas formas estranhas à sua L1).
Isso nos indica claramente que tanto a fala quanto a escrita são heterogêneas
e que as normas idealizadas estão muito distantes da norma real que se deixa ver
nos nossos textos acadêmicos e na grande imprensa. Essa constatação nos deixa um
recado contundente: é imperativa a reunião das inúmeras descrições dessa gramática
especial, peculiar, híbrida, mostrando não o que se pode e não se pode escrever,
mas como é variável e quantas possibilidades existem na gramática da escrita
brasileira. Não se trata de querer impor todas as formas da gramática brasileira, mas
levar ao aluno uma descrição realista daquilo que realmente já se implementou na
escrita e o uso por indivíduos letrados consagrou. Apontar uma forma como melhor
que outra seria cair no mesmo erro do passado. Faraco (2008) alerta para um fato
importante: o modelo anacrônico de gramática que vínhamos usando (e, infelizmente
ainda é usado) quando a escola era acessível a uma pequena parte da população.
Com o acesso universal à escola, esse modelo não tem como sobreviver.
Enquanto uma descrição completa da escrita brasileira contemporânea não
esteja reunida num trabalho coletivo, é dever dos autores de livros didáticos buscar
conhecer as descrições da escrita contemporânea, produzidas nas universidades e
amplamente divulgadas, para que se convençam sobre o que se deve ensinar. Não
se trata de simplificar a gramática, mas apresentar ao aluno, a partir do segundo
ciclo do Ensino Fundamental, uma gramática da escrita real. É certo que traços
arcaizantes ou já extintos deverão ser levados ao conhecimento (e não ensinados!)
do aluno no Ensino Médio, para que ele possa ler e entender textos literários de
sincronias passadas.
Consideradas as bases em que se fundou a constituição da norma culta
escrita no Brasil, teremos um longo trabalho no sentido de convencer nossos alunos
e até mesmo alguns linguistas (a) de que não se deve confundir adequação
linguística, que tem a ver com estilo, com mudança de gramática, que é o que
fazemos ao escrever um texto mais planejado; (b) de que mudança linguística
não significa empobrecimento da língua.
Só uma mudança na descrição da gramática da escrita e um conhecimento
do que a separa da gramática da fala (pelo que vimos, a distância, aos poucos, vai
diminuindo) poderá conduzir a um trabalho eficaz na escola, que cumpra o que
dizem os parâmetros curriculares, no sentido de usar textos com os quais o aluno
deverá lidar na escola (o que significa ler enunciados, saber encaminhar respostas,
dominar os modos de organização da narração e da descrição para que possa se
Linguagem & Preconceito – Maria Eugenia Lammoglia Duarte n 29
sair bem em disciplinas como a história e a geografia, etc.), para depois chegar aos
textos argumentativos, sem descuidar dos elementos linguísticos, que constituem
a base de sustentação de qualquer texto. A formação do professor deverá propiciar
as condições para que ele conheça a gramática da fala e a da escrita; o caminho
que deve percorrer para facilitar o acesso àquela que o aluno não domina, através
de uma atividade escolar que ponha essas duas gramáticas em prática, com muita
leitura, muita produção escrita e expressão oral, esta última tão descuidada na
rotina escolar.
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Abstract: This article argues that differences between speech and writing in
Brazil lie beyond the natural distance between the two modalities as regards
higher or lower degree of planning. Such differences characterize, in fact,
two grammars. The grammar of speech, acquired during the acquisition
process, with conservative and innovative features, consequence of the
natural change in the history of all languages, whereas the grammar of writing
is a mixture of features of the 19th Century European norms, taken as a
model to guide our writing and still preserved in traditional grammars, with
features of Brazilian grammar, which are slowly being adopted, replacing or
competing with old forms, and finally some structures strange to either
grammar, certainly a byproduct of the contradiction between the real
Brazilian grammar and an anachronistic model of writing.
Keywords: grammar of speech; grammar of writing; anachronistic norms;
Sociolinguistics and teaching.

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