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Gabriel Marcel

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A vida de Marcel
Gabriel Marcel (1889-1973) é filho de judeus, nasceu em Paris. Sua educação ficou a cargo da irmã de sua mãe com a qual seu pai veio a casar-se. Gabriel Marcel aceitou o protestantismo na forma mais liberal. Seu pai fora educado na religião Católica, abandonando-a bem cedo. Assim, Marcel, mais tarde reconhece que a ambos era comum a certo agnosticismo religioso.
A morte prematura da mãe determinou seu futuro e sua filosofia. Esta morte e o ulterior encontro com a morte multiforme, na primeira grande guerra, levaram-no a experiência do transcendente. O dualismo entre sua mãe falecida e a educadora madrasta influenciou seu pensamento, sobretudo a polaridade entre o visível e o invisível.
O desejo de um parceiro, pois era filho único, expressou cedo nos diálogos criados. Aqui brotou um segundo tema de sua filosofia: a intersubjetividade na relação eu-tu. A avaliação do homem por notas o fez lutar, desde cedo contra a abstração e o impessoal. Com 18 anos de idade, conclui o curso, com uma monografia sobre as idéias metafísicas de Coleridge em suas relações com a filosofia de Schelling.
No período de 1914-1918 Marcel trabalhou no serviço de informação da Cruz vermelha. Aí viveu a guerra na perspectiva de clarear destinos. Experimentou, de certa maneira, fenômenos metapsiquicos.
Em 1919, casou-se com Jacqueline Boegner. Seu casamento foi realizado na igreja protestante. Sua mulher converteu-se ao catolicismo em 1914, morrendo em 1947. Gabriel Marcel converteu-se ao catolicismo em 1929. Depois de descobrir a existência do meta-problemático, o mistério, converteu-se ao catolicismo.
Como Jean-Paul Sartre, Gabriel Marcel, também se dedicou ao teatro. Desde criança, gostava do teatro como modo predileto de comunicação. Assim sua atividade essencial era dedicada à crítica literária, ao teatro e a pesquisa filosófica. Sempre coloca em evidências a significação humana. Marcel é mais conhecido por sua obra filosófica. Muitos jovens cristãos procuram nele um contrapeso ao existencialismo ateu de Sartre. Numa de suas viagens em 1951, passou por Porto Alegre, pronunciando naquela oportunidade uma conferência na PUC-RS.
	
Situação histórico e filosófica 
Nos seus trabalhos filosóficos, Marcel refere-se muitas vezes aos dramas que estão no início da evolução espiritual. Aí, os personagens criados por ele o arrastam para fora do idealismo. Ele procura elucidar os conflitos que existem concretamente na vida. Em toda a sua atividade literária evidencia a significação humana e o valor espiritual.
Não é fácil determinar o lugar de sua filosofia. A ontologia clássica e medieval pensava o ser como ordem ou como essência. O idealismo alemão o pensava como infinito. A filosofia da existência de Gabriel Marcel situa historicidade e finitude no próprio ser. Formula a questão do ser numa situação histórica concreta de nosso século. As filosofias da existência não querem a rigor ser irracionais, mas criticam a redução ao racionalismo abstrato e impessoal. Não se contentam com o cogito cartesiano, procuram o sum.
A situação histórica concreta, para Marcel, era a catástrofe generalizada na Europa, depois da primeira guerra mundial. A cultura e os valores tradicionais entraram numa crise radical. O homem europeu tomou consciência de que ainda não se tornara senhor do mundo construído pela ciência e pela técnica, pela economia e pela política. O mundo técnico está construído sobre a matemática. Neste, o homem não se defronta diretamente com os prestígios de Deus, mas com as marcas próprias do homem. 
Gabriel Marcel crítica o idealismo ensinado nas universalidades. Diz que, Hegel e Schelling encontram um sentido apurado para o concreto e para o drama humano. Marcel pertence a uma corrente filosófica caracterizada como existencialismo cristão. Nesta o precederam, do ponto de vista religioso, M. de Biram (1766 – 1824), M. Blondel (1861 – 1949) e H. Bergson (1859 – 1941). O ponto de partida de Marcel alarga o horizonte de Kierkergaard. A filosofia concreta, segundo Marcel, leva-nos a descobrir que somos seres existentes encarnados, participantes no ser. Enquanto nos descobrimos a nós mesmos, descobrimos também nossa participação no ser divino. A experiência de Deus surge no homem de uma procura originária do absoluto.
A fenomenologia da esperança
Gabriel Marcel tem sua concepção de ser em oposição à redução do ter. O ser humano despersonalizado pelo apego às coisas materiais entrou em um processo de crise existencial e de valores. A existência humana, marcada pela contingência e pela fragilidade, e ainda pelo apego material, ficou encurralada em uma situação de desespero e de falta de sentido. Gabriel Marcel aponta a esperança como resposta e saída desta situação limite. Para abordar este valor fundamental da vida humana, ele parte da definição de desespero. Desesperar-se nada mais é do que, diante de desgraça, antecipar a própria destruição. É uma autofagia espiritual, ou ainda, uma situação comparável a um cativeiro. É ter a concepção de que o futuro está fechado e vazio.
[...] me considero cautivo si me encuentro no sólo arrojado, sino comprometido, por una coacción exterior, com um modo de existencia que se me impone y conlleva restricciones de todo tipo repecto mi proprio actuar.�
 
A esperança é o extremo oposto desta situação. É o tomar consciência da própria vida, e assumí-la de maneira responsável e determinada. É o “Afrontament” da realidade, ou seja, o comprometer-se com a própria história e abraçar as situações como suas.
A base da esperança é a consciência de uma situação que nos convida a desesperar (a doença, a perdição, etc.) Esperar significa dar credito à realidade, significa afirmar que nela há algo que triunfará sobre o perigo.�
A esperança se orienta para além do espaço-temporal funda-se no infinito futuro. Ela é no ser um princípio misterioso que transcende o empírico, não é alcançável pelo conhecimento objetivo, mas é uma lei ontológica que leva consigo a garantia de sua legitimidade. Tem um caráter profético, pois dá crédito à realidade mesmo que as circunstâncias afirmem o contrário.
[...] mientras que la esperanza se presenta como captada a través del tiempo; todo ocurre como si el tiempo, en lugar de encerrase em la consciencia , dejara pasar algo a través de él-. Desde este punto de vista es desde donde antes pude destacar el carácter profético dela esperanza.�
A esperança não se confunde com o desejo, pois este refere-se a coisas que não dependem de nós. Está mais na esfera do ter e não envolve participação. Quando afirmo: espero que José chegue amanhã, ou que Ana seja curada, não se trata de esperança mas de desejo. Não podemos confundi-la também com otimismo, pois este se apóia sobre si mesmo e deposita uma confiança absoluta em si. É característica de um observador, não de um participante. Otimismo e pessimismo são fortemente análogos. 
[...] tambien observo que las razones para esperar aquí son totalmente exteriores a mí mismo, exteriores a mi ser, muy lejos de estar arraigadas en el fundo de lo que soy. En el fundo se trata simplesmente de un cálculo de las oportunidades que pongo delante de mí, de la solución de um pequeño problema práctico de probalidades.� 
A esperança não se assemelha também com aceitação, em um sentido estóico de ataraxia, pois esta não passa de uma exaltação do próprio ego. Podemos relacionar a esperança com a liberdade, pois, para Marcel, a pessoa mais livre é a que mais espera. 
El creyente es aquél que no se enfrentará com ningún obstáculo insuperable por este camino de transcendência. Digamos también, para precisar el sentido de la palabra obstáculo, que em la medida en que pongan condiciones a mi esperanza, yo mismo estabelezco un limite al proceso por el qual puedo triunfar sobre todas las decepciones sucessivas.�
Esta liberdade é alcançada por aquele que realmente é capaz de assumir a própria história e doar-se, como foi especificadoanteriormente. Com isso podemos dizer também que o homem mais livre é o homem mais fraterno. Assim, entendemos que esperança, amor e liberdade estão nas raízes do próprio ser e que é por estas raízes que nos reconhecemos como pessoas e não meros indivíduos. O outro se torna, desta forma uma fonte vital para o nosso próprio ser. 
A esperança aproxima-se também da idéia de fidelidade e fé. A fidelidade, assim como a esperança, nos faz transcender o tempo e nos dá acesso ao ser. Ela só tem sentido se a considerarmos como capacidade de transcender as nossas disposições momentâneas, e a nossa natural inconstância. É legítimo considerar a esperança como uma virtude, pois vivê-la é obter de si mesmo o ser fiel nas horas de escuridão.
[...] es que cualquier virtude es uma forma de especificación de uma cierta fuerza interior, y vivir em esperanza es obtener de sí mismo el ser fiel en las oras de oscuridad a lo que quizá en su origen sólo fue una inspiración, uma exaltación, um encanto.�
 
 Quanto à fé, dizemos que o crer envolve aquilo que somos. Crer é orientar-se para uma realidade pessoal, ou supra-pessoal que é invocada e que ao mesmo tempo pode ser colocada acima de todos os juízos referentes às realidades objetivas.
Así se carcteriza lo que podemos llamar la marca ontológica de la esperanza: esperanza absoluta, inseparablel de una fe también absoluta y que transciende todo condicionamiento, y por lo mismo toda repreentación, sea la que sea.�
A transcendência da fé tem o seu ápice em Deus. Entretanto, a fé a esperança e a fidelidade podem ser ameaçadas pelo desespero e pela traição. 
Esperança, encarnação, amor e mistério 
Todo ser humano é corpóreo, se situado no tempo e no espaço, o existir se relaciona ao encarnado, que é o meu modo de ser no mundo; pela encarnação se evita, por um lado, a fuga do mundo, e de outro a redução materialista ou espiritualista. A união eu-corpo é tão íntima e misteriosa que transcende a dialética sujeito-objeto pelo eu encarnado.
Gabriel Marcel baseia sua tese de que todo ser autêntico só é dado ao homem como mistério, e esse mistério não pode ser dissolvido racionalmente, deve-se, no entanto, reconhecê-lo e aceitá-lo como ele se nos revela, na esperança e no engajamento.
O reconhecimento do mistério se dá através da reflexão segunda, uma espécie de recomposição interior, uma ação de restauração interna que parece tomar o sempre o aspecto da libertação ou abandono. O mistério não é sinônimo de desconhecido, mas essencialmente um ato positivo do espírito, nisso o eu está presente ao outro, ou o outro está para mim.
Há uma coincidência entre esperança e amor, a plenitude da esperança só se dá onde existe um intercambio espiritual, onde há a participação do amor, como afirma Marcel: “No se puede abrir el processo de la esperanza sin establecer al mismo tiempo el de amor”�. Não se separa os dois, está na ordem da fraternidade do nós, e não do eu. Ser sem amor é ser sem esperança, amar alguém significa participar de sua vida. O amor surge como invocação, refutando a solidão. O amor é criador da personalidade do tu e do eu, porque cria o nós. O amor é a expressão do infinito, está intimamente ligado ao sair de si, é a vida que renuncia ao centro do eu, pois há possibilidade do apelo e resposta à intersubjetividade.
Esperança, relação eu-tu e Tu Absoluto
A relação eu-tu é fundamentalmente encontro, no qual se afirmam presenças livres. Um tu é alguém que está presente, que responde ao meu apelo, é nesse intercambio que nasce o encontro num âmbito de liberdade e espontaneidade. O Outro se me revela e toda revelação é um dom, tanto a revelação externa, mas especialmente a interna. Essa relação abre possibilidade para a dialética do amor, na qual, quanto mais se ama a pessoa, mais se participa de sua vida.
O que caracteriza a relação amorosa de dois, é que um sujeito não procura dispor do outro, nem utilizá-lo, nem servir-se dele, nem de buscar suas qualidades e imperfeições. Ele não pertence ao ter, mas ao ser, e a esperança também está ligada a esse ser.
O Tu Absoluto, é aquele que revela minha esperança Absoluta como o fundamento último que torna autenticamente reais as paradoxais realidades do mundo do tu e do eu. O Tu Absoluto, ao qual Marcel se refere como Deus, o inverificável absoluto, está aquém do mero dado científico. Deus pode ser experimentado, mas não pensado. Acolho-o pela fé, e é por isso que a melhor forma de pensar a Deus é pela oração e pela invocação. Deus não pode ser pensado, pois é transcendente a todo juízo.O homem, mediante a reflexão segunda, se descobre como uma exigência de transcendência, e “a transcendência é a estrutura constitutiva da consciência”.�
Como está aberto a uma realidade que o transcende, o ser humano está ligado ao mundo da existência, aos outros pela intersubjetividade e “re-ligado” a Deus como fundamento último do Ser. Deus está no mais profundo do humano. Quanto a nós, se revela o Tu Absoluto que permanece ao mesmo tempo impenetrável e por isso é também um grande mistério. Deus pode ser acolhido na fé, no amor e na esperança. 
De uma forma conclusiva, Marcel, faz uma tentativa de definir a esperança:
[...] la esperanza es esencialmente, se podría decir, la disponibilidad de un alma tan profundamente comprometida en una experiencia de comunión como para llevar a cabo el acto que transciende la oposición entre el querer e el conocer, mediante el qual ela afirma la perennidade viviente de la qual esta experiência le ofrece, a la vez , la prenda y las primícias.� 
Sendo assim, a esperança influi decisivamente nos diferentes aspectos da existência concreta, basta perceber o ser humano, e suas manifestações mais diversas relacionadas à esperança.
REFERÊNCIAS
ADURIZ, Joaquim. El existencialismo de la esperanza. México: Esposa-Calpe mexicana, 1949.
CARMONA, Feliciano Blasquez. La filosfía de Gabriel Marcel – de La dialéctica a la invocación. Madrid: Ediciones encuentro,1988.
MARCEL, Gabriel. Homo viator. Salamanca: Ediciones sígueme, 2005. 
ZILLES, Urbano. Gabriel Marcel e o existencialismo. Porto Alegre: PUCRS, 1988.
FACULDADE SÃO LUIZ
CRISTINO ALVES OLIVEIRA
ITAIANAN BOZZA VIEIRA
JONAS RAFAEL LUDWIG
A ESPERANÇA SEGUNDO GABRIEL MARCEL
BRUSQUE
2010
� Considero-me cativo se me encontro não só preso, senão comprometido com uma coação exterior, com um modo de existência que me impõe e leva a restrições de todo tipo a respeito de meu próprio atuar. [tradução nossa]. MARCEL, Gabriel. Homo viator. Salamanca: Ediciones sígueme, 2005, p.42.
� ZILLES, Urbano. Gabriel Marcel e o existencialismo. Porto Alegre: PUCRS, 1988 p.103.
� Contudo a esperança aparece como captada através do tempo; tudo ocorre como se o tempo, em vez de fechar a consciência, deixa passar algo através dele-. Desde este ponto de vista é que antes pude destacar o caráter profético da esperança. [tradução nossa]. Cf. MARCEL, 2005, p.65.
� Também observo que as razões para esperar aqui são totalmente exteriores a mim mesmo, exteriores ao meu ser, muito longe de estarem arraigadas no fundo do que sou. No fundo se trata simplesmente de um cálculo de oportunidades que coloco diante de mim, da solução de um pequeno problema prático de probabilidades. Ibid., p.41.
� O crente é aquele que não enfrentará nenhum obstáculo insuperável por este caminho de transcendência. Digamos também, para precisar o sentido da palavra obstáculo, que na medida em que coloco condições à minha esperança, eu mesmo estabeleço um limite ao processo pelo qual posso triunfar sobre todas as decepções sucessivas. [tradução nossa]. Ibid., p.58.
� É que qualquer virtude é uma forma de especificação de uma força interior, e viver em esperança é obter de si mesmo o ser fiel nas horas de escuridão ao que talvez em sua origem só foi uma inspiração uma exaltação, um encanto. [tradução nossa].Ibid., p.74.
� Assim se caracteriza o que podemos chamar de marca ontológica da esperança: esperança absoluta, inseparável de uma fé também absoluta e que transcende todo condicionamento e por isso mesmo toda condicionalização,seja qual seja. Ibid., p.58.
� Não se pode abrir o processo da esperança sem abrir o do amor. [tradução nossa]. Cf. ADURIZ, Joaquim. El existencialismo de la esperanza. México: Esposa-Calpe mexicana, 1949. p.70.
� MARCEL, Apud CARMONA, Feliciano Blasquez. La filosfía de Gabriel Marcel – de La dialéctica a la invocación. Madrid: Ediciones Encuentro,1988, p.197.
� A esperança é essencialmente, se poderia dizer, a disponibilidade de uma alma tão profundamente comprometida em uma experiência de comunhão que para levar a cabo o ato que transcende a oposição entre o querer e o conhecer, mediante a qual ela afirma a perenidade vivente da qual esta experiência lhe oferece, a sua vez a oferta e as primícias. Cf. MARCEL, 2005, p.79.

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