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Graca de Deus completa

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SUMÁRIO 
 
 
 
 
INTRODUÇÃO _______________________________________________________ 1 
I – A DIMENSÃO DA GRAÇA __________________________________________ 5 
1.1 – Aspecto Soteriológico da Graça __________________________________ 7 
1.2 – Aspecto Poimênico da Graça ____________________________________ 10 
II – A DISCIPLINA DA GRAÇA ________________________________________ 15 
III – A “NÃO” GRAÇA NA IGREJA _____________________________________ 25 
IV – A GRAÇA NA IGREJA ____________________________________________ 36 
V – A PROPOSTA DA GRAÇA _________________________________________ 49 
CONCLUSÃO _______________________________________________________ 56 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ____________________________________ 58 
 
 
1
 
INTRODUÇÃO 
 
 
 
No meio evangélico disciplina eclesiástica e graça nem sempre parecem 
combinar. Disciplina, para muitos, é um mecanismo de correção, repreensão, castigo. 
Há uma ponta de fatalismo na compreensão dela, pois muitos, muitos mas nem todos, 
acham que se não praticarem da forma mais severa possível a disciplina eclesiástica 
não serão considerados dignos de servir a Deus. Acham que Deus, fatalmente, cobrará 
deles se negligenciarem a severidade na disciplina. A motivação inicial é até 
compreensível, pois desejam zelosamente purificar a Igreja e manter a ordem e a 
decência dentro dela. 
O problema é que ao fazerem isso muitas vezes abandonam a soberania de Deus 
e, principalmente, a correta compreensão da graça de Deus. “Podem até falar sobre a 
graça, mas só ficam nisso. A concepção que têm da graça não é tanto falsa como na 
realidade inexistente. A idéia não tem significado algum e não toca nem sequer de leve 
a experiência de cada um”1. Por isso são tão severos na aplicação da disciplina 
eclesiástica. 
Já a graça de Deus é um dos postulados mais defendidos pela Teologia Cristã, 
principalmente pela Teologia Reformada. Graça2 é o favor imerecido de Deus baseado 
na sua soberania, onipotência, onisciência e onipresença. Ela ultrapassa a lógica 
 
1
 PACKER, J.I. O Conhecimento de Deus. São Paulo: Mundo Cristão, 1996, p.117. 
2
 ca,rij (charis) – todo termo grego tem várias aplicações. Com a palavra que normalmente é traduzida por graça 
não é diferente, ela possui várias aplicações. A aplicação que determinará este trabalho, será a do favor 
imerecido como sendo o cuidado de Deus na história da Salvação, que se torna eficaz mediante a morte vicária 
de Jesus. Esta aplicação acha amparo, também, nos termos hebraicos ds,x, (µesed) e !xe (µ¢n) ,que mostram que 
a graça de Deus é cheia de misericórdia, amor, bondade e encanto. Terapia da graça, diz respeito à maneira 
pela qual Deus disciplina os seus santos escolhidos sem, contudo, abandonar a graça. cf. HARRIS, R. Laird. 
Org. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1998. 
 
 
2
 
humana, ninguém pode compreender tal atitude de Deus se não for iluminado por Ele 
mesmo, neste caso o Espírito Santo. 
A graça “contém a essência do evangelho assim como uma gota de água pode 
conter a imagem do sol”3. Ela às vezes está numa coisa pequena, mas expressa um 
amor inefável de quem está aplicando-a. Assim, pode ser apenas uma palavra dizendo 
“sim” ao amor de Deus, mas esta graça revela a grandiosidade da obra de Deus em 
manifestar, através de Jesus Cristo, como esse amor é chegado à nós. 
Qual a dificuldade, então, de conciliar a disciplina eclesiástica com a graça de 
Deus? Philip Yancey cita um conselheiro, David Seamands, que resumiu sua carreira 
de conselheiro assim: 
Há muitos anos, cheguei à conclusão de que as duas causas principais da maioria 
dos problemas emocionais entre os cristãos evangélicos são estas: o fracasso em 
entender, receber e viver a graça e o perdão incondicionais de Deus; e o fracasso de 
distribuir esse amor, perdão e graça incondicionais aos outros... Nós lemos, 
ouvimos, cremos em uma boa teologia da graça. Mas não é assim que vivemos. As 
boas novas do evangelho da graça não penetram no nível de nossas emoções.4 
 
De fato, este é um problema sério, o fracasso de transmitir a graça de Deus. Este 
fracasso revela o outro, o de entender, receber e viver o amor, a graça e o perdão de 
Deus. Estes fracassos levam o homem ao legalismo, ao farisaísmo, passando a ser 
assassinos da graça ao invés de ser despenseiros dela. E o principal meio pelo qual eles 
fazem isso é a disciplina eclesiástica. 
Por isso, esta monografia tem por objetivo abordar o assunto da disciplina 
eclesiástica sob a aplicação da graça, a terapia da graça. Para isso, o trabalho foi divido 
 
3
 YANCEY, Philip. Maravilhosa Graça. São Paulo: Vida, 2001, p.11. 
4
 idem, p.13. 
 
 
 
3
 
em cinco capítulos, onde tratar-se-á a dimensão da graça, a disciplina da graça, a não-
graça na Igreja, a graça na Igreja e a proposta da graça. 
Ver-se-á que o caminho escolhido foi o da teologia pastoral, portanto alguns 
exemplos práticos. Buscou-se não abusar deles, o leitor talvez sinta falta de exemplos 
clássicos como o da mulher adúltera descrito no evangelho de João capítulo oito; de 
Davi, o homem segundo o coração de Deus. De certa forma foi proposital. O objetivo 
maior foi apresentar princípios que podem ser aplicados na realidade da Igreja de 
Jesus. 
Também o leitor perceberá que a falta de aplicação destes princípios levará à 
não-graça na Igreja, fazendo com que o Corpo de Cristo sofra desnecessariamente, 
onde o farisaísmo e o legalismo são a expressão máxima da não-graça na Igreja. Mas, 
há uma opção da disciplina eclesiástica ser um meio de graça na Igreja. 
Essa opção é abandonar o farisaísmo e deixar que a verdadeira disciplina 
eclesiástica se torne a graça na Igreja. Isso é perfeitamente possível. Basta a Igreja 
compreender os meios e os objetivos da disciplina eclesiástica. 
Possibilidade, contudo, não é facilidade. Por isso a graça tem uma proposta para 
a aplicação da disciplina eclesiástica. Essa proposta é baseada na vida e ensinamentos 
de Jesus, é o método gracioso que Deus mostrou através do seu exemplo. É a mentoria 
espiritual. 
Tudo isso faz parte desse trabalho, mas nada disso irá adiantar se não for a 
graça de Deus. Portanto, o desejo do meu coração é que “tendo, pois, a Jesus, o Filho 
de Deus, como grande sumo sacerdote que penetrou os céus, conservemos firmes a 
nossa confissão... Acheguemo-nos, portanto, confiadamente, junto ao trono da graça, a 
 
 
4
 
fim de recebermos misericórdia e acharmos graça”5 para termos intrepidez de aplicar e 
transmitir essa graça de Deus. Principalmente, quando se tratar da disciplina 
eclesiástica. Que assim seja. 
 
5
 Hb.4.14,16. 
 
 
5
 
I – A DIMENSÃO DA GRAÇA 
 
 
Falar da graça é, também, falar de Deus. Pois não há como dissociar, numa 
análise, o fruto da sua árvore. Assim acontece com a graça, sua origem é divina e não 
há como analisá-la sem também analisar a sua origem que é Deus. Dessa forma, a 
graça é sempre proveniente de Deus. Mas ao levar-se em consideração que ela também 
é um atributo comunicado ao homem, ou seja, um atributo que o homem pode refletir, 
ela também será considerada como graça humana. Assim palavras como: agradecido; 
congratulado; gratificado; gratuito; engraçado; e tantas outras derivam desse reflexo da 
graça humana. 
Mas o que dizer da graça de Deus? Quando pessoas pensam na graça de Deus, 
algo extraordinário começa acontecer. Algumas das revoluções na história do 
cristianismo aconteceram por causa da reflexão sobre a graça de Deus. Foi assim com 
Pedro,Paulo, Agostinho, com Lutero e Calvino, e será com quem se dispuser a estudar 
a graça de Deus. Aliás, a própria disposição em estudá-la já revela a sua ação, pois a 
sua dimensão é abrangente e não há como escapar de sua ação em momento algum 
nessa vida, pois a graça é tudo. 
Ora, “a graça de Deus – a presença, a misericórdia, bondade e o amor de Deus – 
é assim como um trem”6 possui vários vagões, mas todo o conjunto é apenas um trem. 
Assim o amor de Deus é manifestação da sua graça, bem como a misericórdia, a 
bondade e até sua presença neste mundo – tanto por Jesus como pelo Espírito Santo – 
 
6
 BOFF, Leonardo. Graça e Experiência Humana. Petrópolis: Vozes, 2003, p.11. 
 
 
6
 
são manifestações dela7. Desse modo, Deus poderia ter criado um mundo hostil para a 
humanidade, mas não o fez por causa da graça. Após a queda, Ele poderia ter 
liquidado com a humanidade, mas outra vez a graça não deixou. Ao ver o Seu Filho 
sendo cuspido, açoitado, vituperado, e sofrendo todo tipo de dor e humilhação, Deus 
poderia ter destruído de vez esta “maldita” humanidade, mas não o fez. Preferiu 
atender um pedido especial: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem”8. 
Surpreendente e maravilhosa graça. Essa que arrebata a ira de Deus, que O faz 
inclinar-se aos pobres humanos, que O “afeiçoou para amar”, que O fez “amar o 
mundo de tal maneira que” despejou toda a Sua graça neste mundo na pessoa de Seu 
Filho Jesus, e ainda a mantém ativa na pessoa do Espírito Santo. Tal graça é 
impossível dimensioná-la, pois é a própria expressão de Deus, é eterna. A Bíblia diz 
que “a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo”9 e que ele é a expressão 
máxima dela10, por isso, ela é eterna. 
Contudo, é preciso focar alguns aspectos para o bom andamento desta análise. 
Desta forma, surgem dois pontos relevantes para o presente estudo. São os aspectos 
Soteriológico11 e Poimênico12 da graça. 
 
7
 Lc.4.22; Lc.2.40; Jo.1.14-17; 2Co.8.9; 2Co.9.8; Tt.2.11; Hb.10.29; 1Pe.5.10. 
8
 Lc.23.34. 
9
 Jo.1.14. 
10
 Tt.2.11-14; Hb.1.3. 
11
 Soteriologia quer dizer literalmente “estudo da salvação”. 
12
 Poimênica refere-se ao “ato de pastorear”. 
 
 
7
 
 
1.1 – Aspecto Soteriológico da Graça 
 
A Soteriologia é uma parte da Teologia Sistemática que estuda sobre a obra de 
Deus para salvar a sua criação, em especial o homem, dos efeitos do pecado e da 
queda. Há várias abordagens a esta disciplina, contudo vale ressaltar que nem todas 
expressam a verdade da Bíblia, ainda que a citem exaustivamente. A principal questão 
está na participação do homem no processo da salvação. Há, todavia, muita discussão 
acerca deste assunto que não tem propósito neste trabalho, pois tomaria parte de uma 
outra monografia. Contudo, faz-se necessário apresentar a perspectiva que irá nortear 
os argumentos seguintes. Inicialmente, os argumentos passarão pelo crivo bíblico, pois 
a Palavra de Deus é sempre infalível quando interpretada corretamente. Depois, 
buscar-se-á a Teologia dos Reformadores, ou Teologia Reformada, por se tratar de 
uma excelente exposição fiel à interpretação correta da Bíblia. Dessa forma, espera-se 
a real compreensão do aspecto soteriológico da graça. 
Salvação é um tema universal. Todo e qualquer homem pensa em salvação. O 
fruto dessa reflexão é a religião, pois “na religião a grande questão é sempre a 
seguinte: ‘O que eu preciso fazer para ser salvo?’”13. 
A Bíblia diz que todos os homens pecaram e estão destituídos do 
relacionamento amigável com Deus14. A Teologia Reformada sistematiza isso e chama 
 
13
 BAVINCK, Hermann. Teologia Sistemática. São Paulo: Socep, 2001, p.289. 
14
 Rm.1.18-32; 3.23; 5.12; 8.7-8; Cl.1.21. 
 
 
 
 
8
 
de Depravação Total15. Essa condição de pecadores provocou no homem morte – não 
imediatamente física, mas dramaticamente espiritual e relacional diante de Deus – e 
essa morte impede o homem, por esforços próprios, de se reconciliar com Deus, pois 
ele está como que tateando no escuro sem nada enxergar. Assim, “logo que o homem 
caiu, em pecado, o conselho de salvação começou a atuar. Deus desceu, procurou pelo 
homem e chamou-o de volta para si”16. Nota-se que a iniciativa da salvação não é do 
homem, mas de Deus. E isso é pura graça17. Portanto, 
graça fala das ações amorosas de Deus para com a criação e a favor da 
humanidade em particular. Graça é o transbordar generoso do amor de Deus-
Pai por meio do Filho, Jesus Cristo. Esse amor foi mais claramente 
demonstrado no fato de Deus, de livre vontade, ter dado seu Filho para que as 
pessoas pudessem entrar num relacionamento de amor com ele, movidas pelo 
Espírito Santo18. 
Nisto consiste o aspecto soteriológico da graça, em que “na religião cristã a 
obra do homem é nada, e é o próprio Deus que age, que intervém na história, abre o 
caminho da salvação em Cristo e pela sua Graça traz o homem à salvação e faz com 
que ele viva nela”19. Este aspecto é próprio do cristianismo, nenhuma religião se atreve 
a dizer que a salvação é pela graça, mas o cristianismo sim. 
Neste aspecto existe um processo chamado de “processo da salvação”20, no qual 
estão os movimentos do Espírito Santo na aplicação da obra salvífica. Esses 
 
15
 “Depravação refere-se ao relacionamento prejudicado entre Deus e a humanidade e também à corrupção da 
natureza humana, de tal modo que há dentro de todo ser humano uma tendência permanente ao pecado. 
Depravação Total refere-se à profundidade e à abrangência dos efeitos do pecado sobre toda a humanidade, 
de maneira que todos são incapazes de obter a SALVAÇÃO por recursos próprios.” GRENZ, Stanley J.; 
GURETZKI, David; NORDLING, Cherith Fee. Dicionário de Teologia: edição de bolso. São Paulo: Vida, 2001, 
p.38. 
16
 BAVINCK, Hermann. Teologia Sistemática. São Paulo: Socep, 2001, p.298. 
17
 Ef.2.1-9; Rm.5.8-11; 3.23-26. 
18
 GRENZ; GURETZKI; NORDLING, p.63. 
19
 BAVINCK, Hermann. Teologia Sistemática. São Paulo: Socep, 2001, p.292. 
20
 Também chamado de “ordo salutis”, ou ordem da salvação. Segundo Berkhof, “a ordo salutis descreve o 
processo pelo qual a obra da salvação, realizada em Cristo, é concretizada subjetivamente nos corações e 
vidas dos pecadores.” (p.383). 
 
 
9
 
movimentos são: regeneração, conversão, justificação, santificação, perseverança e 
glorificação, não necessariamente nesta mesma ordem. Pode-se argumentar acerca da 
participação do homem neste processo – os pelagianos por exemplo – contudo, a 
posição Bíblica, teológica e reformada diz, acerca do processo da salvação, que “a 
ênfase não recai no que o homem faz, ao apropriar-se da graça de Deus, mas no que 
Deus faz, ao aplicá-la”21. Portanto, salvação no seu mais completo sentido é uma 
poderosa ação da graça de Deus. “Ao SENHOR pertence a salvação!”22 
Assim, o aspecto soteriológico da graça visa a mostrar que a salvação é ato 
único e exclusivo de Deus, ainda que o homem tenha de responder positivamente ao 
seu chamado por meio da fé, pois a própria fé é fruto da operosidade da graça de Deus. 
Neste aspecto, a graça de Deus encontra sua posição mais radical. É a 
radicalidade da graça. Radicalidade da graça é a posição de Deus salvar quem ele 
quiser sem ter de prestar contas à ninguém e nem mesmo fazer com que o escolhido 
tenha oportunidade de mostrar alguma boa obra. Este foi o caso do ladrão da cruz23, 
onde ele não teve nenhuma oportunidade sequer de fazer uma boa obra depois da 
promessa de salvação. Percebe-se que a graça de Deus é muito extravagante. 
Mas além desteaspecto soteriológico, a graça de Deus ainda se expressa sob o 
aspecto poimênico. 
 
21
 BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p.383. 
22
 Jn.2.9. 
23
 Lc.24.39-43. 
 
 
10
 
 
1.2 – Aspecto Poimênico da Graça 
 
Ao criar o mundo, Deus não o abandonou. Ao contrário, Ele tem tudo sob o seu 
domínio e cuidado24. Isso quer dizer que Ele tem todas as coisas existentes e em todos 
os lugares diante de Si, cuidando “cada qual em sua própria relação com seu plano e 
propósito totalmente abrangente para todo item e toda pessoa em seu mundo”25. Ainda 
que existam males neste mundo, a culpa não é de Deus, mas do homem e do pecado 
que nele habita. Aliás, se não fosse este cuidado de Deus para com a criação, o mundo 
já estaria totalmente destruído, pois até a própria natureza espera ardentemente por 
salvação26. Isso se dá porque a graça de Deus refreia o poder destruidor do homem. 
Mas ainda há um outro aspecto do cuidado de Deus para com o homem em 
especial. É o cuidado que Ele dispensa aos crentes, aos que receberam de Jesus Cristo 
o poder de nascer de novo e serem chamados de filhos de Deus27, os quais são os 
protegidos da graça28. Este cuidado é o que se pode chamar de aspecto poimênico da 
graça. Este aspecto vem revelar o cuidado de Deus para com o homem regenerado. 
Sendo Deus o “bom pastor”, Ele pastoreia suas ovelhas com muita graça e 
amor29. Deus, também, é o “jardineiro” que cuida do seu jardim de forma bela, 
atenciosa e responsavelmente30. 
 
24
 Dn.4.34-35; Sl.40.17; Is.27.3. 
25
 PACKER, James I. Teologia Concisa: Síntese dos fundamentos históricos da fé cristã. São Paulo: Cultura 
Cristã, 1998, p. 26. 
26
 Rm.8.19-23. 
27
 Jo.1.12; 1Pe.1.3. 
28
 Jo.17.12. 
29
 Sl.23.1; 80.1; Ez.34.12; 34.23; Is.40.10-11; Jo.10.11; 11.14; Hb.13.20. 
30
 Is.27.2-3; 58.11; Jr.31.12; Jo.15.1-5. 
 
 
 
11
 
O aspecto poimênico da graça existe para, primeiramente, quebrar o moralismo 
imposto pela religião, que muitas vezes afasta o cristão da verdadeira graça de Deus. 
Neste momento fazem-se necessárias as palavras do Rev. Ricardo Barbosa, quando 
prefaciou o livro do Dr. Rikk Watts “Livres para Amar”. Assim ele diz: 
 
Religião e Liberdade são, em princípio, realidades opostas. Toda religião tem 
seu código moral, suas normas de conduta, seus princípios éticos e padrões de 
comportamento que, em algum momento, restringe a liberdade. Dificilmente 
um grupo religioso escapa destes critérios porque são eles que definem sua 
identidade, moldam seu conteúdo, determinam suas fronteiras; sem falar, é 
claro de sua base doutrinária ou espiritual31. 
 
Essa é uma realidade que existe entre a religião e a liberdade, oposição entre 
moralismo e a liberdade de viver eticamente. Isto porque moral e ética também são 
opostas quanto à aplicação. Moral “trata da prática real das pessoas que se expressam 
por costumes, hábitos e valores culturalmente estabelecidos”32. Moral também é 
“invenção do homem. É fruto de suas médias, é filha de sua necessidade de regular o 
comportamento, estabelecendo referências que julguem a normalidade do indivíduo e 
da sociedade”33. Logo, uma pessoa pode ser moral sem ser ética, tudo vai depender da 
forma em que ela aplica seus costumes como regra para determinar suas atitudes e as 
atitudes dos que a cercam. Isso acontece porque a ética “considera concepções de 
fundo acerca da vida, do universo, do ser humano e de seu destino, estatui princípios e 
valores que orientam pessoas e sociedades”34. Assim, a ética tem uma visão universal, 
a moral tem uma visão tribal. Ética se preocupa com o todo, a moral é egoísta. A ética 
 
31
 Ricardo Barbosa de Sousa in: WATTS, Rikk. Livres para Amar. São Paulo: Sepal, 2001. 
32
 BOFF, Leonardo. Ética e Moral: a busca dos fundamentos. Petrópolis: Vozes, 2003, p.37. 
33
 D’ARAÚJO FILHO, Caio Fábio. O Enigma da Graça. São Paulo: Pró-Logos, 2002, p.262. 
34
 BOFF, Leonardo. Ética e Moral: a busca dos fundamentos. Petrópolis: Vozes, 2003, p.37. 
 
 
12
 
obedece a convicções e princípios a favor da maioria, a moral segue os costumes por 
conveniência do que já foi estabelecido. 
Essa diferenciação se dá porque: 
o verdadeiro contexto da ética cristã, longe de ser um código de regulamentos 
morais, é a comunhão da ceia eucarística. É no partir do pão e na bênção do 
cálice que a comunidade cristã afirma o paradoxo da morte e da nova vida. É 
nesse ato que ela manifesta o perdão definitivo de Deus e a caminhada da nova 
humanidade rumo às suas infinitas possibilidades”35. 
 
Dessa forma, pode-se notar que a ética do Evangelho não é a moral, mas a 
graça! Sim a graça de Deus “torna a religião e a liberdade em realidades possíveis”36. 
Isso porque a graça vai conduzir o homem a um relacionamento de amor com Deus e 
com o próximo. Ora, a salvação em Cristo Jesus é pura graça de Deus, pois como 
dizem as Escrituras “pela graça sois salvos, mediante a fé, e isto não vem de vós; é 
dom de Deus”37. Na salvação pela graça o homem é introduzido num relacionamento 
amigável, íntimo e paterno com Deus. Trata-se, pois, da comunhão com Deus em 
Cristo Jesus. 
Neste aspecto poimênico da graça, Deus trata os regenerados como filhos 
amados do Pai. Essa figura paterna está largamente exposta em toda a Bíblia, e ela 
vem demonstrar que Deus, além de ser o Todo-Poderoso, Criador dos céus e da terra, 
é alguém que está profundamente disposto a carregar seus filhos, em Cristo, nos 
braços tal como um pai que carrega seu filho quando este necessita de auxílio38. 
 
35
 KEELING, Michael. Fundamentos da Ética Cristã. São Paulo: Aste, 2002, p.194. 
36
 Ricardo Barbosa de Sousa in: WATTS, Rikk. Livres para Amar. São Paulo: Sepal, 2001. 
37
 Ef.2.8. 
38
 Sl.68.5; 89.26-28; 103.13; Is.38.5,19; 63.16; 64.8; Jr.31.9; Os.11.1-9; Mt.6; 7.11; 18.19; 25.34; Lc.15.11-32; 
Jo.16.26; 1Jo.1.3; 3.1. 
 
 
 
13
 
Também como figura paterna Deus está disposto a corrigir seus filhos a fim de 
mantê-los firmes no Seu divino propósito. Ele é o Pai que repreende os filhos porque 
os ama muito e deseja que façam a Sua vontade, sendo misericordiosos, santos, 
verdadeiros adoradores e que dêem testemunho deste relacionamento para todo o 
mundo, com temor e tremor evitando o mal39. 
Por isso, o aspecto poimênico da graça vem revelar que para Deus importa que 
o homem seja salvo para glorificá-Lo em todos os momentos de sua vida na 
perspectiva e expectativa do Reino. Ora, o Reino de Deus encontra sua plenitude em 
Jesus Cristo, e glorificar a Deus nesta perspectiva e expectativa é cumprir Sua vontade 
amando-O sobre todas as coisas e amando o próximo como reflexo de ter recebido o 
Seu imenso amor. 
Participar deste engajamento é participar do cálice que Deus tem para cada um 
de seus filhos40. Jesus, para cumprir a vontade do Pai, teve de tomar o seu cálice e 
bebe-lo até a última gota, pois só dessa forma é que a salvação chegaria até a 
humanidade41. Quando seus discípulos pediram a Jesus o melhor assento no Reino de 
Deus, ouviram do Mestre uma pergunta pertinente à participação deles no Reino: 
“podeis vós beber o cálice que eu bebo?”42 
Essa pergunta certamente não pode ser respondida sem reflexão, como fizeram 
os discípulos. Mas, com entendimento da grandeza da obra de Deus para cada um dos 
seus filhos é possível saber que: 
 
39
 Pv.3.12; Mt.15.13; 5.16,48; Lc.6.36; Jo.4.23; Hb.12.6,28; 1Pe.1.17; 2Cr.19.7-9; Jó28.28; Sl.2.11; 111.10; 
Pv.1.7;8.13; 9.10; 14.26-27; 16.6; .Jr.32.40; At.9.31; Fp.2.12. 
40
 Sl.116.13-14. 
41
 Mt.26.39-42; Jo.18.11. 
42
 Mc.10.38-39. 
 
 
14
 
Beber do cálice que Jesus bebeu é viver uma vida no e com o espírito de Jesus, 
espírito de amor incondicional. A íntima relação entre Jesus e Abbá, seu Pai, é 
uma relação de total confiança, na qual não há jogos de poder, acordos 
previamente estabelecidos, garantias antecipadas. É apenas amor – puro, 
irrestrito e ilimitado amor. Completamente aberto, completamente livre. Essa 
mesma intimidade Jesus quer nos dar para que possamos beber nosso cálice. 
Essa intimidade tem um Nome, um Nome Divino. Chama-se Espírito Santo. 
Viver uma vida espiritual é viver uma vida na qual o Espírito Santo nos guiará 
e nos dará força e a coragem necessárias para continuar dizendo “sim” à grande 
pergunta43. 
De fato, a expressão máxima do aspecto poimênico da graça está revelada no 
Espírito Santo, o Consolador. Somente através d’Ele é que o homem pode crer que 
Jesus é o Filho de Deus. O Espírito Santo foi enviado por Deus Pai para habitar 
naquele que crê, a fim de ensiná-lo e lembrá-lo de todas as palavras de Jesus contidas 
na Bíblia44. Dessa forma, o papel do Espírito Santo é fazer com que o crente cumpra a 
vontade do Pai, dando-lhe um coração e fazendo-o nascer de novo45. É fazer o crente 
beber o seu cálice. 
Desta forma, o aspecto poimênico da graça consiste em o “Deus de toda 
graça.... aperfeiçoar, firmar, fortificar e fundamentar”46 os seus santos escolhidos em 
Cristo. Para isso, Ele enviou o Espírito Santo a fim de equilibrar o crente entre a visão 
de Deus que é a obediência e fidelidade à vontade d’Ele, e a disciplina que “é o meio 
pelo qual a visão do nosso destino último se atualiza na história”47. Neste ponto 
específico encontra-se o meio pelo qual o Espírito Santo manifesta o aspecto 
poimênico da graça, a disciplina do crente. E é essa disciplina que será alvo da 
discussão do próximo capítulo. 
 
43
 NOUWEM, Henri J. M. Podeis Beber o Cálice? São Paulo: Edições Loyola, 2002, pp.90-91. 
44
 Jo.14. 
45
 Jo.3; Ez.36.26-27. 
46
 1Pe.5.10. 
47
 KEELING, Michael. Fundamentos da Ética Cristã. São Paulo: Aste, 2002, p.195. 
 
 
15
 
II – A DISCIPLINA DA GRAÇA 
 
 
Salvação pela graça não quer dizer que o homem foi salvo sem nenhum 
propósito. Há um propósito divino, pessoal e intransferível, para todo o homem criado, 
e também para todo aquele que crê em Jesus Cristo para sua salvação. A Bíblia diz que 
o homem fora criado em Cristo Jesus para as boas obras48, e que nenhum dos 
propósitos de Deus pode ser frustrado49. Dessa forma, a salvação será sempre para “o 
exercício da responsabilidade de cada pessoa para com toda a criação”50. Isso não tira 
o supremo propósito, que é glorificar a Deus, mas dá ao homem a visão de que a “fé 
cristã é fundamentalmente engajamento ético; não no sentido de abraçar uma regra de 
conduta particular, mas de entrar no processo de uma nova vida onde reina a vontade 
de Deus. Entrar no ‘Reino de Deus’ é aceitar participar da ação de Deus no 
universo”51. Assim, Deus não permitirá que nenhum de seus escolhidos para a 
salvação deixe de cumprir o seu propósito, e o meio pelo qual Deus faz isso é a 
disciplina. 
Disciplina está ligado ao procedimento executado para o bom andamento de 
algo requerido, ou ainda à correção de algo que perdeu seu propósito original. Dessa 
forma, a disciplina poder ser dada por meio de: repreensão, instrução ou ensino, 
castigo, exortação, correção e até suspensão de benefícios ou direitos adquiridos. 
 
48
 Ef.2.10. 
49
 Jó42.2; Gn.18.14. 
50
 KEELING, Michael. Fundamentos da Ética Cristã. São Paulo: Aste, 2002, p.198. 
51
 idem, p.194. 
 
 
16
 
Mas o que pensar da disciplina da graça? Deus certamente não disciplinará um 
de seus filhos com medidas insuportáveis, ou ainda descarregando sua ira e indignação 
sobre o filho faltoso, pois este seria, inevitavelmente, consumido pela ira de Deus. Por 
isso, faz-se necessário o estudo de alguns casos bíblicos que apresentam a disciplina da 
graça de Deus. 
O primeiro caso é do rei Manassés. Sua história está narrada em 2Reis 21.1-17 e 
em 2Crônicas 33.1-18. Trata a Bíblia que Manassés fez o que era mau perante o 
SENHOR. Compreende-se por mau, a desobediência de Manassés ao propósito de 
Deus em sua vida, que era glorificar a Deus e ainda reinar de forma íntegra sobre o 
povo de Israel. A vontade de Deus para o rei era que ele levasse o povo à adoração e 
ao perfeito louvor pelos grandes atos salvíficos de Deus. E isso o rei deveria fazer 
dando o seu exemplo de gratidão, fidelidade e obediência a Deus. Contudo, não foi o 
que aconteceu. 
A Bíblia narra que Manassés sacrificava diante de altares idolatrando falsos 
deuses. Até mesmo o próprio filho Manassés sacrificou num altar. Era agoureiro, 
praticava feitiçaria, adivinhação e outras coisas abomináveis ao Senhor. Mas o pior de 
tudo isso é que Manassés afrontou Deus com suas práticas, pois ao agir da maneira 
como agiu, ele estava declarando abertamente que não precisava de Deus e que tudo o 
que queria o mundo podia oferecer-lhe. Fazia o que era mau perante o SENHOR para 
“o provocar à ira”52. Assim, o rei corrompeu todo o povo de Israel. 
 
52
 2Cr.33.6. 
 
 
 
17
 
Mas Deus não se dobrou ao intento de Manassés. O rei queria provocá-lo à ira, 
e se isso acontecesse, certamente Deus destruiria não só rei, mas todo o povo. Então, 
Deus entra com a disciplina da graça. 
Inicialmente, Deus avisa que irá trazer males sobre o seu povo. Ele repreende 
incisivamente e diz a causa da disciplina iminente. Neste ponto específico percebe-se 
que a disciplina da graça sempre começa com um aviso. Deus poderia ter mandado 
fogo consumidor e assim ter destruído logo essa raça de víboras que até matavam seus 
próprios filhos. Não seria nenhuma injustiça, afinal se eles provocaram Àquele que 
conheciam e sabiam que de “Deus não se zomba”, nada mais justo que matar de vez 
esses insubordinados. Contudo, não é o que a graça faz. Deus antes de executar 
qualquer punição sempre avisa53. 
Todavia, “falou o SENHOR a Manassés e ao seu povo, porém não lhe deram 
ouvidos”54. Mais uma vez Deus tinha todo o direito de acabar com o povo e o rei, mas 
a graça de Deus está acima do entendimento humano. Ele nunca dará motivos reais 
para o homem acusá-lo de injustiça. “A graça sempre abre portas para a segunda 
chance, pois o Deus da Bíblia é o Deus da segunda chance”55. Dessa forma, o ato 
punitivo de Deus foi levar o rei cativo em terras estranhas ainda em condições de 
perceber que Deus não estava castigando-o da forma que ele merecia. Assim, 
Manassés pôde suplicar e se humilhar perante Deus e fez-lhe uma oração de 
arrependimento por meio da qual “Deus se tornou favorável com ele, atendeu-lhe a 
 
53
 Ez.33.1-20. 
54
 2Cr.33.10. 
55
 Frase de Henry Sobel citada pelo professor Rev. José Pereira durante a orientação desta monografia. A própria 
salvação através de Jesus Cristo já é uma segunda chance de Deus, já que o homem não conseguiu a salvação 
por meio da observância da Lei, que foi a primeira “chance” de Deus. É claro, vale frisar, que fora de Jesus 
não há mais chance de salvação, nem vivo nem morto. 
 
 
18
 
súplica e o fez voltar para Jerusalém, ao seu reino; então, reconheceu Manassés que o 
SENHOR era Deus”56. 
Este é um dos propósitos da disciplina da graça, restaurar o relacionamento do 
homem com Deus. Não há motivos humanos para se perdoaruma pessoa como 
Manassés, mas Deus com a sua graça o perdoou. Aliás, se houvesse algum motivo, 
deixaria no mesmo instante de ser graça, haja vista ser a graça é um favor imerecido. 
Foi pela graça que Manassés gozou de reconciliação com Deus e cumpriu o propósito 
d’Ele na genealogia de Jesus57. 
Um outro caso da disciplina da graça é o fato que aconteceu com Pedro. Pedro 
era pescador e foi chamado por Jesus para não mais pescar peixes, mas homens58. Sua 
personalidade era forte, isso porque era zelote, ou seja, era membro de um partido 
nacionalista judeu que usava de violência na oposição ao domínio romano. Seu 
temperamento, decidido e corajoso, o fez cortar a orelha de um dos guardas que foram 
prender Jesus59. “Tinha ideais claros e estava disposto a lutar e, se fosse necessário, 
morrer por eles. Era o tipo de pessoa que se entregava com todas as suas forças àquilo 
que cria”60. Essas características, porém, não o fazem um pescador de homens como 
Jesus queria. Pelo contrário, Pedro se mostrava arrogante, cheio de si mesmo e 
presunçoso. Certa vez Jesus estava ensinando aos discípulos que Lhe era necessário 
passar pela cruz, morrer, mas ressuscitar ao terceiro dia para que a salvação pudesse 
chegar à humanidade, então Pedro, cheio de si, chamou Jesus de lado e o reprovou por 
 
56
 2Cr.33.13. 
57
 Mt.1.10. 
58
 Lc.5.10. 
59
 Jo.18.10. 
60
 SOUSA, Ricardo Barbosa de; STEUERNAGEL, Valdir. Nova Liderança: Paradigmas de Liderança em 
Tempo de Crise. Curitiba: Encontro, 2003, p.68. 
 
 
19
 
dizer aquilo61. Esse era Pedro, sempre achando que poderia resolver tudo a sua 
maneira. 
Mas Jesus tinha um firme propósito para a vida de Pedro. Contudo, ele era 
como uma pedra bruta que precisava ser peneirada. Não dava para ser um pescador de 
homens usando as estratégias que estava acostumado. Dessa forma, Jesus chama-o e 
lhe diz que seria peneirado por Satanás, mas que ele, Jesus, estaria intercedendo para 
que sua fé não fosse desfalecida, e ainda diz que quando Pedro se convertesse era para 
fortalecer os seus irmãos na fé62. Nota-se aqui que na disciplina da graça além do 
aviso, também tem a intercessão. Porém, Pedro respondeu a Jesus com a mesma 
presunção de sempre: “Senhor, estou pronto para ir contigo, tanto para a prisão como 
para a morte”63. Mas Jesus conhece o coração humano e sabia que Pedro não tinha 
consciência do que falava. O certo é que Pedro precisava de ser peneirado, então Jesus 
lhe diz a forma que essa peneira iria começar: “Afirmo-te, Pedro, que, hoje, três vezes 
negarás que me conheces, antes que o galo cante”64. 
Ora, para Pedro, negar Àquele que ele seguia seria a última coisa que poderia 
passar pela sua cabeça, afinal ele era um zelote. Zelotes são treinados para morrer pela 
sua causa. Zelotes são fiéis até a morte. Mas o que Pedro não sabia é que ele estava na 
disciplina da graça. Pedro precisava de mudança para cumprir o propósito de Deus em 
sua vida. Em três anos de acompanhamento ele não aprendeu muito sobre ser humilde 
e manso de coração como Jesus tanto pregava e demonstrava pelas atitudes. Em três 
anos Pedro não percebeu que a auto-suficiência, o orgulho, a arrogância e a força bruta 
 
61
 Mc.8.31-32. 
62
 Lc.22.31-32. 
63
 Lc.22.33. 
64
 Lc.22.34. 
 
 
 
20
 
não eram qualidades que Deus esperava dele. Era necessário mudança. Foi necessária 
a disciplina da graça em toda a sua vida e agora também na peneira. 
Então Jesus foi preso e levado à casa do sumo sacerdote Caifás. Pedro, neste 
momento, fica de longe até uma mulher reconhecê-lo e dizer que ele era companheiro 
de Jesus. Mas, ele negou. Depois negou de novo após ser reconhecido por um homem. 
Por último, Pedro negou depois de ser identificado como um galileu amigo de Jesus. 
Três vezes negou e o galo cantou. 
Quando Pedro percebeu que negou o Senhor como Ele havia lhe dito, chorou 
amargamente. Principalmente porque, segundo Lc.22, após ele o ter negado três vezes, 
Jesus olha diretamente nos olhos de Pedro como se estivesse dizendo: “viu, eu disse 
que você iria ser peneirado”, ou seja, Jesus estava mostrando de forma irrefutável 
quem de fato Pedro. A disciplina da graça sempre traz tanto o conhecimento de Deus, 
como o conhecimento próprio. 
O choro amargo de Pedro era inevitável. Ele estava agora humilhado. Era como 
se fosse uma traição, o que de fato não deixou de ser, mas para ele, traição soava como 
uma atitude imperdoável. O choro era, também, inevitável porque certamente Pedro 
lembrou das palavras de Jesus quando certa vez disse: “aquele que me negar diante dos 
homens, também eu o negarei diante do meu Pai, que estás nos céus”65. Agora Pedro 
não estava mais cheio de si, arrogante e confiante nos seus ideais. Estava chorando 
amargamente. 
Mas o olhar de Jesus para Pedro também significa que, apesar dele estar na 
peneira, Jesus estava rogando para que a fé dele não desfalecesse. Este é um aspecto 
 
65
 Mt.10.33. 
 
 
 
21
 
da disciplina da graça muito importante, pois quando Deus está disciplinado seus 
filhos Ele não os deixa sem nenhum amparo espiritual. O Espírito Santo intercede 
pelos santos de Deus com gemidos inexprimíveis66. Sim, Pedro era um santo de Deus 
que estava recebendo a disciplina da graça e por quem o Santo Espírito estava 
intercedendo no seu amargoso choro. Mas a volta de Pedro ao propósito divino ainda 
não aconteceu, era preciso conversão e cura para Pedro. Entra, então, uma outra parte 
da disciplina da graça, a restauração. 
Jesus foi crucificado, morto e sepultado, mas ao terceiro dia ressuscitou, aleluia. 
Sim, ao terceiro dia Jesus Cristo ressuscitou dentre os mortos cumprindo suas palavras 
ditas dias antes. No dia da ressurreição de Cristo, Maria Madalena, Joana e Maria, mãe 
de Tiago, foram ao túmulo de Jesus a fim de embalsamá-lo. Mas chegando lá não 
encontraram o corpo de Jesus. Aconteceu, porém, aparecerem dois anjos do Senhor 
que lhes disseram que Jesus havia ressuscitado. Então, elas se lembraram das palavras 
de Jesus. Voltaram e contaram essas coisas aos discípulos, ao passo que eles não 
acreditaram nelas. 
Todos menos um, Pedro. No capítulo vinte e quatro do evangelho de Lucas está 
escrito: “Pedro, porém, levantando-se, correu ao sepulcro. E, abaixando-se nada mais 
viu, senão os lençóis de linho; e retirou-se para casa, maravilhado do que havia 
acontecido”. Ora, este já é um sinal de que a disciplina da graça estava cumprindo o 
seu papel, pois Pedro não perdera a fé. Ele ficou maravilhado, embora ainda 
necessitado de cura. Mas essa cura logo iria acontecer. 
No evangelho segundo João encontra-se a narrativa do encontro que mudou a 
história de Pedro. Ele estava pescando junto com outros discípulos, quando Jesus 
 
66
 Rm.8.26-27. 
 
 
22
 
aparece na praia. Ao perceberem que era Jesus, Pedro veste-se e lança-se ao mar a fim 
de ir ao encontro com Jesus o mais rápido possível. Só alguém que tem fé e sabe que 
Deus é um Deus de amor e graça tem uma atitude dessa depois de ter falhado 
deliberadamente contra o próprio Deus. Esta é “uma boa regra prática: Aqueles que de 
Deus guardam segredos, guardam também distância. Aqueles que com Deus são 
honestos vão para perto dele"67. Pedro não precisava manter distância de Jesus porque 
agora ele sabia que Jesus conhecia tudo acerca dele. Não havia mais o que esconder de 
Jesus. Não precisava mais de discursos nacionalistas, atitudes impensadas ou qualquer 
outra manifestação de “Super-Pedro”. A disciplina da graça fez Pedrocair na real, ou 
seja, o fez perceber que era Jesus o dono da verdade e possuía todo o conhecimento 
acerca da natureza humana. Também o fez perceber que era um pecador, e estava 
agora arrependido de tê-lo negado. 
Ao se aproximar de Jesus, Pedro o serve de peixes e pão. A comunhão 
começara a ser restaurada. Comunhão não é comer juntos, mas partilhar do que lhes é 
comum. Assim, Jesus dá oportunidade a Pedro de partilhar da bênção da sua 
ressurreição, desfrutando de sua presença graciosa. Depois de haverem comido, Jesus 
interroga a Pedro se ele o amava. Três vezes Jesus pergunta, três vezes Pedro responde 
que sim. Mas a resposta de Pedro não é simplesmente um sim, ele adiciona a sua 
experiência da peneira. Dessa forma, as três respostas de Pedro são: “sim, Senhor, tu 
sabes que te amo; sim, Senhor tu sabes que te amo; e por último, Senhor, tu sabes de 
todas as coisas, tu sabes que te amo”68. Para cada negação uma confissão de amor. 
Três vezes ele negou na peneira, agora três vezes ele confessa que ama Jesus. Uma 
 
67
 LUCADO, Max. Nas garras da graça. Rio de Janeiro: CPAD, 1999, p.120. 
68
 Jo.21.15-18. 
 
 
23
 
confissão não só de amor mas também de conhecimento da sabedoria de Jesus: “tu 
sabes de todas as coisas”. É a disciplina da graça fazendo com que Pedro seja 
restaurado. 
“Aquela pedra bruta arrogante e segura de si dá lugar a um coração simples, 
amoroso, dependente e entregue. Foi peneirado. Jesus estava mais interessado nesta 
areia fina e frágil que escorria do outro lado da peneira do que na pedra bruta, sólida e 
firme que Pedro era”69. 
Mas, e quanto ao princípio declarado por Jesus em Mt.10.33? “Aquele que me 
negar diante dos homens, também eu o negarei diante do meu Pai, que estás nos céus”. 
Não era para ser aplicado em Pedro? Se não foi, então esse princípio não tem validade. 
Essa seria a lógica dos argumentos. Contudo, a graça de Deus não segue esta lógica. 
O que a graça de Deus segue é o princípio da aliança. O princípio da negação 
tem o seu valor, mas o seu domínio é limitado. Já o princípio da aliança é superior ao 
da negação e o seu domínio é infinitamente maior do que o outro. Por isso, Jesus não 
quebrou o princípio e sim o transcendeu. “A lei ainda está ali; ainda é aplicável a todo 
o tempo e em todos os lugares. Trata-se simplesmente que nalgumas ocasiões uma lei 
superior sobrepuja esta lei inferior. Mas quando a lei inferior é ultrapassada por uma 
superior, a primeira não é abolida; é meramente sobrepujada”70. 
Assim aconteceu na disciplina da graça em relação a Pedro. O princípio 
superior era a aliança de Deus com Pedro. Jesus o chamou e o salvou para ser pescador 
de homens. “A aliança da graça nada mais é, senão a promessa de salvação na forma 
 
69
 SOUSA, Ricardo Barbosa de; STEUERNAGEL, Valdir. Nova Liderança: Paradigmas de Liderança em 
Tempo de Crise. Curitiba: Encontro, 2003, p.74. 
70
 GEISLER, Norman L. Ética Cristã: alternativas e questões contemporâneas. São Paulo: Vida Nova, 2002, 
p.111. 
 
 
24
 
de uma aliança”71. No caso de Jesus e Pedro é a promessa de salvá-lo para torná-lo 
pescador de homens, ou seja, um apóstolo da Igreja de Jesus Cristo. Para isso houve o 
aviso, a intercessão, a comunhão, a cura e a restauração do relacionamento com Jesus. 
Sim, Pedro após a restauração passou a cumprir sua missão. Foi o primeiro 
apóstolo a pregar depois que o Espírito Santo veio sobre todos os crentes reunidos no 
cenáculo72. Sua pregação foi o instrumento de Deus para converter três mil pessoas 
naquele dia. Como apóstolo que recebera a responsabilidade de apascentar as ovelhas 
do Senhor, depois de ser peneirado, Pedro permaneceu fiel à sua tarefa e concluiu sua 
última carta com a exortação para que os cristãos crescessem na “graça e no 
conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo”73. E isso ele tinha autoridade 
para dizer, pois não só de palavras mas também de experiência ele conhecia a graça de 
Deus. 
Analisando estes casos e mais outros textos bíblicos, pode-se extrair os 
elementos que configuram a disciplina da graça. Pode-se também perceber que a 
disciplina da graça tem aplicação à comunidade dos santos de Deus, a Igreja. E se ela 
pode ser aplicada à Igreja, ela deve ser aplicada por alguém. Chega-se, portanto, a 
necessidade de discutir essas questões num outro capítulo. Ou seja, como e por quem a 
disciplina da graça deve ser aplicada na Igreja? Qual o objetivo da disciplina da graça 
quando aplicada pela Igreja? Esse será o alvo dos próximos capítulos. 
 
71
 BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p.245. 
72
 At.1.13-2.14. 
73
 2Pe.3.18. 
 
 
25
 
III – A “NÃO” GRAÇA NA IGREJA 
 
 
A Igreja que Jesus Cristo fundou não tem placa denominacional, não tem titulo 
geográfico e muito menos o poder centralizado nas mãos de um homem, ou nas mãos 
de homens. A Igreja de Jesus é o próprio corpo de Cristo onde há muitos membros, 
mas só Jesus Cristo é a cabeça desse corpo74. É uma união espiritual com Cristo. “A 
Igreja é o que ela é através da presença de Cristo morando dentro dela. Ele está 
presente com ela através de Sua Palavra e Seu Espírito”75. Isso quer dizer que a Igreja 
é comunhão com Cristo através da Palavra e do Espírito Santo. É também comunhão 
uns com os outros debaixo de uma mesma fé, isto é fé em Cristo conforme as 
Escrituras. E tal como a cabeça é o centro de comando do corpo, cabe a Jesus Cristo 
discernir e designar a disciplina da graça em seu corpo, a Igreja. Aos membros 
compete a obediência dos comandos que vêm da cabeça. 
Mas a Igreja de Cristo pode ser também uma instituição. Isso se dá porque ela é 
tanto invisível como visível, ou seja, invisível porque ela é a união espiritual com 
Cristo, união essa que é invisível aos olhos humanos; e visível por causa da expressão 
externa e histórica que essa união representa. Dessa forma, enquanto Igreja visível, ela 
pode ser uma instituição, ou uma organização. Segundo Berkhof, “a Igreja é visível na 
profissão de fé e conduta cristã, no ministério da Palavra e dos sacramentos, e na 
organização externa e seu governo”76. Mas seria um “erro pensar que a Igreja só se 
 
74
 Rm.12.5; 1Co.12; Ef.1.22-23; Cl.1.18. 
75
 BRUNNER, Emil. O Equívoco sobre a Igreja. São Paulo: Ed. Cristã Novo Século, 2004, p.16. 
76
 BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p.520. 
 
 
26
 
torna visível nos ofícios, na administração da Palavra e dos Sacramentos e numa certa 
forma de governo eclesiástico. Mesmo que todas estas coisas estivessem ausentes a 
Igreja continuaria sendo visível na vida comunitária e no testemunho público dos 
crentes, e em sua unida oposição ao mundo”77. Ou seja, expressando historicamente a 
sua fé em Cristo Jesus, o Salvador. 
Não obstante esta definição, o fato é que a Igreja de Cristo tem uma 
representação institucional, por meio da qual ela se torna um meio da graça de Deus e 
uma agência para conversão dos pecadores e aperfeiçoamento dos santos de Deus. 
Dessa forma, ela se torna instrumento de Deus na disciplina da graça. Sim, a Igreja 
recebeu do Senhor a tarefa de pregar a Palavra78, ministrar os sacramentos79 e exercer 
fielmente a disciplina80. E o exercício fiel da disciplina é essencial para a manutenção 
da pureza da Igreja. “O pecado não pode ser tolerado porque, como câncer, corrói e 
destrói a vida do Corpo de Cristo”81. Portanto, a Igreja deve exercer a disciplina da 
graça. 
Assim, o exercício da disciplina geralmenteé aplicada pelos oficiais da Igreja. 
Embora todos os membros sejam chamados a participar dessa disciplina, são os 
oficiais que têm a função de aplicá-la, principalmente ser for necessário medidas 
extremas. A razão disso vem da própria analogia do corpo, pois não se pode pedir ao 
pé que se faça a função da boca, e nem vice-versa82. Dessa forma, a instituição por 
 
77
 idem, p.521. 
78
 Mt.10.4; 16.15; 24.13-14;Lc.9.2; At.10.40-42; 2Tm.4.2; 1Pe.2.9. 
79
 Mt.28.19; Mc.16.15-16; 1Co.11. 
80
 Mt.18.15-18; 1Co.5.1-5,13. 
81
 SHEDD, Russell P. Disciplina da Igreja. São Paulo: Vida Nova, 2000, p.08. 
82
 a Bíblia diz que Deus vocacionou uns para apóstolos, outros para mestres, pastores, evangelistas, profetas para 
o aperfeiçoamento dos santos (Ef.4.11-16). Além disso, outros textos ratificam a instituição do governo da 
Igreja visível nas mãos dos oficiais (1Tm.5.17; 1Ts.5.12; At.20.17,28; 1Co.12.28; Mt.16.19; 2Co.2.6-8). 
 
 
 
27
 
meio de seus membros, indicará seus representantes oficiais a fim de depositar neles a 
confiança e a responsabilidade de exercerem a disciplina na Igreja. Em algumas igrejas 
os oficiais são só os pastores, em outras, porém, um conselho formado por presbíteros 
e pastores. A Igreja Presbiteriana do Brasil, por exemplo, adota o sistema de pastores e 
presbíteros que formam um conselho que, dentre as várias atribuições, tem a disciplina 
sob a sua responsabilidade83. 
Apesar de ser claramente indicada a tarefa da disciplina, nem sempre é fácil 
cumprir com este ofício. Isso porque os mecanismos das igrejas muitas vezes fogem 
do propósito da disciplina eclesiástica, que é a manutenção84 da santidade da Igreja de 
Jesus Cristo. “Um governo pode banir o adultério, mas não a concupiscência; o roubo, 
mas não a cobiça; a fraude, mas não o orgulho. Pode encorajar a virtude, mas não a 
santidade”85Ora, cumprir a tarefa de disciplinar certamente é trabalho árduo e muitas 
vezes frustrante, daí a grande necessidade da graça de Deus nesta tarefa. Só a graça 
pode quebrar as cadeias da impiedade, derrotar o comodismo e impulsionar o crente 
faltoso à restauração da comunhão com Jesus Cristo. 
Infelizmente quando a igreja institucional não aplica fielmente a disciplina, 
passa por uma fase de des-graça, ou seja, uma fase em que a falta de graça contribui 
para o desenvolvimento de sistemas cada vez mais legalistas e moralistas. Isso é muito 
ruim porque denuncia uma “teologia informal”, ou seja, uma teologia que não aplica 
um dos principais postulados bíblicos acerca de Deus, a Graça. Essa teologia é 
informal porque deixa de interpretar correta e biblicamente os símbolos de fé que 
 
83
 Constituição da IPB, artigos 75 e 83 alínea b. 
84
 manutenção está sendo usado aqui no sentido pleno da palavra, ou seja, ação para manter a santidade e a 
comunhão com Cristo. 
85
 YANCEY, Philip. Maravilhosa Graça. São Paulo: Vida, 2001, p.262. 
 
 
28
 
regem tal igreja. Também porque foge da verdadeira essência bíblica na hora de 
disciplinar alguém, ela deixa o amor e a graça de Deus de lado a fim de colocar 
interesses e convicções próprios. “O problema é que todos os homens pretendem, por 
seus julgamentos, exprimir o julgamento de Deus.... os homens fazem um monopólio 
de Deus”86. Quando isso acontece está instaurada a des-graça na Igreja, está instalada a 
não-graça. 
A situação de não-graça na Igreja gera homens orgulhosos. Ora, certamente em 
todo e qualquer lugar haverá alguém faltoso em relação ao pecado, isso não é diferente 
na Igreja. A Igreja não pode se orgulhar de ser uma congregação dos santos de Deus, 
porque fazendo isso estaria traindo a graça de Deus. Ela pode se alegrar, regozijar, 
adorar e jubilar, mas orgulhar-se não, pois a única diferença entre as pessoas que estão 
dentro da Igreja e as pessoas que estão fora dela é a graça de Deus aplicada para a 
salvação em Cristo Jesus. E isso não é motivo para orgulho, mas sim de gratidão. 
Mas a “não-graça” não deixa o homem pensar assim. O homem torna-se 
orgulhoso demais, acha-se melhor que os outros que estão fora da Igreja e então ele 
passa a ser um homem que institui regras que só ele, ou um pequeno grupo, pode 
cumprir. Cria leis e mandamentos que devem ser observados sob o risco penas. Essas 
penas sempre são severas, pois não há graça nelas, por mais que seja uma pequena 
advertência, ela será severa. Até um elogio dito sem graça pode produzir um ferimento 
numa pessoa. A falta de graça, principalmente na disciplina eclesiástica, transforma 
homens em assassinos da graça. “Eles matam a liberdade, a espontaneidade e a 
 
86
 TOURNIER, Paul. Culpa e Graça. São Paulo: ABU, 2000, p.81. 
 
 
29
 
criatividade; eles matam a alegria, assim como a produtividade. Eles matam com suas 
palavras, suas canetas e seus olhares”87. 
Alguns séculos atrás a não-graça produziu as inquisições católica e protestante. 
Hoje não é muito diferente, pois os assassinos da graça também estão à solta. Só que 
eles não fazem mais fogueiras, apesar da vontade, mas fazem inquisições 
comportamentais dizendo o que deve ou não fazer sob a perspectiva da moral e não da 
ética; fazem também inquisições relacionais excluindo aquele que não cumpre seus 
códigos de leis morais. E essa inquisição relacional, ou seja, a falência de amigos e de 
relacionamentos verdadeiros, é uma das mais fortes falências da Terra, pois tem o 
poder de levar qualquer um ao desespero suicida88. Por isso eles são assassinos. Eles 
não conseguem viver pela fé somente, que é outro postulado da fé cristã. Antes, 
precisam melhorar a atitude de Deus para com o homem, assim eles tomam o lugar de 
Deus e começam a julgar os outros segundo os seus princípios morais; tornam-se o 
“dedo acusador”89 que Deus tanto repreendeu em Israel. 
No Novo Testamento o assassino da graça assume a forma do fariseu. Os 
fariseus, originalmente, eram um grupo de homens sinceros cujo desejo era o de fazer 
com que Israel voltasse à fé no Deus das Escrituras. A obediência à Lei era o centro de 
sua doutrina. O problema é que ao obedecer a Lei o fariseu achava-se merecedor do 
favor de Deus anulando dessa forma a graça. Pela época da vinda de Jesus a seita dos 
fariseus havia deixado suas origens humildes tornando-se uma força que unia os 
poderes políticos e religiosos muitas vezes maior do que a força dos sacerdotes e reis. 
 
87
 SWINDOLL, Charles R. O Despertar da Graça. São Paulo: Bom Pastor, 2000, p.23. 
88
 D’ARAÚJO FILHO, Caio Fábio. O Enigma da Graça. São Paulo: Pró-Logos, 2002, p.149. 
89
 Is.58.1-9. 
 
 
 
30
 
Criaram para si um sistema religioso que definia para cada judeu o que significava ser 
verdadeiramente espiritual. Quem infringisse esse sistema poderia receber até pena de 
morte por apedrejamento. 
É dessa forma que começa a não-graça na Igreja. Um grupo com pessoas 
sinceras e determinadas a cumprir a vontade de Deus pode criar para si um sistema 
religioso que destruirá sua intenção original. Por quê? Por falta da aplicação da graça. 
Percebe-se isso no exemplo do farisaísmo. Depois que passaram a estipular condutas 
baseadas em seus pressupostos, os fariseus tornaram-se tão arrogantes ao ponto de 
dirigir suas orações a si mesmos. “O fariseu, posto em pé, orava de si para si mesmo, 
desta forma: Ó Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, 
roubadores, injustos e adúlteros, nem ainda como este publicano; jejuo duas vezes por 
semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho”90. 
Eis aí o fariseu. Arrogante, prepotente,um verdadeiro assassino da graça. A 
atitude que denuncia um fariseu, ou seja um assassino da graça, é principalmente o 
dedo acusador. Julgar uma pessoa é tarefa para quem conhece os dois lados da moeda. 
A Bíblia diz que “parcialidade no julgar não é bom”91, por isso o homem não tem 
condições de julgar ninguém. Por quê? Ora, por causa da depravação total. Porque 
“todos pecaram e carecem da glória de Deus”92, diz a Bíblia. Por isso, quando alguém 
julga seu irmão torna-se condenável, pois só Deus tem conhecimento da verdade nos 
dois lados da moeda. “Bem sabemos que o juízo de Deus é segundo a verdade”93. Já o 
fariseu julga segundo a sua maneira de ver as coisas. Julga baseado em código, lei e 
 
90
 Lc.18.11-12. 
91
 Pv.24.23. 
92
 Rm.3.23. 
93
 Rm.2.2. 
 
 
31
 
tradição. Não que tenha algo de errado com a Lei, isto é a Lei de Deus, o problema é a 
aplicação dela sem a graça e o amor de Deus. É a Lei da lei que mata o homem, mas a 
Lei do amor vivifica-o. 
A aplicação da Lei da lei é fazer com que o homem sinta-se capaz de obedecê-
la plenamente, tornando-se merecedor da recompensa. Mas isso é impossível ao 
homem “visto que ninguém será justificado diante dele, de Deus, por obras da lei, em 
razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado”94. Então, se ao homem é 
impossível obedecer a Lei da lei, o julgamento por ela torna-se falacioso pela sua 
incompetência de restauração. A Lei identifica o homem faltoso, mas a aplicação dela 
simplesmente por ela não traz nenhum benefício, nem para o faltoso nem para a Igreja. 
A não-graça na Igreja promove a aplicação da Lei da lei que produz, ao invés 
de libertação, ataduras de servidão. A não-graça faz com que o homem, que não pode 
cumprir a Lei, torne-se escravo do pecado, atado pela servidão do pecado. Dessa 
forma, não há restauração para ele, restando-lhe somente dizer: “desventurado homem 
que sou! Quem me livrará do corpo desta morte?”95. Isso porque o “salário do pecado 
é a morte”. Percebe-se, então, porque a não-graça é uma assassina. Ela é incapaz de 
aplicar o amor e a graça de Deus, trazendo sobre o faltoso uma carga enorme de morte, 
morte da qual só Deus poderá livrá-lo. 
Ataduras de servidão é especialidade da não-graça. Ataduras de servidão é a 
associação da fé ao cumprimento de regras e leis descabidas, como por exemplo não 
poder cortar o cabelo para as mulheres, e não poder jogar futebol para os homens. 
Ataduras de servidão produzem no crente um jugo, um peso que fica muito difícil para 
 
94
 Rm.3.20. 
95
 Rm.7.24. 
 
 
32
 
ele acreditar nas palavras de Jesus, quando disse: “tomai sobre vós o meu jugo e 
aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a 
vossa alma. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve”96. Como o crente pode 
crer numa afirmação dessa se as ataduras de servidão estão sendo-lhe impostas pela 
não-graça? 
Melinda Fish, escritora americana, teve uma experiência com a não-graça e 
escreveu um livro bastante sugestivo: Fardo: se ele é leve, por que estou tão cansado? 
De fato, qualquer pessoa que sofre os ataques dos assassinos da graça tem sobre si um 
grande peso. E não é só o peso, mas também as ataduras que impedem o crente de 
caminhar na verdade bíblica da graça. 
São fariseus, são assassinos da graça e também da saúde espiritual do crente. 
Melinda Fish os descreve dessa maneira: 
 
Os fariseus oprimem cristãos sinceros que vão até Jesus mas não permitem que 
Ele toque suas mais profundas feridas emocionais. Para aqueles que são mais 
vulneráveis, é preciso sempre provar para Deus e para os outros que são 
merecedores de Seu amor. Quando começam a trilhar o caminho de um 
cristianismo baseado no desempenho, eles perdem de vista a graça de Deus, 
tornando-se pessoas frustradas. Como não conseguem jamais alcançar a 
aprovação de Deus, estas pessoas se satisfazem em fazer com que outros se 
encaixem em seus rígidos padrões de espiritualidade.97 
 
É a escola da não-graça, onde fariseus formam mais fariseus. Quando a escola 
não consegue formar alunos, então ela destrói o crente colocando-lhe as ataduras ou 
então acusando-o des-graça-damente. É o dedo acusador entrando em ação. 
Quando as “ataduras de servidão” não conseguem matar o crente faltoso, entra 
em cena o “julgamento falacioso”. Esse é especialista em colocar o sentimento de 
 
96
 Mt.11.29-30. 
97
 FISH, Melinda. Fardo: se ele é leve, por que estou tão cansado? São Paulo: Luz e Vida, 1998, p.25. 
 
 
33
 
culpa no homem. Não qualquer tipo de culpa, pois o “sentimento de culpa deve ter 
uma dose suficiente para fazê-lo reconhecer as suas falhas e mudar suas rotas. 
Atenção! Se o sentimento de culpa for exagerado, ele paralisará sua emoção e o 
controlará”98. É esse tipo de culpa que o julgamento falacioso coloca no homem, culpa 
paralisante. Para melhor entendê-la Paul Tournier, psiquiatra cristão, diferencia o 
sentimento de culpa em dois tipos: a falsa e a verdadeira culpas. O encarregado de 
colocar o sentimento de culpa no homem são os fariseus e, segundo Tournier, 
 
quando eles julgam a conduta de alguém, todos os fazem com uma convicção 
que significa implicitamente que Deus julgaria exatamente como eles. Estão 
sempre tão fortemente convencidos de seu parecer sobre o bem e o mal que têm 
a impressão de que Deus mesmo se trairia se não partilhasse da opinião deles. É 
por isso que as falsas culpas que nascem dos julgamentos humanos, e a 
verdadeira, que depende do julgamento divino, se confundem constante e 
perigosamente.99 
 
A oposição entre a verdadeira culpa e a falsa culpa produz uma verdadeira 
paranóia no ser humano. A verdadeira culpa é fruto do julgamento de Deus, essa culpa 
é salutar e necessária para o ser humano. Ela é uma “culpa em relação a Deus, uma 
ruptura da ordem de dependência do homem em relação a Deus”100. Assim, quando 
Deus julga o homem ele se torna indesculpável, aí esse homem só tem dois caminhos a 
trilhar para este homem: o caminho da justificação em Cristo ou o caminho da morte 
eterna. É por isso que ela é salutar e necessária, pois quando Deus julga o homem, este 
fica indefeso pois sabe que o julgamento é verdadeiro e compreende em suas reais 
intenções. A culpa é, então, verdadeira. “Ela não visa o esmagamento do pecador 
 
98
 CURY, Augusto Jorge. O Mestre do Amor. São Paulo: Academia de Inteligência, 2002, p.46 
99
 TOURNIER, Paul. Culpa e Graça. São Paulo: ABU, 2000, p.81. 
100
 idem, p.75. 
 
 
34
 
orgulhoso, mas visa despertar a sua consciência de culpa, e levá-lo a humilhar-se, 
abrindo-lhe assim o acesso à graça de Deus”101 
Já a falsa culpa é fruto do julgamento falacioso do homem. “De fato, toda culpa 
sugerida pelo julgamento dos homens é uma falsa culpa se não é atestada internamente 
por um julgamento de Deus”102. Essa atitude de colocar falsa culpa sobre o homem é 
perniciosa porque tem a pretensão de fazer o homem seguir propósitos humanos e não 
os propósitos de Deus. É perniciosa também porque passa uma visão distorcida de 
Deus, provocando medo nas pessoas e afastando-as da comunhão com Ele. “O número 
de pessoas afastadas da Igreja, receosas de conhecerem a Deus e totalmente 
fragilizadas pela religiosidade humana demonstra que a graça não tem sido 
demonstrada como deveria na proclamação do Evangelho”103. Quanto mais a não-
graça é permeada na Igreja, “mais desfigurada é a compreensão que as pessoas terão 
de Deus”104. Henri Nouwen, sobre esse medo, de Deus escreveu: “tenho vistocomo o 
medo de estar sujeito à vingança e ao castigo de Deus tem paralisado a inteligência e 
as emoções de muita gente, independentemente de idade, religião ou estilo de vida. 
Este medo de Deus, paralisante, é uma das grandes tragédias humanas”105. Esse medo 
paralisante é o efeito da culpa falsa, é o efeito da não-graça. 
Paul Tournier avança um pouco mais nesta questão e diz que quando alguém é 
submetido à falsa culpa, o reflexo desse alguém é de defender sua falta. Assim ele diz: 
 
 
101
 idem, p.164. 
102
 idem, p.79. 
103
 GONDIM, Ricardo. É proibido: o que a Bíblia permite e a igreja proíbe. São Paulo: Mundo Cristão, 1998, 
p.159. 
104
 idem. 
105
 NOUWEN, Henri J.M. A Volta do Filho Pródigo: a história de um retorno para casa. São Paulo: Paulinas, 
2003, p.132. 
 
 
35
 
Todo mundo, sob o golpe de uma acusação, tem um reflexo de defesa, de 
justificação própria. A resposta à acusação brota imediatamente em seu 
espírito. Os argumentos surgem aos borbotões, eles embotam o pensamento e 
não deixam nenhum lugar à humilhação ou a uma confissão de faltas.106 
 
É isso que a não-graça faz, destruir o senso ético-moral do crente faltoso 
fazendo-o não mais escutar a Igreja e sim a sua própria voz refutando toda acusação, 
quer seja verdadeira ou não. 
Assim, a não-graça impede a Igreja de disciplinar corretamente o crente faltoso. 
Não há possibilidade de restaurar ninguém à comunhão com Deus se a Igreja permite 
que assassinos da graça façam seus atos terroristas colocando medo nas pessoas. 
Falsificando a graça de Deus colocando o doce por amargo e o amargo por doce107. 
Não há restauração com dedo acusador, ataduras de servidão e julgamento falacioso no 
meio da Igreja, ou seja, não há restauração sem a graça. Mas o contrário também é 
verdadeiro, há restauração quando a graça de Deus é aplicada na disciplina 
eclesiástica. De fariseu, assassino da graça, o homem que receber e aplicar a graça de 
Deus na disciplina eclesiástica passa a ser “despenseiro da multiforme graça de 
Deus”108. A maneira que isso se dá será alvo do próximo capítulo. 
 
106
 TOURNIER, Paul. Culpa e Graça. São Paulo: ABU, 2000, p.91. 
107
 Is.5.20. 
108
 1Pe.4.10. 
 
 
36
 
IV – A GRAÇA NA IGREJA 
 
 
Foi tratada no segundo capítulo a disciplina da graça, onde só Deus tem 
condições de aplicá-la, já que aos olhos humanos ninguém pode saber se um “Pedro” 
que negou hoje se tornará um grande homem de Deus amanhã. Ou ainda se um 
“Manassés” que matou hoje se tornará um precioso instrumento na história da salvação 
de alguém amanhã. É a disciplina da graça como instrumento de restauração e 
treinamento do cristão nos propósitos de Deus. 
Já no terceiro capítulo foi visto que a Igreja de Jesus tem a incumbência de 
aplicar a disciplina no corpo de Cristo, que é a própria Igreja. Essa disciplina, porém, é 
a eclesiástica. Ainda no terceiro capítulo foi visto que a falta de graça na aplicação da 
disciplina eclesiástica deixa de produzir a restauração necessária para o crente que está 
teimando em cumprir os propósitos de Deus, ou então promove o distanciamento entre 
o crente e Deus, seja esse crente verdadeiramente faltoso ou não. 
Neste capítulo faz-se necessário o desenvolvimento temático dessa disciplina 
eclesiástica sob a aplicação da graça na Igreja. A disciplina na Igreja muitas vezes é 
mal compreendida, produzindo ao invés de disciplina eclesiástica uma “disciplina 
catastrófica, uma disciplina que espera algo sair errado, para então começar a 
consertar”109. A disciplina eclesiástica deve ser “algo que o corpo de Cristo usa para 
treinar o cristão na santidade, desafiando-o a seguir seu Senhor mais intimamente”110. 
Em outras palavras, a disciplina eclesiástica compreende em aplicar meios e medidas 
 
109
 WHITE, John; BLUE, Ken. Restaurando o Ferido. Flórida, EUA: Editora Vida, 1992, p.14. 
110
 idem, p.15. 
 
 
37
 
pelos quais a Igreja busca a sua santificação e boa ordem necessária para sua 
edificação espiritual. Essa aplicação deve ser debaixo da graça de Deus e de acordo 
com a Palavra de Deus sob o risco de cair na fatalidade da não-graça vista no capítulo 
anterior. 
Mas, quais são os meios e as medidas de uma disciplina eclesiástica? De acordo 
com o Código de Disciplina da Igreja Presbiteriana do Brasil – IPB, “toda disciplina 
visa edificar o povo de Deus, corrigir escândalos, erros ou faltas, promover a honra de 
Deus, a glória de Nosso Senhor Jesus Cristo e o próprio bem dos culpados”111. Assim, 
os meios e medidas consistem em “admoestação, afastamento e exclusão” e quando 
aplicada aos seus oficiais ainda tem a “deposição”112. Deposição, neste caso, é a 
destituição de um oficial do seu cargo, ou ofício. 
Além de admoestação, afastamento e exclusão, existem outras medidas para a 
disciplina eclesiástica, são elas: ensino, exortação, educação, repreensão e correção113. 
Contudo, muitos destes termos se confundem na prática, como por exemplo 
admoestação com exortação. Assim, tendo em vista a prática, o Código de Disciplina 
da IPB e a Confissão de Fé de Westminster, que é um dos símbolos de fé da IPB, 
resumiram bem os termos em apenas três medidas de disciplina. Sendo assim, essas 
medidas serão analisadas para uma melhor compreensão delas. 
Ensino, admoestação e exortação estão numa mesma medida de aplicação da 
disciplina. Essa medida compreende ensinar os irmãos, na Palavra, a vontade de Deus 
para suas vidas, e chamá-los ao arrependimento quando estão faltosos. Jesus Cristo 
 
111
 Código de Disciplina da IPB, art.2º, parágrafo único. 
112
 Idem, art.9º alíneas a, b, c, e d. Ver também, Confissão de Fé de Westminster cap. XXX.III e IV. 
113
 SHEDD, Russell P. Disciplina da Igreja. São Paulo: Vida Nova, 2000, pp.13-35. 
 
 
38
 
gastou horas incontáveis ensinando seus discípulos os princípios do Reino de Deus114. 
Também os apóstolos, principalmente Paulo, empenhavam-se em ensinar as palavras 
de Jesus e a vontade de Deus115. 
O ensino está diretamente ligado à pregação das Escrituras e ao testemunho da 
obediência a estes. A partir daí, aquele que ensina tem autoridade para exortar ou 
chamar a atenção de alguém que não está em conformidade com seus ensinos e 
testemunho. Assim, admoestar e exortar estão intimamente ligados pois tratam do 
“cuidado do Pastor divino ou humano pela existência de um ótimo desempenho na 
vida cristã”116 do crente. “O apelo da exortação deve aclarar a grandeza do amor 
estendido ao pecador para em seguida persuadi-lo a desejar a transformação de vida 
que Deus exige, conhecendo e querendo fazer a boa, agradável e perfeita vontade de 
Deus”117. 
A intimidade, contudo, não exclui uma pequena diferença. Admoestar implica 
num sentido de maior urgência que exortar. Se após o ensino e o apelo da exortação o 
crente faltoso insistir em caminhar no sentido errado, será necessária uma advertência 
incisiva, contundente e, às vezes, até dura de ouvir para mostrar ao crente faltoso o 
perigo iminente de tal caminho. Seria o mesmo que um pai, ou mãe, atravessar na 
frente de um filho que insiste em correr perto de um desfiladeiro, avisando-o que tal 
prática vai lhe causar uma queda danosa. Assim, pois, a admoestação é o ato de avisar 
com franqueza e clareza, mesmo que não seja pedido, que uma determinada prática 
pode causar grandes danos na vida do crente, mesmo que ainda não esteja efetivada 
 
114
 Mt.4.23; 5-7; 9.35; Lc.13.22; Jo.6.45; 7.16; 18.20.115
 At.5.42; 20.18-21; Rm.12.1-2; 1Co.2.13; 2Ts.2.15; 2Pe.3.2. 
116
 SHEDD, Russell P. Disciplina da Igreja. São Paulo: Vida Nova, 2000, p.17. 
117
 idem, p.19. 
 
 
39
 
em sua vida. Um claro exemplo disso é a admoestação de Paulo ao seu jovem 
discípulo Timóteo, quando o apóstolo manda-o fugir das práticas, e até de pessoas que 
levam à perdição118. 
Assim, ensinar o crente na Palavra do Senhor, encorajá-lo e adverti-lo a viver 
em conformidade com este ensino são partes de uma mesma medida de disciplina 
eclesiástica. Mas, se um crente, cujo ensino bom não lhe foi omisso, começar a ceder 
às tentações da carne e assim desviar-se do caminho certo para a prática deliberada do 
pecado, e não atender esta primeira medida da disciplina, resta à Igreja aplicar uma 
segunda medida. E essa segunda medida é o afastamento de tal crente da comunhão da 
Santa Ceia da Igreja. 
A idéia de afastamento, como medida disciplinar, é contrária à idéia do 
afastamento de Deus, afinal quem poderia resistir a tal afastamento? É antes disso, um 
afastamento dos benefícios eclesiásticos que o crente adquire quando este se encontra 
na Igreja, tais como a comunhão na Santa Ceia ou ser um dos oficiais da Igreja. 
A idéia de afastamento, também é oposta à idéia de expurgo. A não-graça 
pratica o expurgo. Expurgar é o ato de lançar fora tudo aquilo que está incomodando 
ou não cumpre mais certos requisitos. É purgar o indesejado ou o que é nocivo à 
instituição. 
Já o afastamento é uma medida lícita, ética e acima de tudo bíblica119. É uma 
atitude da graça na Igreja. “O afastamento deve dar-se quando o crédito da religião, a 
honra de Cristo e o bem do faltoso o exigem”120. De fato, deve ser o afastamento uma 
 
118
 1Tm.6.3-14; 2Tm.2.14.26; 3.1-5. 
119
 Mt.18; Rm.16.17; 1Co.5.1-2; 99-13; 2Ts.3.6, 14-15; Tt.3.10-11. 
120
 Código de Disciplina da IPB, art.9º, alínea b. 
 
 
40
 
medida muito cautelosa, por isso só quando há verdadeiras exigências é que tal medida 
deve ser acionada. 
E que exigências são estas? Ora, a Bíblia é a única fonte de regra e prática para 
a Igreja de Jesus Cristo, por isso ela é autoridade máxima na hora de avaliar se essa ou 
aquela atitude é passível de disciplina, principalmente no uso do afastamento como 
medida cautelar e corretiva. Então, eis a necessidade de consultá-la a fim de extrair a 
compreensão de tal medida. 
Inicialmente deve-se levar em consideração que o afastamento é aplicado 
quando o crente faltoso está insubmisso ao ensino da Palavra de Deus. “Rogo-vos, 
irmãos, que noteis bem aqueles que provocam divisões e escândalos, em desacordo 
com a doutrina que aprendestes; afastai-vos deles, porque esses tais não servem a 
Cristo, nosso Senhor”121. Paulo, neste texto, não deixa sombra de dúvida que o 
afastamento é uma medida que visa o bem do corpo de Cristo, a Igreja. Além deste 
texto, Paulo ainda fala para Tito evitar o homem faccioso depois de tê-lo admoestado 
pela segunda vez122, ou seja, depois de ter aplicado a primeira medida disciplinar. 
Assim, não deixar que o faltoso provoque divisão e escândalo na Igreja é uma das 
exigências para aplicar a medida de afastamento. 
A outra exigência que a medida de afastamento deve buscar é o bem do faltoso. 
Para isso a medida de afastamento conta com a educação e correção dos membros. Na 
Bíblia, a educação quase sempre está ligada à correção que um pai exerce sobre um 
filho. Um dos textos mais lindos da Bíblia sobre isso certamente é o de Hebreus, 
capítulo doze: 
 
121
 Rm.16.17-18a. 
122
 Tt.3.10-11. 
 
 
41
 
 
Filho meu, não menosprezes a correção que vem do Senhor, nem desmaies quando 
por ele és reprovado; 
porque o Senhor corrige a quem ama e açoita a todo filho a quem recebe. 
É para disciplina que perseverais (Deus vos trata como filhos); pois que filho há 
que o pai não corrige? 
Mas, se estais sem correção, de que todos se têm tornado participantes, logo, sois 
bastardos e não filhos. 
Além disso, tínhamos os nossos pais segundo a carne, que nos corrigiam, e os 
respeitávamos; não havemos de estar em muito maior submissão ao Pai espiritual 
e, então, viveremos? 
Pois eles nos corrigiam por pouco tempo, segundo melhor lhes parecia; Deus, 
porém, nos disciplina para aproveitamento, a fim de sermos participantes da sua 
santidade. 
Toda disciplina, com efeito, no momento não parece ser motivo de alegria, mas de 
tristeza; ao depois, entretanto, produz fruto pacífico aos que têm sido por ela 
exercitados, fruto de justiça. 
Por isso, restabelecei as mãos descaídas e os joelhos trôpegos; 
e fazei caminhos retos para os pés, para que não se extravie o que é manco; antes, 
seja curado. 
Segui a paz com todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor, 
atentando, diligentemente, por que ninguém seja faltoso, separando-se da graça de 
Deus; nem haja alguma raiz de amargura que, brotando, vos perturbe, e, por meio 
dela, muitos sejam contaminados.123 
 
Neste pequeno trecho da Bíblia ocorre algo que realmente é digno de atenção, a 
raiz grega do termo paideia124 ocorre oitos vezes aqui, neste caso nos termos acima em 
negrito. Nota-se que é Deus quem disciplina seus filhos, mas a exigência de tal 
disciplina é o próprio bem daquele que a recebe125. Essa exigência “visa o avanço da 
maturidade e uma reação de gratidão”126 por parte do disciplinado, pois o próprio Deus 
desampara para provar e fazer o faltoso ter conhecimento do que se passa no seu 
coração e suas reais intenções127. Assim, a Igreja ao aplicar a medida de afastamento 
 
123
 Hb.12.5-15, negrito meu. 
124
 paidei,a (paideia) – trata-se de um termo de difícil tradução, pois o conceito grego de educação, disciplina e 
correção está ligado à formação total do homem. Não se trata de apenas uma repreensão, mas de um processo 
pelo qual a integridade do homem é formada a fim de ser um completo cidadão cumpridor dos deveres da 
pólis (Cidade, Estado, Nação). No caso bíblico, Deus disciplina, educa, corrige como um pai ao seu filho, a 
fim de formar nele o caráter de um verdadeiro cidadão dos céus. cf. JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do 
homem grego. São Paulo: Martins Fontes, 2001; Ap.3.19; 2.5. 
125
 é parte do processo de educação do crente a fim de capacitá-lo a desfrutar a santidade de Deus. É prova de 
que através da disciplina o filho sabe que tem um Pai que se preocupa com ele. E ajuda a treinar o crente a ser 
obediente, produzindo o fruto de justiça. 
126
 SHEDD, Russell P. Disciplina da Igreja. São Paulo: Vida Nova, 2000, p.23. 
127
 2Cr.32.31. 
 
 
42
 
deve ter em mente essa exigência, pois o membro da Igreja deve ser punido com toda a 
graça de Deus a fim de “não ser consumido por excessiva tristeza”128. 
Mas acontece que nem sempre o afastamento desperta arrependimento no crente 
faltoso, não restando outra alternativa senão a exclusão. Tal como o afastamento, a 
exclusão não se trata de expurgar o faltoso numa atitude impiedosa, mas sim de 
entregá-lo ao julgamento de Deus deixando o faltoso seguir o seu caminho de 
insubmissão a Deus e à Igreja. Na verdade, “toda e qualquer pena deve ser aplicada 
com prudência, discrição e amor, a fim de despertar arrependimento no culpado e 
simpatia da igreja”129, por isso, “essa pena só pode ser imposta quando o faltoso se 
mostra incorrigível e insistente”130 na prática do pecado. 
Na verdade, o faltoso se distancia da Igreja por causa do pecado que ele não 
quer deixar de praticar, provocando uma auto-exclusão ao invés de uma expulsão. 
Todo pecado provoca auto-exclusão. Contudo, a Bíblia também fala da própria 
expulsão em termos

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