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1 UNIVERSIDADE PAULISTA - UNIP INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS CURSO DE PSICOLOGIA PSICOLOGIA: CIÊNCIA E PROFISSÃO COLETÂNEA DE TEXTOS PARA FINS DIDÁTICOS ELABORADOS PELO PROF. DR. WALDIR BETTOI 2017 PSICOLOGIA: CIÊNCIA E PROFISSÃO APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA O objetivo da disciplina Psicologia: Ciência e Profissão é que você obtenha informações sobre a diversidade da Psicologia, como uma área do conhecimento científico humano, e sobre a diversidade da atuação profissional do psicólogo. Além de propiciar a você o contato com essas informações, outro objetivo da disciplina é que você reflita sobre os efeitos que a atuação do psicólogo produz sobre a sociedade, isto é, sobre a função social do profissional. A importância desses objetivos se justifica na medida em que se tem observado que parte significativa dos alunos que entram no curso não costuma imaginar o que vai encontrar ao entrar em contato com a ciência da Psicologia: uma imensa variedade de formas diferentes de pensar, de ideias, de crenças e convicções, que se denominam todas como Psicologia, coexistindo no mesmo espaço psicológico. Além disso, muitos dos alunos não conhecem as amplas possibilidades de atuação profissional do psicólogo, ou conhece apenas as possibilidades mais tradicionais. Para atingir esses objetivos, a disciplina oferecerá a você um conjunto de condições educacionais, presentes neste material com o qual você está entrando em contato. Essas condições são constituídas de textos, em que serão apresentadas algumas informações sobre a Psicologia e a atuação do psicólogo e em que se propõem algumas ideias para que pensemos criticamente sobre alguns pontos envolvidos. Cada um dos textos é acompanhado de atividades de estudo e reflexão sobre ele. ORGANIZAÇÃO DOS TEXTOS Os textos a serem lidos e estudados abordam quatro tópicos, diretamente relacionados aos objetivos da disciplina: 1. A diversidade da ciência psicológica; 2. A diversidade da atuação do psicólogo: 3. A atuação do psicólogo em contextos específicos e 4. A função social da atuação do psicólogo. Algumas breves informações sobre os textos são apresentadas a seguir: Texto 1: A Diversidade da Ciência Psicológica O assunto do primeiro texto já foi mencionado no início desta apresentação: nele se apresenta uma característica fundamental da Psicologia como Ciência, que é a diversi- dade do pensamento e do conhecimento psicológico. Como dissemos, muitos alunos 3 costumam se surpreender ao perceber que ao invés de ser uma área de conhecimento única, terminada, coesa e sobre a qual não há divergências, a Psicologia é uma área em que convivem ideias muitas vezes opostas, que partem de crenças e pressupostos bastante diferentes sobre o Homem, sobre o mundo e sobre outras questões fundamentais. O texto vai apresentar algumas informações e esclarecimentos importantes sobre isso. Texto 2: A Diversidade da Atuação do Psicólogo Este texto contém informações básicas sobre os contextos de atuação profissional dos psicólogos e as principais atividades desenvolvidas neles. Essas informações básicas são fundamentais para que você possa se preparar para o curso que está agora começando. É importante que você conheça alguns termos "técnicos" e algumas informações elementares sobre a profissão e sobre o que o psicólogo faz profissionalmente, para que seu contato com o curso seja mais proveitoso. Texto 3: A Atuação do Psicólogo em Contextos Específicos Neste texto se apresentam informações gerais sobre a atuação do psicólogo em contextos específicos de atuação, mencionados no texto anterior. Na realidade, ele se desdobra em vários outros textos, em que iremos nos deter em algumas particularidades daqueles contextos citados. Assim, a ampla variedade de contextos específicos agrupados sob a denominação de contexto da Saúde receberá alguma atenção e detalhe (por exemplo, o consultório particular, o Hospital Geral e as Instituições de Saúde). Também serão abordados o contexto Educacional, o Organizacional (do Trabalho) e o de Pesquisa. Em todos eles a ênfase estará na apresentação de algumas atividades neles desempenhadas e no levantamento de alguns pontos para reflexão. Texto 4: A Função Social da Atuação do Psicólogo Este texto contém critérios para a reflexão sobre a atuação profissional do psicólogo. Você será apresentado, através do texto, a algumas questões que têm sido levantadas por vários autores que pesquisam e refletem sobre a profissão do psicólogo brasileiro. Você irá entrar em contato com um critério que avalia a função social do trabalho do profissional, considerando seus efeitos sobre a sociedade. Além da leitura e discussão dos textos descritos, a disciplina PCP prevê que seus alunos realizem um trabalho de campo, descrito a seguir. TRABALHO DE CAMPO: contato direto com profissionais, através de entrevistas As informações sobre a atuação do psicólogo, veiculadas nos textos que você irá ler, serão complementadas por outras informações resultantes de entrevistas que você realizará com profissionais que estejam atuando no mercado de trabalho de sua cidade, nos diversos contextos de atuação existentes. Durante aulas específicas, você receberá instruções e orientação para este trabalho, que será realizado em grupo. 5 Psicologia: Ciência e Profissão Texto 1: A Diversidade da Ciência Psicológica O primeiro assunto que será apresentado refere-se a uma questão que precisa ser abordada logo de início na sua formação de psicólogo. Essa questão diz respeito à própria área de conhecimento que você resolveu estudar. A pergunta que se coloca é a seguinte: ao falarmos em “Psicologia”, estamos falando de um único corpo de conhecimento, sólido, indivisível e coeso ou estamos nos referindo a várias formas de pensar sobre os fenômenos psicológicos humanos, formas estas algumas vezes até diferentes entre si? Ao invés de nos referirmos à "Psicologia" (no singular) seria mais apropriado falar nas "Psicologias"? Estas e outras interessantes questões são discutidas no texto que você vai ler. Ao final dele você encontrará um roteiro de atividades de leitura e reflexão sobre os assuntos abordados que poderá ser bastante útil nesta sua primeira atividade de leitura da disciplina. A DIVERSIDADE CARACTERÍSTICA DA CIÊNCIA PSICOLÓGICA1 Podemos começar sua primeira leitura desta disciplina imaginando alguém nos seus primeiros dias como aluno ou aluna de Psicologia, começando a frequentar a faculdade e conhecendo todas as matérias, bastante curioso em relação ao que vai encontrar pela frente. Este aluno curioso quase certamente tem algumas expectativas, imagina determinadas coisas sobre a Psicologia e sobre a profissão e espera coisas de seu curso. Se fosse possível a gente adivinhar essas expectativas, poderíamos encontrar alguém pensando o seguinte: "Bom, estou pronto pra começar a aprender a Psicologia e o que o psicólogo faz. Tenho 5 anos pela frente pra 'devorar' o máximo que eu puder do que ela sabe sobre o ser humano. Não vejo a hora de conhecer essa 'coisa' chamada Psicologia!”. O pensamento desse estudante imaginário poderia estar revelando algumas expectativas que precisam ser comentadas aqui, nesta sua primeira leitura, porque elas estão diretamente relacionadas ao que vai acontecer neste curso que você está 1 Colaboraram na elaboração deste texto os professores Rita N. Gabriades e Carlos E. Costa 6 começando. Vamos falar especificamente de expectativas dos alunos relacionadas à própriaPsicologia e à profissão do psicólogo. Poderíamos dizer que aquele estudante, no fundo, imaginava a Psicologia como algo único, mencionado no singular, algo como uma ciência que já acumulou conhecimento sobre o ser humano. Ou seja, ele acredita que para todos os temas há uma resposta certa e acabada e que, portanto, seu compromisso para com o curso seja o de assimilação das "verdades" sobre a mente humana, ou sobre a essência humana, ou coisa que o valha, que será transmitida por um professor detentor absoluto do conhecimento dos "mistérios da alma humana", já que "iniciado" nesta "arte" e com alguns anos de prática profissional. À medida que este aluno começar a se aprofundar no curso começará a perceber que, na realidade, as coisas não são exatamente assim. Em primeiro lugar, ele verá que o conhecimento psicológico não é alguma coisa terminada, que é só procurar uma faculdade de Psicologia e, com a maior disposição e empenhos possíveis, dedicar-se a absorver tudo o que conseguir desse conhecimento pronto. A experiência do aluno com o curso mostrará que o conhecimento psicológico está em constante construção e que ele mesmo, o próprio aluno, poderá vir a participar desta produção de conhecimento. Em segundo lugar, ele irá descobrindo que aquilo que em geral se chama de Psicologia, ou conhecimento psicológico, não tem uma única "cara", nem "fala" uma única língua. Quer dizer, à medida que ele for se aprofundando no seu curso, e for entrando em contato com seus vários professores, começará a perceber que, por exemplo, sobre um mesmo assunto existem diferentes pontos de vista, diferentes afirmações, diferentes explicações teóricas que o abordam. Poderá descobrir que existem diferentes definições do que é a Psicologia, assim como psicólogos diferentes podem pretender atingir com ela diferentes objetivos e usam diferentes métodos de trabalho para atingi-los. Por exemplo, um aluno que perguntasse a diversos profissionais da área "O que é a Psicologia?", ficaria espantado com o número de respostas diferentes que obteria - algumas, inclusive, parecendo dizer o oposto da outra. O suposto aluno poderia ficar tentado a pensar: "Bom, alguém deve estar certo", o que teria como consequência a suposição de que os demais profissionais estariam errados. O que poderia pensar este aluno se disséssemos a ele que, num certo sentido, todos estão "certos"? Lá pelas tantas, aquele aluno se pergunta: "E afinal de contas, tudo isso é Psicologia?! Eu estudo uma teoria e aprendo que tal coisa é A. Aí vem outro professor, eu estudo outra teoria que diz 7 que aquela tal coisa é B e não A. E aí? Como é que fica?! Se tudo isso está sendo apresentado pra mim como Psicologia, não seria melhor falar 'Psicologias'?!" Talvez esse aluno nem imaginasse que alguns estudiosos responderiam afirmativamente à sua pergunta. "Sim, diriam eles, esta é uma característica fundamental da Psicologia, é esta a "cara" dela atualmente. Seria mais adequado falar em 'Psicologias', portanto". Esta é, por exemplo, a posição que é defendida por um estudioso do assunto, o professor e psicólogo Luís Claudio Figueiredo (ver referência ao final deste texto). A Psicologia, diferentemente de outras ciências, não tem um objeto único de estudo e não tem uma forma única de abordá-lo (ou seja, não possui um método de estudo único). Se pensarmos na Psicologia como um todo, ela estuda fenômenos bastante variados, como a mente, o inconsciente, o comportamento, as relações humanas etc. Às vezes interessa-se pela Fisiologia, outras por algo menos palpável, às vezes está interessada no indivíduo, outras no grupo; às vezes dá muita importância ao "interior" dos indivíduos como determinante de seus atos, outras vezes se concentra na influência do ambiente e da educação sobre o comportamento humano. Portanto, a Psicologia é marcada pela DIVERSIDADE. Diversidade teórica, diversidade metodológica, diversidade prática, diversidade de crenças etc. Figueiredo (1992) se refere a essa característica da Psicologia como o "estado frag- mentar do conhecimento psicológico" e diz que a Psicologia tem sido considerada um "espaço de dispersão". Isto é, o conhecimento psicológico não é "uno", único, coerente, no geral, e totalmente integrado. O que se observam são diferentes formas de pensamento em Psicologia, "linhas" ou "correntes" de pensamento, também chamadas "abordagens". Se considerarmos a Psicologia como um espaço, poderíamos observar que estas diferentes formas de pensamento ocupam diferentes pontos deste espaço, já que não têm as mesmas origens e objetivos. Note que a partir desse ponto de vista, não há porque considerar, de antemão, essa característica "fragmentar" ou "dispersiva" da Psicologia como algo ruim, nocivo, desorganizado. Independente de como pudéssemos avaliar essa situação, se boa ou ruim, o que se propõe é que essa é a característica fundamental da Psicologia. Aquilo que no primeiro momento poderia parecer caótico poderia vir a mostrar algum sentido, principalmente quando começamos a estudar a origem de toda essa dispersão, de todas essas convergências e divergências que se encontram na Psicologia (ou nas várias "Psicologias" estudadas). 8 Figueiredo (1992) utiliza a expressão "matrizes do conhecimento psicológico" para se referir às origens dessas diferentes formas de pensamento em Psicologia. Ele define as matrizes como "grandes conjuntos de valores, normas, crenças metafísicas, concepções epistemológicas e metodológicas que subjazem às teorias e às práticas profissionais dos psicólogos". Provavelmente você não deve estar muito familiarizado com essas expressões que compõem essa definição, mas o que ela pretende explicar é que, ao longo de sua história, a Psicologia foi sendo construída sob diferentes influências sociais, culturais, políticas e históricas que foram determinando as diferentes trajetórias que as diversas correntes de pensamento foram assumindo. "Matriz" remete ao sentido de "mãe", aquela que dá origem e, nesse sentido, ao falar em "matrizes", o autor se refere às diversas "mães", ou matrizes geradoras, do conhecimento psicológico. Em determinados momentos da História, aquilo que se pensava sobre várias coisas relacionadas ao ser humano era diferente e variava em termos de valores e normas (por exemplo, respostas a perguntas do tipo: “O que é certo e errado?”, “Como o homem deve se comportar?” etc.), crenças metafísicas (por exemplo, respostas a perguntas do tipo: “Quem criou o mundo e o Homem?”; “Qual a finalidade da existência?”; “Existe um Deus?” etc.), concepções epistemológicas e metodológicas (por exemplo, respostas a perguntas do tipo: “Como se obtém o conhecimento?”; “Qual a confiança que se pode ter em um conhecimento?”; “Quais são os procedimentos mais adequados que o homem deve utilizar para conhecer a si e ao mundo?” etc.). Como as respostas para essas e outras perguntas não foram sempre as mesmas ao longo da História, isso acabaria determinando as diferentes trajetórias que a construção do conhecimento psicológico foi assumindo. Buscar o conhecimento sobre essas diversas "mães" ajudaria os psicólogos, portanto, a entender aquilo que, apenas aparentemente, seria sinal de caos e desorganização. Seria curioso retomarmos o exemplo daquele aluno imaginário depois de ele ter entendido que não faria sentido ter como expectativa o encontro com uma "única" Psicologia na faculdade. Acontece que, agora, tendo constatado que existem várias "Psicologias", ele enfrenta certa angústia, certo desconforto, quando se pergunta: "E eu, nisso tudo?"; "Qual (ou quais) dasPsicologias eu vou adotar?"; "Quantas abordagens diferentes posso adotar?"; "Qual vai ser a ‘minha’ Psicologia?". Sobre esse conflito vívido por nosso aluno imaginário, Figueiredo (1992) faz algumas considerações importantes. Ele acredita que o aluno de Psicologia e o próprio 9 psicólogo muitas vezes não conseguem enfrentar essa constatação de que a Psicologia é um espaço em que a diversidade predomina. Reagem à angústia que isso provoca de duas formas diferentes: (a) o psicólogo ou estudante não admite ou aceita a própria existência de formas de pensar diferentes da sua; ele passa a acreditar que só existe uma Psicologia "verdadeira", rejeitando, em princípio, todas as outras, sem considerar que elas existem e sem se preocupar em conhecê-las. Estes seriam os "dogmáticos", na terminologia do autor. Note que não é o fato de um psicólogo acreditar que a sua abordagem é “verdadeira” não o torna um dogmático, já que é óbvio que adotamos a forma de pensar que nos parece mais apropriada e adequada em relação a outras. O que o torna um dogmático é o fato de que ele não aceita que outros possam ter outros critérios e pensamentos diferentes dos seus. (b) o psicólogo ou estudante ignora que as várias "Psicologias" são, em muitos ca- sos, radicalmente diferentes e incompatíveis (porque se originaram de matrizes totalmente diferentes) e acredita, erroneamente, que todas elas pretendem as mesmas coisas. Ele adota todas as abordagens indistintamente, como se as diferenças não existissem. Estes seriam os psicólogos "ecléticos", para o autor. Note, portanto que o fato de um psicólogo ser "dogmático" ou ser "eclético" fundamentalmente está relacionado à atitude que ele adota frente à diversidade do conhecimento psicológico. Nos dois casos, a ênfase não está no número de abordagens que o psicólogo adota (como veremos mais à frente), mas como ele se comporta frente às diferenças que caracterizam as diversas abordagens da Psicologia. Voltando ao nosso aluno imaginário, agora ele se tornou mais confuso porque entendeu que as duas posições são criticadas pelo autor. O aluno não vê saída e pensa, de novo: "E eu, nisso tudo? Afinal, o que o psicólogo pode fazer para não ser aquilo que o autor chama de dogmático ou eclético? Qual é a saída?" O autor do texto (Figueiredo, 1992) que estamos tomando aqui como referência para esta introdução ao nosso curso, faz algumas considerações que podem servir para que a gente reflita e pense em alternativas para enfrentar a situação. O autor justifica por quê considera inaceitáveis para o psicólogo as atitudes do dogmatismo ou do ecletismo: elas não são consideradas adequadas porque impedem o crescimento e desenvolvimento da Psicologia e dos psicólogos. Ele (e vários outros autores e filósofos) considera que só existe o crescimento quando alguma coisa se 10 confronta com seu diferente, com o "Outro", com aquele ou aquilo que não é você (há uma palavra para designar isso: "alteridade"). Quando o dogmático diz "só a minha forma de pensar é que vale, as outras não me interessam", ele está impossibilitado de enfrentar o outro, aquilo que é diferente dele e, sendo assim, nem ele, nem a Psicologia teriam a possibilidade de se desenvolver, de crescer. A mesma coisa aconteceria com o eclético: acreditando que possa adotar ao mesmo tempo todas as formas de pensar e agir, não enfrenta aquilo que elas todas têm de diferente; ele desconsidera o que elas têm de essencial, estrutural e particular e que as torna diferentes. O resultado disso é que aqui, também, não há possibilidade de crescimento e desenvolvimento porque o psicólogo não está experienciando a diversidade, a alteridade das teorias e formas de pensar. Voltando ao nosso aluno calouro que se encontrava confuso frente a tanta novidade que o contato com a Psicologia estava lhe trazendo, é importante que ele saiba que alguma escolha ou escolhas ele fará à medida que for se formando em Psicologia. E claro que ele estabelecerá preferências, concordará pessoalmente com algumas coisas e discordará de outras, mas certamente ele fará escolhas. O que o autor do texto propõe é que os psicólogos enfrentem essa questão da diversidade característica da Psicologia de duas maneiras, com dois "movimentos": (a) o "movimento construtivo" em que o psicólogo estará produzindo conhecimento, buscando respostas para as perguntas que envolvam seu objeto de estudo e profissão, com base em recursos e referências oferecidos por uma ou mais teorias, pensando e estabelecendo relações entre as proposições teóricas e sua prática profissional. Mas para que isso possa resultar em crescimento da Psicologia é importante que ocorra, ao mesmo tempo, (b) o "movimento reflexivo", que se caracteriza pela reflexão constante sobre as várias teorias e sistemas de pensamento existentes. É essa reflexão que garantirá a possibilidade de contato com o outro, com o diferente. Refletir sobre as minhas teorias e a dos outros significaria, portanto, a possibilidade de crescimento. Refletir sobre os pressupostos das minhas e das outras teorias permitiria que eu conhecesse melhor os meus pressupostos porque os veria em contraste com os dos outros. Este trabalho de reflexão, com o objetivo de se encontrar o que existe "por trás", ou subjacente ("por baixo", "na base") às diversas formas de pensar, me levaria à identificação das várias matrizes diferentes que subjazem às diversas teorias. A questão aqui não é descobrir qual "a melhor" teoria, a mais "verdadeira", ou a mais "científica". Todo o conhecimento obtido até agora pela Psicologia, o foi baseado em alguns 11 pressupostos, algumas crenças a respeito do quê conhecer e de como fazer para conhecer. Por isso não faria sentido eu me dedicar a provar que a teoria do outro é falsa ou verdadeira porque, para isso, eu usaria os meus próprios pressupostos, aquilo que eu entendo por "verdade", "conhecimento", "realidade" etc. Isso não seria justo, nem faria sentido, porque a teoria do outro se baseou em outros pressupostos, em outros conceitos do que é "verdade", "conhecimento" etc. e estará sendo julgada a partir de pressupostos diferentes. A reflexão sobre as teorias, buscando compreender suas matrizes, estaria, portanto, além dessa atividade comparativa para escolher a "melhor". Segundo Figueiredo (1992), ela permitiria uma "ampliação da nossa capacidade de pensar acerca do que acreditamos, acerca do que fazemos e de quem somos". O aluno confuso ainda insiste na questão de "quantas teorias ou abordagens posso adotar?" e o que diríamos a ele é que a questão não se resolve com a adoção de um número x de abordagens, mas de quais e como são essas abordagens. Novamente, a questão volta a ser a das matrizes que originaram as diversas correntes de pensamento em Psicologia: a reflexão sobre as matrizes é que dirá quais abordagens são conciliáveis, quais não o são; é o conhecimento profundo dos pressupostos que subjazem a cada teoria que permitirá ao estudioso ou ao profissional decidir qual ou quais abordagens adotará. Alguns pressupostos dessas teorias coexistem, outros não podem ocupar a mesma posição em um único pensamento por serem incompatíveis. Por exemplo, vamos supor que o aluno escolha a abordagem "X" que se baseia, entre outras coisas, no pressuposto de que o Homem é um ser livre, que as razões de seu comportamento estão dentro dele mesmo e que é preciso identificar esses determinantes internos para compreender seu comportamento. Neste caso, seria incompatível esse mesmo aluno adotar a abordagem "Y" que se baseia, por exemplo, no pressuposto de que o Homemnão nasce livre, e que a razão para seu comportamento se encontra no seu ambiente cultural, social, econômico etc., que está, portanto, "fora" e não "dentro" dele. Para essa abordagem "Y", a tarefa da Psicologia seria conhecer esses determinantes externos para compreender seu comportamento. Depois disso, o aluno que agora não estava mais tão confuso, ficou um pouco ansioso porque percebeu que para ser psicólogo terá que estudar constantemente, que seu estudo não terminará quando ele terminar a faculdade. A diversidade da Psicologia estará sempre presente, mas isso, como já vimos, é uma das características principais da área de conhecimento que adotamos como base para a nossa profissão. 12 Referência Bibliográfica: FIGUEIREDO, L. C. Convergências e divergências: a questão das correntes de pensamento em Psicologia. Transinformação, 4 (1-2-3): 15-26, jan/dez, 1992. 13 ATIVIDADES PARA ESTUDO E REFLEXÃO SOBRE O TEXTO 1 1. Explique, com suas próprias palavras, a afirmação: "A Psicologia, como área de conhecimento e profissão, é marcada pela diversidade e pode ser caracterizada como um 'espaço de dispersão'”. 2. Qual é a origem da diversidade na Psicologia? Explique, com suas próprias palavras, o que são as matrizes do conhecimento psicológico, na definição de L. C. Figueiredo. 3. O que são o dogmatismo e o ecletismo e por que surgem? Por que o autor considera-os inaceitáveis? 4. O que Figueiredo propõe como atitude para o psicólogo lidar com a diversidade da Psicologia? 5. Por que não faria sentido no contexto da diversidade da Psicologia, procurar descobrir qual a corrente de pensamento mais "verdadeira" ou mais "científica"? 6. Faça uma reflexão sobre o poema reproduzido abaixo, com base no texto lido: A VERDADE Carlos Drummond de Andrade A porta da verdade estava aberta, mas só deixava passar meia pessoa de cada vez. Assim não era possível atingir toda a verdade, porque a meia pessoa que entrava só trazia o perfil de meia verdade. E sua segunda metade voltava igualmente com meio perfil. E os meios perfis não coincidiam. Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta. Chegaram ao lugar luminoso onde a verdade esplendia seus fogos. Era dividida em metades diferentes uma da outra. Chegou-se a discutir qual a metade mais bela. Nenhuma das duas era totalmente bela. E carecia optar. Cada um optou conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia. (Do livro "O Corpo", da Editora Record, 1984) 14 Psicologia: Ciência e Profissão Texto 2: A Diversidade da Atuação do Psicólogo Inicialmente é importante que fiquem claros os objetivos deste texto que você está começando a ler. Você já sabe que um dos objetivos desta disciplina é que você tenha acesso a informações importantes sobre a diversidade da atuação de psicólogo e que tenha alguns elementos para que possa refletir criticamente sobre ela. Neste Texto 2, você encontrará algumas informações básicas sobre o que o psicólogo faz, concretamente, nos contextos em que atua e sobre algumas características desses contextos. A diversidade da Psicologia e da atuação prática do psicólogo ficará evidente, quando você identificar no texto a variedade de formas diferentes que as atividades profissionais assumem. São variados e múltiplos os seus locais de atuação, os tipos humanos e variedade de pessoas com as quais os psicólogos têm contato no seu cotidiano profissional, dependendo dos diferentes contextos nos quais eles desempenham suas atividades. Em vista disso, e levando em consideração o tempo disponível, o texto não pretende apresentar uma discussão aprofundada de cada um desses contextos ou da atuação profissional do psicólogo. O objetivo dele é, portanto, relativamente simples: pretende-se, com a sua leitura, que você ganhe familiaridade com alguns termos que devem ser novos para você, mas que são comumente utilizados entre os psicólogos. Além disso, é importante que você aprenda o significado de alguns desses termos, que envolvem a atuação dos profissionais nos vários contextos que serão estudados. A DIVERSIDADE DOS CONTEXTOS DE ATUAÇÃO Um texto que se propõe a apresentar algumas atividades dos psicólogos a alunos iniciantes na profissão deverá necessariamente incluir os contextos em que tais atividades se dão. Isto é, as ações profissionais dos psicólogos se dão dentro de um determinado contexto que as afeta e é afetado por elas. Quando o profissional realiza uma atividade, ele o faz em um determinado local, com determinadas características, relacionando-se com seres humanos específicos, provenientes de determinados segmentos sociais e culturais, dentro das condições sócio-econômico-culturais do país, 15 em um dado momento de sua história. A diversidade de contextos específicos nos quais os psicólogos atuam, implica a diversidade de objetivos e de necessidades a serem atendidas. Ao mesmo tempo, na medida em que o profissional desempenha suas atividades, vai transformando, igualmente, esses contextos de atuação. Em vista desta interação indissociável entre as atividades dos psicólogos e os contextos de atuação, começaremos caracterizando alguns desses contextos mais comuns e depois nomearemos e descreveremos algumas atividades mais frequentes dos profissionais. Não perca de vista, no entanto, que o que será exposto a seguir são apenas alguns exemplos que não esgotam (nem pretendem esgotar) as inúmeras possibilidades de atuação profissional. CONTEXTOS QUE ENVOLVEM A SAÚDE Quando falamos no contexto da Saúde, estamos nos referindo a uma diversidade de situações que envolvem uma ampla variedade de locais de atuação, da clientela atendida, de objetivos a serem atingidos e de necessidades a serem satisfeitas. Sendo assim, esses contextos envolvem a saúde do cidadão e das comunidades, incluindo desde o trabalho que o psicólogo clínico realiza no consultório particular, com indivíduos específicos, passando pelas instituições públicas ou particulares de saúde (como hospitais gerais e psiquiátricos), até os postos de saúde (Unidades Básicas de Saúde - UBS), os CAPs (Centro de Atenção Psicossocial), os ambulatórios e as clínicas de diferentes naturezas. CONTEXTOS QUE ENVOLVEM A EDUCAÇÃO E A ESCOLA O contexto educacional envolve as instituições de ensino, tanto as particulares quanto as públicas, incluindo tanto as escolas do sistema formal de ensino, quanto outros locais que têm por objetivo a educação e a aprendizagem escolar formal. CONTEXTOS QUE ENVOLVEM O TRABALHO DO HOMEM NAS ORGANIZAÇÕES Nestes contextos, o que está em jogo é o trabalho dos cidadãos em organizações como, por exemplo, as empresas de diversas naturezas e os órgãos de administração pública. Aqui, o psicólogo atua para fornecer recursos humanos adequados à organização, garantindo-lhes condições de trabalho para que se fixem nela. As atividades dos psicólogos pretendem humanizar e aprimorar as relações de trabalho que se dão neste contexto. 16 CONTEXTOS QUE ENVOLVEM O TRABALHO INSTITUCIONAL E COMUNITÁRIO O espectro e a diversidade desses contextos são bastante amplos e variados. Eles envolvem, por exemplo, a atuação dos psicólogos em orfanatos, asilos ou instituições equivalentes. A atuação institucional envolve, também, por exemplo: o trabalho dos profissionais nas instituições de atendimento psicológico a portadores de deficiências; nas organizações não governamentais (ONGs) de várias naturezas; em sindicatos e associações profissionais; em clubes e entidades esportivas (através da Psicologia do Esporte); em instituições da Justiça,como presídios, Varas da Família, Juizado do Menor etc. (através da Psicologia Jurídica); em agências de Publicidade; nos centros psicotécnicos para exame de motoristas; em entidades comunitárias, como associações de bairro, por exemplo. Note que esses são apenas algumas ilustrações da variedade de contextos institucionais onde o psicólogo pode trabalhar. CONTEXTOS QUE ENVOLVEM A PESQUISA Quando a atividade do psicólogo visa especificamente à produção do conhecimento psicológico, ela se dá em contextos basicamente voltados para este objetivo, como as universidades, por exemplo, em que o psicólogo docente é contratado para transmitir e construir conhecimento (pesquisar). Não é muito frequente, no Brasil, a pesquisa psicológica realizada fora das universidades, como nas empresas privadas, por exemplo. No entanto, se entendermos a pesquisa como uma forma sistemática de buscar respostas para perguntas sobre os fenômenos psicológicos, pode-se dizer que ela não se restringe aos contextos de trabalho dos psicólogos-professores, apenas, mas se estende, também, aos profissionais dos mais diferentes contextos. Assim, por exemplo, os psicólogos realizam pesquisas associadas ao seu contexto específico de trabalho, como nos hospitais, nos consultórios, nas agências de Publicidade ou em outras das instituições citadas. 17 A DIVERSIDADE DE ATUAÇÃO: ALGUMAS ATIVIDADES DOS PSICÓLOGOS Serão apresentados, a seguir, alguns exemplos de atividades que são desempenhadas nos diversos contextos de atuação mencionados acima. Não perca de vista que elas são apenas alguns exemplos das atividades mais comumente realizadas. Certamente, nas entrevistas que você fará com os profissionais, outras atividades serão mencionadas, além destas. 1. ATIVIDADES DE COLETA E AVALIAÇÃO SISTEMÁTICAS DE INFORMAÇÕES 1.1. Observação: A atividade de observar parece ser uma das mais básicas e essenciais ao trabalho do psicólogo, já que a Psicologia, como ciência, implica a produção de conhecimento que seja metódica e crítica (diferente da produção de conhecimento feita, na maioria das vezes, pelo ser humano quando utiliza seu senso comum). Sendo assim, ao invés de "chutar" simplesmente uma resposta para uma questão que ele tem, o psicólogo prefere observar sistematicamente o fenômeno estudado. Há regras e técnicas para a observação (que você aprenderá em outras disciplinas). Por exemplo, a observação pode ser feita em ambiente natural, no qual o fenômeno estudado normalmente ocorre, ou em situação planejada, na qual o psicólogo cria uma situação específica para o sujeito e o observa nela. 1.2. Aplicação de testes e outros instrumentos Você terá a oportunidade, ao longo do seu curso, de entrar em contato com vários testes (às vezes chamados de "instrumentos de medida"), desenvolvidos e pesquisados pela Psicologia. Os teste são utilizados para identificar e conhecer os mais variados tipos de fenômenos. Há testes de personalidade, testes de desempenho intelectual, testes de desempenho específico (por exemplo, de lógica, raciocínio espacial, raciocínio mecânico) etc. Em algumas situações, o psicólogo desenvolve instrumentos especificamente voltados para a obtenção de informações no seu contexto de trabalho particular. 1.3. Entrevista Igualmente básica, a atividade de entrevistar aparece desempenhada pelos psicólogos, nos mais diferentes contextos. Você aprenderá, com o tempo, que uma 18 entrevista não é um simples bate-papo do profissional com uma pessoa, mas uma atividade planejada, com objetivos específicos e realizada segundo determinadas regras. A entrevista pode ser realizada ao vivo, em contato face-a-face, bem como o psicólogo pode aplicar questionários, respondidos por escrito pelo próprio indivíduo. Como dissemos, essas três atividades aparecem nos mais variados contextos de atuação, às vezes separadamente (só a entrevista, por exemplo), às vezes em conjunto. Seguem alguns exemplos: No caso dos contextos de Saúde, fala-se em psicodiagnóstico (ou estudo de caso), para se referir ao conjunto dessas três atividades que o psicólogo realiza. O objetivo do psicodiagnóstico é identificar os fatores que caracterizam um indivíduo, tanto internamente (emoções, necessidades, desejos, características cognitivas etc.) quanto externamente (fatores de ambiente social, familiar, educacional etc.). Apesar do sentido que "diagnóstico" sugere, o psicodiagnóstico não é realizado apenas para se identificar um "problema", mas para se identificar as características psicológicas do indivíduo, com problema ou não. O psicodiagnóstico pode ser utilizado pelo profissional antes do início de um processo terapêutico (para tratamento) ou para encaminhá-lo para outros profissionais. No contexto educacional, pode-se encontrar, por exemplo, o psicólogo observando uma criança interagindo com seus colegas no intervalo, ou a interação de uma professora com a classe; entrevistando uma mãe sobre o comportamento da criança em casa; aplicando um teste de nível intelectual etc. No contexto organizacional, quando se fala em seleção de pessoal, pode-se, da mesma forma, observar a aplicação de algumas ou de todas essas atividades (por exemplo, entrevista, aplicação de testes, observação do comportamento de um candidato em um grupo, ou em situação de trabalho etc.). No contexto institucional, por exemplo, o psicólogo "judiciário" pode realizar estas atividades para fornecer um laudo psicológico que subsidiará a decisão de um juiz, sobre um detento, ou sobre candidatos à adoção de uma criança. No contexto da pesquisa, como já foi afirmado acima, a observação, a entrevista e a aplicação de instrumentos desenvolvidos pelo pesquisador, são atividades essenciais para a produção de informações sistemáticas sobre os fenômenos investigados. Por exemplo, no hospital um psicólogo pode pesquisar as relações entre o desenvolvimento 19 psicológico de bebês e a quantidade de stress da mãe durante a gravidez. Para isso, terá que desenvolver ou utilizar instrumentos de medida do stress da mãe, entrevistá-la, observar o desenvolvimento de bebês etc. Na escola, ao pesquisar, por exemplo, as relações entre aprendizagem e tipo de aula (expositiva, seminário, discussão em grupo etc.), o psicólogo deverá observar a aula dada pelo professor, entrevistar alunos e professores e utilizar testes ou instrumentos de medida de aprendizagem. 2. PSICOTERAPIA Vamos, nesta disciplina, considerar a psicoterapia como uma atividade em que o psicólogo aplica um conjunto de técnicas e métodos psicológicos, cujas características e objetivos podem variar, dependendo das concepções teóricas e metodológicas que servem de referência para o profissional (ANCONA-LOPEZ e FIGUEIREDO, 1990). Entre a diversidade de objetivos da psicoterapia, dependendo da abordagem mencionada, podem ser citados como exemplo: a solução de problemas; modificação de comportamentos através de novas aprendizagens; desenvolvimento de novas concepções sobre si e o mundo; autoconhecimento: transformação da personalidade etc. Ainda assim, embora a psicoterapia seja uma atividade voltada para múltiplos objetivos e se desenvolva de maneiras muito diferentes, dependendo dos pressupostos epistemológicos e teóricos do psicólogo que a utilize, consideramos importante a concepção da psicoterapia como uma das formas de o psicólogo contribuir para a promoção da saúde dos cidadãos. As diferentes abordagens teóricas da Psicologia, assim, servem de base para as diferentes abordagens psicoterápicas que você pode encontrar entre os psicólogos.Exemplos dessas diferentes abordagens orientadoras dos psicoterapeutas: psicanálise ou análise freudiana, análise existencial, análise junguiana (de Jung – o J do nome é pronunciado como I), terapia comportamental, cognitiva etc. Uma modalidade de psicoterapia, a chamada psicoterapia breve, tem sido muitas vezes utilizada em alguns contextos que demandam menor tempo de duração da terapia. Neste tipo de atividade, o terapeuta tem uma intervenção mais focalizada, buscando atingir objetivos mais imediatos, principalmente decorrentes da especificidade do contexto de vida atual do cliente, (por ex., uma separação, uma perda, uma interrupção abrupta na carreira profissional, uma internação hospitalar etc.). 20 Nos contextos educacionais e do trabalho nas organizações a psicoterapia não é frequentemente utilizada, sendo uma prática mais comum o psicólogo encaminhar a pessoa para um psicoterapeuta, quando julga necessário. A atividade psicoterapêutica do psicólogo é desempenhada principalmente nos contextos que envolvem a Saúde, em especial nos consultórios particulares. Em outros contextos de Saúde, que atendem um número grande de pessoas (por exemplo, um hospital público ou posto de saúde), a prática psicoterapêutica tradicional, individual, feita um-a-um, se torna bastante inviável. Isso tem levado os psicólogos à utilização ou de técnicas grupais, ou de outras atividades mais apropriadas a esses contextos. O mesmo pode ser dito em relação à atuação dos profissionais em contextos institucionais variados que tenham características incompatíveis com a atividade da psicoterapia tradicional. 3. ACONSELHAMENTO E ORIENTAÇÃO Esta atividade de aconselhamento e orientação, como na terapia breve, se dá voltada para uma situação específica que caracteriza o momento de vida de um indivíduo ou de um grupo. Entretanto, diferentemente da terapia breve em que o objetivo é "tratar” de um problema específico, no aconselhamento e orientação o psicólogo assume uma posição que é, principalmente, mais educativa. Isto é, com base nos conhecimentos da Psicologia, o psicólogo esclarece as pessoas sobre determinados fenômenos da psicologia humana, nos seus aspectos cognitivos, afetivos e comportamentais. Essas informações serão úteis para que a pessoa reflita sobre si e a situação que está vivendo, de forma a lidar da melhor forma possível com sua vida. A orientação e o aconselhamento aparecem em vários contextos diferentes de atuação do psicólogo. Por exemplo, em hospitais, orientações para grupos de pacientes transplantados e suas famílias; em um posto de saúde, orientação de gestantes ou de mães; em uma escola, orientação vocacional ou sexual ou orientação para pais de filhos com problemas de aprendizagem (orientação psicopedagógica). A orientação e o aconselhamento também podem ser atividades que o psicólogo desempenha tendo como sua “clientela” outros profissionais. Por exemplo, no contexto de Saúde, em que médicos, enfermeiras e atendentes têm contato, através do psicólogo, com o conhecimento da Psicologia que lhes é necessário, o que resulta em benefício para a clientela atendida e para o próprio profissional. No contexto educacional, na atividade 21 de orientação de professores, o conhecimento da Psicologia sobre processos de desenvolvimento e aprendizagem será bastante importante para que todos desempenhem melhor os seus papéis de forma aumentar a chance de aprendizagem dos alunos. 4. ATIVIDADES JUNTO A EQUIPES MULTIPROFISSIONAIS (MULTIDISCIPLINARES) Especialmente junto aos contextos de Saúde e Institucionais, a concepção de que a promoção da saúde integral do indivíduo deve ser o objetivo principal de várias instituições, tem levado à necessidade do psicólogo atuar conjuntamente com outros profissionais. Nessas equipes, o que se pretende é que a compreensão total do indivíduo seja possível através da soma e complementação dos conhecimentos específicos dominados por cada profissional. Por exemplo, nos hospitais e postos de saúde, o psicólogo pode atuar com médicos e enfermeiras, contribuindo com seu conhecimento sobre as emoções e relações humanas. Em uma instituição para portadores de deficiências físicas, ele pode atuar junto ao fisioterapeuta e ao neurologista, visando à reeducação e recuperação psicomotora integral da sua clientela. Nos contextos educacionais, ele pode se juntar aos outros profissionais para, através de seus conhecimentos específicos, participar do planejamento curricular. No contexto organizacional, o psicólogo trabalha com outros profissionais, por exemplo, no planejamento e execução de treinamento para alguma habilidade específica de trabalho, levando-se em conta o conhecimento da Psicologia sobre aprendizagem e processos de desenvolvimento. Em outros momentos, ainda no contexto organizacional, o conhecimento do psicólogo sobre relações humanas e processos grupais pode ficar em evidência quando ele observa funcionários em tarefas grupais ou aplica técnicas de dinâmica de grupo em um determinado setor de uma empresa. CONSIDERAÇÃO FINAL São essas as informações sobre as principais atividades dos psicólogos que gostaríamos de apresentar a você. Como dissemos no início, o objetivo deste texto é basicamente o de começar a familiarizar você com alguns termos mais comuns relacionados às atividades dos psicólogos e apresentar informações básicas sobre algumas dessas atividades e sobre alguns dos contextos em que elas são desempenhadas. 22 De forma alguma o texto apresentou um retrato acabado das possibilidades de atuação dos profissionais, tendo mostrado apenas um breve relato de algumas das suas principais atividades. Com certeza, várias outras atividades que o psicólogo realiza não foram mencionadas. Referências Bibliográficas: ANCONA-LOPEZ, M. & FIGUEIREDO, L. C. M. Guia Psi. São Paulo: Ed. Marco Zero, 1990. BASTOS, A. V. B. & GONDIM, S. M. G. (orgs.). O trabalho do psicólogo no Brasil. Porto Alegre: Artmed, 2010. JUSTO, H. Identidade do Psicólogo: reflexões e limitações das técnicas psicoterápicas. Canoas: La Sale, 1997. 23 ATIVIDADES PARA ESTUDO E REFLEXÃO SOBRE O TEXTO 2 Sobre os contextos de atuação do psicólogo: 1. Dê exemplos de locais que caracterizem os contextos de: Saúde, Educação, Organizacional, Institucional-Comunitário e de Pesquisa. 2. Por que não faz sentido discutir as atividades do psicólogo sem fazer referência aos contextos em que elas são desempenhadas? Sobre as atividades do psicólogo: 3. (a) Nomeie e explique cada uma das atividades de coleta e avaliação sistemáticas de informação, mencionadas pelo texto; (b) Por que se pode dizer que essas atividades do psicólogo contribuem para a caracterização da Psicologia como Ciência? 4. (a) Explique o que são as seguintes atividades: psicodiagnóstico; psicoterapia; orienta- ção/aconselhamento; (b) Invente exemplos dessas atividades em variados contextos de atuação. 5. De que forma as atividades do psicólogo junto a equipes multiprofissionais se relacionam ao objetivo de contribuir para a compreensão dos fenômenos humanos e para a saúde integral do cidadão? 24 Psicologia: Ciência e Profissão Texto 3: A atuação do psicólogo em contextos específicos No texto que segue abaixo você encontrará informações gerais sobre a atuação do psicólogo em contextos específicos. As informações e detalhes abordados complementam as informações do Texto 2, apresentando algumas particularidades dos diversos contextos mencionados, como o da Saúde, com seus múltiplos subcontextos, alémdo Educacional, do Organizacional e o de Pesquisa. A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NO CONTEXTO DA SAÚDE Como dissemos anteriormente, o contexto da Saúde engloba a atuação do psicólogo em vários subcontextos diferenciados, como os destacados a seguir. PSICOLOGIA CLÍNICA (ATUAÇÃO EM CONSULTÓRIO PARTICULAR E OUTROS LOCAIS) No contexto da Saúde, é comum as pessoas referirem-se à Psicologia Clínica para caracterizar uma forma típica de atuação do psicólogo. Nesta forma de atuação, via de regra, o contato do profissional com sua clientela é feito pessoal e individualmente com o objetivo de promover sua saúde, frequentemente através da resolução de seus problemas. Nesse sentido, a psicologia clínica é exercida em variados contextos diferentes e se caracteriza pelo fato do profissional aplicar os métodos e as técnicas que a Psicologia, como Ciência, vem desenvolvendo ao longo de sua história, para atingir determinados objetivos. Assim, por exemplo, pode-se encontrar a aplicação da Psicologia Clínica em um consultório particular, em um hospital, em um Posto de Saúde e, às vezes, em uma escola. Por causa disso, algumas pessoas falam em um "modelo" clínico de atuação, que assume formas particulares, dependendo do contexto particular onde ele aparece. Como você aprenderá mais à frente neste conjunto de textos, à medida que a Sociedade e a profissão foram se modificando até a atualidade, os profissionais começaram a questionar a predominância desse modelo na atuação do psicólogo, considerando-o muitas vezes inapropriado para a aplicação em novos contextos de atuação. Nesses locais, a atuação do profissional envolve o trato com grandes grupos de 25 pessoas, com necessidades específicas, em serviços de atendimento de Saúde Pública, o que inviabilizava a aplicação de um modelo individual e particular de atuação. Mesmo assim, a "prática clínica”, com base no modelo tradicional, teve e tem uma inegável importância nas vidas das pessoas que tem beneficiado, e continua sendo aplicada, em vários dos subcontextos mencionados. Alguns críticos do modelo clínico tradicional defendem a criação e o desenvolvimento de novos modelos de atuação, mais apropriados aos novos contextos de atuação, especialmente aqueles que envolvem os serviços públicos de saúde e algumas instituições. Esses novos modelos deveriam estar voltados para a população em geral, para as comunidades e coletividades específicas, com objetivos preventivos, considerando-se as necessidades comuns a cada população, permitindo livre acesso aos profissionais, especialmente o acesso das classes mais pobres. As principais atividades desempenhadas pelos psicólogos clínicos já foram mencionadas e descritas no Texto 1. É aconselhável que você retome aquele texto para ganhar maior facilidade no uso de alguns termos comuns ao vocabulário dos psicólogos. A atuação do psicólogo no consultório particular talvez seja a modalidade de atuação mais divulgada entre as pessoas comuns da sociedade. Em geral, o profissional atende pessoas em seu consultório particular (como profissional liberal autônomo) e ali, em contato na maioria das vezes individual, outras vezes grupal, aplica de forma pessoal os métodos e as técnicas que a Psicologia lhe fornece. As atividades mais comuns do psicólogo clínico particular também são o psicodiagnóstico, a psicoterapia e o aconselhamento (ver Texto 1). Atividades de orientação profissional/vocacional também são exercidas. Os psicólogos (menos experientes) muitas vezes recorrem à "supervisão" de outros psicólogos (mais experientes) para discutirem e receberem orientação sobre seus casos. A prática multiprofissional, como descrita no texto anterior, não é muito comum entre os clínicos particulares. O psicólogo pode recorrer a outros profissionais ou encaminhar seus clientes a outras especialidades, mas a prática conjunta não é frequente, pelas próprias características do atendimento particular. Em termos da população atendida, é importante salientar que a modalidade de atendimento particular, pelos altos custos que implica (por ser um tratamento longo, com um profissional cuja formação é cara e especializada etc.), não permite acesso generalizado a toda população, havendo predominância de uma clientela dos extratos 26 economicamente superiores da sociedade. Algumas vezes, os clínicos particulares especializam-se em faixas etárias específicas (crianças, adolescentes etc.) ou grupos específicos (famílias, casais, pais etc.). PSICOLOGIA HOSPITALAR (ATUAÇÃO EM HOSPITAIS GERAIS) Embora alguns acreditem que o modelo clínico de atuação, como o que caracteriza a atuação do psicólogo no consultório particular, deveria ser simplesmente adaptado às características específicas do hospital e ser ali exercido, outros acreditam que o contexto hospitalar exige o desenvolvimento de novas formas de atuação. O trabalho do psicólogo no Hospital Geral (com suas múltiplas especialidades, como por exemplo, a cardiologia, a oncologia, a maternidade etc.) experimentou grande desenvolvimento nas últimas décadas, o que levou, na prática, à necessidade do profissional refletir sobre esse contexto específico e exercer nele várias atividades. Quando se pensa nos aspectos que tornam esse contexto tão específico, deve-se considerar que, em primeiro lugar, estamos falando do hospital como um contexto em que a doença ocupa lugar de destaque. O indivíduo doente, internado ou atendido no ambulatório, é, dessa forma, o foco principal da atenção dos profissionais da saúde. Algumas reflexões sobre esse indivíduo doente precisam ser feitas: segundo Terezinha C. Campos (1995), em seu livro sobre Psicologia Hospitalar, o papel do psicólogo no hospital é contribuir para a humanização da instituição hospitalar. O hospital é um contexto específico que busca proporcionar a manutenção do bem-estar físico, social e mental do homem. Segundo a autora, o "psicólogo, atuando no hospital, busca a promoção, a prevenção e recuperação do bem-estar do paciente, no seu todo, o que implica que aspectos físicos e sociais são considerados em interação contínua na composição do psiquismo desse mesmo paciente" (p. 65). O indivíduo, portanto, não se resume à sua doença, mas é um ser humano complexo e é esse "todo" humano que precisa ser considerado. As atividades mais frequentemente exigidas do psicólogo hospitalar são a orientação e aconselhamento e a psicoterapia breve (dado que a psicoterapia tradicional, longa, não se adequa às características do contexto hospitalar). O psicodiagnóstico e outras várias formas de avaliação são aplicados quando necessário. Nos hospitais é comum a atividade de ensino, já que os cursos de formação do psicólogo tradicionalmente não preparavam os alunos para atuação em hospitais, o que levou a 27 necessidade da atividade de ensino e treinamento dos profissionais formados em Psicologia para atuação em hospitais. Dessa forma, entre as atividades dos psicólogos hospitalares encontra-se a de contribuir para a formação de seus futuros colegas. A atividade de pesquisa também aparece sendo exercida pelos psicólogos hospitalares. Como área recente da Psicologia, há necessidade de produção sistemática de conhecimentos sobre a Psicologia Hospitalar, em seus múltiplos aspectos. Em todas as atividades mencionadas, observa-se que a atuação em equipes multiprofissionais é característica essencial do trabalho do psicólogo hospitalar. A atividade de orientação não se restringe ao paciente, estendendo-se aos seus familiares e cuidadores e a toda a equipe de profissionais da Saúde que trabalhamno hospital. Esse aspecto é importante e deve ser salientado, uma vez que uma das preocupações atuais da Psicologia como profissão é estender seus serviços à população como um todo. Nesse sentido, podemos dizer que a abrangência social do trabalho do psicólogo no hospital é bastante grande, não atingindo diretamente apenas o indivíduo doente, mas a toda a coletividade que faz parte do contexto do hospital. Na medida em que profissionais de Saúde, não apenas o psicólogo, estiverem preparados técnica e pessoalmente para lidarem com os doentes como um ser humano integral, em que aspectos físicos e psicológicos fazem parte do mesmo todo, o benefício da atuação do profissional recai sobre toda a coletividade dos doentes, não apenas sobre indivíduos específicos. Em termos dos extratos sociais atualmente atingidos com o benefício da atuação profissional do psicólogo, deve-se salientar a presença bastante significativa de psicólogos nos Hospitais Públicos, o que amplia o acesso das camadas mais pobres aos profissionais. Nos hospitais particulares, a presença do psicólogo não parece ser tão significativa. PSICOLOGIA INSTITUCIONAL E COMUNITÁRIA (ATUAÇÃO EM INSTITUIÇÕES E COMUNIDADES DE DIVERSAS NATUREZAS) Como você leu no Texto 1, as instituições nas quais os psicólogos podem atuar são inúmeras, com os mais variados objetivos, atendendo populações com as mais variadas características. Entretanto, o que elas têm em comum é que aqui está em foco a Saúde da população, em seus múltiplos aspectos. É a Saúde do cidadão que está em jogo, quando o psicólogo trabalha em orfanatos, asilos ou instituições equivalentes; quando atua em instituições de atendimento psicológico a deficientes; nas organizações não 28 governamentais (ONGs) de várias naturezas; nos ambulatórios de instituições de Saúde Pública como Postos ou Unidades Básicas de Saúde e ambulatórios (por exemplo, de dependência química, ou distúrbios de alimentação) e de Instituições de Saúde Mental como os Hospitais Psiquiátricos e instituições dessa natureza. Promover a saúde do cidadão também é objetivo do trabalho do psicólogo em Comunidades ou Instituições que envolvem coletividades específicas, como Associações de Bairro e Comunitárias, Sindicatos e Associações Profissionais. Observa-se, cada vez mais frequentemente, a presença de psicólogos em instituições da Justiça, como presídios. Varas da Família, Juizado do Menor etc., através da Psicologia Jurídica. A tarefa dos profissionais aqui, por exemplo, é fornecer laudos e pareceres para Juízes arbitrarem adoções, separações, penas etc. Através da Psicologia do Esporte, a atuação do profissional está focada em grupos de esportistas, eventualmente em indivíduos específicos, mas a Saúde de grupos e equipes é a referência fundamental para o trabalho do psicólogo. Nessa ampla variedade de locais em que o psicólogo atua, pode-se observar a presença tanto do modelo clínico tradicional, mencionado em parágrafos anteriores, quanto à presença de atividades mais apropriadas às características dessas instituições. Uma dessas características diz respeito ao número de pessoas envolvidas no atendimento do profissional. O psicólogo aqui entra em contato com muitas pessoas que diariamente frequentam essas instituições, especialmente as de Saúde Pública. Assim, há necessidade do desenvolvimento de métodos e técnicas adequados para o trabalho com grupos. Atividades novas precisam ser desenvolvidas para dar conta das demandas sociais que se apresentam ao psicólogo no seu dia-a-dia. A referência aqui são as coletividades e suas necessidades típicas. Deve-se notar, mais uma vez, que segmentos da população que anteriormente não eram beneficiados com o trabalho do psicólogo, agora o são, quando se observa que um número grande dessas instituições tem a população mais pobre como a diretamente atendida. A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NO CONTEXTO EDUCACIONAL A atuação do psicólogo na escola e no contexto educacional é vista basicamente como a atuação de um educador. Ele participa do processo educacional como um todo, colaborando com aquilo que especificamente faz parte da área de conhecimento da Psicologia, conhecimento este necessário para que se compreenda e interfira no processo 29 educacional. Isto é, o psicólogo é mais um dos profissionais envolvidos no processo de ensino-aprendizagem e, como tal, colabora para que esse processo possa atingir sua plenitude. Nessa medida, os conhecimentos da Psicologia sobre o desenvolvimento humano, sobre os processos de aprendizagem e sobre as relações humanas, são colocados em prática para garantir, junto com outros conhecimentos de outros profissionais, que a aprendizagem ocorra da melhor forma possível. O psicólogo educador, em vista disso, trabalha sempre em equipes multiprofissionais. Em resumo, o psicólogo que atua segundo esse modelo educador se envolve diretamente com o processo educacional e é figura importante no estabelecimento das condições necessárias para que haja a aprendizagem. Em termos das atividades que esse psicólogo apresenta, deve-se notar que na maior parte delas a postura de educador descrita acima está evidente e elas representam a aplicação do conhecimento psicológico para aumentar a chance da aprendizagem ocorrer. Se, por alguma razão, o psicólogo se depara com algum aluno que necessite de atendimento clínico, em grande parte das vezes ele mesmo não faz esse atendimento, mas encaminha o aluno a um psicólogo clínico especializado ou outra instituição. Entre as atividades principais do psicólogo que trabalha no contexto educacional, pode-se citar: (a) planejamento curricular: trabalho realizado geralmente em equipe com outros educadores (pedagogos, professores e especialistas nas áreas acadêmicas específicas). Nessa atividade ele participa do estabelecimento dos objetivos educacionais, das estratégias de ensino e de avaliação, além da análise e elaboração do material didático. (b) treinamento de professores: aqui o psicólogo orienta o professor, seja naquilo que se relaciona a aspectos do desenvolvimento psicológico (intelectual, afetivo, social etc.) dos alunos, seja naquilo que se relaciona aos processos de aprendizagem conhecidos pela Psicologia. Por exemplo, em um treinamento de professores o psicólogo pode oferecer informações básicas sobre aspectos do desenvolvimento envolvidos na educação, ou orientar o professor para que crie situações mais adequadas de aprendizagem, alterando, por exemplo, o material didático etc. Outras atividades merecem ser mencionadas: (c) contato com a família: o psicólogo pode servir de elo entre a escola e a casa/família do aluno, garantindo assim que as condições de ensino planejadas pela escola possam ter continuidade e apoio no seu ambiente doméstico. 30 (d) orientação de alunos: atividade geralmente realizada através de pequenos cursos ou palestras, visando informar os alunos a respeito de vários assuntos, de modo a favorecer opções de vida mais adequadas. Os assuntos mais frequentes são relacionados à escolha profissional/vocacional, ao sexo, às drogas, ao desenvolvimento da cidadania etc. (e) organização do espaço educacional: distribuição de alunos por salas, planejamento e racionalização do espaço etc. Pode-se observar, analisando essas atividades, que atuação do psicólogo educador tem um caráter eminentemente preventivo, isto é, todas elas representam uma tentativa do psicólogo e dos outros educadores de maximizar a probabilidade de que haja aprendizagem e os objetivos educacionais sejam atingidos. O caráter preventivo semanifesta exatamente aí: se a escola atingir seus objetivos educacionais, a aprendizagem ocorrerá sem problemas e a necessidade de remediação será diminuída. Por exemplo, na medida em que um currículo estiver bem planejado, que o professor estiver bem preparado para o contato com os alunos, planejando e implementando adequadamente as condições de ensino, maior será a chance de o aluno aprender. A atuação é preventiva porque não se espera o problema ocorrer para depois tratá-lo: a atuação dos educadores ocorre antes, evitando assim que os problemas ocorram. Note, também, que o foco de interesse principal do conhecimento que o psicólogo está aplicando está na coletividade dos alunos da escola e não neste ou naquele aluno individual. Tudo o que o educador faz se reflete naquela comunidade de alunos. Além disso, esse reflexo é facilitado, na medida em que o psicólogo educador trabalha com os determinantes externos do comportamento dos alunos, determinantes estes aos quais toda a coletividade está exposta. Determinantes do tipo ambiente físico, currículo, professor, material didático etc. estão presentes e afetando a todo o grupo de alunos e a atuação bem sucedida do psicólogo junto a esses determinantes traz como consequência um efeito cuja abrangência é bastante ampla, atingindo a maior parte daquela coletividade de alunos. Apesar da descrição acima enfatizar uma atuação do psicólogo bastante diferente do modelo clínico tradicional, em algumas escolas esse modelo ainda prevalece. Em outras, ainda, há a presença dos dois modelos de atuação (o educacional e o clínico). 31 Quando aplicado no contexto da escola, o modelo clínico pode implicar a presença das seguintes atividades: (a) psicodiagnósticos, por ex., entrevistando alunos e suas famílias; testando habilidades e desempenhos acadêmicos; aplicando testes de personalidade etc., (b) aplicação de técnicas e métodos de tratamento psicoterapêuticos eventualmente (quando tem condições e seu contrato com a escola permite) ou, (c) encaminhamentos a outros profissionais para tratamento. Deve-se observar que, em geral, o psicólogo que adota esta forma de atuação clínica na escola tem atividades cujo caráter é basicamente remediativo. Isto é, ele é chamado a atuar quando os outros educadores, ou ele mesmo, encontram o que se convencionou chamar de “aluno-problema”, aluno este que é encaminhado ao psicólogo da escola para que seu problema seja resolvido, de alguma forma. Isto é, o psicólogo aqui é visto como o profissional que vai lidar com os problemas depois que eles surgem, de forma a minimizá-los. Daí a referência à sua atuação como tendo caráter remediativo. Em termos da postura do psicólogo frente ao processo educacional pode-se dizer que seu envolvimento com esse processo raramente é direto. O foco de interesse principal do conhecimento que o psicólogo utiliza está basicamente centrado no indivíduo (no aluno-problema) e nos determinantes internos de seu comportamento (suas necessidades, angústias etc.) e não nos determinantes externos (que, no caso, seriam todas as inúmeras condições presentes no ambiente educacional imediato e remoto). Essa postura é representada muitas vezes pelo fato do psicólogo ter uma sala na escola e seu trabalho ser desenvolvido basicamente nesse local, sem que ele necessariamente tome contato com o ambiente educacional mais amplo, em todos os sentidos, desde o ambiente físico, até o que acontece nas salas de aula. Em resumo, o envolvimento do psicólogo que adota essa postura clínico-remediativa na escola, com o processo educacional como um todo, é bastante pequeno. Os psicólogos educacionais têm diferentes tipos de vínculos com as instituições: alguns são contratados em período integral, outros trabalham em variados períodos parciais, outros não são assalariados da escola, mas são contratados como autônomos, prestando assessoria e serviços às escolas, quando solicitados. Observa-se também que muitos têm, além do trabalho nas escolas, atuação em consultório particular próprio ou em outros contextos, como o organizacional e institucional. 32 Muito se pode discutir a respeito da atuação do psicólogo que trabalha nas escolas. Por exemplo, frequentemente se discute o fato de que a atuação dos psicólogos se restringe às escolas particulares, sendo que sua presença no sistema de ensino oficial é incipiente ou inexistente, trazendo com isso sérias implicações para a função social do psicólogo. Isto é, no conjunto das escolas brasileiras observa-se número pequeno de psicólogos contratados, mesmo quando estas escolas se restringem às particulares. Nas últimas décadas os psicólogos que se formam têm, em sua maioria, preferido atuar em outros contextos de atuação. Além disso, o sistema público de ensino não tem historicamente considerado importante a presença do profissional de psicologia nas escolas e o resultado disso é uma abrangência pequena da nossa função social. A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NO CONTEXTO ORGANIZACIONAL E DO TRABALHO Pode-se dizer que um dos objetivos do psicólogo, no contexto das Organizações e do Trabalho (daí a denominação “psicólogo organizacional” ou “psicólogo do trabalho”) é o de fornecer à Organização os recursos humanos que ela necessita e ali mantê-los. A humanização das relações de trabalho deve ser um princípio que orienta esse objetivo. Como exemplos de algumas atividades tradicionais do psicólogo dentro das organizações, podemos mencionar: Recrutamento: o psicólogo, como o nome da atividade sugere, recruta candidatos a ocuparem determinadas vagas na empresa. Este recrutamento pode ser feito dentro da própria organização (recrutamento interno) como, também, fora dela (recrutamento externo, por exemplo, através de anúncios em jornal). O psicólogo é um profissional importante nessa atividade na medida em que conhece o “perfil” (habilidades, conhecimento e características de personalidade) do funcionário ideal para ocupar uma vaga. Ele “recruta” este funcionário, especificando e descrevendo (através, por exemplo, de um cartaz no quadro de aviso da empresa, ou em anúncio em algum tipo de mídia), quais os atributos que ele deve ter para se candidatar ao cargo. O recrutamento não deve ser confundido com a Seleção de Pessoal, que será descrita abaixo. O recrutamento do candidato a uma vaga antecede a etapa de identificar e selecionar um candidato apropriado para o exercício de uma função. As atividades das duas etapas são bastante distintas. Seleção de pessoal: o objetivo desta atividade é encontrar o candidato a uma vaga que mais se aproxime do perfil necessário para ocupá-la. São várias as atividades e os 33 instrumentos utilizados para esta seleção. Os mais comuns são a análise de currículos, a entrevista, a aplicação de testes (por ex., de personalidade, de habilidades), a observação do desempenho do candidato em grupo (a "dinâmica de grupo"), observação de desempenho do candidato em uma situação simulada ou real etc. Treinamento: na medida em que um dos conhecimentos da Psicologia se refere ao processo de aprendizagem dos indivíduos, o psicólogo é chamado a desenvolver e implementar (por em prática) programas de treinamento entre os funcionários de forma a melhorar seus desempenhos. Este desempenho tanto pode estar relacionado a habilidades específicas ou técnicas necessárias para a função, quanto pode estar relacionado a habilidades "psicológicas", isto é, aquelas que envolvem a relação pessoal entre indivíduos e suas características pessoais. Assim, o funcionário pode ser encaminhado ao treinamento com o objetivode torná-lo mais hábil para determinado desempenho ou para garantir as melhores condições possíveis de relacionamento entre os funcionários (atuação, no caso, preventiva), quanto o psicólogo pode ser chamado a planejar e aplicar um treinamento na tentativa de resolver algum problema relacionado ao desempenho de habilidades técnicas ou psicológicas (atuação, no caso, remediativa). Tem-se observado, mais recentemente, que o psicólogo organizacional vem desempenhando atividades novas e entre elas podemos citar a ergonomia (estuda e implementa a melhor adequação dos equipamentos à estrutura anatômica, fisiológica e psicológica do Homem) e a assessoria no planejamento de grandes instituições. Nos últimos anos, especialmente, tem-se observado uma tendência entre as empresas em terceirizar os serviços do psicólogo, sendo que nesse caso ele não é um assalariado da Organização, mas é chamado a assessorá-la, quando necessário. Podemos dizer, portanto, que o caráter das atividades do psicólogo organizacional é basicamente, mas não exclusivamente, preventivo, na medida em que seu objetivo básico é abordar os processos organizacionais, melhorando-os e ampliando-os, visando o desenvolvimento dos indivíduos e das Organizações. Isso não significa que em determinadas situações o psicólogo não seja chamado a atuar para resolver problemas, tendo, aí, uma atuação remediativa. A Psicologia Organizacional, ao tentar compreender o comportamento do indivíduo na Organização, estuda o contexto social, político e econômico, as relações interpessoais, os cenários em que o funcionário está inserido na Organização e os determinantes internos do indivíduo (sua personalidade, expectativas, desejos etc.). 34 Neste sentido, o psicólogo atua não somente tendo como foco de interesse o indivíduo ou o grupo/coletividade de pessoas, mas ambos, sintonizando-os num contexto mais abrangente de Organização e Sociedade. A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NO CONTEXTO DA PESQUISA Como você estudou no Texto 2, fazer pesquisa é produzir conhecimento novo ou confirmar, ampliar e aprofundar conhecimento já produzido anteriormente. Esta atividade não se restringe a um único contexto no qual o psicólogo atua, mas pode, virtualmente, ser realizada em qualquer dos contextos anteriormente citados (pesquisa em saúde, clínica, educacional, institucional etc.). Atualmente, as universidades (especialmente as públicas) constituem um contexto em que a pesquisa se desenvolve cotidianamente, seja através de seus professores, seja através dos seus alunos, especialmente os de pós-graduação. Entretanto, psicólogos que não são professores e não estão vinculados a uma universidade, podem também ser pesquisadores, nos seus respectivos contextos de atuação. Produzir conhecimento, isto é, fazer pesquisa, implica um conjunto de atividades específicas, voltadas para a busca de respostas para questões que envolvem os mais variados aspectos da psicologia humana e animal. Em geral, a pesquisa começa com a especificação de um problema, de uma pergunta cuja resposta não se conhece, que a pesquisa deverá responder. Especificam-se os sujeitos a serem pesquisados e os métodos a serem utilizados na coleta de informações (ver atividades de coleta e avaliação sistemáticas de informações descritas no Texto 2). Os dados, depois de coletados, são analisados, interpretados e discutidos, de forma que a pergunta original que gerou a pesquisa possa ser respondida. Em seguida, a pesquisa é relatada e divulgada através de meios como jornais e periódicos de comunicação científica ("revistas" de Psicologia), Congressos, Simpósios e Seminários. Esta atividade de divulgação é essencial, já que garante que o conhecimento produzido possa ser compartilhado com outros profissionais e possa ser submetido à crítica e avaliação de outros psicólogos e ser utilizado pelos pro- fissionais. Não existe uma única forma de se fazer pesquisa, como o homem comum costuma imaginar, quando vem à sua mente alguém trancado em um laboratório, fazendo experiências, utilizando aparelhos sofisticados e utilizando cálculos matemáticos complexos. Esta imagem se aproxima da forma mais conhecida de pesquisa, que é aquela 35 realizada pelos estudiosos das Ciências Naturais, como a física, a química, a biologia etc. Em Psicologia, esse modelo está presente desde sua fundação, e tem produzido conhecimento bastante significativo, mas outros modelos também foram se desenvolvendo, partindo de outras concepções sobre o mundo, sobre o Homem e sobre o próprio conhecimento. Fala-se em modelo das Ciências Humanas para se referir aos parâmetros que orientam essa outra forma de pesquisar, igualmente importante e que também tem produzido conhecimento psicológico relevante. Nesse modelo, via de regra, não se busca quantificar os fenômenos psicológicos (o que significa que nem sempre uma pesquisa se faz com base em números), nem se utilizam experimentos para comprovar seus resultados. Entretanto, os dois modelos têm em comum a utilização da razão, do pensamento crítico e da lógica como instrumentos fundamentais na produção do conhecimento. Ao longo do seu curso, você terá oportunidade de conhecer esses diferentes modelos de pesquisa da Psicologia. As condições para a realização de pesquisas nem sempre são as ideais, na medida em que as verbas necessárias nem sempre estão facilmente disponíveis. Há órgãos oficiais que subsidiam as pesquisas, como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), o Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) etc. Não é muito comum, no Brasil, empresas privadas patrocinarem pesquisas de Psicologia. E importante que se reflita sobre a abrangência social do trabalho do pesquisador. Se considerarmos que o conhecimento produzido pelo pesquisador fica disponível para que todos os outros profissionais o utilizem, potencialmente a abrangência do pesquisador é bastante grande e muitos indivíduos poderão ser beneficiados. Ao mesmo tempo, esse potencial será reduzido se a divulgação dos resultados das pesquisas se restringir a poucos profissionais, ou apenas a aquele que a desenvolveu. Por outro lado, isto também implica a necessidade dos profissionais buscarem acesso ao conhecimento e às informações produzidas pela pesquisa, através de estudo, leitura, comparecimento a congressos etc. Referência Bibliográfica: CAMPOS, T. C. P. Psicologia Hospitalar. São Paulo: E.P.U., 1995. 36 ATIVIDADES PARA ESTUDO E REFLEXÃO SOBRE O TEXTO 3 Sobre o contexto da Saúde: Psicologia Clínica: 1. Descreva algumas características da forma típica de atuação do psicólogo clínico ("modelo clínico de atuação"). 2. Reflita sobre a seguinte afirmação: "a atuação do psicólogo clínico não se restringe ao consultório particular". 3. Como você entendeu a afirmação do texto de que o modelo clínico tradicional de atuação não se mostrou apropriado para ser aplicado nos contextos de atuação mais recentes, especialmente na Saúde Pública? 4. Que características deveria ter a atuação do psicólogo nesses novos contextos, de acordo com os críticos do modelo clínico tradicional? 5. Quais são as principais atividades do psicólogo clínico? 6. Quais são as críticas feitas ao modelo de atuação do psicólogo clínico restrita ao consultório particular? Psicologia Hospitalar: 7. Como você entende a afirmação de que o papel do psicólogo no hospital é contribuir para a humanização da instituição hospitalar? 8. Reflita sobre
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