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OLIVEIRA VIANNA - A NAÇÃO E O ESTADO (1)

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92
Os patriotas que em 1822 levaram d. 
Pedro I a proclamar a nossa independência 
fundaram em terras da América, um novo 
império. Fundando este império, teriam 
fundado uma Nação? 
Isto importa em indagar ao proclamar 
a sua independência e ao realizar a sua 
organização constitucional, possuía o 
Brasil uma política nacional, expressão das 
aspirações íntimas do povo, concretização 
dos ideais coletivos que a consciência 
nacional houvesse elaborado. Cada nação 
realmente constituída, consciente dos seus 
destinos nacionais, tem um programa, um 
objetivo, uma finalidade em suma, uma 
política nacional, que ela realiza por meio 
dos órgãos do Estado, com os recursos 
que a sua organização de poderes públicos 
põe nas mãos dos homens de governo, 
das elites dirigentes. 
Teve a Nação brasileira, durante este 
cento e tantos anos de independência 
esta política? Deu aos homens públicos, 
mais bem intencionados, mais cheios de 
abnegação e patriotismo, a inspiração ne-
cessária às suas diretrizes administrativas?
Infelizmente, a resposta só pode ser 
negativa. Os homens de estado brasilei-
ros, os que, para empregar a expressão 
de Hauriou, possuíam o “sentimento 
institucional da responsabilidade pública 
nacional”, nunca encontraram no povo 
nenhum centro de inspiração e orienta-
ção política. Por que? Porque ao povo 
brasileiro sempre faltou uma consciência 
nacional profunda, um sentimento de sua 
finalidade histórica, do seu destino como 
povo, ou para empregar uma frase de 
Renard, uma “mística nacional”.
Que significa o sentimento nacional? 
– pergunta Georges Renard. E responde:
– “É certamente uma mística que 
solidariza as gerações entre si, sem 
embargo das vicissitudes política e 
histórica. A nação é uma mística incorpo-
rada em uma população e mantida pela 
renovação contínua desta população. É 
uma mística que “trabalha”, como as ideias 
“trabalham” nas instituições. A nação é 
uma instituição”.
É esta mística oriunda do sentimento 
profundo de nacionalidade, que caracteriza 
os povos que se elevam, por integrações 
sucessivas da sua consciência coletiva, à 
condição de verdadeiras nações: o inglês, 
o alemão, o japonês - os três maiores 
povos, em que a mística do sentimento 
nacional existe com a força de um instinto 
profundo. Cada um destes povos, tem, 
realmente, um sentimento místico da 
comunidade nacional e este sentimento, 
para empregar a frase tão expressiva e pro-
funda de Renard, «trabalha», isto é, é um 
sentimento militante, ativo, determinante, 
que atua intimamente, inspirando as atitu-
des que cada inglês, de cada alemão, de 
cada japonês. Cada um deles vive sob a 
ação deste sentimento dominante, traz em 
si, dentro do seu coração, nos substratos 
mais recalcados do seu subconsciente, a 
sua pátria nacional, o culto do seu povo, 
o sentimento da sua fidelidade e o espírito 
de sacrifício para com ele.
O sinal mais evidente e característico 
disto que poderíamos a institucionalização 
MORAL E CÍVICA 
(Artigo escrito em 1932)
93OUTUBRO‡NOVEMBRO‡DEZEMBRO 2013
do sentimento da nacionalidade no povo 
japonês, no alemão, no inglês (como no 
romano antigo) está neste orgulho íntimo 
que cada um deles sente da sua nação. 
Cada japonês, cada alemão, cada inglês, 
sente a superioridade do seu povo em 
face dos outros, tem o orgulho da sua 
comunidade nacional. Neles o sentimento 
da comunidade nacional sobreleva tudo; 
é uma força determinante da sua conduta 
mesmo na sua vida privada. “Deutsch 
uber alles”! - diz o alemão: é a sua mística 
nacional. “Role, Britannia”! – diz o inglês: 
é sua mística imperialista. “Daí Nippon” 
(“o grande Japão”) – diz o japonês: é 
mística da grandeza nacional, mística do 
povo cioso de sua insularidade, de nação 
nunca invadida, nem dominada, eterna, 
prolongando-se pelo futuro. Em face do 
bárbaro e do mundo, dizia o romano 
antigo, com infinito orgulho, cheio da 
grandeza de Roma Imperial: Civis sum 
romanista! e, nestes momentos, o civis 
romano todo cheio de Roma, da sua glória, 
do orgulho da sua comunidade nacional, 
a nação romana palpitava dentro de cada 
coração romano, como a nação alemão, 
ou inglesa, ou nipônica palpita dentro da 
alma de cada inglês, de cada japonês, de 
cada alemão. 
Conosco não se dá a mesma coisa. 
Não tem o nosso povo nenhuma mística 
incorporada à sua psique nenhum grande 
objetivo nacional a realizar ou a defender, 
nenhuma grande tradição a manter, 
nenhum ideal coletivo, de que o Estado 
Nacional seja o órgão necessário à sua 
realização.
Esta inexistência de uma mística na-
cional, de que o Estado Nacional seja um 
instrumento realizador é que, faz com 
que a vida política no Brasil não tenha 
nenhum sentido nacional, Sendo apenas 
o reflexo dos interesses dos localizamos, 
dos providencialismos, dos partidarismos 
regionais. Tome-se a vida política do país 
que se processa no plano nacional ou 
federal, e ver-se-a que ela é toda tecida 
de interesses locais, de preocupações de 
grupos, de facções, de partidos. Nenhuma 
preocupação fundamentalmente nacional, 
isto é, que interesse exclusivamente a cole-
tividade nacional, considerada como uma 
entidade viva, como uma comunidade 
corporativa, “trabalha”, para empregar a 
frase de Renard, no espírito dos homens 
que se agitam neste plano nacional.
Culpa, não tanto dos homens, mas, 
antes de tudo, da nossa própria história, 
das condições em que processou a 
nossa formação social e política. Fatores 
históricos nos escassearam, que fossem 
capazes de formar, pela sua longa atuação 
no plano do tempo, este precipitado de 
sentimentos coletivos, que construiriam 
a nossa consciência de nacionalidade, o 
nosso sentimento de comunidade nacio-
nal, e, por fim, uma mística nacional. O 
nosso espírito nacional é rarefeito, carece 
de densidade e, portanto, de força deter-
minante, de poder normativo. Chegamos 
à ideia da nação, mas não ao sentimento 
da comunidade nacional: eis aí. 
Certo, o movimento de independên-
cia, o sentimento de antagonismo entre 
INTELIGÊNCIAI N S I G H T
94
brasileiros e portugueses, o espírito nacio-
nalista e jacobinista que defl agrou em tan-
tos movimentos anteriores e posteriores 
à Independência são estados de espírito 
coletivos, que parecem indicar a existência 
de uma consciência nacional. Entretanto, 
o jacobinismo, que constituiu a forma 
mais expressiva do sentimento de nacio-
nalismo, naquela época não é bem um 
sentimento equivalente da comunidade 
nacional. O brasileiro daquela época, que 
reagia contra o português, contra o “pé de 
chumbo”, contra o “marinheiro”, contra 
o “maroto” aqui, na Bahia, no Recife, no 
Maranhão, etc., o fazia sem um sentimento 
profundo e forte da comunidade nacional, 
mais como baiano, como pernambucano, 
como maranhense, como fluminense, 
refletindo o antagonismo do seu pe-
queno meio local - e não o sentimento 
superior da comunhão nacional. Esta era 
tão francamente sentida no consciência 
dos homens daquele tempo que, feita a 
Independência, o grande problema dos 
homens de estado foi justamente reagir 
contra a tendência separatista, contra a 
tendência de cada província a libertar-se 
do centro do império para viver a sua vida 
autônoma. 
Hoje ainda, decorrido um século, a 
situação não é diversa, salvo uma pequena 
elite diminutíssima. O brasileiro em geral, 
nunca consegue elevar-se à consciência e 
ao sentimento da comunidade nacional; 
normalmente, vive dentro do seu pequeno 
horizonte de interesse de grupo, defacção, 
de partido. Mesmo os que exercem o 
governo ou fazem a alta política do país, 
raramente mantém uma atitude, uma 
perspectiva, um horizonte de montanha: 
em regra, fi cam ao nível do mar, senão 
sob o aspecto das ideias, ao menos sob o 
aspectos dos sentimentos... Equivale dizer 
que, entre nós, na generalidade do nosso 
povo, a nação não é sentida como uma 
comunidade, não se formou na consciên-
cia de cada cidadão este complexo afetivo, 
que constitui o sentimento institucional da 
nação, tal como defi nem os institucionalis-
tas, à maneira de Hauriou, Geny, Renard.
Tome-se um alemão, recolhido num 
recanto qualquer da Alemanha ou per-
dido no seio da nossa selva subtropical; 
tome-se um inglês, preocupado com os 
interesses locais da sua pequena town ou 
pastoreando carneiros na Austrália; tome-
-se um japonês, cultivando arrozais numa 
pequena comunidade rural da sua terra ou 
vivendo numa pequena colônia da Ribeira 
paulista: cada um deles é, principalmente, 
alemão, inglês, japonês. O interesse do 
bairro, do povoado, do grupo, do partido, 
da religião existe nele: mas, não é tão forte, 
nem tão vivo como o sentimento da pátria 
comum. Eles sentem o seu povo – a sua 
comunidade nacional.
No Brasil, cada um de nós, nas cidades, 
nos sertões, nos litorais, sente vivamente a 
sua família ou a sua gens (como nos altos 
sertões), o seu partido regional (como no 
extremo-sul), o seu grupo regional (como 
os paulistas post-bellum): mas, da pátria 
comum, do Brasil temos apenas uma 
consciência de densidade, nem nitidez; 
em nenhum de nós o sentimento nacional 
atinge a força, a profundeza, a riqueza 
afetiva do sentimento nacional do japonês, 
do alemão ou do inglês. 
Desta análise das condições atuais da 
nossa psique coletiva, a conclusão é que o 
grande problema político do nosso povo, 
o maior problema proposto à inteligência 
e ao caráter dos nossos homens de gover-
no, continua a ser, como há cem anos, a 
constituição da unidade moral da Nação. 
Nos outros povos, esta unidade moral, 
é produto dos fatores históricos; no nosso, 
como em todos os povos de formação 
colonial, há de ser por obra do Estado, 
realizando uma política nacional, racio-
nalmente determinada, conscientemente 
determinada, conscientemente deliberada; 
mas, obra de um Estado necessariamente 
forte, dominador, traçando a todos os 
grupos locais, as normas da sua orienta-
ção; Estado que resolva o problema da 
administração pela descentralização e 
não pela federação; Estado manejado por 
uma elite desinteressada, de verdadeiros 
patriotas, dotada do sentimento da comu-
nidade nacional, e, por isso mesmo, capaz 
de dar à massa popular, destituída deste 
sentimento, exemplos de desinteresse, de 
abnegação de sacrifício pessoal em prol do 
bem comum da Nação.
Só assim teremos completado e aca-
bado a obra grandiosa dos que, há cento 
e dez anos, lançaram os fundamentos 
políticos da nacionalidade. Só assim 
poderemos dizer que, herdeiros deles e 
seus continuadores não somos indignos 
de partilhar um pouco sua grandeza e da 
sua glória. 
Artigo escrito em 1932
MORAL E CÍVICA

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