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República Velha e Cafeicultura

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Aula 4
O início da República Velha ou Primeira República (1889-1930), foi marcada por duas mudanças: o povo passou a escolher os governantes, ainda que sujeito a grandes restrições, e a igreja foi legalmente separada do Estado, por meio de uma nova Constituição. 
No entanto, a República Velha não mudou o fato de o Brasil ser o país do café e dos grandes latifúndios. Os donos destas propriedades, chamados coronéis, impunham seu poder sobre os empregados, submetendo-os ao voto de cabresto. 
O início da República Velha foi caracterizado por condições altamente favoráveis para a acumulação de capital na cafeicultura. 
No final do século XIX marcou importante fluxo de imigrantes europeus para o país, atraídos particularmente pela cultura cafeeira desenvolvida em São Paulo. 
Isso aconteceu porque o governo brasileiro criou uma série de estímulos para a vinda desses estrangeiros e porque a Argentina, concorrente do Brasil no abrigo aos imigrantes, passou por um período de estagnação econômica durante toda a década de 1890. 
Nesse período, cerca de 1.400.000 imigrantes aportaram no Brasil. Deste, aproxidamente 890 mil vieram para região paulista do café. 
A cafeicultura encontrou uma situação especial de ampliação das terras disponíveis para o cultivo, decorrente da importante expansão da malha ferroviária no espaço paulista. 
Esses fatores conjugados (espaço e mão-de-obra) permitiram um relevante aumento da capacidade produtiva do café. 
A grande entrada de mão-de-obra imigrante garantiu a manutenção de taxas salariais em um nível bastante reduzido. Como mão-de-obra é um determinante do preço de um produto, foi possível haver aumento da produção sem aumento associado dos custos médios. 
Dessa forma, a cafeicultura experimentou grande aumento na acumulação de capital, persistindo, em consequência, o aumento sistemático da produção. 
Quando falamos de mão-de-obra, se há muitos funcionários disponíveis, eles competem pelo emprego. 
Os contratadores podem, então, oferecer salários mais baixos, que serão certamente aceitos por alguns candidatos ao posto. 
Por esse motivo, o grande números imigrantes (que chegavam ao Brasil sem ter onde morar e em que trabalhar) teve, como consequência, a redução dos salários pagos pelo cultivo do café. 
1889/1898: desvalorização cambial e sustentação da renda da cafeicultura
No final da década de 80 do século XIX, os preços internacionais do café seguiram uma trajetória sistemática de alta, ampliando as margens de lucro do setor. 
Isso era resultado do crescimento da demanda norte-americana, responsável por cerca de 60% das compras de café no mercado internacional e pela quebra da safra brasileira em 1887/88 e 1889/90, o que reduziu significativamente a oferta. 
É importante ressaltar que a produção brasileira representava, naquele momento, algo em torno de ¾ da oferta total de exportação de café no mundo. 
Você pode imaginar, então, que qualquer mudança no patamar produtivo brasileiro afetava substancialmente a oferta internacional do produto. 
Taxa de câmbio e mercado cambial
Antes de entender o que significam estes dois conceitos, você precisa ter em mente que as transações financeiras e comerciais entre países diferentes sempre acontecem usando uma moeda como referência. 
Nos dias de hoje, o dólar é esta moeda, por ser o dinheiro do país economicamente mais forte do mundo, EUA. 
Na época da Primeira República, as negociações aconteciam em libras, pois estas eram (e ainda são) a moeda da Inglaterra. 
Taxa de câmbio é o valor da moeda nacional em relação a uma moeda estrangeira (quantos reais custa um dólar, por exemplo). 
Ela é determinada, fundamentalmente, pelas transações de compra e venda de moeda estrangeira, que acontecem em um “ambiente virtual”, o mercado de câmbio. 
Os agentes envolvidos neste mercado são, em geral, demandantes e ofertantes de moeda estrangeira. 
As fontes de demanda por moeda estrangeira são: 
- gastos com importações de bens e serviços;
- pagamentos de dívidas contraídas anteriormente com outros países;
- remessas de lucros para matriz de empresa multinacional; 
- aplicações financeiras no exterior. 
Já a oferta de moeda estrangeira caracteriza-se por: 
- receitas de exportação de bens e serviços;
- dívidas contraídas;
- rendas recebidas;
- aplicações financeiras de estrangeiros no Brasil. 
Mas o maior e mais importante ator desse mercado é o Banco Central. 
O Banco Central é o gestor da política cambial, pois aumenta ou diminui a oferta de moeda estrangeira, podendo controlar, por esse mecanismo de oferta e procura, as taxas de câmbio. 
Uma desvalorização da taxa de câmbio representa o aumento do preço da moeda estrangeira, encarecendo os produtos importados e aumentando as receitas de exportações em moeda nacional. 
Ao contrário, uma valorização cambial reduz o preço da moeda estrangeira e, consequentemente, o preço pago por produtos importados – ao mesmo tempo que diminui as receitas de exportações em moeda nacional. 
A partir de 1891, no entanto, o contínuo avanço da produção entrou em descompasso com o crescimento do mercado externo, principalmente após o início da prolongada crise econômica que passou a assolar a economia norte-americana em 1893 (sentida, pelo menos, até meados de 1897). 
Nosso país produzia mais café (aumentava a oferta) e não havia resposta da economia mundial na mesma medida. 
Houve uma queda sensível do preço internacional do café, revertendo a tendência de alta dos preços até então registrada, determinando uma redução da receita das exportações. 
Cabe destacar que o Brasil, àquela altura, dependia fortemente das receitas em moeda estrangeira oriundas das vendas externas do café, nosso principal produto de exportação desde a metade do século XIX. 
Em decorrência da queda de preços do café, o Balanço de Pagamentos sofreu um impacto importante, promovendo mudanças na condução da política econômica do Brasil. 
Esse movimento provocou o início de um ciclo de desvalorização da taxa de câmbio que marcou de maneira expressiva os primeiros anos da República Velha. 
Um dos problemas associados a essa queda do preço é o que chamamos inelasticidade-preço da demanda por café. 
Uma queda de preço não implica aumento proporcional da demanda pelo produto. Ou seja, estar mais barato não fará com que as vendas do café aumentem de forma a manter a receita constante, independentemente da quantidade de produto negociada. 
Do mesmo modo, o aumento do preço não reduz seu mercado na mesma produção. 
A desvalorização cambial era uma realidade decorrente de dois fatores: 
1) redução da entrada de moeda estrangeira no país, devido à queda do preço internacional da café; 
2) pressão política exercida pelos cafeicultores, visando preservar seus ganhos em moeda nacional. 
O quadro econômico interno da primeira década da República Velha já estava bastante complicado. 
Além de ter sofrido os efeitos de uma seca prolongada para as principais culturas agrícolas do país, esse período foi marcado por uma forte estagnação econômica, dada a desorganização da produção de culturas tradicionais (como a açucareira e do algodão) em decorrência da abolição da escravatura, em 1888. 
O uso do imigrante substituindo o trabalho escravo estava cristalizado apenas na produção de café, de maneira que as demais atividades produtivas necessitavam de recursos para sua recuperação. 
Nessa direção foi implementada uma política de emissão monetária na gestão de Rui Barbosa, como Ministro da Fazenda do governo provisório de Deodoro da Fonseca que ficou conhecida como encilhamento. 
Essa política, entretanto, causou uma profunda desordem financeira na economia brasileira. O encilhamento teve efeitos diretos sobre a taxa de câmbio e contribuiu fortemente para uma desvalorização cambial mais intensa. 
Este processo, todavia, determinava a formação de um círculo vicioso, na medida em que, apesar da queda de preço internacional do café, a sustentação
das receitas em mil-réis para os produtores e exportadores de café os estimulava a aumentar ainda mais a produção. 
Aumento da produção brasileira de café
Elevação da oferta internacional do café (com demanda estagnada)
Redução do preço internacional do café
Queda da receita das exportações do café 
Redução da oferta de moeda estrangeira no Brasil 
Desvalorização cambial 
Aumento dos preços internos e da receita em moeda nacional
A longo prazo, manter essas condições mostrava-se inviável. A desvalorização cambial determinava uma elevação dos preços dos produtos importados – base da cesta de consumo brasileira, uma vez que pouco era produzido para o mercado interno. 
Assim, a subsistência tornava-se mais cara em moeda nacional, forçando o aumento dos salários, base dos custos de produção da cultura cafeeira. 
Seguindo esta tendência, o aumento dos custos seria responsável pela redução da margem de lucro da cafeicultura, reduzindo seu espaço para acumulação de capital em longo prazo. 
De maneira mais dramática em curto e médio prazos, a desvalorização cambial afetava também as finanças públicas. 
A redução nas importações diminuía sistematicamente a receita do governo, que tinha nas arrecadações de impostos sobre os produtos importados sua maior fonte. 
Queda dos preços do café em moeda estrangeira
Desvalorização cambial – aumento do preço do café em moeda nacional 
Perda do poder de compra de produtos importados com moeda nacional
Necessidade de aumento dos salários
Aumento nos custos da produção do café
Redução dos lucros dos cafeicultores
De maneira mais dramática em curto e médio prazos, a desvalorização cambial afetava também as finanças públicas. 
A redução nas importações diminuía sistematicamente a receita do governo, que tinha nas arrecadações de impostos sobre os produtos importados sua maior fonte. 
O fim da tarifa-ouro (imposto cobrado pelo governo em ouro) aplicada sobre as importações em 1891 agravava esse quadro, corroendo a capacidade de arrecadação do Estado. 
Ao mesmo tempo, a maior fonte de financiamento público era o endividamento externo, cujo pagamento é efetivado em moeda estrangeira – a desvalorização cambial implicava, portanto, aumento das necessidades de gasto do governo. 
Sustentar por muito tempo essa situação poderia levar as finanças à bancarrota, pois a possibilidade de obter novos empréstimos externos reduzia-se à medida que as receitas de exportações caíam. 
Quanto menor a entrada de moeda estrangeira no país, maior o risco de não pagar as dívidas e, obviamente, menor a oferta de novos empréstimos. 
Quando a República foi proclamada, instaurou-se um governo provisório, comandado por Deodoro da Fonseca. Deodoro se manteve no poder até novembro de 1891, quando tentou dar um golpe de Estado e dissolver o Congresso. 
A campanha legalista de Floriano Peixoto, outro militar, derrotou as pretensões de Deodoro colocando Floriano Peixoto no poder, o que prolongou até 1894 a República da Espada. 
O presidente seguinte foi Prudente de Moraes, civil e paulista, que foi eleito pelo povo. Prudente de Moraes deu início ao período que ficou conhecido como República do Café-com-Leite e consolida a presença dos civis no governo do país. 
Foi substituído, ao final de seu mandato, por Campos Sales, também representante da oligarquia cafeeira paulista. 
Apoiado em um discurso de base liberal, que valorizava o papel do mercado e os efeitos negativos da intervenção governamental, a política econômica do governo Campos Sales citava a ineficiência produtiva no Brasil (tanto no campo quanto na indústria nascente) como justificativa para uma mudança radical nos rumos do país. 
Na verdade, a meta primordial do presidente era a obtenção de novos recursos externos para resolver o problema de solvência das finanças públicas. 
Logo ao tomar posse, o novo presidente foi à Europa em busca de recursos. Campos Sales assinou o II Funding Loan (moratória concedida pelos credores a um Estado devedor), negociando uma consolidação da dívida externa brasileira com novas condições (mais favoráveis) de pagamento. 
Em contrapartida, firmou uma série de compromissos para a condução da política econômica do país. 
O objetivo principal da nova política econômica era bastante claro: definir uma trajetória de saneamento monetário capaz de impor uma inversão dos movimentos da taxa cambial, permitindo a valorização da moeda nacional. 
Por trás disso estava o firme propósito de garantir condições para o pagamento da dívida externa consolidada no início do governo. 
Para isso, o governo empreendeu esforços significativos buscando a redução do déficit e a retirada de circulação de moeda no valor equivalente à dívida a ser paga (de acordo com a taxa cambial definida na época). 
Havia ainda a necessidade de depositar esse montante em bancos estrangeiros predeterminados no acordo firmado com os credores. 
Do ponto de vista fiscal, foi novamente aplicada a tarifa-ouro para as compras de importados, o que garantia para o governo uma receita em moeda estrangeira. Esta tarifa sofreu aumentos importantes a partir de 1900. 
Os efeitos dessa política foram bastante sentidos pela população, com destaque para uma pesada diminuição do nível de atividade econômica decorrente de uma forte retratação da oferta de moeda e crédito e da deflação* associada a essa retração (30%). 
*ao contrário da inflação, uma deflação significa uma queda do índice geral de preços de um país, geralmente associada a uma retração do nível de atividade econômica
Em consequência, o câmbio foi efetivamente valorizado e mantido sob controle durante a vigência dessas medidas de política econômica. 
Em contrapartida, a economia brasileira acabou sofrendo os efeitos dessa política com o pânico bancário no Rio de janeiro em 1900 (dada a retração da oferta de moeda) e uma importante recessão – afetando os negócios em geral e, particularmente, os cafeicultores, que pressionavam para uma mudança nos rumos da política adotada. 
Quando o Brasil assinou o II Funding Loan, houve a retirada de muito papel-moeda de circulação. 
Isto aconteceu devido às condições do contrato assinado, que solicitava que parte da dívida fosse depositada em bancos internacionais como garantia. 
A retirada de dinheiro de circulação causou uma enorme crise econômica. Diante da impossibilidade de uma nova política de emissão, o governo resolveu utilizar o dinheiro do principal banco brasileiro dessa época, o Banco Republicano Brasileiro (BRB).
Esse fato gerou muita preocupação na sociedade. O BRB foi liquidado e reestruturado, agora sob controle do governo, que se responsabilizou pelas dividas e gerou títulos que poderiam ser resgatados no futuro. Isso, de certa forma, apaziguou a eminente crise da sociedade. 
A política econômica levada a cabo a partir do governo Campos Sales seguiu, de modo geral, a preocupação com a estabilidade monetária e cambial. 
Nesse período, em contrapartida, cresciam as demandas, sobretudo dos cafeicultores, para um direcionamento mais flexível que permitisse a retomada do crescimento econômico. 
De certa forma, o aumento da população urbana e a necessidade de investimentos em infraestrutura – principalmente nas áreas de saneamento, urbanização, portos e estradas de ferro – garantiram uma importante retomada do nível de atividade da economia brasileira. 
A estabilidade monetária e a constante pressão para valorização cambial deixavam insatisfeitos os cafeicultores, que viam suas receitas recorrentemente reduzidas ou ameaçadas. 
A situação agravava-se toda vez que havia uma previsão de safra excedente na produção do café. 
Afinal, como você já viu, a participação da produção brasileira na oferta mundial era altamente significativa, com impactos imediatos na determinação de preço internacional. 
O cenário da virada de 1905 para 1906 caminhava exatamente nessa direção. Havia uma perspectiva de grande produção para 1906/7 – em 1906, a safra de café passava de 20
milhões de sacas para uma demanda internacional de aproximadamente 16 milhões. 
Havia, portanto, a ameaça de mais uma crise de superprodução. Exercendo sua enorme capacidade de interferência no poder, especialmente através do governo da província de São Paulo, os cafeicultores conseguiram negociar uma vantajosa solução para o problema. 
Conhecida como Convênio de Taubaté, esta solução foi firmada em 1906 pelos presidentes das províncias de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro – os três maiores produtores de café -, mesmo contando com a oposição de Rodrigues Alves, o então presidente da República. 
O Convênio de Taubaté, estabeleceu que: 
1) haveria a compra de excedentes de produção pelos governos estaduais envolvidos; 
2) a compra seria viabilizada por meio de um financiamento de 15 milhões de libras esterlinas;
3) o gasto com a compra do excedente de café seria coberto pela criação de um imposto em ouro aplicado a casa saca exportadora de café; 
4) um fundo seria criado para estabilizar a taxa de câmbio, impedindo sua constante valorização – que funcionaria na forma de uma caixa de conversão;
5) seriam tomadas medidas para desencorajar a expansão das lavouras no longo prazo, como a definição de taxas proibitivas. 
Essas medidas mudariam significativamente a orientação da política econômica do país no que diz respeito às exportações de café. 
O Convênio de Taubaté determinou, nesse sentido, a institucionalização da prática de controle de estoques para regular o preço internacional, artifício permitido pela enorme parcela do mercado internacional ocupada pela produção brasileira.
Todavia, apesar do sucesso alcançado na estabilização dos preços internacionais, a prática acabou induzindo uma forte concentração na atividade cafeeira. 
Os maiores lucros acabaram direcionados para os operadores do mercado financeiro, com destaque para os banqueiros internacionais e as casas comissárias, que compravam o produto na baixa e vendiam na alta. 
Os banqueiros internacionais, inclusive, passaram a dominar o comércio do café, credenciados pela dívida externa crescente, e adquiriram grandes fazendas dos produtos nacionais. 
Além disso, a manutenção de altos preços e da receita de exportação inviabilizava qualquer tentativa de desestimular o crescimento das lavouras, tornando o problema insolúvel no longo prazo.

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